Terras Raras mobilizam R$ 11,5 bi em 8 projetos que vão explorar 1/3 das reservas do Brasil até 2029

Oito projetos de mineração de Elementos de Terras Raras (ETRs) em curso no Brasil poderão desenvolver quase um terço da reserva potencial do país — considerada a segunda maior reserva de Terras Raras (ETRs) do mundo — de matérias-primas que estão entre as mais cobiçadas no mundo atualmente e que ganharam uma importância geopolítica sem precedentes com o avanço da indústria de tecnologia e a guerra comercial do presidente dos EUA, Donald Trump.

Fonte: Globo-G1

Insumos essenciais para indústrias de alta tecnologia viraram um dos pontos que podem facilitar as negociações entre Brasil e EUA por tarifaço

Segundo estimativa recente do Ibram, que reúne empresas brasileiras de mineração, os investimentos somam cerca de US$ 2,2 bilhões (R$ 11,5 bilhões) de 2025 a 2029, em 8 projetos.

Esses insumos — essenciais para indústrias de alta tecnologia, como as de semicondutores, carros elétricos, turbinas eólicas, painéis solares, drones e armamentos — viraram um dos pontos que podem facilitar as negociações entre Brasil e EUA em torno das tarifas de importação sobre produtos brasileiros pela maior economia do mundo.

O interesse americano nessas reservas em meio à queda de braço com a China, maior exportadora e dona da maior reserva global de ETRs, foi manifestado pela Embaixada dos EUA ao Ibram, e o presidente Lula já disse que o tema pode entrar nas conversas.

O Brasil tem interesse em atrair investimentos para explorar ETRs, cuja produção demanda uma cadeia de extração mineral e posterior beneficiamento industrial. Os oito projetos mais adiantados no país foram mapeados em um relatório do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), feito com o Ibram e instituições de pesquisa. Estão à frente deles empresas estrangeiras, principalmente pequenas mineradoras de capital aberto, conhecidas como “junior mineral companies”, de EUA, Austrália e Canadá.

Apenas um projeto já produz, o da Serra Verde Mineração, que fica no norte de Goiás e é controlado por duas empresas americanas (Denham Capital e EMG) e uma britânica (Vision Blue). Os outros ainda estão em diferentes estágios de pesquisa das reservas, mas a expectativa é que acelerem o ritmo agora.

Investimentos no setor em alta

O mapeamento do Ibram já mostra investimentos em alta entre 2024-2028, cuja previsão era de US$ 1,5 bilhão (R$ 7,9 bilhões). A China usou seu poder de monopólio para restringir as exportações de ETRs e ímãs de terras-raras para os EUA, em reação ao tarifaço de Trump, o que desencadeou uma corrida de americanos e europeus por conseguir outros fornecedores. Para acadêmicos, consultores e executivos, o Brasil se destaca nesta nova dinâmica pelo tamanho e pela qualidade das suas reservas.

São 21 milhões de toneladas totais de óxidos de terras-raras (TREO, em inglês), atrás só da China, conforme o Serviço Geológico dos EUA (USGS). Os projetos mais avançados, em Minas, Goiás, Bahia e Amazonas, somam 30% do total, com capacidade de produzir 6,3 milhões de toneladas de TREOs, estima o Cebri.

— Nenhum país sozinho vai conseguir dar conta desse desafio — diz Rafaela Guedes, senior fellow da entidade.

O Brasil tem ainda outros 12 projetos sendo analisados nessa área, a maioria ainda sem reservas estimadas. A Terra Brasil Minerals espera concluir nos próximos meses a venda de uma fatia minoritária de suas ações para investidores internacionais como forma de levantar US$ 1 bilhão (R$ 5,3 bilhões) para um projeto em Patos de Minas (MG) que combina ETRs com fosfato e potássio, usados na fabricação de fertilizantes, informou a Reuters.

