Olhei em volta da câmara de paredes cinzentas da pirâmide de Unas, correndo a vista para cima e para baixo das longas carreiras de hieróglifos, nas quais haviam sido gravados os Textos da Pirâmide. Gravados, aliás, em uma língua morta. Não obstante, a afirmação constante, repetida uma vez após outra nessas composições antigas, era a de vida – vida eterna – que seria obtida através do renascimento do faraó, como estrela, na constelação de Órion. Como o leitor deve recordar-se pelo que leu no Capítulo 19 (onde comparamos as crenças egípcias com as do México antigo), conhecemos vários pronunciamentos que manifestavam explicitamente tal aspiração: Ó, Rei, tu és a Grande Estrela, o Companheiro de Órion, aquele que cruza os céus com Órion… Subiste do leste do céu, sendo renovado na devida estação e rejuvenescido no devido tempo…
Livro “AS DIGITAIS dos DEUSES”, uma resposta para o mistério das origens e do fim da civilização
- Capítulo 1: Brasil e o mapa de Piri Reis
- Capítulo 3: As Digitais dos deuses: Impressões Digitais de uma Ciência Perdida
Por Graham Hancock, livro “AS DIGITAIS DOS DEUSES”, Tradução de Ruy Jungmann, editora Record 2001.
CAPÍTULO 42 – Eras Passadas e Enigmas
Embora inegavelmente belos, nada havia de inerentemente extraordinário nesses sentimentos e não era em absoluto impossível atribuí-los a um povo considerado pelo arqueólogo francês Gaston Maspero como tendo “permanecido sempre meio selvagem”. Além do mais, desde que Maspero fora o primeiro egiptólogo a penetrar na pirâmide de Unas, e havia sido considerado uma grande autoridade nos textos, dificilmente deveria surpreender que sua opinião tivesse inspirado todas as reações acadêmicas a tal literatura, desde que ele começou a publicar traduções da mesma na década de 1880. Maspero, com a pequena ajuda de um chacal, dera ao mundo os Textos da Pirâmide. Daí em diante, o domínio de seus preconceitos sobre o passado funcionou como um filtro para o conhecimento, inibindo interpretações diferentes das declarações mais opacas ou enigmáticas.
Para mim, isso foi, para dizer o mínimo, uma infelicidade. O que isso significava era que, a despeito dos enigmas técnicos e científicos configurados por monumentos como a Grande Pirâmide de Gizé, os estudiosos ignoraram as implicações de algumas passagens notáveis dos textos. Esses trechos pareciam, suspeitosamente, tentativas de expressar imagística técnica e científica complexa em uma linguagem inteiramente imprópria. Talvez fosse coincidência, mas o resultado lembrava aquilo que poderíamos esperar hoje, se tentássemos traduzir a Teoria da Relatividade, de Einstein, para o inglês chauceriano ou descrever um avião supersônico em um vocabulário derivado da Alta Idade Média alemã.
Imagens Deformadas de uma Tecnologia Perdida?
Vejam, por exemplo, o equipamento e ajudas peculiares que o faraó deveria usar quando viajasse para seu local de repouso eterno entre as estrelas:
Os deuses que estão no céu vieram a ti, os deuses que estão na terra se reuniram por ti, eles colocam as mãos sob teu corpo, fazem uma escada para ti, para que por ela subas ao céu, as portas do céu se escancaram para ti, as portas do firmamento estrelado se abrem inteiramente para ti.
O faraó que subia aos céus era identificado, e freqüentemente chamado, de “um Osíris”. O próprio Osíris, como vimos acima, era muitas vezes ligado e associado à constelação de Órion. Diziam os antigos egípcios que Osíris-Órion fora o primeiro a subir a grande escada construída pelos deuses. E várias frases não deixam dúvida de que essa escada não se estendia para cima, da terra para o céu, mas também para baixo, do céu para a terra. Ela era descrita como uma escada de corda e a crença era de que pendia de um “prato de ferro” suspenso no céu. Estaríamos lidando aqui, perguntei a mim mesmo, simplesmente com os produtos da imaginação de sacerdotes semi-selvagens? Ou poderia haver alguma explicação para referências como essas? Na Declaração 261, encontramos:
“O rei é uma chama, movendo-se à frente do vento até os confins do céu e os confins da terra (…) O rei viaja no ar e cruza a terra (…) A ele foi concedido um meio de subir ao céu…”
Passando para o diálogo, a Declaração 310 proclama:
“Oh, tu, cuja visão está em tua face e cuja visão está na parte de trás de tua cabeça, traze isso para mim!” “Que barca te será trazida?” “Traze-a para mim: ‘Ela voa e pousa.”
