“Ouvi dizer que há alguns encontros aqui, mas onde e quando eles ocorrem, não tenho ideia”, diz a Irmã Anna, ao finalmente decidir falar comigo sobre o assunto dos Illuminati. “Acho que eles vêm da França, da Inglaterra, de toda parte, mas Ingolstadt é o seu principal local de encontro na Europa.”
A cidade em que nasceu o “mito” dos Illuminati – e onde seu mistério continua muito vivo
Por Matthew Vickery – BBC – Fonte: https://www.bbc.com/
Trabalhando na livraria da igreja, localizada em frente à colossal catedral gótica de Liebfrauenmünster, a Irmã Anna vê muitas pessoas – e conversa com muitas delas. Algumas, no entanto, permanecem cercadas de mistérios: os peregrinos Illuminati, que, segundo a freira, ainda realizariam encontros secretos na cidade bávara de Ingolstadt.
A noção de que tais encontros ainda aconteçam pode parecer exagerada à primeira vista. Mas Ingolstadt é o berço da famosa sociedade secreta que até hoje continua dando origem a inúmeras teorias de conspiração.
Em 1º de maio de 1776, Adam Weishaupt, então professor de Direito da Universidade de Ingolstadt, fundou a Ordem dos Illuminati, uma organização secreta formada para se opor à influência religiosa sobre a sociedade e ao abuso de poder pelo Estado. Ali eles tinham um espaço seguro para crítica, debate e liberdade de expressão.
Inspirado pelos maçons e filósofos do Iluminismo francês, Weishaupt acreditava que a sociedade não deveria mais ser ditada pelas virtudes religiosas. Em vez disso, queria criar um Estado de liberdade e igualdade moral a partir do qual o conhecimento não fosse limitado por dogmas.
No entanto, o conservadorismo religioso e político dominava Ingolstadt naquele momento, e o assunto era tabu na universidade controlada pelos jesuítas onde Weishaupt era professor.
Depois de inicialmente escolher a dedo seus cinco estudantes mais talentosos para se juntar a ele, Weishaupt viu sua congregação crescer rapidamente. Seus integrantes passaram a difundir seus ideais iluministas a partir de ensinamentos radicais e, ao mesmo tempo, criaram uma elaborada rede de informantes que relatavam o comportamento de autoridades estatais e religiosas.
Por trás disso, havia o esforço para amealhar uma série de informações que os Illuminati poderiam explorar em seus ensinamentos. Com a ajuda do proeminente diplomata alemão Barão Adolf Franz Friedrich, Freiherr von Knigge – que ajudou a recrutar maçons à causa dos Illuminati -, o grupo clandestino ganhou mais de 2 mil membros em toda a Baviera, na França, Hungria, Itália e Polônia, entre outros locais.
Passado quase incólume
Na cidade onde tudo começou, porém, esse legado peculiar continua sendo pouco conhecido entre os moradores.
“Muitas pessoas não sabem sobre isso. Mas os Illuminati fazem parte da história de Ingolstadt”, diz o jornalista local Michael Klarner, à frente da antiga Universidade de Ingolstadt, um edifício despretensioso, semelhante a uma igreja, a poucos passos da livraria da Irmã Anna.
“Weishaupt foi de muitas maneiras revolucionário”, acrescenta Klarner. “Ele gostava da ideia de ensinar as pessoas a se transformarem em seres humanos melhores. Ele queria mudar a sociedade, estava sonhando com um mundo melhor, um governo melhor. Começou os Illuminati com a proposta de que tudo o que era conhecido pela humanidade deveria ser ensinado – algo que não era permitido aqui na universidade”, explica.
Entrando no antigo edifício do centro de ensino, passei a buscar atentamente qualquer sinal da seita fundada por Weishaupt dentro daquelas paredes medievais espessas. Mas não havia pistas. Talvez isso não seja tão surpreendente, pois os Illuminati faziam de tudo para não serem notados.
A congregação não conseguiu, porém, se manter em sigilo por muito tempo. Apenas uma década depois da sua criação, a sociedade secreta foi descoberta pelas autoridades bávaras depois que seus escritos antiestatais foram interceptados. A seita secreta acabou fechada e Weishaupt foi banido de Ingolstadt, vivendo o resto de sua vida na cidade alemã de Gotha, 300 km ao norte.
Teorias da conspiração
Mesmo com esse fim, a ideia de uma sociedade secreta que se revolta contra o Estado capturou a imaginação de muitos desde então, impulsionada por teorias da conspiração difundidas por aqueles que acreditam que os Illuminati nunca foram realmente dissolvidos – uma afirmação amplamente rechaçada por historiadores.
Ainda assim, os teóricos da conspiração dizem que a organização continuava a operar secretamente nos bastidores para subverter o papel do Estado.
Os Illuminati foram acusados de estar por trás da Revolução Francesa, do assassinato de John F. Kennedy, então presidente dos EUA, e até mesmo dos ataques de 11 de Setembro de 2001. A seita também ganhou fama mundial ao ser retratada nos livros do escritor americano Dan Brown, bem como nos filmes baseados neles.
