As Digitais dos deuses (37) – Feito por Algum Deus

Embora tivesse escalado a Grande Pirâmide na noite anterior, ao aproximar-me dela sob o pleno fulgor do sol de meio-dia não experimentei nenhuma sensação de triunfo. Pelo contrário, junto à base no lado norte, senti-me insignificante, como se fosse uma mosca – uma criatura temporária de carne e osso que se via frente à frente com o esplendor aterrador da eternidade. Tive a impressão de que a pirâmide devia ter estado ali desde sempre, “feita por algum deus e depositada inteira na areia em volta”, como comentou o historiador grego Diodoro de Sicília no primeiro século a.C. Mas que deus a fizera, se não o Rei-Deus Khufu, cujo nome foi ligado a ela por gerações de egípcios?

Livro “AS DIGITAIS dos DEUSES”, uma resposta para o mistério das origens e do fim da civilização

Por Graham Hancock, livro “AS DIGITAIS DOS DEUSES”, Tradução de Ruy Jungmann, editora Record 2001.

CAPÍTULO 37 – Feito por Algum Deus

Pela segunda vez em 12 horas, comecei a escalar o monumento. Bem perto a esta luz, indiferente às cronologias humanas e sujeita apenas às forças corrosivas lentas do tempo geológico, a pirâmide erguia-se acima de mim como um penhasco intimidador, apavorante. Por sorte, eu tinha que subir apenas seis carreiras de blocos, ajudado em muitos lugares por degraus modernos, antes de chegar ao Buraco de Ma’mun, que é usado atualmente como principal entrada da pirâmide. A entrada original, ainda bem escondida no século IX, quando Ma’mun iniciou a abertura do túnel, fica a cerca de dez carreiras mais alta, a uns 17m acima do nível do chão e a 7,5m a leste do eixo norte-sul.

Protegido por gigantescas cumeeiras de pedra calcária, aí começa o corredor descendente, que leva para baixo a um ângulo de 26° 31′ 23″. Estranhamente, embora meça apenas cerca de 1,02m x 1,07m, este corredor está imprensado entre blocos do teto de 2,55m de espessura e 3,65m de largura e por uma laje de piso (conhecida como o “Lençol do Porão”) de 45cm de espessura e 10m de largura. Características estruturais ocultas como essas abundam na Grande Pirâmide, revelando incrível complexidade e uma falta de propósito gritante (para os que alegam que o monumento é apenas uma tumba…). Ninguém sabe como blocos desse tamanho foram instalados,  nem tampouco como foram postos em alinhamento tão cuidadoso com outros blocos, ou em ângulos tão precisos (porque, como o leitor deve ter compreendido, a inclinação de 26° do corredor descendente faz parte de um padrão deliberado e regular). Ninguém tampouco sabe por que tais coisas foram feitas.

A grande pirâmide em Gizé, Egito

O Farol

Entrar na pirâmide pelo Buraco de Ma’mun não me pareceu a coisa certa a fazer. Era como penetrar numa caverna ou grota aberta na encosta de uma montanha. Falta à coisa um sentido de finalidade deliberada, geométrica, que teria sido transmitido pelo corredor descendente original. Pior ainda, o túnel horizontal escuro e hostil dá a impressão de alguma coisa feia, deformada, e ainda conserva as marcas de violência nos lugares onde os trabalhadores árabes haviam alternadamente aquecido e esfriado as pedras com fogo forte e vinagre frio, antes de atacá-las com martelos e talhadeiras, marretas e perfuradeiras. Por um lado, esse vandalismo parece grosseiro e irresponsável. Por outro, uma surpreendente possibilidade tem de ser levada em conta: não haverá um sentido em que a pirâmide dá a impressão de que foi projetada para convidar seres humanos dotados de inteligência e curiosidade a penetrar em seus mistérios? Afinal de contas, se você fosse um faraó que queria garantir que seu cadáver permaneceria intacto por toda a eternidade, teria feito mais sentido:

a) anunciar para a sua e todas as gerações futuras o local de seu sepultamento; ou

b) escolher um local secreto e desconhecido, sobre o qual jamais falaria e onde nunca seria descoberto? A resposta é óbvia: você preferia sigilo e isolamento, como fez a vasta maioria dos faraós do antigo Egito.