A Declaração 332, supostamente de autoria do próprio rei, confidenciava:
“Eu sou aquele que escapou da serpente enroscada, eu ascendi em uma explosão de fogo, tendo me transformado inteiramente. Os dois céus vêm a mim.”
Na Declaração 669, uma pergunta é feita: “
Com que meios pode o rei ser levado a voar?”
E uma resposta é dada:
“A ti será trazido a barca-Hnw [palavra em itálico, intraduzível] e… [falta de texto] da ave-hn [palavra em itálico, intraduzível]. Com isso, voarás. Voarás alto e leve.”
Outros trechos, ao que parece, mereciam um exame mais cuidadoso do que o recebido dos “estudiosos”. Vejamos alguns exemplos:
Ó, meu pai, grande Rei, a fresta da janela do céu está aberta para ti. A porta do céu no horizonte abre-se para ti, os deuses estão felizes por te receber… Que possas sentar nesse trono de ferro que é teu, como o Supremo que está em Heliópolis. Ó, Rei, que possas ascender… O céu cambaleia com tua presença, a terra treme diante de ti, as Estrelas Imperecíveis te temem. A ti eu vim, ó ser cujos tronos estão ocultos, que eu possa te abraçar no céu… A terra fala, o portão do deus da terra está aberto, as portas de Geb estão abertas para ti (…) Que possas subir para o céu em teu trono de ferro. Ó, meu pai, ó Rei, tal é o teu caminho quando tiveres ido embora como um deus, viajando como um ser celestial (…) Tu te levantas nos Conclaves do horizonte (…) E te sentas neste trono de ferro, ante o qual os deuses se maravilham…
As referências constantes a ferro, embora fáceis de passar despercebidas, eram estranhas. O ferro, eu sabia, fora um metal raro no Egito antigo, sobretudo na Era das Pirâmides, quando, supostamente, só era encontrado em forma de meteoritos. Ainda assim, nos Textos da Pirâmide, parecia não haver carência de riqueza em ferro: pratos de ferro no céu, tronos de ferro e, em outro trecho, um cetro de ferro (Declaração 665C) e mesmo ossos de ferro para o rei (Declarações 325,684 e 723). Na língua do antigo Egito, o ferro era conhecido como bja, palavra que significa literalmente “metal do céu” ou “metal divino”. O conhecimento do ferro, portanto, era considerado como outra dádiva dos deuses…
Repositórios de uma Ciência Perdida?
Que outras impressões digitais esses deuses poderiam ter deixado nos Textos da Pirâmide? Em minhas leituras – aqui e ali entre as mais arcaicas das Declarações -, eu encontrara várias metáforas que aparentemente se referiam à passagem de épocas em que haviam ocorrido precessões de equinócios. Essas metáforas se destacavam no texto porque eram fraseadas no que se tornara uma terminologia clara e conhecida para mim: a da linguagem científica arcaica identificada por Santillana e Von Dechend no livro “Hamlet’s Mill: An Essay Investigating the Origins of Human Knowledge And Its Transmission Through Myth”. O leitor talvez se lembre que um “diagrama” cósmico dos quatro suportes do céu constituía um dos instrumentos de pensamento padrão empregado na linguagem antiga. Tinha por finalidade facilitar a visualização de quatro faixas imaginárias, concebidas como emoldurando, sustentando e definindo uma era mundial precessional.
