Já vimos que as raízes da alquimia eram de natureza sexual e que o culto da rosa e do cavalheirismo praticado pelos trovadores, pode ser interpretado como a veneração de Eros, o deus do amor. Constatamos que os construtores (os Cavaleiros Templários) das grandes catedrais de estilo arquitetônico único, como a de Chartres, investiram fortemente no símbolo da rosa vermelha e ergueram santuários das Madonas Negras, com todas as suas poderosas associações pagãs. também podemos considerar que o Graal, como taça, é um símbolo feminino, e – numa atitude excepcionalmente gritante – , na história de Tristão e Isolda, o grande herói do Graal, Tristão, muda o seu nome para Tantris…
Capítulo 07B – SEXO: O SACRAMENTO FINAL – Livro “The Templar Revelation – Secret Guardians of the True Identity of Christ”, de Lynn Picknett e Clive Prince.
Fonte: https://www.picknettprince.com/
Capítulo VII B – SEXO: O SACRAMENTO FINAL
… De fato, o romancista Lindsay Clarke descreve a poesia amorosa dos trovadores como os «textos tântricos do Ocidente». Nas lendas do Graal, a maldição da Terra é devida à perda da potência sexual do rei, simbolizada, muitas vezes, por ter sido «ferido na coxa».
Em Parsifal de Wolfran, ela é mais explícita; a ferida é nos órgãos genitais. Isto tem sido considerado como uma resposta à repressão da sexualidade natural, por parte da Igreja de Roma“. A consequente estagnação espiritual só pode ser afastada por uma demanda do Graal, o qual, como vimos, está sempre especificamente associado às mulheres (ao PODER FEMININO). Uma pintura italiana do século XV, que representa os cavaleiros do Graal adorando Vênus (consultar a primeira secção de ilustrações), não deixa margem para dúvida quanto à verdadeira natureza dessa busca.
O que é sublinhado, nas lendas do Graal e na tradição do amor cortês dos trovadores, é a elevação espiritual das mulheres e o respeito por elas. É significativo, como sugerimos, que os dois ramos desta tradição tivessem, no mínimo, algumas das suas raízes no sudoeste da França, a região da heresia Gnóstica dos Cátaros.
A maior parte dos investigadores modernos pensam que o tantrismo chegou à Europa através do contato com a seita mística (Pérsia) islâmica dos sufis, que introduziram ideias da sexualidade sagrada nas suas crenças e práticas. É inegável que há um estreito paralelo entre as formas de linguagem usada pelos trovadores e pelos sufis para expressar estas ideias. Mas o tantrismo enraizou-se na Provença e no Languedoc porque já existia uma tradição semelhante naquela área? Já vimos que o Languedoc tinha a tradição de apoiar a igualdade das mulheres.
E quando a mania da bruxaria lançou a sua primeira sombra em Toulouse, o que se esperava, de fato, erradicar? De novo nos confrontamos com a personificação daquele culto do amor – Maria Madalena. Outra mulher que avaliou o potencial místico do sexo foi a católica Santa Hildegard de Bingen (1098- 1179), relativamente desconhecida, até há pouco tempo. Como escrevem Mann e Lyle:
Grande visionária, Hildegard escreveu acerca de uma figura feminina, uma imagem inconfundível da deusa, que lhe surgiu durante uma profunda meditação:
“Então, pareceu- me ver uma jovem de incomparável beleza, cujo rosto irradiava um brilho tão esplendoroso que não pude contemplá-lo integralmente. Usava um manto mais branco que a neve, mais brilhante que as estrelas, e os sapatos eram de ouro puro. Na mão direita sustentava o Sol e a Lua, e acariciava-os com amor. No peito, tinha uma placa de marfim, na qual, em tons de safira, estava representada a imagem de um homem. E toda a criação chamava esta rapariga de senhora soberana.
A rapariga começou a falar para a imagem que tinha sobre o peito: «Estava contigo desde o princípio, no alvorecer de tudo o que é sagrado, dei-te à luz antes do nascer do dia.» E ouvi uma voz que me dizia: «A jovem que tu contemplas é o Amor; a sua morada é na Eternidade.» Hildegard, como todos os amantes corteses medievais, acreditava que os homens e as mulheres podiam atingir a divindade através do amor recíproco, de modo que «toda a Terra se assemelhasse a um único jardim de amor». E este amor deveria ser total, uma expressão completa de união que envolvia o corpo, alma e espírito, porque, segundo as suas palavras: «É o poder da própria eternidade que criou a união física e decretou que dois seres humanos se transformassem fisicamente num só.»
