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Maria Madalena e o Santo Graal: A Mulher do Vaso de Alabastro (V) – As Relíquias da Igreja Secreta

O cristianismo institucional, que tem alimentado a civilização ocidental há mais de dois mil anos, pode ter sido construído sobre uma gigantesca falha em sua história: a Negação do feminino. Durante muitos anos convivi com uma vaga sensação de que algo estava radicalmente errado com o meu mundo. Sentia que, por um período longo demais, o feminino em nossa cultura vinha sendo desprezado e desvalorizado. Mas foi somente em 1985 que encontrei provas documentais de uma devastadora fratura na história cristã e nos ensinamentos da igreja de Roma. Em abril daquele ano, sabendo do meu grande interesse pelas Escrituras judaico-cristãs e pela origem do cristianismo, uma amiga me indicou o livro The Holy Blood and the Holy Grail”(O Santo Graal e a Linhagem Sagrada).

Livro “Maria Madalena e o Santo Graal: A Mulher do Vaso de Alabastro”, de Margaret Starbird

Livro em PDF: https://pt.scribd.com/ – https://www.escoladaluz.com.br/

CAPÍTULO V – As Relíquias da Igreja Secreta

A secreta Igreja do Graal conseguiu manter viva, por vários séculos, a outra versão do cristianismo. Foram os adeptos dessa heresia que compreenderam a natureza dos ferimentos do Rei e que acreditaram que somente a restituição de sua esposa ao paradigma celestial e à história poderia curar a terra infértil. Penso que agora é o momento de examinarmos alguns lugares onde a heresia do Graal e a Igreja secreta, enganando os longos braços do inquisidor, conseguiram florescer nas artes – pintura, escultura e literatura – da Europa Ocidental.

O livro “The Lost Language of Symbolism” (A linguagem perdida do simbolismo), de Harold Bayley, publicado em 1912, é um trabalho em dois volumes, que utiliza a lingüística e a mitologia para explicar símbolos e emblemas descobertos em marcas-d’água (desenhos translúcidos impressos em folhas de papel) dos antigos fabricantes de papel de Provença. O trabalho monumental de Bayley contém uma ampla variedade de referências sobre mitologia comparada, folclore e Escrituras. São mais de 1.400 desenhos de marcas-d’água que ele e seu predecessor, Charles-Molse Briquet, descobriram em Bíblias dos séculos XIII a XVIII.

As mais antigas datam de 1282. A heresia também inseria essas marcas simbólicas no papel que utilizava para imprimir a literatura popular. Assim, fósseis da heresia estão nesses indeléveis desenhos – uma engenhosa maneira que os fabricantes de papel encontraram de esconder suas crenças em símbolos, para protegê-las da Inquisição e da igreja romana. Dessa forma, preservaram em segredo os emblemas de sua fé durante vários séculos. Acredito que Bayley tenha se enganado ao interpretar a heresia contida nessas marcas-d’água como algo puramente místico.

Em muitos casos, os emblemas são políticos e doutrinários, e a heresia à qual muitos deles se referem é a do Santo Graal. As marcas-d’água de sua pesquisa tornam mais clara a fé dos hereges, que parecem ter acreditado que Jesus era um recipiente terreno do espírito e manifestação da VONTADE de Deus e que os ensinamentos dele os conduziriam à iluminação e à transformação pessoais. Para muitos, Jesus era casado e o seu sangue ainda corria nas veias de certas famílias provençais. Algumas marcas-d’água eram místicas, referindo-se aos novos caminhos que levariam à santidade e à purificação pessoais e ao serviço ao próximo, delineados nos Evangelhos. Entretanto, até esses ensinamentos eram heréticos porque iam além das liturgias e dos sacramentos da Igreja oficial.