Sendo o que astrônomos designam hoje como “coluros equinociais e solsticiais”, elas eram vistas como descendo em espiral do pólo Norte celeste e marcando as quatro constelações contra o pano de fundo das quais, em períodos de 2.160 anos de cada vez, o sol se levantaria invariavelmente nos equinócios de primavera e outono e nos solstícios de inverno e verão. Aparentemente, os Textos da Pirâmide contêm várias versões desse diagrama. Além do mais, como freqüentemente acontece com mitos pré-históricos que transmitem dados astronômicos irrefutáveis, o simbolismo da precessão é fortemente entrelaçado com imagens violentas de destruição terrestre – como que para sugerir que a “quebra do moinho do céu”, isto é, a transição a cada 2.160 anos de uma era zodiacal para outra, poderia, em circunstâncias agourentas, desencadear influências catastróficas sobre eventos terrestres.
O texto, por exemplo, dizia que Rá-Atun, o deus que criou a si mesmo, foi inicialmente o rei dos deuses e dos homens. A humanidade, porém, conspirou contra sua soberania, pois ele começava a envelhecer, seus ossos se tornavam de prata, sua carne de ouro e seus cabelos ficavam [como] lápis-Lazúli. Quando compreendeu o que estava acontecendo, o idoso Deus do Sol (que lembra tanto Tonatiuh, o sanguinário Quinto Sol dos Astecas), resolveu que puniria os rebeldes, exterminando a maior parte da raça humana. O instrumento da calamidade que desencadeou foi simbolizado, em certas épocas, como uma leoa furiosa, chapinhando em sangue, e, em outras, como a aterradora deusa Sekhmet, de cabeça de leão, “que expelia fogo” e acabou com a humanidade em um êxtase de morticínio. A destruição terrível prosseguiu sem pausa durante um longo período. Finalmente, Rá interveio para salvar a vida de um “resto”, os ancestrais da atual humanidade. A intervenção tomou a forma de um dilúvio, que a leoa, sedenta, bebeu e em seguida caiu no sono. Ao acordar, não estava mais interessada em continuar com a destruição e a paz desceu sobre o mundo devastado.
Entrementes, Rá decidiu “retirar-se” do que sobrara de sua criação. “Enquanto vivo, meu coração está cansado de permanecer com a Humanidade. Exterminei-a [quase] até o último homem, de modo que o resto [insignificante] não é assunto meu…” Em seguida, o Rei Sol subiu para o céu montado nas costas da deusa Nut que (para as finalidades da metáfora sobre a precessão que estava por vir) se transformou em uma vaca. Antes de muito tempo – em uma estreita analogia com “o mancal do eixo” que “tremeu” no moinho de Amlodhi, que girava furiosamente -, a vaca “ficou tonta e começou a sacudir-se e a tremer, porque estava muito acima da Terra”. Quando se queixou a Rá sobre esse precário estado de coisas, ele ordenou:
“Que meu filho Shu fique embaixo de Nut para montar guarda por mim, enquanto passo pelos suportes celestes – que existem no pôr-do-sol. Coloque-a em cima de sua cabeça e mantenha-a aí.”
Tão logo Shu tomou seu lugar embaixo da vaca e lhe equilibrou o corpo, “os céus acima e a terra embaixo foram criados”, No mesmo momento, “as quatro pernas da vaca”, como o egiptólogo Wallis Budge comentou em seu clássico estudo, “The Gods of the Egyptians”, “transformaram-se nos quatro suportes do céu, nos quatro pontos cardeais”. Tal como a maioria dos estudiosos, Budge, compreensivelmente, supôs que os “pontos cardeais” mencionados nessa antiga tradição egípcia tinham conotações estritamente terrestres, e que o “céu” nada mais representava que o céu acima de nossas cabeças. Aceitou como certo que o objetivo da metáfora era que visualizássemos as quatro pernas da vaca como posicionadas nos quatro pontos cardeais da bússola – norte, sul, leste e oeste. Pensou também – e, mesmo hoje, poucos egiptólogos discordariam dele – que os simplórios sacerdotes de Heliópolis haviam realmente acreditado que o céu tinha quatro cantos, que eram sustentados por quatro pernas, e que Shu, “o sustentador do céu par excellence”, permanecera imóvel como uma pilastra no centro de todo o edifício.