“A teoria da conspiração dos Illuminati é o que chamamos de ‘superconspiração’, ou basicamente uma conspiração que controla conspirações menores”, diz Michael Wood, da Universidade de Winchester, na Inglaterra, especialista em psicologia das teorias da conspiração.
“As pessoas falam sobre os Illuminati, mas a maior parte do tempo é de forma divertida ou autoconsciente, quase se “divertindo” com a ideia de uma conspiração global”, completa. E tudo isso começou em uma pequena cidade bávara que é mais conhecida também como o cenário do romance Frankenstein, de Mary Shelley.
‘Apologie der Illuminaten’
Há poucos vestígios de que Ingolstadt abrigou a sociedade secreta, exceto talvez por uma pequena placa, do lado de fora da antiga casa de Weishaupt, uma construção azul clara na rua Theresienstrasse, que marca o local como ponto de encontro dos Illuminati no final do século 18.
No entanto, basta um mergulho mais profundo para que se possa encontrar sinais do improvável papel de Ingolstadt na história.
Escondida atrás de duas fileiras de portal de metal no Stadtmuseum Ingolstadt (Museu da Cidade), descubro a arquivista Maria Eppelsheimer examinando fileira atrás de fileira de livros centenários em busca do passado dos Illuminati. O cheiro de papel envelhecido domina os espaços estreitos entre cada estante, das quais antigos livros de capa dura e delicados manuscritos pulam para fora.
“Acho que é um dos tópicos mais interessantes que observamos aqui”, diz Eppelsheimer enquanto analisa as empoeiradas lombadas dos livros dispostos em uma seção dedicada exclusivamente à história de Ingolstadt.
Delicadamente, ela retira um dos menores da prateleira. Trata-se de “Apologie der Illuminaten”, uma obra de 1786 escrita por Weishaupt, na qual ele defende a criação dos Illuminati pouco depois do seu exílio da cidade.
“É uma loucura o que os Illuminati se tornaram”, diz a arquivista, enquanto folheia as páginas gastas do manuscrito. “O que eles se tornaram (hoje) não tem nada a ver com os verdadeiros Illuminati”, acrescenta.
Outros escritos de Weishaupt podem ser encontrados em volumes pequenos e despretensiosos escondidos em meio ao vasto arquivo da cidade. É como se mais de dois séculos após a sua formação, os Illuminati de Weishaupt continuassem a permanecer em sigilo.
Frankenstein e os Illuminati
No entanto, existem algumas pessoas em Ingolstadt, como Klarner, que estão tentando ativamente trazer à luz esse incomum legado histórico.
“Você sabe que Frankenstein teria sido escrito na cidade por causa dos Illuminati?”, questiona Klarner com entusiasmo, enquanto me leva a um curto passeio pelos marcos históricos e religiosos de Ingolstadt.
“Durante a Revolução Francesa, já havia teorias de que a revolta teria começado em Ingolstadt e que os Illuminati seriam seus pais intelectuais. É por isso que muitos especialistas em literatura acreditam que Mary Shelley sabia sobre Ingolstadt e por que a história de Frankenstein teria se passado aqui”, assinala a especialista. Regularmente, Klarner realiza tours a pé sobre os Illuminati para educar turistas sobre a relação do grupo com a cidade.
À medida que passávamos os grandes edifícios pintados de verde, laranja e amarelo da cidade velha, Klarner discorre sobre datas importantes para os Illuminati, seus integrantes e outras informações, levando-nos de volta à Ingolstadt do século 16 e ao papel do então professor universitário Johann Eck, no século 15, em ajudar a cimentar a cidade, e a universidade em particular, como bastião para a fé católica – algo que Weishaupt optou por contrariar dois séculos depois.
“Claro que recebo alguns teóricos da conspiração nos passeios que faço”, admite Klarner. “Mas este é o melhor momento para explicar o que é verdade e o que é teoria da conspiração.”
De volta à livraria da Irmã Anna, no entanto, o mistério em torno dos Illuminati continua a fomentar a imaginação da tímida freira – apesar do que dizem os livros de história.
“Algumas pessoas vêm aqui e me perguntam sobre os encontros (dos Illuminati)”, diz ela, debruçando-se sobre a mesa como se quisesse contar um segredo. “Acho que existe algo aqui, mas o quê exatamente, em quais casas, eu não sei.”
“O indivíduo é [TÃO] deficiente mentalmente [os zumbis], por ficar cara a cara, com uma conspiração tão monstruosa, que nem acredita que ela exista. A mente americana [humana] simplesmente não se deu conta do mal que foi introduzido em seu meio. . . Ela rejeita até mesmo a suposição de que as [algumas] criaturas humanas possam adotar uma filosofia, que deve, em última instância, destruir tudo o que é bom, verdadeiro e decente”. – Diretor do FBI J. Edgar Hoover, em 1956
Uma resposta