Por que, então, se tivesse realmente o caráter de tumba real, a Grande Pir!mide era tão conspícua? Por que ocupava uma área de mais de cinco hectares? Por que tinha quase 150m de altura?

Por  que, em outras palavras, se a intenção fora esconder e proteger o corpo de Khufu, havia sido projetada de maneira que não poderia deixar de chamar atenção – em todas as épocas e em todas as circunstâncias imagináveis – de aventureiros loucos por tesouro ou de intelectuais xeretas e imaginosos?

Não dava simplesmente para imaginar que os brilhantes arquitetos, pedreiros, agrimensores e engenheiros que a haviam criado ignorassem psicologia humana básica. A imensa ambição e beleza transcendente, o poder e refinamento artístico do trabalho dessa gente falava em perícias de alta classe, introvisões profundas e completo entendimento de símbolos e padrões primordiais (Geometria e Matemática Sagradas), através dos quais pode-se manipular a mente do homem. A lógica, por conseguinte, sugeria que os construtores da pirâmide deviam ter sabido exatamente também que tipo de farol estavam erguendo (com uma precisão incrível) no platô varrido pelos ventos, na margem oeste do Nilo, naqueles tempos antiqüíssimos. Deviam, em suma, ter desejado que a notável estrutura exercesse um fascínio perene: para ser violada por intrusos, para ser medida com graus crescentes de exatidão, para assombrar a imaginação coletiva da humanidade como um fantasma teimoso, sugerindo um segredo profundo e há muito tempo esquecido.

Jogos Mentais dos Construtores da Pirâmide

O ponto em que o Buraco de Ma’mun corta o corredor descendente de 26° estava fechado por uma moderna porta de aço. Do outro lado, na direção norte, o corredor sobe até chegar às cumeeiras da entrada original do monumento. Ao sul, conforme vimos, o corredor desce novamente por quase 106m pelo leito rochoso, antes de desembocar em uma imensa câmara subterrânea a uns 185m abaixo do cume da pirâmide. Era espantosa a precisão desse corredor. Do alto até o fundo, o desvio médio da vertical é de menos de meia polegada nos lados e de 2/10 no teto. Cruzando a porta de aço, continuei a percorrer o túnel de Ma’mun, respirando o ar antigo e acostumando a vista às lâmpadas elétricas de baixa voltagem que o iluminam. Em seguida, baixando a cabeça, comecei a subir a seção íngreme e estreita que fora cortada pelos trabalhadores árabes no esforço febril para ladear a série de cunhas de granito que bloqueavam a parte inferior do corredor ascendente.

No alto do túnel, podem ser vistas duas das cunhas originais, ainda in situ, embora parcialmente expostas pelo trabalho de desbastamento. Egiptólogos supunham que elas haviam deslizado de cima para a atual posição – numa descida de 40m pelo corredor ascendente, a partir do piso da Grande Galeria. Construtores e engenheiros, cuja maneira de pensar é talvez mais prática, observam que é fisicamente impossível que as cunhas tenham sido instaladas dessa maneira. Dado o espaço fino como uma folha que as separa das paredes, chão e teto do corredor, o atrito teria posto a perder qualquer operação de “deslizamento” em uma questão de centímetros, quanto mais de 30 metros. A implicação enigmática, portanto, é que o corredor ascendente devia ter sido fechado enquanto a pirâmide era construída.