Hildegard era uma mulher notável: imensamente instruída, especialmente em assuntos médicos. O seu grau de educação é inexplicável – ela própria o atribuiu às suas visões. Talvez seja uma alusão velada a alguma escola de mistério ou a um idêntico repositório de conhecimento. Curiosamente, muitos dos seus escritos revelam familiaridade com a filosofia hermética.
Esta famosa abadessa também escreveu descrições pormenorizadas – e exatas – do orgasmo feminino, incluindo contrações uterinas. Parece que o seu conhecimento era mais do que teórico, o qual, segundo se afirma, era invulgar numa santa. Quaisquer que fossem os segredos da sua formação interior, ela teve uma grande influência em S. Bernardo de Clairvaux, patrono e inspirador da Ordem dos Cavaleiros Templários.
Estes monges guerreiros podiam parecer constituir uma forte objeção à ideia de uma continuada tradição secreta de um culto herético do amor. Ostensivamente celibatários (embora existissem persistentes rumores de uma larga prática de homossexualidade templária), parece improvável que eles fossem, no mínimo, expoentes práticos de uma filosofia que celebrava a sexualidade feminina. Mas existem claras indicações dessa ligação na obra de um dos seus mais devotados apoiantes – o grande poeta florentino Dante Alighieri (1265-1321).
Há muito que se reconheceu que os seus escritos contêm temas gnósticos e herméticos – por exemplo, no século passado, Eliphas Lévi descreveu o Inferno de Dante como sendo «joanino e gnóstico». O poeta foi diretamente inspirado pelos trovadores do sul da França e foi membro de uma sociedade de poetas, que se intitulavam os fidele d’amore – «os fiéis seguidores do amor». Considerados, durante muito tempo, um círculo estético, os “eruditos modernos” começaram a descobrir que eles foram inspirados por motivações mais secretas e esotéricas.
O respeitado acadêmico William Anderson, no seu estudo Dante The Maker, descreve os fidele d’amore como uma irmandade (sociedade) secreta, empenhada em alcançar a harmonia entre o lado sexual e emocional das suas naturezas e as suas aspirações intelectuais e místicas. Anderson apoia-se nas investigações de eruditos franceses e italianos, que concluíram que «as damas que todos estes poetas veneravam não eram mulheres de carne e osso, mas que todas elas eram máscaras do ideal feminino, Sapientia ou Sabedoria (Sophia) Sagrada» e que a Senhora destes poemas era… uma alegoria da Sabedoria (Sophia) Divina, que também era desejada.
Anderson – assim como seu colega Henry Corbin – considera o caminho espiritual de Dante como a busca da iluminação através do misticismo sexual, tal como fizeram os trovadores. Henry Corbin afirma:
Os fidele d’amore, companheiros de Dante, professam uma religião secreta […] a união que conjuga o possível intelecto da alma humana com a Inteligência Ativa […] Anjo de conhecimento, ou Sophia-Sabedoria, é visualizada e experimentada como uma união de amor.
Mais notável, no entanto, é a ligação que Dante e os seus colegas místicos apresentam com os Cavaleiros Templários. Foi um dos seus mais entusiásticos apoiantes, mesmo após a sua extinção, quando era desaconselhável estar ligado a eles. Na sua Divina Comédia, Dante estigmatiza Filipe, o Belo, como o «novo Pilatos», pelos seus atos contra a Ordem dos Cavaleiros Templários. O próprio Dante é considerado como tendo sido membro de uma ordem Templária terciária, denominada La Fede Santa. Estas ligações são demasiado sugestivas para serem ignoradas – talvez Dante não fosse a exceção, mas a regra, dos Templários, que estavam envolvidos num culto do amor. Anderson afirma:
Em face disto, os Templários, como ordem militar celibatária, pareceriam ser o canal de comunicação mais improvável para os temas dedicados a louvar as belas damas. Por outro lado, os Templários estavam impregnados da cultura do Oriente e muitos podem ter contatado com as escolas dos místicos e esotéricos sufis […]
Anderson passa a resumir as conclusões de Henry Corbin:
A ligação entre Sapientia [Sabedoria-Sophia] e as imagens do Templo de Salomão, juntamente com as suas associações com a peregrinação do Grande Círculo, levam a colocar a hipótese de uma ligação entre os Fidele d’Amore e os Cavaleiros Templários, a ponto de os considerar uma confraria leiga da Ordem.
