Esta é uma história contada na primeira pessoa, pelo próprio personagem que a viveu, há milhares de anos, no então continente de Atlântida, a sua vida passada na ilha continente hoje perdida sob às águas do oceano Atlântico, veio ao conhecimento do público no final do século XIX, quando sua história foi publicada na Califórnia, Santa Barbara. Ela ilumina a escuridão sobre um período longínquo da história da própria humanidade, que é descartada como lenda e mito pelo establishment dos eruditos acadêmicos que também duvidavam da existência de Troia e Micenas até que Heinrich Schliemann as descobrisse em 1870.
Livro “Um Habitante de Dois Planetas ou a Divisão do Caminho“, de Philos, o Tibetano. Livro concluído em 1886 e publicado em 1905 por Baumgardt Publishing Company
Minha nova vida trouxe inúmeras novidades para minha mãe e eu, recém-chegados das montanhas a um centro urbano. Após ter aprendido mais algumas coisas sobre suas conveniências, logo me harmonizei com a nova situação. Adaptei meu modo de vestir ao estilo citadino, sendo minha atitude natural reservada, pude dar a impressão de estar à vontade, algo que foi apoiado cada vez mais pelo grau crescente de segurança que fui adquirindo.
A vida de um estudante no ambiente da escola, como aprendi após matricular-me no Xioquithlon, mostrou ser tão enervante para alguém acostumado à total liberdade que me vi obrigado a criar um esquema que me permitisse fazer o necessário exercício físico. Depois de pensar por algum tempo, e tendo conseguido algumas informações fortuitas, procurei o Superintendente Distrital de Solos e Agricultura e solicitei que ele me indicasse um pedaço de terra que eu pudesse cultivar, não necessariamente com lins lucrativos mas pela prática contando-lhe que era um estudante.
O Superintendente, com oficial indiferença, abriu um mapa das terras adjacentes a Caiphul. Ao falar de distâncias, consultei a provável conveniência de meus leitores e usei pés, jardas, milhas e assim por diante, como medidas nominais. Usarei o mesmo método nesta oportunidade, lembrando que nosso sistema de medição era fundamentado em um princípio similar ao moderno sistema gálico ou métrico. Sua unidade, entretanto, não era a décima milionésima parte do quadrante terrestre. Originava-se, ao invés, no grande Rai das Leis Maxin. Como foi observado anteriormente, esse monarca havia introduzido todas as reformas concebíveis, entre outras a de substituir por um sistema uniforme de medidas o método anterior desajeitado, embora não totalmente anti-científico.
A circunferência da Terra no equador, tal como fora de terminada pelos astrônomos, tinha servido de base, assim como o moderno sistema métrico que usa uma fração da quadratura da divisão polar norte e sul da Terra. Esse padrão, entretanto, não era considerado totalmente confiável; temia-se que algum erro tivesse se insinuado no cálculo original; mesmo que fosse o caso, o bastão de ouro usado como referência teria servido a todas as finalidades, uma vez que era imutável, mas o desejo humano de ser tão perfeito quanto possível era tal que, como eu disse, o medo do erro destruía a confiança. Todo homem que quisesse podia instituir um padrão particular, baseado em qualquer esquema que lhe servisse, um estado de coisas que levou a fraudes deploráveis em todo o império.
O Rai Maxin então instituiu um sistema tão admirável que foi imediatamente aceito como autoridade absoluta, especialmente porque ninguém duvidou que tivesse vindo do próprio Incal. O Rai mandou construir um recipiente com um material que sofria a menor expansão ou contração conhecida sob a influência do calor ou do frio. Esse recipiente era, interiormente, um cubo oco perfeito, do tamanho exato da Pedra-Maxin. Um tubo maciço foi feito da mesma substância, com cerca de quatro polegadas de diâmetro interno. No recipiente cúbico foi despejada água destilada na quantidade exatamente suficiente para preenchê-lo, a uma temperatura de 398° Farenheit [203,33º C], de modo a não deixar nenhuma bolha de ar no interior do cubo.