Reinterpretados à luz das descobertas de Santillana e Von Dechend, contudo, Shu e as quatro pernas da vaca celestial lembram muito mais os componentes de um símbolo científico arcaico, que descreve as circunstâncias de uma era mundial precessional – o eixo polar (Shu) e os coluros (as quatro pernas ou “suportes” que marcam os pontos cardeais equinociais e solsticiais no giro anual do sol). Além do mais, é tentador especular sobre qual a era mundial que estava sendo sugerida neste caso… Estando envolvida uma vaca, poderia ser a Era de Touro, embora os egípcios soubessem, como todo mundo, qual a diferença entre touros e vacas. Mas uma candidata muito mais provável – pelo menos sobre fundamentos puramente simbólicos – seria a era de Leão, de aproximadamente 10970 a 8810 a.C. A razão é que Sekhmet, a responsável pela destruição da Humanidade mencionada no mito, tinha forma leonina.
Que melhor maneira de simbolizar o nascimento complicado da nova Era de Leão, do que descrever seu arauto como um leão em fúria, particularmente porque a Era de Leão coincidiu com o derretimento final e catastrófico da última Era Glacial, durante a qual números imensos de espécies de animais em toda a terra foram súbita e violentamente extintas. A humanidade sobreviveu às imensas inundações, terremotos e rápidas mudanças climáticas que ocorreram na época, embora, com toda probabilidade, em números muito reduzidos e em situação material muito pior.
A Comitiva do Sol e o Morador de Sírius
Claro, a capacidade de reconhecer e definir em mitos arcaicos o período da Eras astronômicas ocasionadas pela precessão dos equinócios implica que os antigos egípcios possuíam uma astronomia de observação mais apurada, e uma compreensão mais sofisticada da mecânica dos corpos celestes do que a creditada a qualquer povo até então. Não há dúvida de que conhecimento desse calibre, se existiu absolutamente, teria sido levado em alta conta pelos antigos egípcios, que o transmitiriam, de forma secreta, de uma geração a outra. Na verdade, teria sido considerado entre os maiores conhecimentos arcanos confiados à guarda da elite sacerdotal em Heliópolis e passado adiante principalmente sob a forma de tradição oral e iniciática. Se, por acaso, tivesse entrado nos Textos da Pirâmide, não seria provável que sua forma fosse velada em metáforas e alegorias?
Cruzei lentamente o chão empoeirado da câmara da tumba, da pirâmide de Unas, notando o ar muito parado, lançando ao mesmo tempo os olhos para as desmaiadas inscrições em azul e dourado. Em linguagem codificada, vários milênios antes de Copérnico e Galileu, algumas das passagens gravadas nessas paredes pareciam oferecer pistas para a verdadeira natureza heliocêntrica do sistema solar. Em uma delas, por exemplo, Rá, o Deus Sol, é mostrado sentado no trono de ferro, cercado por deuses menores (os planetas), que se moviam constantemente em volta dele e que ali se diz que formam sua “comitiva”.
De forma parecida, em outro trecho, insiste-se com o faraó morto que “se ponha de pé à frente de duas metades do céu e pense bem nas palavras dos deuses, dos anciãos, que revolvem em torno de Rá”. Se ficasse provado que os “anciãos” e os “deuses circundantes” que revolviam em torno de Rá eram partes de uma terminologia que se referia aos planetas de nosso sistema solar, os autores originais dos Textos da Pirâmide deveriam forçosamente ter tido acesso a alguns dados astronômicos notavelmente avançados. Eles deviam ter sabido que a Terra e os planetas revolviam em torno do sol, e não o contrário. O problema criado por essa possibilidade é que nem os antigos egípcios em nenhum estágio de sua história, nem mesmo seus sucessores, os gregos e, por falar nisso, tampouco os europeus até a Renascença, possuíam dados cosmológicos de qualquer coisa que se aproximasse dessa qualidade.