Juntamente com as provas revolucionárias descobertas por investigadores como Niven Sinclair, Charles Bywaters e Nicole Dawe, isto sugere insistentemente que, no mínimo, a ordem interna dos Cavaleiros Templários fazia parte de uma tradição secreta que venerava o Princípio Feminino da divindade.
Do mesmo modo, o controverso ramo dos Templários – o Priorado de Sião – sempre teve membros femininos, e a lista dos seus grão-mestres inclui quatro mulheres, o que é particularmente estranho no período medieval, quando se esperaria que o sexismo estivesse no seu auge. Como grão-mestres, estas mulheres teriam possuído um verdadeiro poder – e, sem dúvida, este papel exigia alto nível de integridade e a capacidade para conciliar interesses e egos contraditórios, a vários níveis. Embora pareça estranho que as mulheres tenham estado ao leme de uma organização supostamente tão poderosa numa época em que a literacia feminina não era, de modo algum, comum parece menos peculiar no contexto de uma tradição secreta de adoradores da deusa, do princípio feminino da divindade.
Servindo de base a muitas das escolas de mistério posteriores, se encontram os rosacruzes, cujo interesse no misticismo sexual está presente no seu próprio nome: a conjugação da cruz fálica e da rosa feminina. Este símbolo de união sexual evoca a antiga cruz fendida dos egípcios (ankh): sendo a vertical o falo, e a fenda, em forma de amêndoa, a vulva. Os rosacruzes, com o seu misto de sabedoria alquímica e gnóstica, compreenderam inteiramente os princípios subjacentes, como explicava o rosacruz do século XVII, o alquimista Thomas Vaughan: «[…] a própria vida (universal) não é mais do que uma união dos princípios masculino e feminino, e aquele que compreender perfeitamente este segredo sabe… “usar” a sua esposa…» (Recordemos a enorme rosa, aos pés da cruz, no mural de Cocteau, em Londres – uma clara alusão rosacruz.
E, curiosamente, a imagem rosacruz encontra-se no túmulo templário de Sir William St. Clair… ) Mesmo que existam, como vimos, evidências de que os Templários, os alquimistas e o Priorado de Sião fossem especiais devotos de um culto do amor pelo feminino divino, parece haver poucas possibilidades de que esta linha de filósofos herméticos, decididamente masculina, tivesse qualquer ligação com uma organização feminina – ou talvez feminista. Aqui, também a sua imagem superficial é enganadora.
O próprio Leonardo tem sido considerado como um misógino homossexual, e é verdade que ele manifestou pouco amor pelas mulheres, tanto quanto sabemos. A mãe, a misteriosa Catarina, parece tê-lo abandonado na primeira infância, embora, muitos anos mais tarde, tenha vivido junto dele, até ao fim da vida – é certo que Leonardo tinha uma governanta, a quem se referia, ironicamente, por «La Caterina» e cujo funeral ele pagou. Leonardo pode ter sido homossexual, mas isso nunca impediu a adoração dos homens pelo Princípio Feminino – muitas vezes, é exatamente o contrário.
Os ícones homossexuais são, classicamente, mulheres fortes e enérgicas, que tiveram vidas traumáticas – tal como Maria Madalena e a própria ÍSIS. Além disso, sabe-se que Leonardo era muito íntimo de Isabella d’Este, uma mulher inteligente e educada. Embora seja levar a especulação demasiado longe, sugerir que ela fosse membro do Priorado ou de alguma escola secreta «feminista», essa familiaridade pode implicar que, no mínimo, Leonardo aprovava a literacia feminina.
O hermético florentino Pico della Mirandola dedicou muitas palavras ao tema do poder feminino. O seu livro La Strega (A Bruxa) narra a história de um culto italiano baseado em orgias sexuais e presidido por uma deusa. E, o que é mais significativo, ele compara esta deusa à «Mãe de Deus». Mesmo Giordano Bruno, notoriamente masculino, estava profundamente envolvido com o feminino.