Essa água foi então colocada no tubo, e a mesma temperatura baixa foi cuidadosamente mantida. A altura exata da água era então gravada num bastão feito com o mesmo metal dos dois recipientes (cúbico e tubular). O passo seguinte era aquecer a água a 211,95° Farenheit [99,44º C], sendo este processo e o anterior executados ao nível do mar num dia típico de verão. Com o calor, a água se expandia a um grau apropriado, e o ponto de quase ebulição era marcado como no passo anterior; a diferença marcada no bastão entre as duas linhas gravadas passou a ser a unidade de medição linear, da qual todas as outras medidas derivaram, sendo a medida do peso calcada no peso do cubo oco cheio de água a 398° F. Uso a escala termométrica Farenheit porque a escala de Poseid não faria sentido para ti.
Perdoa-me a digressão, já que a mesma revela outra fase da vida naquela era há tanto tempo decorrida.
Voltando ao gabinete do Superintendente: tendo aberto um mapa de áreas não arrendadas à minha frente (lembra-te que não havia donos de terras, pois estas pertenciam ao governo) ele voltou a atenção para outras tarefas, deixando-me ali para estudar o assunto com calma. Passando os olhos pelas descrições ali impressas, descobri que um terreno de uns cinco acres, onde havia «um antigo pomar com várias espécies de árvores frutíferas, estava disponível e ficava a uma distância aproximada de oito “vens” (quase o mesmo número de milhas) da cidade, mas adentrando ti península. Seu antigo arrendatário tinha contratado os direitos |x>r cinqüenta anos, mas por motivo de sua morte a propriedade linha ficado abandonada e livre para ser ocupada.
O fato de que os estudantes freqüentemente tinham pouco dinheiro para suas despesas gerais era levado em conta pelo governo, que em todas as suas negociações com essa classe oferecia condições melhores do que para qualquer outra categoria social.
A propriedade em questão me atraiu por sua descrição: “uma írea de aproximadamente oito vennines (cerca de cinco acres), com uma casa de quatro cômodos, água de fonte canalizada para a casa; um vennine plantado com flores ornamentais, seis destinados a árvores frutíferas com quinze anos de idade. Condições (com todas as benfeitorias) para estudantes: metade da colheita de frutas, todas as flores próprias para perfume que forem cultivadas entregues ao Agente do Departamento de Solos e Agricultura.
Para outros que não sejam estudantes, quatro tekas por mês (equivalentes s dez dólares e vinte e três centavos). Prazo mínimo de arrendamento, um ano. Resolvi arrendar o terreno, após verificar que “todas as conveniências” significava transporte por vailx, serviço telefótico (naim), um instrumento de condução de calor que economizaria combustível; a energia para ser convertida em calor para cozinhar e outras finalidades seria transmitida pelo “Navaza”, um conjunto de forças materiais que em teus modernos dias se chamam “correntes telúricas”, mas que no caso incluíam também as do éter superior, algo que ainda descobrireis e utilizareis como o fez a Attlântida, pois sois poseidanos renascidos. Eu o digo. Já vivestes e viveis agora novamente. Usastes todas essas forças naquela tempo e dentro de pouco tempo as usareis de novo.
Tendo decidido ficar com a propriedade que me fora mostrada, transmiti minha decisão ao funcionário, que imediatamente me deu um contrato e me ajudou a preenchê-lo corretamente. Apenas como um
relance daquela época há muito passada, ofereço o teor do contrato de arrendamento:
“Eu,……, idade…anos, do sexo………………, ocupação………, faço com o Departamento de Solos um contrato de arrendamento do terreno……………… no distrito de……., com as seguintes características:
………………….Concordo em arrendá-lo pelo prazo de………….anos, com a aprovação do altíssimo Incal.”
Arrendei o terreno por oito anos, uma vez que esperava residir em Caiphul pelo menos por esse período de tempo como aluno do Xioquithlon.