Como, por conseguinte, poderia a presença desses dados ser explicada em composições escritas que datavam do alvorecer da civilização egípcia? Outro mistério (talvez correlato) diz respeito à estrela Sírius, que os egípcios identificavam com ÍSIS, a irmã e esposa de Osíris e mãe de Hórus. Em uma passagem dirigida ao próprio Osíris, declaram os Textos da Pirâmide:
Tua irmã ÍSIS vem a ti, rejubilando-se em seu amor por ti. Tu a colocas sobre ti, teu membro nela penetra e ela torna-se grande com um filho, como a estrela Sept [Sírius, a estrela da constelação do Cão Maior], Hórus-Sept sai de ti sob a forma de Hórus, que habita em Sept.
Numerosas interpretações dessa passagem são, claro, possíveis. O que me intrigava, porém, era a clara implicação de que Sírius devia ser considerado como uma entidade dual, comparável, de alguma maneira, a uma mulher “grande com filho”. Além do mais, após ter nascido (ou saído) essa criança, o texto toma um cuidado especial em nos lembrar que Hórus continuou a “habitar em Sept”, presumivelmente sugerindo que ele permaneceu ligado à mãe. Sírius é uma estrela incomum.
Ponto mais brilhante de luz, especialmente visível nos meses de inverno nos céus noturnos do hemisfério Norte, consiste de um sistema estelar binário (na verdade é um sistema TRIPLO), ou melhor, ela é, na verdade, como sugerem os Textos da Pirâmide, uma “entidade dual”. A maior componente da dupla, Sírius -A, é a que vemos. Sírius -B, por outro lado – a estrela anã que revolve em torno de Sírius A -, é absolutamente invisível a olho nu. Sua existência só se tornou conhecida da ciência ocidental em 1862, quando o astrônomo americano Alvin Clark observou-a, usando um dos maiores e mais modernos telescópios da época.
De que maneira poderiam os escribas que gravaram os Textos da Pirâmide ter obtido a informação de que Sírius era duas estrelas em uma? Eu sabia que no “The Sirius Mistery”, um livro importante publicado em 1976, seu autor americano, Robert Temple, dera algumas respostas extraordinárias a essa pergunta. Seu estudo concentrou-se nas crenças tradicionais da tribo Dogon, na África Ocidental – em crenças nas quais o caráter binário de Sírius era especificamente descrito e onde o número de 50 anos era dado para o período da órbita de Sírius-B em torno de Sírius-A.
Temple argumentou convincentemente que essa informação técnica de conhecimento astronômico de alta qualidade fora passada aos Dogons pelos antigos egípcios, através de um processo de difusão cultural, e que era para eles que deveríamos nos voltar para a solução do mistério de Sírius. Concluiu ele ainda que os antigos egípcios deveriam ter recebido a informação de seres inteligentes oriundos da região de Sírius. Tal como Temple, eu começara a desconfiar que os elementos mais avançados e sofisticados da ciência egípcia só faziam sentido se entendidos como parte de uma herança. Mas, ao contrário de Temple, não via razão urgente para atribuir a herança a extraterrestres.
Na minha opinião, o conhecimento sobre a estrela anômala que os sacerdotes de Heliópolis aparentemente possuíam era explicado, de forma mais plausível, como o legado de uma civilização humana perdida que, na contramão da história, atingira um alto nível de avanço tecnológico na antiguidade remota. Parecia-me que a construção de um instrumento capaz de detectar Sírius-B talvez não tivesse estado além da engenhosidade dos exploradores e cientistas desconhecidos que haviam desenhado os notáveis mapas do mundo pré-histórico discutidos na Parte I. Tampouco isso teria sido difícil para os astrônomos e calculadores do tempo que legaram aos antigos maias um calendário de espantosa complexidade, um banco de dados sobre os movimentos de corpos celestes que só podia ter sido produto de milhares de anos de observações anotadas com precisão, e uma facilidade com números muito grandes que pareciam mais apropriados às necessidades de uma sociedade tecnológica complexa do que às de um “primitivo” reino na América Central.