Durante a sua estada na Inglaterra, entre 1583 e 1585, Mirandola publicou vários livros que delineavam a filosofia hermética que se encontra em qualquer compêndio de História. Contudo, o que é habitualmente ignorado é o fato de ele também ter publicado um livro de apaixonada poesia amorosa intitulado De Gli Eroico Furori (Do Furor Heróico), dedicado ao seu amigo e patrono Sir Philip Sidney. Não é um hino a um entusiasmo passageiro nem um mero vislumbre da vida secreta, até então desconhecida, de um galanteador. Embora se reconheça que esta poesia tem um nível mais profundo, muitas autoridades consideram que ela é apenas uma expressão alegórica de vivência hermética. Na realidade, o amor expresso (pelo princípio feminino) nestas obras não era alegórico, mas literal.
O Furori do título é, para citar Frances Yates: «Uma experiência que torna o amor “divino e heróico” e que se pode comparar ao transe do furor do amor apaixonado.» Por outras palavras o que observamos, mais uma vez, é um conhecimento dos poderes transmutacionais do sexo sagrado.
Nestes poemas, Bruno referia-se a um estado alterado de conhecimento consciente, no qual o hermético se apercebe da sua potencial divindade. Esta percepção é expressa como o êxtase da completa união com a outra metade. Como afirma Dame Frances: «[…] penso que o verdadeiro objetivo da vivência religiosa de Eroici furori é a gnose hermética, é a poesia de amor místico do homem mago, que foi criado divino, com poderes divinos, em vias de voltar a ser divino, com poderes divinos».
Contudo, considerando a tradição que Giordano Bruno seguia, é evidente que estes sentimentos não eram apenas metafóricos. Esta insistência na iluminação através do sexo sagrado era parte integral da filosofia e da prática herméticas. O conceito de sexualidade sagrada está totalmente de acordo com as palavras do próprio Hermes Trismegisto, em Corpus Hermeticum:
“Se odiares o teu corpo, meu filho, não te podes amar a ti mesmo”.
Herméticos, como Marsilio Ficino, identificaram quatro estados de conhecimento alterado, nos quais a alma se reúne com o Divino, cada um deles associado a uma figura mitológica: a inspiração poética, sob a proteção das musas; o entusiasmo religioso, associado a Dionísio; o transe profético, sob a proteção de Apolo; e todas as formas de amor intenso, sob a proteção de Vênus. Este último é o clímax, em todos os sentidos, porque é nele que a alma, na realidade, alcança a reunião com o Divino.
Curiosamente, os historiadores sempre interpretaram literalmente os primeiros três destes estados alterados, mas optaram por interpretar o último, o rito de Vénus, como simples alegoria ou um gênero de amor impessoal ou espiritual. Mas, se fosse esse o caso, os herméticos dificilmente o associariam a Vênus! O aparente recato dos historiadores, relativamente a este ponto, deve-se à ignorância generalizada da tradição secreta. Este é outro exemplo de conceitos, outrora considerados obscuros e que se tornam claros como cristal logo que a ideia de sexualidade sagrada é tomada em consideração.
O grande mágico hermético Cornélio Agripa (1486-1535) torna a questão mais explícita. Na sua obra clássica “De Oculta Philosophia”, Agripa escreveu: «Quanto ao quarto furor, proveniente de Vênus, transforma e transmuta o espírito do homem num deus, pelo ardor do amor, e torna-o inteiramente semelhante a Deus, como verdadeira imagem de Deus.» É de notar o uso do termo alquímico transmuta, que é geralmente tomado como referência à preocupação tola e fútil de tentar transformar chumbo em ouro.
Aqui, no entanto, o que se procura é um bem precioso, de gênero muito diferente. Agripa também sublinha que a união sexual está «cheia de dons mágicos». O lugar de Agripa, nesta tradição herética, não devia ser subestimado. O seu tratado De Nobilitate et Praecellentia Foeminei Sexus (Da Nobreza e Superioridade do Sexo Feminino), que foi publicado em 1529, mas baseado na sua dissertação de vinte anos antes, é muito mais que um apelo, notavelmente moderno, aos direitos das mulheres.