Mas por que alguém teria desejado bloquear a entrada principal para o monumento, em uma fase prematura na construção (embora, ao mesmo tempo, continuasse a alargar e refinar as câmaras interiores)? Além do mais, se o objetivo fora impedir a entrada de intrusos, não teria sido muito mais fácil e eficiente fechar o corredor descendente desde a entrada, na face norte, até um ponto abaixo de sua ligação com o corredor ascendente? Esta teria sido a maneira mais lógica de fechar a pirâmide e tornaria desnecessária a instalação de cunhas no corredor ascendente. Só havia uma certeza: desde o começo da história, o único efeito conhecido das cunhas de granito de maneira alguma fora impedir o acesso de intrusos; em vez disso, tal como a porta fechada do Barba Azul, o obstáculo atraiu a atenção de Ma’mun e lhe inflamou de tal modo a curiosidade que ele se sentiu obrigado a abrir um túnel  contornando-o, convencido de que alguma coisa de valor inestimável devia estar no outro lado. Não teria sido isso o que os construtores da pirâmide quiseram que sentisse o primeiro intruso que chegasse até essa distância? Seria prematuro eliminar essa possibilidade estranha e perturbadora.

De qualquer maneira, graças a Ma’mun (e às constantes previsíveis da natureza humana), consegui me introduzir nesse momento pela seção aberta do corredor ascendente original. Uma abertura cortada com esmero, medindo 1,03m de largura x 1,18m de altura (exatamente as mesmas dimensões do corredor descendente), subia inclinada pela escuridão a um ângulo de 26° 2′ 30″ (contra os 26° 31′ 23″ do corredor ascendente). Que interesse meticuloso era esse pelo ângulo de 26° e seria coincidência que ele equivalesse à metade do ângulo de inclinação dos lados da pirâmide – 52°? O leitor talvez se lembre da importância desse ângulo.

Ele é um elemento decisivo da fórmula sofisticada e avançada através da qual os construtores conseguiram que o projeto da Grande Pirâmide correspondesse exatamente à dinâmica da geometria esférica. A altura original do monumento (146m) e o perímetro da base (921m) mantinham a mesma razão entre si que o raio de uma esfera com sua circunferência. Essa razão é de 2pi (2 x 3,14), e para consegui-la os construtores haviam sido obrigados a especificar o difícil e idiossincrático ângulo de 52° para os lados da pirâmide (uma vez que uma inclinação maior ou menor teria significado uma razão altura/perímetro diferente).

No Capítulo 23, vimos que a denominada Pirâmide do Sol, em Teotihuacán, no México, revela também o conhecimento e o uso deliberado do número transcendente pi. Nesse caso, a altura (71m) mantinha uma relação de 4pi com o perímetro da base (1.184m). O ponto crucial, portanto, é que o monumento mais notável do antigo Egito e o monumento mais notável do antigo México utilizaram as relações de pi muito antes, e em lugares muito distantes, da (re)”descoberta” oficial desse número transcendente pelos gregos. Além  do mais, a prova convidava à conclusão de que alguma coisa estava sendo sugerida com o uso de pi – quase com certeza a mesma coisa em ambos os casos. Não pela primeira, nem pela última vez, fui tomado por uma sensação de contato com uma inteligência antiga, não necessariamente egípcia ou mexicana, que descobrira uma maneira de cruzar as eras e atrair pessoas como se fosse um farol. Algumas poderiam procurar tesouros; outras, cativadas pela maneira enganosamente simples como os construtores haviam usado o pi para demonstrar o domínio que possuíam dos segredos dos números transcendentes, poderiam sentir-se inspiradas a pesquisar mais epifanias matemáticas.