Qualidade na argila

Em qualidade, o Brasil está numa posição única fora da Ásia: tem ETRs em depósitos de argila iônica. Reservas desse tipo, na província de Jiangxi, no centro-sul da China, foram o diferencial do país asiático para dominar o setor. Essa mesma característica atraiu para Minas a Viridis Mining & Minerals, junior mineral que atua em Brasil, Canadá e Austrália, onde tem capital aberto na Bolsa ASX.

A companhia planeja investir US$ 356 milhões (R$ 1,9 bilhão) em seu projeto de Poços de Caldas (MG), que deve começar a produzir em 2028 com tecnologia desenvolvida na China. De forma simplificada, a extração é feita com a lavagem da argila, com sulfato de amônia, no local.

— A argila iônica dentro do vulcão de Poços de Caldas (MG) é única, é a melhor reserva do mundo. No sul da China, a média de óxidos de terras-raras na argila é de 600 a 700 gramas por tonelada. Em Poços de Caldas, vamos iniciar a lavra com 4 quilos por tonelada [5,7 vezes mais por tonelada] — diz Klaus Petersen, diretor-executivo e country manager para o Brasil da Viridis.

Antonio de Castro, gerente de exploração da Brazilian Critical Minerals (BCM), outra mineradora de capital aberto na Bolsa australiana, diz que a transposição de tecnologia chinesa para o Brasil também dá viabilidade econômica ao seu projeto no sul do Amazonas, barateando o investimento necessário. A BCM prevê US$ 55 milhões (R$ 292 milhões), abaixo dos demais.

— Não é o momento de inventar e, sim, de copiar. Toda a Ásia faz (a lixiviação, uma espécie de lavagem) in situ (no local). Resolvemos fazer também — diz Castro, prevendo o início das operações para 2027. — Hoje, a BCM é a única empresa no Ocidente que está caminhando para produzir como os chineses e os asiáticos produzem (fora da China).

Outro exemplo é o da Aclara, mineradora canadense listada na Bolsa de Valores de Toronto (TSX) e controlada pelo empresário peruano Eduardo Hochschild, do Grupo Hochschild, e pela CAP S.A., conglomerado chileno que atua em mineração, siderurgia e infraestrutura. A empresa investirá US$ 680 milhões (R$ 3,6 bilhões) no norte de Goiás, para começar a produzir em 2028.

Apesar do entusiasmo, não faltam obstáculos para o desenvolvimento do setor no Brasil. Baixa competitividade industrial, restrições de financiamento e ausência de um marco regulatório claro, que priorize licenças ambientais, são alguns citados por executivos. Queixam-se do “Custo Brasil” num setor muito sensível às condições de capital. Como mostra a China, a produção de ETRs — assim como a de outros minerais críticos, como lítio, grafita e nióbio — depende de uma dimensão industrial complementar, pois a produção desse tipo de insumo requer beneficiamento.

O investimento da China no setor, mantido estrategicamente por Pequim desde os anos 1980, deu-se com saltos tecnológicos que derrubaram custos de produção. Agora, enfrentar a competitividade da China não é simples. O domínio chinês se dá tanto na primeira quanto na segunda fase do beneficiamento — que separa os ETRs em óxidos de cada um dos elementos — e também na terceira, a sofisticada produção de ímãs especiais e outros insumos essenciais para a indústria de tecnologia.

Segundo Fernando Landgraf, professor da Escola Politécnica da USP, a corrida por alternativas à China nos ETRs precisa ir além da pesquisa de reservas e concessões. Passa por investimentos nas demais fases, pois nem EUA nem a Europa têm capacidade de refino para atender a demanda ocidental. A produção de baixo custo chinesa inviabilizou vários projetos similares fora da Ásia nos últimos anos.

Por outro lado, esse desafio é uma oportunidade de atração de investimentos e negócios para o Brasil. Por enquanto, os projetos em desenvolvimento no país focam na primeira etapa da cadeia de produção, que resulta em carbonatos de ETR, com os elementos ainda misturados — embora alguns investimentos já prevejam posterior beneficiamento no Brasil ou no exterior, como é o caso da Viridis e da Aclara, que já prevê uma refinaria nos EUA.