Esta espantosa obra de Agripa foi menosprezada, até há muito pouco tempo, por uma razão lamentavelmente previsível. Porque advogava a igualdade de sexos – defendendo mesmo a ordenação de mulheres -, foi interpretada como sátira! É uma mancha sinistra na nossa cultura que esta obra veemente, a favor das mulheres, fosse considerada como um gracejo. Mas parece claro que Agripa não estava gracejando.
Não defendia apenas a causa do que chamaríamos os direitos das mulheres – que o seu estatuto político fosse redefinido -, mas tentava transmitir o princípio que inspirou essa campanha. A professora Barbara Newman, da Universidade de Northwest, Pensilvânia, no seu estudo deste panfleto, escreve:
[…] mesmo um leitor compreensivo não podia ter a certeza se Agripa apelava a uma Igreja sem discriminação de sexos e com igualdade de oportunidades ou a uma forma de culto do feminino.
Newman e outros eruditos investigaram as várias raízes da inspiração de Agripa, as quais incluíam a cabala, a alquimia, o hermetismo, o neoplatonismo e a tradição trovadoresca. E, de novo, a busca de Sophia (Sabedoria) é citada como sendo uma influência importante. Seria um erro pensar que Agripa apenas defendia o respeito e a igualdade das mulheres. Ele foi muito mais longe. Na sua perspectiva, a mulher devia ser literalmente venerada:
Ninguém, que não seja completamente cego, pode deixar de ver que Deus reuniu toda a beleza de que o mundo inteiro é capaz na mulher, de modo a que toda a Criação ficasse deslumbrada com ela, a amasse e venerasse, sob muitos nomes.
(E é curioso que Agripa, tal como os alquimistas, acreditasse que o sangue menstrual tivesse uma particular aplicação prática e mística. Acreditavam que ele continha um elixir, ou produto químico, único, que, ingerido de determinado modo, usando técnicas antigas, garantia o rejuvenescimento físico e conferia sabedoria. É evidente que nada podia estar mais longe da atitude da Igreja e da verdade.)
Agripa não era um simples teórico, e também não era covarde. Não só casou três vezes como conseguiu o que podia ter parecido impossível: defendeu uma mulher acusada de bruxaria – e ganhou.
Vaughan, Giordano Bruno e Agripa eram homens, e é tentador suspeitar de que eles desfrutavam desta felicidade sexual apenas em benefício próprio, mesmo que fosse profundamente espiritual. Contudo, embora se possa afirmar que alguma mulher que ousasse escrever sobre estes temas seria presa por bruxaria, também é verdade que apenas se considerava que o rito de Vênus teria «resultado» se os dois parceiros tivessem alcançado os mesmos objetivos (evolutivos). A ideia era a dos opostos e iguais, em harmonia procurando o mesmo objetivo e recebendo a mesma iluminação, como parceiros, tal como na ideia chinesa de o ser total ser composto de yin e yang.
Giordano Bruno não era homem para esconder as suas crenças. Nas suas últimas obras publicadas, empregou imagens sexuais ainda mais explícitas – mas mesmo estas foram ignoradas pelos historiadores; se são mencionadas em obras de referência, geralmente são explicadas como sendo alegóricas. Não só estas mas também outras referências explícitas – e associadas – das suas obras são, por hábito, ignoradas. Quando Bruno se refere a uma «deusa» como a dama anônima, a quem a sua poesia lírica é dedicada, essa referência é interpretada como sendo um epíteto afetuoso. E, mais tarde, quando fez a sua palestra de despedida na Alemanha, afirmando, sem rodeios, que a deusa Minerva era Sofia (a “sabedoria”), esta afirmação foi tomada por outra alegoria. Mas as suas verdadeiras palavras foram, inequivocamente, as de um praticante do culto da deusa:
Amei-a e procurei-a, desde a minha juventude, e desejei-a para minha esposa, e tornei-me amante da sua forma… e supliquei… que ela fosse enviada para habitar comigo, e trabalhar comigo, para que eu pudesse conhecer o que ela me faltava […]
Mais fascinante, no entanto, é o fato de na sua dedicatória de Eroici Furori ele o comparar ao Cântico dos Cânticos”. Novamente, somos confrontados com o culto da Madona Negra e, por associação, com o de Madalena. (Outro grande escritor hermético/rosacruz da época, que era conhecido por William Shakespeare -Francis Bacon, dedicou os seus sonetos a uma misteriosa Dama Negra cuja identidade tem alimentado intermináveis debates de gerações de críticos. Embora pudesse acontecer que ela fosse uma mulher verdadeira – ou mesmo um homem -, também é verosímil que ela representasse, ao fundo, a Madona Negra, a deusa negra (ÍSIS). Na verdade, os herméticos simbolizavam um determinado estado alterado – um gênero de transe especializado – como a dama de pele negra.)