Dobrado quase em dois, as costas raspando o teto de pedra calcária polida, comecei, com esses pensamentos em mente, a rastejar pelo gradiente de 26º do corredor ascendente, que parecia penetrar no imenso volume das seis milhões de toneladas como se fosse um dispositivo trigonométrico. Depois de bater com a cabeça no teto umas duas vezes, contudo, comecei a me perguntar por que os engenhosos indivíduos que haviam projetado o corredor não o tinham feito uns 5 ou 8cm mais alto. Se, para começar, podiam construir um monumento como esse (o que obviamente podiam) e equipá-lo com corredores, certamente não teria ficado além da capacidade que possuíam tornar os corredores suficientemente espaçosos para que uma pessoa pudesse ficar de pé, certo? Mais uma vez, fui tentado a concluir que aquilo era resultado de decisão deliberada dos construtores: haviam projetado o corredor ascendente dessa maneira porque queriam que fosse assim (e não porque essas dimensões lhes tivessem sido impostas.) Haveria algum motivo na aparente maluquice desses arcaicos jogos mentais?

Uma Distância Desconhecida e Sombria

No alto do corredor ascendente, emergi para outro aspecto inexplicável da pidâmide, “o mais famoso trabalho arquitetônico sobrevivente do Velho Reino” – a Grande Galeria. Subindo ao majestoso ângulo de 26°, que continuava, e quase desaparecendo inteiramente na escuridão ventilada acima, o espaçoso teto arqueado em modilhão deixou-me atônito. Mas eu não tinha, ainda, a intenção de subir a Grande Galeria. Bifurcando-se diretamente para o sul a partir da base, há uma longa passagem horizontal, de 1,13m de altura por 38m de comprimento, que leva à Câmara da Rainha. Eu queria revisitar esse aposento, que admirara por sua pura beleza desde que havia estado na Grande Pirâmide vários anos antes. Nesse dia, contudo, para grande irritação minha, a passagem estava bloqueada a alguns metros da entrada.

A razão, que eu ignorava na ocasião, era que um engenheiro alemão especializado em robótica, Rudolf Gantenbrink, estava trabalhando ali dentro, lenta e laboriosamente manobrando um robô, avaliado em US$ 250,000, que subia a estreita chaminé sul da Câmara da Rainha. Contratado pela Organização de Antiguidades Egípcias para melhorar a ventilação da Grande Pirâmide, ele já usara equipamento de alta tecnologia para retirar o entulho da estreita “chaminé sul” da Câmara do Rei (que, para começar, egiptólogos acreditavam que havia sido projetada como um duto de ventilação) e instalara na boca do equipamento um ventilador elétrico. Em princípios de março de 1993, dirigiu suas atenções para a Câmara da Rainha, usando Upuaut, um robô miniaturizado operado por controle remoto para explorar a chaminé sul desse aposento. No dia 22 de março, cerca de 60m ao longo da chaminé muito íngreme (que sobe a um ângulo de 39,5° e tem apenas 20cm de altura x 22cm de largura), o chão e as paredes tornaram-se inesperadamente bem polidos, enquanto Upuaut rastejava para dentro de uma seção de fina pedra calcária Tura, o tipo normalmente usado para revestir áreas sagradas, tais como capelas e  tumbas.

As três pirâmides em Gize estão PERFEITAMENTE ALINHADAS com as três estrelas do cinturão da Constelação de Órion: Mintaka (Queops) Alnilan (Quéfren) e Alnitak (Miquerinos)

Esse fato em si já era muito intrigante, mas, ao fim desse corredor, e aparentemente levando a uma câmara fechada bem dentro da cantaria da pirâmide, foi encontrada uma porta de calcário maciço, com acessórios de metal… Há muito tempo se sabia que nem a chaminé sul nem sua contrapartida na parede norte da Câmara tinham qualquer saída na face da Grande Pirâmide. Além disso, e também inexplicavelmente, nenhuma delas fora cortada na rocha até o fim. Por alguma razão, os construtores haviam deixado intactos os 12cm finais do último bloco, onde ficaria a boca de cada uma delas, tornando-as, dessa maneira, invisíveis e inacessíveis a um intruso casual. Por quê?

Para terem certeza de que elas nunca seriam encontradas?

Ou para terem certeza de que seriam, algum dia, nas circunstâncias certas?