Não me pareceu nada desprezível ter a facilidade de me transportar por vailx dali até o Xioquithlon, podendo assim ter o prazer de uma viagem aérea diária. O vailx, como os táxis de hoje, podia ser pedido por telefone e chegava logo depois da chamada.
Era costume que todos os recém-chegados à cidade visitassem o palácio Agacoe e seus jardins tão logo fosse conveniente. Todas as semanas o Rai (imperador) ficava sentado no salão de audiências por duas horas. Nesse período os visitantes apinhavam-se nos corredores e passavam diante do trono em fila dupla. Depois dessa cerimônia, os que quisessem tinham liberdade de passear à vontade pelos jardins, observar o zoológico onde todas as espécies conhecidas de animais eram mantidas, ou entrar no grande museu e na biblioteca real. Para muitos, era um costume agradável passar com freqüência o dia em Agacoe; nessas ocasiões os visitantes traziam seu almoço e faziam um piquenique tranqüilo sob as grandes árvores ao lado do chafariz, do lago ou da catarata.
Devo agora voltar ao tempo em que minha mãe e eu ainda estávamos completamente desacostumados ao comportamento citadino, para que o leitor possa nos acompanhar em nossas descobertas. Iniciemos pela visita ao Agacoe. Um homem que conhecemos por acaso nos guiou até o palácio, numa viatura que partilhamos os três. Carros ainda eram uma novidade para mim e a maneira de dirigi-los tornou-se mais um assunto sobre o qual quis ser informado.
Nosso amigo tirou uma moeda da bolsa e inseriu-a na abertura existente numa caixa de vidro em uma extremidade do carro. A moeda tinha de cair de forma a chegar ao fundo de um cilindro de vidro, bem
pouco maior em diâmetro do que a moeda. Duas pontas de metal que se projetavam na extremidade inferior do cilindro, mas não se aproximavam uma da outra mais do que um quarto de polegada, encontravam-se no fundo. Quando a moeda caiu nessas projeções, uma pequena campainha soou; meu amigo então mexeu numa alavanca com uma barra de trava até a campainha soar. Quando a moeda fechou o circuito ao cair, essa trava automaticamente se deslocou, ao mesmo tempo fazendo soar uma campainha como observei acima e destravando a alavanca. Quando esta foi erguida o carro se moveu súbita mas suavemente e saiu da sua estação.
O veículo estava preso ao trilho suspenso, e NÓS as periferias de suas grandes rodas suspensas eram visíveis, que juntamente com seus eixos, elas estavam em sua maior parte ocultas por uma cobertura de metal que se estendia de uma roda a outra; dentro dessa cobertura podia-se ouvir um zumbido baixo e cantante, produzido pelo mecanismo do motor. A idéia de fazer o passageiro servir como engenheiro e condutor era muito boa, já que os processos requeriam tão pouco conhecimento ou trabalho. Quando deixamos o carro no abrigo abaixo do terraço de Agacoe, nosso amigo recolocou a alavanca no lugar, a sineta tocou de novo, a moeda caiu em uma caixa reforçada em baixo, e o veículo estava pronto para uso de outros passageiros.

Na grande entrada, um portal que era uma maravilha arquitetônica, nosso amigo se despediu e logo desapareceu a grande velocidade, dirigindo-se para algum local mais distante do que o que havíamos alcançado. Olhando para a lista colocada acima daquela linha particular, vi que ali estava escrito em caracteres poseidanos: “Aagak mnoiinc sus”, ou seja, “Frente da Cidade e Grande Canal”, isso em tradução livre. Desejando me informar sobre nosso amigável guia, perguntei quem era ele a alguém que tinha observado nossa chegada com interesse:
“Ele é um grande pregador, que prevê a destruição deste continente e conclama todos para que vivam de forma a não temer enfrentar o Uno que, segundo ele, é o Filho de Incal, que virá para a Terra em um dia que não tardará muito. Ele diz que esse Filho de Deus será o Salvador da humanidade, mas que muitos não O reconhecerão até que tenha sido morto. Doze o conhecerão, mas um deles O negará na hora de Seu derradeiro perigo. Na verdade, o assunto é extremamente interessante, apesar de eu não compreendê-lo muito bem; mas como Rai Gwauxln -que Incal o proteja! – trata esse pregador com favorecimento e diz a seu respeito, “ele fala verdades” é recebido com atenção por todos.”