Outras marcas-d’água eram heréticas porque indicavam a crença em um Jesus casado, herdeiro real de Davi. Um dos emblemas predominantes na produção dos fabricantes de papel parece ter sido o unicórnio. Segundo Bayley, mais de 1.100 marcas-d’água por ele encontradas retratavam esse mítico animal de um único chifre. O uso intencional desse símbolo de Cristo, o Noivo arquetípico, é tão importante no folclore medieval que vou discuti-lo mais profundamente no próximo capítulo. Por um motivo que o toma muito relevante para a nossa história, o unicórnio era um dos temas favoritos na Europa medieval. Há também numerosas marcas-d’água que retratam um leão. Esse animal aparece de formas bastante variadas, mas os místicos, ou hereges, o interpretavam como o Leão de Judá, que é mencionado pela primeira vez na Bíblia hebraica em Gênesis 49:8-10 (NVI):

 “Judá, a ti te louvarão teus irmãos… diante de ti se prostrarão os filhos de teu pai”. Judá é um leãozinho… O Cetro não se arredará de Judá.

Em 1 Crônicas 5:2 há a afirmação de que o príncipe de Israel viria da tribo de Judá, pois ele era o  mais forte dos 12 filhos de Jacó. O rei Davi, filho mais novo de Jessé, era descendente de Judá por proceder de Boaz e Rute, e Jesus foi aclamado o “Filho de Davi” em sua entrada triunfal em Jerusalém quando o povo gritava “Hosana!” e espalhava folhas de palmeira diante dele. Está claramente afirmado em Apocalipse 5:5 que o Cordeiro que fora morto e que depois se senta à direita de Deus Todo-Poderoso é o “Leão da tribo de Judá”. É esse o leão representado nas marcas-d’água de Provença: o próprio Jesus. Em uma das marcas-d’água copiadas por Bayley, o leão tem uma romã na ponta final da cauda. Em outra, a barba do animal parece um cacho de uvas. Com suas sementes vermelhas, a romã era o símbolo da fertilidade feminina nas religiões antigas.

No Cântico dos Cânticos, o jardim da Noiva e do Noivo é descrito como um pomar de romãs. E o cacho de uvas é uma clara alusão ao fruto e às sementes da Videira. Essa é uma metáfora para a herança de Israel nas Escrituras judaicas: “Pois a videira do Senhor é a casa de Israel, e os homens de Judá são a planta das suas delícias” (Isaías 5:7). Em alguns casos, a flor-de-lis aparece brotando da cabeça do leão. Essa íris de três pontas é o símbolo utilizado para identificar o rei merovíngio Clóvis 1(466-511 d.C.) e a legítima linhagem real da França. Assim, um leão representado com uma flor-de-lis brotando de sua cabeça ou formando um tufo na ponta de sua cauda é, certamente, uma referência política à linhagem real proclamada a dos reis de Israel e da França – a linhagem dos príncipes de Judá.

Outras marcas-d’água mostram um recipiente – que Bayley chamou de “o Graal” – geralmente apresentado com um cacho de uvas ou várias flores-de-lis brotando dele. Um desses recipientes exibe as iniciais MM, de Maria Madalena, ou talvez Maria Maior; em outro, aparece o MR, de Maria Regina (rainha). Esses dois epítetos podem ser facilmente empregados tanto a Madalena quanto à “Virgem” Mãe, embora, em geral, as pessoas (doutrinadas para isso) suponham que sejam uma alusão a esta última. A referência desses símbolos é ao “recipiente”, ou portador, por meio do qual a linhagem real de Israel e de Judá teria continuidade.

Em outros desenhos, uma flor-de-lis está nascendo de um vaso. Alguns emblemas também mostram cachos de uvas que incluem as letras IC (de Iesu Christi, em latim) e a flor-de-lis merovíngia. Outro símbolo significativo encontrado nas marcas-d’água é a figura do urso, o animal que, no folclore, era associado aos merovíngios. Ele é o forte que ficou hibernando por muito tempo e que se espera que acorde em breve. O nome e a lenda do rei Artur estão profundamente associados ao urso merovíngio. Nos contos de fadas, esse animal aparece na história da Branca de Neve e a Maça vermelha: enfeitiçado por um anão malvado, ele precisa encontrar um meio de quebrar o encantamento e retomar sua antiga forma, a de um belo príncipe.