Afinal de contas, desde o início tinha havido duas chaminés visíveis na Câmara do Rei, penetrando nas paredes norte e sul. Não teria ficado além da capacidade mental dos construtores prever que, mais cedo ou mais tarde, algum curioso sentiria a tentação de procurar chaminés também na Câmara da Rainha. No caso, ninguém realmente as procurou durante mais de mil anos, depois de ter o califa Ma’mun aberto o monumento para o mundo no ano 820 d.C. Em 1872, porém, um engenheiro inglês chamado Waynman Dixon, um maçom que “foi levado a suspeitar da existência das chaminés devido à presença delas na Câmara do Rei, que ficava acima”, começou a dar pancadinhas em torno das paredes da Câmara da Rainha e localizou-as. Abriu inicialmente a chaminé sul, mandando seu “carpinteiro e pau-pra-toda-obra, Bill Grundy, fazer com martelo e talhadeira de aço um buraco naquele lugar. O fiel empregado começou a trabalhar, e com tal disposição que, logo depois, abriu um buraco na pedra mole (calcário) nesse ponto, ocasião em que, olhem só, após um número relativamente pequeno de golpes, a ponteira varou alguma coisa”.

Descobriu-se que a “alguma coisa” que a talhadeira de Bill Grundy havia aberto era um canal tubular, horizontal, retangular, 22,5cm por 16cm de largura e altura, que chega a uma parede a 2,10m de  distância e que em seguida sobe em ângulo para uma distância desconhecida, escura…  E foi subindo esse ângulo e para dentro da distância “desconhecida, escura” que, 121 anos depois, Rudolf Gantenbrink enviou seu robô – a tecnologia de nossa espécie finalmente se emparelhando com nosso poderoso instinto de xeretar. Esse instinto evidentemente não era mais fraco em 1872 do que em 1993. Entre muitas coisas interessantes, a câmera operada por controle remoto conseguiu filmar,
nas chaminés da Câmara da Rainha, as extremidades distantes de uma longa barra de metal, dividida em seções, de um tipo característico do século XIX, que Waynman Dixon e seu fiel Bill Grundy haviam secretamente introduzido no misterioso canal. Previsivelmente, eles supuseram que, se os construtores da pirâmide haviam se dado a todo esse trabalho para abrir e, em seguida, fechar as chaminés, eles deviam ter escondido lá dentro alguma coisa que merecia ser vista. A idéia de que, desde o começo, tenha havido a intenção de estimular essas investigações pareceria inteiramente implausível, se o resultado final da descoberta e exploração das chaminés tivesse sido um beco sem saída.

Em vez disso, como vimos acima, foi encontrada uma porta – uma porta móvel, levadiça (em guilhotina), com curiosos acessórios de metal e uma convidativa abertura na base, na qual o farolete a laser projetado pelo robô de Gantenbrink desapareceu por completo… Mais uma vez, parecia haver ali um claro convite para ir mais além, o último em uma longa série de convites que encorajara o califa Ma’mun e seus homens a romper caminho para as passagens e câmaras centrais do monumento, que tinham esperado que Waynman Dixon submetesse a teste a hipótese de que as paredes da Câmara da Rainha pudessem conter chaminés ocultas e que continuara a esperar até despertar a curiosidade de Rudolf Gantenbrink, cujo robô de alta tecnologia revelou a existência da porta oculta e pôs ao alcance do homem quaisquer segredos – ou decepções, ou quem sabe, mais convites – que poderiam existir do outro lado.

A Câmara da Rainha

Em capítulos posteriores, ouviremos falar mais de Rudolf Gantenbrink e de Upuaut. No dia 16 de março de 1993, porém, nada sabendo a esse respeito, fiquei frustrado ao descobrir interditada a Câmara da  Rainha e olhei ressentido para a grade de metal que fechava o corredor de entrada. Lembrei-me de que a altura desse corredor, 1,13m, não é constante. A aproximadamente 33m diretamente para o sul do lugar onde eu me encontrava e a apenas 4,50m da entrada da Câmara, um rebaixamento inesperado do piso aumenta a altura do corredor para 1,72m. Ninguém até este momento deu uma explicação convincente desse aspecto peculiar. A Câmara da Rainha em si – aparentemente vazia desde o dia em que foi construída – mede 5,22m de norte a sul e 5,72cm de leste para oeste. Possui um elegante teto em cumeeira, a 7,12m de altura, que se situa exatamente ao longo do eixo leste-oeste da pirâmide. O piso, no entanto, é o oposto de elegante e dá a impressão de inacabado.