Milhões de Anos e Movimentos das Estrelas
Números muito grandes aparecem também nos Textos da Pirâmide, na simbólica “barca de milhões de anos”, por exemplo, nos quais se diz que o Deus do Sol navegava pelas águas escuras e vastidões destituídas de ar do espaço interestelar. Thoth, o deus da sabedoria (aquele que calcula no céu, o contador de estrelas, o que mede a terra) possuía especificamente o poder de conceder uma vida de milhões de anos ao faraó mortal. Osíris, “rei da eternidade, senhor do eterno”, é descrito como vivendo milhões de anos. E números como “dezenas de milhões de anos” (bem como o mais estonteante ainda, “um milhão de milhões de anos, ou seja um bilhão de anos”) reaparecem com uma freqüência suficiente para sugerir que certos elementos, pelo menos da cultura egípcia, devem ter evoluído, para conveniência de indivíduos de mente científica, com mais do que uma introvisão esporádica da imensidão do tempo.
Esse povo, naturalmente, teria necessitado de um excelente calendário – um calendário que teria facilitado cálculos complexos e exatos. Não constituiu, portanto, motivo de surpresa descobrir que os antigos egípcios, tal como os maias, dispunham de um calendário desse tipo e que a compreensão que tinham de seu funcionamento aparentemente declinou, em vez de aumentar, à medida que se sucediam as eras. Era tentador interpretar esse fato como erosão gradual de um corpus de conhecimento herdado de um tempo extremamente remoto, impressão esta apoiada pelos próprios antigos egípcios, que não faziam segredo da crença em que o calendário que usavam era um legado que haviam recebido “dos deuses”. Estudaremos com mais detalhes, nos capítulos seguintes, a possível identidade desses deuses.
Quem quer que tenham sido, eles devem ter passado parte muito grande de seu tempo observando as estrelas e acumulando um fundo de conhecimentos avançados e especializados sobre a estrela Sírius, em particular. Prova ulterior dessa conclusão surgiu sob a forma da dádiva, mais útil, de um calendário que os deuses supostamente deram aos egípcios; o ciclo Sothico (ou de Sírius, chamada de Sothis pelos egípcios). O ciclo Sothico baseava-se no que é chamado em jargão técnico de “retorno periódico da ascensão heliacal de Sírius“, isto é, o primeiro aparecimento da estrela após uma ausência sazonal, surgindo ao amanhecer imediatamente antes de o sol nascer, na parte leste do céu.
No caso de Sírius, o intervalo entre um desses aparecimentos e o seguinte equivale a exatamente 365,25 dias – um número matematicamente harmonioso, sem complicação de mais casas decimais, e que é apenas doze minutos mais longo do que a duração do ano solar. O curioso sobre Sírius é que entre umas 2.000 estrelas visíveis a olho nu, ela é a única a erguer-se heliacalmente nesse intervalo preciso e belamente redondo de 365 dias e um quarto de dia – um produto único de “seu movimento próprio” (a velocidade de seu próprio movimento através do espaço), combinado com os efeitos da precessão dos equinócios.
Além do mais, é sabido que o dia da ascensão heliacal de Sírius (acontece em 26 de julho)- o Dia do Ano-Novo no calendário egípcio antigo (comemorado em todos os dias 26 de julho) – era tradicionalmente calculado em Heliópolis, onde foram compilados os Textos da Pirâmide, e anunciado com antecipação a todos os principais templos acima e abaixo do Nilo. Lembrei-me de que Sírius é mencionada diretamente nos Textos da Pirâmide por “seu nome, do Ano-Novo”. Juntamente com outras declarações relevantes (como, por exemplo, a 669), o fato confirmava que o calendário sothico era pelo menos tão antigo quando os próprios Textos e que suas origens retroagiam às brumas da distante antiguidade.
O grande enigma, por conseguinte, é o seguinte: nesse período tão antigo, quem poderia ter possuído o know how e o conhecimento necessário para observar e anotar a coincidência do período de 365,25 dias com a ascensão heliacal de Sírius – uma coincidência descrita pelo matemático francês R.A Schwaller de Lubicz como “um fenômeno celeste inteiramente excepcional”? Não podemos deixar de admirar a grandeza de uma ciência capaz de descobrir tal coincidência. Foi escolhida a estrela binária Sírius porque é a única que se move na distância necessária e na direção certa, contra o pano de fundo das outras estrelas. Este fato, conhecido quatro mil anos antes de nosso tempo e esquecido até nossos dias, obviamente exige uma observação extraordinária e prolongada do céu. E foi dessa herança – construída através de longos séculos de uma astronomia de observação e científica – que o Egito parece ter se beneficiado no início do período histórico, e que é descrita nos Textos da Pirâmide. Nesse fato existe também um mistério.