Caro Leitor, mesmo naquela época tão remota, a verdade estava surgindo no mundo. Na manhã do novo ciclo já aparecera um raio do brilhante Sol do cristianismo, que ainda não havia iluminado o céu com a plenitude de sua glória. Naquele dia eu havia viajado no carro junto com o primeiro profeta a anunciar a vinda de [75] Nosso Senhor Jesus Cristo milênios à frente de nosso tempo, exortando os que o ouviam a viverem de modo que suas almas se tornassem um solo virgem para permitir o surgimento do Sol da Verdade, tornando-se preparadas para receber o Mestre quando, após a morte do corpo físico que então possuíam, tivessem voltado de Devachan à terra como almas reencamadas. A semente estava sendo plantada!
Essa idéia me ocorreu quando, num período posterior, ouvi o profeta falar com apaixonada eloqüência para a assembléia especial de Xioquithli (estudantes) especialmente reunida. Sei que a semente caiu em solo sem cultivo, quando comparo minha vida de agora com as vidas passadas; por muito tempo a semente permaneceu dormente e, enquanto assim ficou, as amargas experiências do pecado e do erro se impuseram e arrasaram minha vida com uma onda de fogo ardente que precisou de outra encarnação para curar as feridas por ela causadas.
Enquanto ficamos parados sob o pórtico da grande entrada de Agacoe, nós montanheses sem sofisticação que éramos! – não podíamos saber, quando um guia uniformizado nos abordou, que o imperador, sentado em seu trono a meia milha de distância, estava naquele mesmo momento perfeitamente informado de nossa aparência e também sabia que palavras usávamos e o tom com que as pronunciávamos. O soldado me perguntou:
- “E tu de onde vens e qual é o teu nome?”
- “Chamo-me Zailm Numinos e venho de Querdno Aru.”
- “Esta visita é a primeira ou estiveste aqui antes?”
- “Nunca estive aqui, nem minha mãe que está aqui ao meu lado.”
- “Pois se assim é, providenciarei um acompanhante para ambos. Ele se encontra naquele portão. Mais uma pergunta, por favor.- qual a tua missão em Caiphul?”
- “Vim para estudar xioq no Inithlon; minha mãe para cuidar de nossa casa.”
- “Está bem. Podeis ir.”
Esse colóquio ocorreu no grande portal que dava entrada para o terraço acima. A sentinela estava postada atrás de um portão [76] de bronze e ouro ricamente trabalhado, muito delicado mas suficiente para impedir a entrada de alguém indesejável. Atrás do soldado havia um grande espelho, no pesado arco do portal. Esse arco estava suspenso por duas hastes de cobre polido de modo a impedir que tocasse os lados do nicho em qualquer ponto.
Se eu tivesse podido olhar atrás dele, teria visto o conjunto de cordas metálicas, bastante parecido com às do piano, junto com outras peças de um mecanismo que naquela ocasião nada diriam a minha mente ainda deseducada. Como poderia eu sequer suspeitar que aquela chapa de brilhante metal Polido no qual se reluzia todo o interior daquela arcada, como se fosse num lago tranqüilo, era um engenhoso mecanismo mensageiro automático?
Que aqueles Inúmeros fios de metal vibravam em sintonia, com toda inflexão possível de voz ou outros sons, e que quando falei todos os sons que emiti foram levados velozmente ao longo de correntes-terra umbrais, próprias do Lado-Noite da Natureza e que reagiam e obedeciam ao controle do homem, sendo todas as palavras e sons ouvidos pelo Rai em seu trono?