Sente-se uma constante emanação salgada de suas paredes claras, de superfície irregular, o que deu origem a um sem-número de especulações infrutíferas. Nas paredes norte e sul, ainda conservando a legenda ABERTA EM 1872, ficam as aberturas retangulares encontradas por Waynman Dixon e que levam para dentro da distância escura das misteriosas chaminés. A parede oeste é inteiramente despojada. Perturbada a pouco mais de 60cm de sua linha central, a parede leste é dominada por um nicho em forma de abóbada sustentada por modilhões, de 4,60m de altura e 1,60m de largura na base. Originariamente de 1m de profundidade, mais uma cavidade fora aberta, nos tempos medievais, no fundo do nicho, por caçadores de tesouros árabes que andavam à procura de câmaras ocultas. Eles nada haviam encontrado. Egiptólogos tampouco conseguiram chegar a conclusões convincentes sobre a função original do nicho ou, por falar nisso, da Câmara da Rainha como um todo. Tudo era confusão. Tudo era paradoxo. Tudo era mistério.

A Câmara da Rainha: Figura 2. A Seção Transversal da Grande Galeria, da Grande Pirâmide de Gizé, com seus 27 (28) pares de fendas e sete tetos com 37 lajes sobrepostas. Os sete tetos representam os sete períodos da tabela periódica de elementos (orbita de elétrons K a Q). O último par de fendas representa o repitan 0,999 ou 0,037 x 27 (não 27/27).

Instrumento

A Grande Galeria esconde também seus mistérios. Na verdade, ela figura entre os mais misteriosos dos aspectos internos da Grande Pirâmide. Medindo 2,04m de largura no nível do chão, suas paredes sobem verticalmente a uma altura de 2,28m; acima desse nível, mais sete carreiras de pedras de cantaria (todas elas se projetando para dentro cerca de 7,5cm além da carreira imediatamente abaixo), levam o teto abaulado à sua altura máxima, de 8,53m, e culminam em uma largura de 1,03m. O leitor precisa lembrar que, estruturalmente falando, a galeria deveria suportar, para sempre, o peso de muitos milhões de toneladas dos três quartos superiores do maior e mais pesado monumento de pedra jamais construído no planeta Terra. Não era realmente notável que um grupo de supostos “primitivos tecnológicos” tivessem não só concebido e projetado tal monumento, mas tendo-o completado com todo sucesso, cerca de 4.500 anos antes de nossa época? Mesmo que tivessem construído a Galeria com apenas 7m de comprimento e pensado em erigi-la em nível plano, a tarefa já teria sido muito difícil – na verdade, dificílima.

Mas os construtores haviam resolvido erigir essa espantosa abóbada, sustentada por modilhões, a uma inclinação de 26° e prolongar-lhe o comprimento para uns impressionantes 46,5m. Além do mais, haviam feito isso com megálitos de pedra calcária perfeitamente aparelhada – blocos imensos, polidos até ficarem macios, cortados e transformados em paralelogramas inclinados e assentados tão juntos e com tanta precisão que as juntas se tornaram invisíveis a olho nu. Os construtores haviam ainda incluído nesse trabalho algumas simetrias interessantes. A largura culminante da galeria no seu ápice, por exemplo, é de 1,3m, com uma largura no piso de 2,4m. No centro exato do piso, correndo por todo comprimento da galeria – e espremido entre rampas de pedras planas de 50cm de largura – há um canal rebaixado de 30cm de profundidade e 1,3m de largura.