Projeto de lei propõe incentivos

Um projeto de lei (PL) tramita no Congresso para dar ao Brasil uma Política Nacional de Minerais Críticos e Estratégicos. O relator, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), já indicou informalmente nas linhas gerais de seu parecer um pacote de incentivos para atrair investimentos em beneficiamento e refino.

Parte dos especialistas defende políticas industriais para o setor, embora incentivos malsucedidos do passado sejam frequentemente citados como sinal de alerta. Executivos apontam a importância de priorizar e agilizar os processos de licenciamento ambiental, ainda que seja mantido o rigor. Por outro lado, a mineração é um dos setores que mais preocupam ambientalistas.

— Temos um problema estrutural: é difícil desenvolver indústria no Brasil — diz Aline Nunes, gerente de Assuntos Minerários do Ibram. — Sem incentivos fiscais e atração de investimentos é impossível.

O relatório de Jardim deve prever um pacote com benefícios tributários, autorização para emissão de títulos de dívida incentivados — similares às chamadas “debêntures de infraestrutura”, com isenção tributária — e o Fundo Garantidor da Atividade Mineral, destinado à concessão de garantias a financiamentos para pequenas mineradoras, que têm caixa apertado e poucos ativos. A falta de garantias é um obstáculo até mesmo para créditos do BNDES, que estimula investimentos produtivos. Os benefícios não seriam restritos ao setor de terras-raras.

A CBMM é apontada como um paradigma. O desenvolvimento do mercado global de nióbio — usado para melhorar ligas de aço e que tem sido testado em baterias — está ligado a investimentos da empresa da família Moreira Salles em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de refino e aplicações para a matéria-prima. Hoje, o Brasil domina 90% da produção mundial do nióbio, sem incentivos específicos, embora André Pimenta, coordenador do Instituto de Terras Raras do Senai de Minas, aponte o apoio do governo mineiro ao longo dos anos.

A CBMM evita comentar políticas de incentivo, mas ressalta, em nota, que “não vende minério, somente produtos industrializados de alto valor agregado, buscando maximizar a geração de valor e avançar na cadeia produtiva”. Investe até R$ 300 milhões por ano em tecnologia, em “mais de 200 projetos em parceria com universidades, centros de pesquisa e clientes”.

O BNDES promete para o início de 2026 a aprovação dos primeiros projetos da Chamada Pública de Planos de Negócios para Investimentos em Transformação de Minerais Estratégicos, que distribuirá R$ 5 bilhões, em parceria com a Finep, agência de fomento à inovação do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Em junho, a primeira etapa de seleção da chamada escolheu 56 projetos, que preveem R$ 45,8 bilhões. Embora os R$ 5 bilhões disponíveis — para crédito, títulos de dívida e até investimentos em participação acionária — pareçam pouco perante os planos de investimento, BNDES e Finep veem espaço para conseguir mais recursos ao longo do tempo.

— A corrida dos minerais críticos não é de curto prazo — diz o diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do BNDES, José Luís Gordon, evitando adiantar quaisquer detalhes, seja de valores ou tipos de minerais, sobre os primeiros projetos que deverão ser aprovados na chamada. — Estamos conversando com as empresas sobre os planos de negócios, entendendo as demandas de médio prazo.

O Ministério de Minas e Energia (MME) diz, em nota ao GLOBO, que está “contribuindo para que o marco regulatório resultante ofereça segurança jurídica, previsibilidade e ambiente competitivo para investidores e operadores”. E defende, no caso das terras raras, “o domínio de tecnologias de separação e refino”. “A visão do MME é de que o desenvolvimento da cadeia de terras raras deve ocorrer de forma integrada, sustentável e com foco na agregação de valor no país”, diz a nota.


Uma resposta

  1. Uma pena que o povo comum não vê nem a cor do dinheiro gerado em todo esse processo…
    Porém, este processo é vendido como desenvolvimento…

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