Nem podia eu sonhar que, simultaneamente, o reflexo de nossa imagem era igualmente transmitido à mesma augusta presença. Mas esses eram os feitos. . . Uns poucos passos nos levaram até um portão interno feito de chapas de ferro fenestrado que com o simples apertar de um botão se erguia para permitir a passagem por baixo. Nesse ponto encontramos o guia que o guarda havia providenciado. Julguei que seu silêncio era uma indicação de grosseria, pois não sabia que ele tinha recebido ordens, antes de nos aproximarmos, para nos conduzir até a presença real, o que tornava inútil que expressássemos o nosso desejo.
Sua observação em voz baixa “Compreendo”, quando comecei a dizer o que queria, impediu que eu continuasse, pois senti-me ofendido em meu orgulho por sua reserva, tão diferente da liberdade com que meus associados montanheses se comunicavam. E havia tantas pessoas assim arrogantes na cidade! Resolvi dar-lhe uma lição e ponderei a melhor forma de lhe dizer que eu considerava seus modos totalmente fora de propósito em alguém de sua posição. Eu não podia imaginar que ele já tivesse todas as informações necessárias sobre nós, pois embora a distância entre seu posto e o grande portal não fosse grande, era obviamente longe dernais para que nossas palavras ditas em voz baixa pudessem ter sido ouvidas.
Pedreiros tinham feito o acabamento das paredes com um reflexo ao qual tinham sido incorporados grãos de vidro colorido. Enquanto nossa admiração ainda nos envolvia, paramos e vi que estávamos no fundo de uma espécie de poço; em volta dele, os trilhos subiam em espiral até aparentemente terminar sob um teto vagamente visível graças à luz que o carro irradiava para cima enquanto subíamos. Quando chegamos perto, um sino tocou agradavelmente duas vezes e imediatamente o teto se abriu silenciosamente para um lado, permitindo a passagem do veículo. Atrás de nós o poço voltou a se fechar automaticamente e nos vimos num esplêndido aposento, cujas dimensões eram difíceis de calcular devido a muitos biombos suspensos de seda carmim, a cor real, e folhagens que formavam paisagens de selva em miniatura.
As flores e as aves canoras, os repuxos e o ar perfumado, mais a sombra fresca após o calor lá de fora, pois não havíamos ficado tempo suficiente no poço do elevador para nos refrescarmos, fizeram o lugar parecer um paraíso. Só se viam partes do sacerdócio, o cinza das classes científica, literária e artística. O azul distinguia os artesãos, mecânicos e operários, enquanto o verde distinguia todos os que, por qualquer razão – imaturidade ou falta de educação – não gozavam do direito de voto. Apesar de que o sistema de castas era estritamente obedecido, resultava num bem e não num mal, pois não havia rivalidade de classes, porque a dignidade do trabalho do indivíduo era um sentimento tão forte que uma classe não invejava a outra. Somente os que usavam verde eram discriminados.
Os que usavam essa cor por ainda não serem maiores de idade deixariam de usá-la mais tarde, enquanto que os que não tinham estudos suficientes para obter o direito de usar outra cor, sentiam que o estigma que os acompanhava era uma motivação para alcançarem uma posição mais honrosa na vida. Enquanto eu observava esses vários detalhes que seriam alimento para minha mente, nosso carro foi eficientemente manobrado para evitar uma colisão com o de uma dama que vinha em frente, aparentemente distraída enquanto arrumava uma ponta solta de seu turbante cinza, mostrando, ao fazê-lo, o brilho de um rubi, gema que só a realeza podia usar. Nosso carro chegou a um ponto onde havia grande quantidade de carros e nos conduziu até um segundo aposento.
Quanto à jovem real usando turbante cinza e o rubi. . . meus pensamentos continuavam com ela! Como era radiosa sua beleza! Foi aquela a primeira vez que vi a Princesa Anzimee. . . mas não devo me adiantar! O recinto onde entramos era menor do que o que tínhamos acabado de deixar, mas ainda assim estava longe de ser pequeno. Tudo ali tinha a cor carmim, brilhante e cintilante, a não ser por uma elevação no centro. Esta tinha degraus ou pequenos terraços de mármore negro, e a parte superior, que media uns doze pés de lado, sustentava uma espécie de trono de madeira escura, coberto de veludo negro.