Algumas vezes, o urso na marca-d’água tem uma cruz de luz, o sinal da verdadeira iluminação, ou as letras LUX acima de suas costas. O hieróglifo com a cruz de seis pontas é comum em muitas marcas-d’água. A palavra LUX  termo latino para “luz” – tinha especial importância para os hereges Albigenses, cuja doutrina fundamental era a busca da auro iluminação, ou a verdade. Quando é escrita com as letras gregas 1\, V e X, a palavra inteira pode ser abreviada apenas com a letra X, que passou a designar “verdade”. O símbolo da letra X era considerado sagrado por ser o sinal – mencionado nas traduções em latim de Ezequiel 9:4 – com o qual a testa dos espiritualmente iluminados deveria ser marcada. Era usado para distinguir os iniciados no monastério do Mar Morto, em Qumran. Mais tarde, a prática foi adotada pelos cristãos com o “sinal-da-cruz” nos ritos batismais. Acredito que essa marca, o X, seja um símbolo de identificação da heresia do Graal e da Igreja secreta relacionado a Hermes e que ele tenha sido copiado pela tradição esotérica na arte da Europa.

Ocasionalmente, o urso na marca-d’água aparece com uma trombeta ou um chifre. O chifre é o símbolo da pregação herética. Como o mítico chifre do herói épico francês na Canção de Rolando: o seu sopro tem o poder de quebrar as pedras. Com respeito à cristandade, a “pedra” que as pregações heréticas destroem é a “Pedra de Pedro”, as rígidas e sólidas doutrinas e dogmas da Igreja institucional. Em alguns folclores, o chifre tem o poder mágico de “fazer o deserto florir”. No conto de fadas europeu João e o pé de feijão, é mencionado um chifre de ouro que pode quebrar o encantamento e destruir o infame ogro que mantém o castelo e todas as pessoas sob o seu domínio. A narrativa revela que, quando o chifre for finalmente soprado, todos serão livres e a terra florescerá. Isso nos traz à memória os muros de Jericó, que caíram quando as trombetas foram sopradas.

Aos olhos dos hereges de Provença, a Inquisição da Igreja Católica Romana era o ogro ditador. Cuidadosamente, eles esconderam as doutrinas de sua fé dos espiões que se infiltravam por toda parte. Outro símbolo encontrado entre as marcas-d’água heréticas é a Cruz de Lorena. Foi a Godofredo de Lorena que se concedeu a coroa de Jerusalém após a primeira Cruzada, depois que os cavaleiros da Europa cristã conseguiram vencer os sarracenos que haviam tomado a Cidade Santa. Como mostramos no capítulo anterior, acreditava-se que Godofredo era descendente dos reis merovíngios, que chamavam a si mesmos de “a Videira” – a linhagem que seria ligada a Jesus.

Um dos objetivos da primeira Cruzada parece ter sido o de instalar um filho dessa descendência no trono de Jerusalém, para que as promessas descritas em Isaías 11 pudessem finalmente ser cumpridas. A política da época parecia refletir a crença de que, se a linhagem de Davi fosse reconduzida ao trono de Israel, o profetizado milênio do reino de Deus poderia iniciar-se. Após a derrota dos sarracenos em 1099, Jerusalém foi governada, durante algum tempo, pela casa de Lorena. Godofredo logo ficou doente e morreu. Seu irmão, Baudoin I, aceitou então o título de rei de Jerusalém. A Cidade Santa foi mais tarde retomada pelos sarracenos e, nos séculos subseqüentes, novas Cruzadas tentaram recuperá-la. Entretanto, as esperanças milenares dos hereges não morreram.

Mais esforços foram feitos para colocar filhos da nobre casa de Lorena em outros tronos da Europa. A família real aparentada dos Habsburgos-Lorena era famosa por suas alianças por meio do casamento. A palavra do Senhor à sua “muda”, ou ao seu herdeiro do rei Davi, era: “Não por força nem por poder, mas pelo meu Espírito” (Zacarias 4:6). Um sábio epíteto é ligado à casa austríaca dos Habsburgos- Lorena: “Os outros fazem a guerra; você, alegre Áustria, casa-se!” Parece que a idéia do aprimoramento dinástico por meio do matrimônio já era antiga nessa família tão diretamente associada ao Santo Graal. A Cruz de Lorena é desenhada com duas barras transversais, em vez de apenas uma. A barra menor, no topo, representa o rolo com a inscrição INRI, que significa “Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus”.