Cópias ou Traduções?
Escrevendo em 1934, ano de sua morte, Wallis Budge, ex-curador de Antiguidades Egípcias, do Museu Britânico, e autor de um respeitado dicionário de hieróglifos, fez esta franca confissão:
Os Textos da Pirâmide de Unas estão cheios de dificuldades de todos os tipos. São desconhecidos os significados exatos de grande número de palavras neles encontradas. (…) A construção das sentenças frustra constantemente todas as tentativas de traduzi-las e, quando elas contêm palavras inteiramente desconhecidas, o texto se torna um enigma indecifrável. É apenas razoável supor que esses textos foram freqüentemente usados para “finalidades funerárias”, mas é também muito claro que o período em que foram usados no Egito teve pouco mais de cem anos. Não há explicação para o motivo por que foram subitamente postos em uso ao fim da Quinta Dinastia e deixaram de ser usados ao fim da Sexta.
Poderia a resposta ser que os Textos fossem cópias de uma literatura mais antiga que Unas, o último faraó da Quinta Dinastia, juntamente com vários de seus sucessores na Sexta, tentaram gravar para sempre em pedra nas câmaras funerárias de suas próprias pirâmides? Era o que pensava Budge, e achava que a prova sugeria que pelo menos alguns documentos básicos deveriam ser extremamente antigos:
Vários trechos contêm prova de que os escribas que desenharam as cópias, baseadas nas quais os gravadores de inscrições trabalharam, não compreendiam o que estavam escrevendo. (…) A impressão geral é que os sacerdotes que desenharam as cópias fizeram extratos de várias composições de diferentes idades e com conteúdos diferentes…
Tudo isso pressupunha que os documentos básicos, quaisquer que tenham sido, deveriam ter sido escritos em uma forma arcaica da língua egípcia. Havia, contudo, uma possibilidade alternativa que Budge ignorou. Suponhamos que a tarefa dos sacerdotes não tivesse sido apenas de copiar material, mas de traduzir para hieróglifos textos originariamente compostos em outra língua inteiramente diferente? Se essa língua incluía terminologia técnica e referências a artefatos e idéias para os quais não havia equivalentes no Egito antigo, este fato daria uma explicação para a estranha impressão provocada por certas declarações. Além do mais, se o trabalho de cópia e tradução dos documentos básicos originais tivesse sido completado ao fim da Sexta Dinastia, era fácil compreender por que nunca mais foram gravados “Textos da Pirâmide”: o projeto teria chegado ao fim quando cumprido seu objetivo – que teria sido o de criar um registro hieroglífico permanente de uma literatura sagrada que já vinha cambaleando de velhice quando Unas assumiu o trono do Egito, no ano 2356 a.C.
Últimos Registros pela Primeira Vez?
Uma vez que queríamos cobrir antes do anoitecer, tanto quanto possível, a distância até Abidos, Santha e eu decidimos, relutantes, que era tempo de voltar à estrada. Embora tivéssemos resolvido antes passar ali apenas alguns minutos, a escuridão sombria e as vozes antigas da câmara da tumba de Unas nos haviam anestesiado os sentidos e quase duas horas se haviam passado desde nossa chegada. Abaixando-nos para sair, deixamos a tumba e subimos a passagem íngreme até a saída, onde paramos por um instante para que nossos olhos se acostumassem à forte luz solar de meados da manhã. Enquanto o fazíamos, aproveitei a oportunidade para examinar a própria pirâmide, que havia caído em um estado tão dilapidado que mal se conseguia reconhecer sua forma original.