Qual  teria sido a finalidade desse entalhe?

E por que tinha sido necessário que correspondesse tão exatamente à largura e forma do teto, que parecia também um “entalhe” espremido entre as duas carreiras superiores de cantaria?

Eu sabia que não era o primeiro que, no início da Grande Galeria, fora tomado pela impressão desorientadora de que “estava dentro de um instrumento enorme de algum tipo”.

Quem poderia dizer que essas intuições estavam inteiramente erradas?

Ou, por falar nisso, que estavam certas?

Não havia qualquer registro sobre função, além de referências místicas e simbólicas em certos textos litúrgicos egípcios antigos. Esses textos pareciam indicar que as pirâmides haviam sido consideradas como meios destinados a transformar mortos em seres imortais, “em escancarar as portas do firmamento e abrir uma estrada”, de modo que o faraó morto pudesse “subir para a companhia dos deuses”. Eu não tinha dificuldade em aceitar que esse sistema de crenças pudesse ter estado em ação ali e, obviamente, ele poderia ter fornecido um motivo para todo aquele trabalho. Não obstante, eu continuava intrigado com a razão por que mais de seis milhões de toneladas de aparelhos físicos, pedras complicadamente interligadas com canais e tubos, corredores e câmaras, haviam sido considerados necessários para atingir um objetivo místico, espiritual e simbólico. Estar no interior da Grande Galeria dava-me a impressão de me encontrar dentro de um enorme instrumento.

A Galeria produzia um inegável impacto estético sobre minha pessoa (reconheço, um impacto pesado e dominador), mas também inteiramente destituído de aspectos decorativos e de tudo (imagens de divindades, altos-relevos de textos litúrgicos etc.) que pudessem sugerir adoração ou religião. A impressão que ela produzia em mim era de funcionalismo e intenção rigorosos – como se tivesse sido construída para “realizar um certo tipo de trabalho” (com um OBJETIVO ESPECÍFICO). Simultaneamente, eu me dava conta da concentrada solenidade de estilo e gravidade de maneiras, que pareciam exigir nada menos do que uma séria e completa atenção.

Por essa altura, eu havia subido ininterruptamente até cerca de metade da galeria. À minha frente, e atrás de mim, sombras e luz faziam brincadeiras entre as imponentes paredes de pedra. Parando, virei a cabeça e olhei para cima através da escuridão do teto arqueado, que sustentava o peso esmagador da Grande Pirâmide do Egito. De repente, assaltou-me o pensamento obcecante e inquietante de como ela era velha e como toda minha vida dependia, nesse momento, da perícia dos antigos construtores. Os grandes blocos que forravam o teto distante eram exemplos dessa perícia – todos eles assentados a um gradiente ligeiramente mais íngreme do que o da galeria. Conforme observou o grande arqueólogo e topógrafo Flinders Petrie, isso fora feito para que a borda inferior de cada pedra encaixasse como um dente na engrenagem cortada no alto das paredes, e daí, nenhuma pedra pode exercer pressão sobre a que está embaixo, de modo a ocasionar uma pressão cumulativa através de todo o teto, e cada pedra é separadamente sustentada pelas paredes laterais que estão à sua frente.

E seria isso tudo o trabalho de um povo cuja civilização acabara de emergir da caça-coleta de alimentos do período neolítico? Comecei a subir novamente a galeria, usando o entalhe central de 60cm de profundidade. Um revestimento moderno, auxiliado por ripas convenientes e corrimãos laterais, tornava a subida relativamente fácil. Na antiguidade, contudo, o chão fora de pedra calcária bem polida, lisa, que, a um gradiente de 26°, devia ter sido quase impossível de subir. De que maneira fora feito isso? Teria sido feito, de fato? Alteando-se à frente e no fundo da Grande Galeria, vi a abertura escura da Câmara do Rei, chamando os peregrinos curiosos para penetrar no âmago do enigma.


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