Segundo os Evangelhos, essa frase foi inscrita, a mando de Pilatos, acima da cabeça de Jesus enquanto ele sofria na cruz (Marcos 15:26, João 19:19), como um testemunho do dogma fundamental da Igreja secreta de que Jesus era o rei legítimo da linhagem de Davi. Durante séculos, a Cruz de Lorena tem sido usada como um grito de liberdade na França. Uma das marcas-d’água de Bayley mostra um globo representando a Terra, encimado pela cruz de duas barras. É curioso que a mesma cruz tenha sido usada pela Resistência Francesa para estimular seus compatriotas a atos de sabotagem durante a ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial.

Hoje também está presente na carteira de sócio dos maçons, embora nesses casos a cruz seja inclinada, formando duas letras X, uma atrás da outra. Esse emblema comprova uma antiga ligação entre a maçonaria moderna e os dogmas da heresia do Graal, que foi repetidamente citada pelos autores de “O Santo Graal e a linhagem sagrada”. O símbolo inclinado parece ser um enunciado codificado: “A verdadeira iluminação Descansa sobre a Casa de Lorena, nos dogmas da heresia do Graal.”

A Lâmina e o Cálice

Bayley acredita que o hieróglifo A que representa a sigla AVM significa ”Ave Millennium” ou “Venha o Teu Reino”. O M também pode ser uma alusão a “Maria”. Os ortodoxos vêem isso como o sinal de ”Ave Maria” e acreditam que se refira à Virgem Maria. O significado implícito do símbolo é que as promessas milenares só poderão ser cumpridas quando o 1\ e o V forem unidos em armonia. O 1\ é o símbolo arquetípico masculino, a “lâmina”; e o V, seu oposto igual, é o arquétipo do feminino, o “cálice”. A harmonia no paraíso, assim restaurada, seria refletida nos relacionamentos na Terra. Atualmente, temos o paradigma do perpétuo filho solteiro e da mãe virgem como o nosso ideal de santidade. Um resultado possível dessa combinação é a desvalorização, por vários séculos, das relações conjugais entre parceiros de carne e osso.

No entanto, o modelo de Deus para a santidade, como muitos poetas e místicos já registraram, é o relacionamento do Noivo e da Noiva. Devemos notar que esse símbolo é repetido no emblema da moderna maçonaria – o compasso e o esquadro entrelaçados -, A que já foi ligado à esperança medieval de um milênio de paz. A letra M é importante em muitas das marcas-d’água heréticas. Acabamos de observar que ela se forma quando um V é adicionado ao símbolo da lâmina para formar o hieróglifo de Ave Millennium, ou Ave Maria. Freqüentemente, aparece com uma flor-de-lis partindo de seu centro. Outros desenhos que mostram múltiplas letras M são torres e castelos.

Essas são possíveis referências a Magdal-eder, a torre da fortaleza da filha de Sião (Miquéias 4:8-9). Bayley também descobriu um grande número de elaboradas coroas retratando o M, e uma delas inclui um G, de Gésu (“Jesus” em francês), e um chifre que representa a pregação herética que abala a “rocha”. O G também aparece no centro do compasso e do esquadro entrelaçados – o símbolo da maçonaria – e hoje se acredita que ele se refira à palavra “Geometra”, e não a Gésu. Um emblema contém a cruz de LUX e a flor-de-lis da linhagem real, com as iniciais IC, para Iesu Christi. Muitas das marcas-d’água apresentam várias ocorrências da letra M para Maria Madalena, para as ondas do mar – mare, em latim – e para Miriam, “mar salgado” ou “Senhora do Mar”, em hebraico. O significado das ondas é a dissolução das formas. Como sabemos, a água pode vir em violentas torrentes destrutivas de chuvas e enchentes, assim como em rios plácidos. Cada pequenina onda tem a capacidade de causar a erosão e, finalmente, a destruição.