Os fortes ataques de Bruno à crença católica conduziram-no a uma morte terrível condenadopor heresia pela “santa” igreja romana e serviram de aviso a outras pretensas almas corajosas. O atroz holocausto dos julgamentos de bruxaria, como vimos, também reforçou, entre os «heréticos», a necessidade de circunspecção (e devemos recordar que, embora as mortes pelo fogo tivessem terminado há muito, a última acusação de uma mulher, ao abrigo da lei da Feitiçaria no Reino Unido, ocorreu apenas em 1944). Mas o conhecimento transcendental, como segredo específico do mundo secreto ocultista, não estava limitado aos indivíduos e não se extinguiu com eles.
Existe alguma dificuldade de reconstituir uma tradição direta da sexualidade sagrada da Europa, devido ao antagonismo e perseguição da Igreja romana, face a essa tradição e à subsequente necessidade de segredo entre os guardiães deste conhecimento. No entanto, nos séculos XVII e XVIII, a Alemanha parece ter-se transformado na pátria desta tradição, embora, até recentemente, ela tivesse sido muito pouco investigada. Segundo os modernos investigadores franceses – como Denis Labouré -, a prática da «alquimia interna» centralizou-se na Alemanha, em várias sociedades ocultistas e/ou secretas. Outra investigação recente, incluindo a do Dr. Stephan E. Flowers, confirmou que o ocultismo alemão deste período era essencialmente de natureza sexual.
Um problema para os investigadores desta área é que as provas de cultos sexuais tendem a provir da Igreja, ou, no mínimo, daqueles que consideravam satanismo tudo o que estava relacionado com o sexo. Quando estes movimentos se vêem perseguidos, os seus regisrtos são destruídos ou censurados e tudo o que resta é a versão dos acontecimentos relatada pelos seus inimigos. Isto aconteceu aos cátaros e aos Cavaleiros Templários e atingiu o seu terrível auge nos julgamentos de bruxaria pelaInquisição. Vemos que este processo se verifica sempre que se expressam ideias sobre a sexualidade sagrada – como voltou a acontecer em França no século XIX.
Nessa época, surgiram vários movimentos interligados que – embora florescessem no seio da Igreja Católica e se centrassem em pessoas que se consideravam bons católicos – incluíam conceitos de sexualidade sagrada e da elevação do Feminino (geralmente, sob a forma exterior da Virgem Maria) e estavam associados a uma misteriosa sociedade «joanina» – desta vez, especificamente relacionada com João Batista.
Esta série de acontecimentos é muito difícil de esclarecer, principalmente porque, além das ideias heterodoxas e dos conceitos de sexualidade sagrada, que levaram o movimento a ser declarado imoral, eles também estavam ligados a causas políticas que despertaram a hostilidade das autoridades. Por conseguinte, quase todos os relatos de que dispomos provêm dos seus inimigos.
Os motivos políticos destes grupos estão fora do âmbito da presente investigação, embora fossem muito importantes para as pessoas envolvidas nessa época. É suficiente dizer que elas apoiavam as pretensões de um certo Charles Guillaume Naündorff (1785-1845), que se vangloriava de ser Luís XVII (que se pensava ter sido morto em criança, juntamente com seu pai, Luís XVI, durante a Revolução Francesa).
Um destes grupos era a Igreja do Carmelo, também conhecida por Oeuvre de la Misericorde (Obra de Misericórdia), instituída em meados do século XIX por um certo Eugène Vintras (1807-1875). Um pregador carismático e fascinante, Vintras atraiu a nata de alta sociedade para o seu movimento, o qual, não obstante, depressa se tornou foco de acusações de diabolismo. Sem dúvida que os seus rituais tinham um conteúdo de natureza sexual, no qual (segundo as palavras de Ean Begg) «o maior sacramento era o ato sexual».