As obras de cantaria básicas, reduzidas a um estado de pouco mais do que uma pilha de escombros informes, era evidentemente de qualidade medíocre e até mesmo os blocos do revestimento – alguns dos quais ainda se conservavam intactos careciam da finesse e perícia artesanal exibidas pelas pirâmides mais antigas de Gizé. Havia aí um fato difícil de explicar em termos históricos convencionais. Se os processos evolutivos normais que presidem ao desenvolvimento de perícia e idéias arquitetônicas estiveram em curso no Egito, seria de esperar que houvesse acontecido o oposto: o projeto, o trabalho de engenharia e cantaria da Pirâmide de Unas deveriam ter sido superiores aos do grupo de Gizé que, de acordo com a “cronologia ortodoxa”, tinha sido construído cerca de dois séculos antes. O fato embaraçoso de que isso não acontecia (isto é, que Gizé era “melhor” do que Unas, e não o contrário) representou espinhosos desafios para os “eruditos egiptólogos” e inspirou perguntas para as quais nenhuma resposta satisfatória foi dada. Ou, para repetir o problema fundamental: tudo nas três espantosas e soberbas pirâmides de Khufu, Khafre e Menkaure proclamava que elas eram os produtos finais de centenas, talvez milhares, de anos de experiência arquitetônica e de engenharia acumulada.
Tal fato, porém, não era confirmado pela prova arqueológica, que nenhuma dúvida deixava de que elas figuravam entre as primeiras pirâmides jamais construídas no Egito – em outras palavras, elas não eram produtos da fase madura do experimento de construção do país, mas, estranhamente, criações de sua infância. Outro mistério clamava também por uma solução. Nas três grandes pirâmides de Gizé, a Quarta Dinastia criara mansões para a eternidade – obras-primas de pedra sem precedentes e insuperadas, de mais de cem metros de altura, pesando cada uma delas milhões de toneladas, e que incluíam um sem-número de aspectos extremamente avançados. Nenhuma pirâmide de qualidade comparável fora jamais construída. Mas, apenas pouco tempo depois, embaixo de superestruturas menores e mais pobres das pirâmides da Quinta e Sexta Dinastias, uma espécie de Galeria de Registros parecia ter sido deliberadamente criada: uma exposição permanente de cópias, ou traduções, de documentos arcaicos que eram, simultaneamente, obras-primas insuperaveis e sem precedentes da arte dos escribas e da escrita hieroglífica.
Em suma, tal como as pirâmides de Gizé, parecia que os Textos da Pirâmide haviam explodido em cena sem antecedentes visíveis e ocupado o centro do palco por aproximadamente cem anos, antes das “operações terminais”, e que nunca mais seriam ultrapassadas. Poderíamos presumir que os reis e sábios antigos que haviam organizado essas coisas sabiam o que estavam fazendo? Se assim, eles forçosamente teriam um plano e a intenção de estabelecer uma forte conexão visível entre as pirâmides de Gizé, inteiramente destituídas de inscrições (mas tecnicamente brilhantes), e as pirâmides dotadas de inscrições brilhantes (mas tecnicamente de segunda classe) das Quinta e Sexta Dinastias. Eu desconfiava, também, que pelo menos parte da solução do problema poderia estar no campo de pirâmides de Dahshur, pelo qual passamos quinze minutos depois de deixar Saqqara.
Era alí que se localizavam as denominadas pirâmides “Vergada” e “Vermelha”. Atribuídas a Sneferu, pai de Khufu, esses dois monumentos (segundo todas as opiniões, muito bem preservados) haviam sido fechados ao público há muitos anos. Uma base militar fora construída em volta delas e durante muito tempo fora impossível visitá-las – em quaisquer circunstâncias, jamais…
Continuando nossa jornada para o sul, através das cores brilhantes daquele dia de dezembro, fui tomado pela sensação irresistível de que o Vale do Nilo fora palco de eventos importantes para a humanidade, muito tempo antes de começar a história documentada da própria humanidade. Todos os registros e tradições mais antigos do Egito falam desses fatos e ligam-nos a uma época durante a qual os deuses reinavam na terra: os fabulosos Primeiros Tempos, que eram chamados de Zep Tepi. Nos dois capítulos seguintes, iremos examinar esses registros.
Se voce REALMENTE tem interesse em saber QUEM construiu as Pirâmides, no EGITO e no MÉXICO, QUANDO, para QUAL FINALIDADE, e as CONSEQUÊNCIAS, por favor leia TODO O MATERIAL sobre o planeta MALDEK.