Acredito que a doutrina herética do casamento de Jesus, como as ondas formadas pelas iniciais MM (de Maria Madalena), esteja ligada ao signo de Aquário. Como se acredita que esse signo simboliza a dissolução das formas, suspeito de que os hereges esperavam que sua doutrina relativa ao casamento de Jesus e Maria Madalena acabasse provocando uma erosão no monólito da Igreja oficial. Então, ela poderia abrir o caminho para um mito iluminado e auspicioso, segundo o qual a Terra seria compreendida como uma parceira de Deus, o recipiente sagrado que contém a divindade. Essa idéia faz sentido ainda hoje. A restituição da Noiva, ou do princípio feminino, de forma visível ao paradigma do cristianismo, possibilitaria a cura da cisão entre o espírito e a matéria que prevalece atualmente, recuperando, ao mesmo tempo, as psiques feminina e masculina. Jesus renascido não ficaria mais separado de sua Noiva.

Os hereges parecem ter acreditado que o resgate da esposa de Jesus curaria a terra infértil e faria com que o deserto florescesse, um tema que se repete em várias lendas do Graal. As doutrinas dos hereges, como as da Igreja de Roma, apoiavam um mito que fornecia a estrutura que sustentava suas crenças. Como o mito cristão, a heresia do Graal estava enraizada nas promessas e profecias da Bíblia hebraica. Os hereges tomaram as promessas das Escrituras para a dinastia de Davi tão literalmente quanto o povo judeu havia feito – em especial os puristas e os zelotes dos tempos do ministério de Jesus em Israel. Os adeptos dessa heresia provavelmente acreditavam que um governante da casa real de Davi um dia seria reconduzido ao trono de Israel, reinando sobre o mundo inteiro com paz e justiça. Nesse aspecto, suas crenças ecoavam como as do judaísmo.

A diferença era que, para muitos hereges da Idade Média, o “governante justo” profetizado por Isaías seria um descendente da casa de Davi e também de Jesus. Ele viria da “Videira de Maria”, os merovín-gios. Para eles, a Igreja Católica Romana não era, como declarava, a personificação da cidade de Deus na Terra, a “Nova Israel”, herdeira das promessas dos profetas hebreus. Eles acreditavam que muitas das doutrinas oficiais eram falsas; assim, apegaram-se com tenacidade à sua própria versão do mito da promessa. Provavelmente até esperaram que “o ramo da raiz de Jessé” (Isaías 11: 1) acabasse produzindo um segundo Messias/Rei para governar o mundo.

Os Vínculos com a Alquimia Medieval

Os símbolos dos hereges medievais do Graal provavelmente também estão ligados aos dogmas da alquimia, encontrados nos escritos dos antigos mestres espirituais. A afirmada busca dos alquimistas por um método que transformasse chumbo em ouro por meio de processos químicos e de metalurgia tem sido totalmente mal interpretada. Na verdade, nesses textos, os símbolos que designavam os metais usados eram uma deliberada “cortina” ou fachada, desenvolvida para enganar os não-iniciados. O sistema parecia referir-se à metalurgia e, dessa forma, muitos aspirantes a cientistas, bem como pessoas que buscavam ouro, tomaram as palavras e os símbolos ao pé da letra e trancaram-se em laboratórios improvisados, o que pode ter dado origem à química moderna.

Entretanto, o objetivo mais oculto e profundo dos primeiros mestres da alquimia não era químico – era teológico, filosófico e psicológico. Seus escritos revelam a preocupação com a transformação mística de uma pessoa “natural” em um ser espiritualmente iluminado. A pessoa natural era chamada de “chumbo” e o ser espiritualmente transformado, de “ouro”. Assim como o ouro é testado no fogo, o espírito humano era purificado nas provas da vida. Os guias para a transformação espiritual eram as Escrituras e certas iniciações esotéricas que forneciam o conhecimento. O agente de tal sabedoria era o Espírito Santo. Como esse sistema desconsiderava o papel da Igreja estabelecida e ensinava doutrinas místicas da perfeição do homem por meio do amor e do saber, ele passou a ser classificado de herético.