Para agravar a situação, no que dizia respeito às autoridades, Vintras e Naündorff passavam a responsabilidade um ao outro. Assim, inevitavelmente, Vintras viu-se envolvido num julgamento espectacular. Acusado de fraude – embora as alegadas vítimas negassem que existira qualquer crime -, foi condenado a cinco anos de prisão, em 1842. Quando foi libertado, partiu para Londres e foi então que um antigo membro da sua Igreja – um sacerdote chamado Gozzoli – escreveu um panfleto acusando-o de todo o género de orgias sexuais.
Embora o panfleto possa ser considerado produto de uma imaginação exaltada, algumas das acusações podem ter sido baseadas em fatos. Depois, em 1848, a seita foi declarada herética pelo papa e todos os seus membros foram excomungados. Como resultado, a seita tornou-se independente e exibiu sacerdotes masculinos e femininos – tal como os cátaros, embora não seja claro que o culto de Vintras seguisse os nobres princípios dos primeiros.
A apoiar Vintras e Naündorff encontrava-se uma seita misteriosa, conhecida por «Os Salvadores de Luís XVII» ou os Joaninos. Este grupo remonta a 1770 e parece ter participado na agitação civil que precedeu a Revolução. Ao contrário dos joaninos «maçônicos», já discutidos, este grupo não tinha dúvidas quanto ao S. João que venerava – era o Batista. Depois da Revolução, os joaninos interessaram-se pela restauração da monarquia. Foram os grandes responsáveis pela promoção de Naündorff a pretendente ao trono e também apoiaram movimentos «proféticos» como o de Vintras.
Outro auto-intitulado «guru» da época – Thomas Martin, que, meteoricamente, ascendeu de camponês a conselheiro do rei – foi apoiado pelos joaninos que, além disso, parecem ter «encenado» certas aparições da Virgem – como as de La Salette, no sopé dos Alpes ocidentais, em 1846. É difícil dizer com exatidão o que estava acontecendo, mas é possível identificar os fios mais importantes que atravessam certos acontecimentos, aparentemente associados.
Em primeiro lugar, foi feita uma tentativa para regenerar o catolicismo, a partir do seu seio, o que implicava a substituição do dogma oficial – baseado na autoridade de Pedro (portanto patriarcal) – por um cristianismo místico e esotérico, uma crença de que estava a alvorecer era uma em que o Espírito Santo estaria em ascenção. Uma característica deste movimento era a elevação do Sagrado Feminino, sob a forma exterior da Virgem Maria, mas que não tardou a adquirir um caráter abertamente sexual e começou a parecer fortemente hostil à Igreja. A visão de La Salette – que foi condenada pela Igreja – era central para este plano. E, de algum modo, o papel de João Batista nestes acontecimentos era crucial.
O movimento também estava ligado à tentativa de fazer reconhecer Naündorff como legítimo rei de França, provavelmente porque, se tivesse êxito, Naündorff teria sido favorável a esta nova forma de religião (tendo já apoiado Vintras). Curiosamente, Melanie Calvet, a rapariga que teve a visão de La Salette, tinha-se declarado favorável a Naündorff. E é interessante que a Igreja tivesse reagido enviando-a para um convento de Darlington, no noroeste de Inglaterra, onde não podia causar mais danos. A atuação combinada da Igreja e do Estado impediram que se realizasse o grande plano do movimento, e tudo o que aconteceu, de fato, está agora soterrado por uma avalanche de escândalos e de insinuações.
Mas, indubitavelmente, é significativo que a reação da Igreja a esta ameaça fosse proclamar a Imaculada Conceição de Maria um artigo de fé, em 1854. (Esta doutrina iria ser convenientemente endossada pela própria Virgem Maria, quando apareceu a uma rapariga camponesa, Bernardette Soubirou, em Lourdes, quatro anos depois, embora a rapariga, de início, descrevesse a sua visão simplesmente como «aquela coisa».)
Profetas, como Martin e Vintras, parecem ter sido «manipulados» pelos joaninos e não fizeram, na realidade, parte da seita. O elo de ligação entre eles e Vintras foi a mentora deste, uma certa Madame Bouche, que residia em Paris, na Place St. Sulpice, e que tinha o nome, esplendidamente sugestivo, de «irmã Salomé». (A Igreja do Carmelo de Vintras ainda estava em atividade em Paris nos anos 40, e constava que existia um grupo em Londres, nos anos 60 deste século.)
Continua …