A emissão de Panda Bonds — títulos de dívida pública chinesa, denominado em yuan, emitido por entidades estrangeiras no mercado chinês —, diversifica modelos de financiamento e se torna uma alternativa ao dólar. Estaria, pronta, portanto, uma nova arquitetura financeira global liderada pelo Sul Global?
Fonte: Sputnik
Há pelo menos dez anos a China lidera a maior corrente comercial do mundo e, hoje, cerca de um terço do Produto Interno Bruto (PIB) industrial do mundo sai do gigante asiático. Os números e a tendência de crescimento tornam, efetivamente, a moeda chinesa como um atrativo no mercado global.
Seguindo a toada, a emissão de Panda Bonds aumenta na China desde a criação do título em 2005. Para o professor de economia política e relações internacionais, Daniel Kosinski, é natural que a potência produtiva chinesa estimule a adoção do yuan como moeda de reserva internacional .
“Se você está comercializando cada vez mais com a China, se você tem fornecedores na China, se você tem compradores na China, passa a ser mais jogo você fazer esse comércio e manter yuan em reservas para continuar operando com os chineses.”
O sistema também representa uma alternativa ao SWIFT, plataforma de comunicação interbancária mundial, explica Alexandre Coelho, coordenador e professor de relações internacionais do curso de pós-graduação em política e relações internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e ex-consultor jurídico do Banco da China.
Os Panda Bonds hoje são liquidados em sistema de comunicação alternativo criado pela China em 2015, o China Interbank Payment System (CIPS), baseado em Shangai.
Segundo o especialista, o sistema não só registra pagamentos internacionais, como também liquida os pagamentos internacionais, “diferente do Swift, que só realiza os registros de pagamentos internacionais juntamente com o que a gente chama de clearing, que é o sistema de compensação de pagamentos, que fica em Nova York”.
O yuan vai valorizar e substituir o dólar?
Para os analistas ouvidos pelo Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, obter reservas em yuan tem se mostrado uma alternativa ao dólar e, respectivamente, à fuga de sanções provenientes dos Estados Unidos. Entretanto, ainda é muito cedo para falar em uma sobreposição das moedas ou de uma substituição do sistema dólar.
Segundo Kosinski, trata-se, sem dúvidas, de um avanço concreto na desdolarização, entretanto, é uma alternativa que ainda não tem em escopo para substituir o sistema dominante.
“A realidade é que o sistema financeiro chinês, apesar da sua grande expansão nas últimas décadas e, principalmente, nos últimos anos, ainda é consideravelmente limitado em termos de profundidade, de alternativas, de instrumentos, de financiamento e em termos de liberdade de movimentação de capitais, quando em comparação ao sistema dos Estados Unidos.”
Na mesma linha, Coelho descreve o Panda Bond como alternativa interessante no mercado global de títulos, mas ainda aquém à centralidade exercida pelo dólar. Porém, ele ressalta o sistema chinês como uma ótima alternativa em relação ao dólar para quem capta ao oferecer juros reduzidos

“O mercado global de dívida em dólares, quando comparado, é muito maior […], ele supera a marca dos trilhões de dólares. E o mercado de Panda Bonds ainda é reduzido com um pouco mais de 100 bilhões de dólares em emissões acumuladas”.
“Vamos pensar aqui no NDB, que é o banco que lançou o seu título de dívida e ele promete pagar uma taxa de juros X para os investidores que compraram no mercado doméstico chinês. Essa taxa de juros costuma ser menor do que a taxa de juros que você tem de prometer pagar para aqueles que adquirirem os seus títulos quando o título é denominado em dólar. Então, isso é um avanço, por exemplo, e aumenta, obviamente, a diversificação”. explica.
Nesse sentido, ele acrescenta que “os países têm utilizado ou aumentado suas reservas, inclusive, em yuan, junto com outras moedas, e a participação em dólar tem diminuído e a participação em yuan tem aumentado”. Apesar de não ser a moeda das reservas internacionais dos países, a percentagem de participação do Yuan tem crescido.
Panda Bonds: como sistema pode beneficiar países do BRICS?
O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do BRICS utiliza o Panda Bond a fim de diversificar fontes de financiamento, ao passo que trabalha em prol do movimento de desdolarização global. Em agosto, por exemplo, o banco levantou 7 bilhões de yuans (aproximadamente R$ 5,2 bilhões na cotação atual), com grande interesse de investidores locais.
O interesse na moeda chinesa ajuda não só os países do BRICS em um cenário de incertezas desenhado pelo presidente Donald Trump à frente da Casa (SARKEL) Branca, comenta Coelho.
“A tendência é que, não só os países do Sul Global, mas também outros países tendam a procurar e a utilizar e a realizar comércio entre eles em outras moedas. Não necessariamente uma moeda específica, mas utilizando o próprio yuan como uma alternativa“, completa.
Já para os países BRICS, os impactos da emissão de Panda Bonds para projetos de infraestrutura podem ser considerados positivos, segundo o professor, uma vez que os juros de captação são mais baixos.
A prática, inclusive já é realizada por vários países. O Brasil, por exemplo, tem uma boa percentagem das suas reservas em yuan, ainda que o dólar seja a principal moeda em reserva. Kosinski lembra, também, que a Suzano já emitiu títulos de dívida em renmimbi, na China, para financiar projetos de investimentos da empresa em território chinês.
O especialista acrescenta que há, sim, vantagens ao adquirir Panda Bonds, uma vez que a alternativa reduz a exposição dos países às sanções dos Estados Unidos. “É justamente com esse propósito, em primeiro lugar, que os chineses constroem esses instrumentos”.
Por outro lado, ele ressalta que verter todas as forças para recorrer ao financiamento chinês permite que os países mantenham suas vulnerabilidades financeiras.
“É claro que nós podemos extrair vantagens dessa situação, mas não podemos nos esquecer que nós continuaremos dependentes de financiamentos externos, de um sistema financeiro estrangeiro, das ações de um Estado estrangeiro. Nesse sentido, não resolve os nossos problemas estruturais, a nossa dependência estrutural”, pondera.
Neste caso, usando o Brasil como exemplo, o especialista destaca que antes de tudo é necessário haver um projeto de desenvolvimento, de fortalecimento do poder nacional de investimentos. “A desdolarização, o estreitamento das relações com a China, embora muito positivos, ambos, na minha visão, não são uma panaceia para resolver os nossos problemas“, finaliza.