Devo observar neste ponto que o preto era uma cor representativa, incluindo o simbolismo de todas as cores, mostrando, no caso do trono, que aquele que o ocupava pertencia a todas as classes. Isso era um fato, porque o Rai Gwauxln não só era soberano e chefe do exército, mas era também um sumo sacerdote, literato, cientista, artista e músico, tendo bom conhecimento ainda das tarefas dos artesãos e engenheiros. Em frente ao corrimão de prata que existia em torno do trono, nosso veículo parou ao lado da fila em movimento, obedecendo [80] ao gesto do imperador.
O guia nos fez descer e, abrindo um pequeno portão, indicou que devíamos galgar os degraus e chegar nos pés do Rai. Meu coração bateu forte enquanto eu seguia as Instruções, e embora tivesse ficado pálido de emoção, tive auto controle suficiente para oferecer o braço à minha mãe, para apoiá-la. Acho que nunca andei mais orgulhosamente ereto em toda a minha vida. No alto dos degraus nos ajoelhamos e aguardamos a ordem de nos levantarmos, o que não tardou a acontecer. Quando estávamos novamente de pé, o Rai Gwauxln disse suavemente:
- “Zailm, és muito jovem para um estudante tão ambicioso quanto sei que és.” “
- Se te agrada que eu seja assim, fico contente” -respondi.
- “Já aprendeste o que as escolas primárias têm a ensinar aos jovens?” Pois isso é necessário para que possas obter admissão ao Inithlon”.
- “Já o fiz, Zo Rai.”
- “Seria agradável para ti, Zailm, contar-me quais estudos são que os nossos mapas afirmam ser inacessível a não ser por vailx?” *
- Provavelmente, Zo Rai, a única rota só é conhecida por uns poucos montanheses; li que a montanha era considerada inacessível, mas. . . ” -Hesitei, e o Rai disse rapidamente:
- “Sim, fala! Foi para julgar-te que ouvi tua narrativa, pois sei muito bem de tudo que me relataste. Eu poderia ter dito tudo o irias me dizer- disseste, e contar tudo que dirás; desejei ouvir-te para julgar; » conheço tua história desde que te vi pela primeira vez. Sou um Filho da Solitude” – acrescentou.
Fiquei em silêncio, pois me confundia a idéia de que ele já sabia de tudo a meu respeito. Percebendo isso, o Rai falou:
“Continua, filho. Conta-me tudo; desejo conhecer os fatos de teus próprios lábios, pois estou interessado em tua pessoa”.
Então retomei a história interrompida e descrevi minhas homenagens a Incal e a petição por seu auxílio-, sua rápida resposta à minha prece; a erupção do vulcão e o perigo que isso representou para mim. Sobre isto disse o Rai:
“Então testemunhaste pessoalmente aquela explosão das forças terrestres? Fui informado de que ela provocou grandes mudanças locais e que agora há um extenso lago onde antes não havia lago algum, ao pé do Rhok. Ele mede nove vens”.
Eu ainda era pouco sofisticado para me sentir curioso em saber se o Rai havia visto a erupção, pois eu não compreendia o significado de ele ser Filho da Solitude e conhecer todas as minhas aventuras, e embora não duvidasse que isso fosse um fato, atribuí esse conhecimento a um agudo julgamento de possibilidades; para aumentar minha falta de sofisticação perguntei ao Rai se eletinha visto aquelas coisas.
“Jovem inexperiente!” -disse o Monarca sorrindo -“poucas vezes encontro alguém tão franco! És mesmo um filho das montanhas! Mas temo que não o serás por muito tempo, no ambiente em que ora te encontras! Responderei tua pergunta. Nenhuma grande convulsão da natureza pode ocorrer que não seja automaticamente registrada quanto à sua extensão aproximada e à sua localização; uma prova fótica de cada parte da localidade afetada é mostrada a cada instante. No caso em questão, tudo que tive a fazer foi ir até o gabinete apropriado, que fica neste edifício, e toda a cena se desenrolou diante de mim tão vividamente quanto [83] deve ter se mostrado para ti, pois pude ver a explosão, e até ouvi-la, por melo do naim.
E verdade que ao que vi faltava um elemento que o tornou um pouco mais vivido para ti do que para mim, que foi o do perigo físico; mas como para mim esse perigo não existe -um dia saberás por que -a cena para mim esteve completa e não faltou nenhum elemento que minha presença real tivesse podido acrescentar”.
Fiquei profundamente maravilhado com as instrumentalidades descritas pelo Rai Gwauxln e ponderei com deleite na possibilidade de algum dia conhecê-las pessoalmente e ter acesso a elas. O Rai continuou:
“Disseste-me que encontraste um tesouro de ouro nativo em dois locais separados. Procuraste reaver o que obtiveste antes da erupção? Não? Isso importa pouco. Zailm, é fato conhecido que a ignorância da lei não é uma desculpa válida para desobedecê-la.”
O rosto do Rai tinha se tornado muito grave e senti uma impressão nada agradável. “Contudo, estou convencido de que nada sabias sobre a violação dos estatutos quando deixaste de comunicar o achado. Por isso não te punirei”.
Aqui o imperador fez uma pausa, perdendo-se em pensamentos, enquanto eu, que até então havia ignorado que tivesse feito algo que violasse a lei, empalideci tanto que Gwauxln sorriu de leve e disse-me
“Mas aqueles que agora exploram essa mina e os que recebem o pó de ouro e o mineral ali produzido não escaparão. No caso deles é um crime consciente, agravado pelo fato de que eles não desconhecem a lei e ainda por cima te defraudam. De ti exigirei apenas a expiação que possa existir em denunciar seus nomes.”
Obedeci essa ordem, embora pensasse com tristeza nas esposas e filhos daqueles ladrões, que eram inocentes. Deveriam sofrer da mesma forma que os transgressores? O Rai pareceu conhecer meu pensamento. Se não o conheceu, falou como se concordasse comigo, dizendo:
“Esses homens têm esposa, família?” “Sim, é verdade!” -repliquei com tanto ardor que o monarca novamente sorriu e eu, encorajado, supliquei que fosse clemente por causa dos inocentes. [84]
“Nada sabes sobre nosso sistema de punição, Zailm?”
“Muito pouco, Zo Rai; ouvi dizer que nenhum malfeitor sai das mãos da justiça sem ter se tornado alguém melhor, mas imagino que o tratamento seja bastante severo”.
“Quanto a severidade, a resposta é não. Quanto ao outro ponto, se os homens são reformados após terem errado, para que não incorram novamente em erro, não redundaria isso em vantagem para as esposas e filhos dos criminosos? Mandarei que esses homens sejam trazidos ao tribunal competente e tu testemunharás o seu processo de reforma. Julgo que depois disso desejaras aprender anatomia e a ciência da punição reformatória, em acréscimo aos teus outros estudos em Xio. Além disso, asseguro-te que em caso algum sofrerás o confisco daquela mina, que será tua propriedade-, se a doares ao tesouro nacional, enquanto fores estudante não te faltará dinheiro. Mais tarde, quando os anos de estudo tiverem passado, se tiveres êxito como aluno, ah!, então te nomearei superintendente da mina. E se te mostrares fiel quanto a isso, farei de ti um senhor de muitas coisas. Tenho dito”.
Rai Gwauxln tocou num botão e imediatamente um serviçal entrou. A ele o Rai incumbiu de nos acompanhar, dizendo: “Que a paz de Incal esteja com ambos”. Assim terminou a audiência que influenciou o curso dos anos e modelou a grande árvore da minha vida, fazendo-me sentir orgulhosamente um depositário da confiança de um amigo reverenciado. Esse estado de consciência sempre se mostrou muito potente neste mundo de provas e tentações.