Como conseqüência, os alquimistas perseguidos pela Inquisição foram cuidadosos ao ocultar a sua fé sob enigmáticos símbolos de metalurgia. É muito significativo que Hiram de Tiro, o “filho da viúva” contratado para construir o Templo de Salomão em Jerusalém (1 Reis 7:13), tenha sido um artífice do metal, ou seja, um alquimista. No mundo antigo, o conhecimento dos metais e de suas propriedades e ligas era um privilégio secreto da casa real – um sinônimo de riqueza e poder. Na verdade, o refino do ouro era o mais valioso dos segredos de Estado.

Da mesma maneira, as fórmulas de preparação de ligas mais fortes para fabricar armas e metais mais reluzentes para decoração, que não ficassem manchados, eram segredos cuidadosamente guardados. Hiram de Tiro, o paradigma do alquimista, e Tubhal Cain, “fabricante de todo instrumento cortante de cobre e de ferro” (Gênesis 5:22), são fósseis que formam os elos de uma corrente que inclui os alquimistas medievais, os maçons modernos e os remanescentes da linhagem davídica que se intitulavam os “filhos da viúva”.

A Tradição Hermética

Outra pista que nos leva a essa associação entre os alquimistas medievais e a maçonaria moderna é encontrada no próprio nome Hiram. Ele apresenta uma identificação lingüística com o grego Hermes (Mercúrio, no Mediterrâneo; Thoth, para os egípcios), que era o mensageiro dos deuses e guardião das estradas e encruzilhadas, o X. Esse “deus das polaridades” é freqüentemente retratado com os pés alados e o caduceu e sobressai nos escritos dos alquimistas. Como o elemento mercúrio – que em inglês é chamado, sugestivamente, de quicksilver (“prata ligeira”) -, ele é esquivo e está sempre mudando de forma. Hermes é conhecido como trapaceiro ou brincalhão porque governa o princípio da sincronia, em que “significativas coincidências” proporcionam conhecimento instantâneo. Ele parece ser uma ponte que liga a mente à matéria.

Os alquimistas compreendem esse princípio como um veículo de transformação, e Hermes é celebrado como aquele que porta a luz. Seria preciso um segundo volume para esclarecer a importância de Hermes na tradição da sabedoria. Hiram de Tiro, o artífice de metais e mestre arquiteto do Templo de Salomão (cujas colunas, romãs, trabalhos com lírios, redes e recipientes são descritos em 1 Reis), foi adotado como o protótipo do alquimista iluminado, cujo guia é Hermes. O mito básico dos rosa-cruzes inclui a história do “Três Vezes Grande”, Hermes Trismegisto, um alquimista legendário de Alexandria que costuma ser retratado com três lanças representando os três bastões da sabedoria. Os iniciados que seguiam seus ensinamentos eram, em geral, conhecidos como “os herméticos”. Agora voltemos a outro fóssil enigmático da heresia do Graal, preservado na cultura européia.

Descobri que há muitas pistas da heresia secreta na arte e na literatura da Europa Ocidental da Idade das Trevas e que elas são ainda mais numerosas no período que se seguiu à primeira Cruzada (1099 d.C.). Referências ocultas à heresia do Graal, encontradas em vários trabalhos antigamente considerados misteriosos e que foram erroneamente interpretadas, merecem uma análise mais profunda.

As Cartas do Tarô

Um artefato medieval ligado por seus símbolos à heresia da Noiva Perdida é o tarô, que deu origem ao nosso baralho moderno. O lugar em que teria surgido é obscuro, e especulações a esse respeito vão da índia ao Egito. Embora essas cartas já fossem uma realidade em 1392, acredita-se que o baralho mais antigo ainda existente tenha sido criado por um pintor do século XV, possivelmente Andréa Mantegna (1432-1506). Os quatro naipes e 22 trunfos do baralho desse período compartilham símbolos que contêm a heresia do Graal, sobretudo o baralho de Carlos VI, ou baralho de Gringonneur, que parece ter uma íntima ligação com a tradição secreta. Em 1450, pregando contra as cartas por considerá-las uma invenção do diabo, um frade franciscano foi particularmente rigoroso ao condená-las, chamando-as de “degraus em uma escada que conduz ao inferno”. Quando as autoridades da Igreja Católica condenaram as cartas do tarô, classificando-as de heréticas, e não de imorais ou decadentes, devem ter tido total consciência de seu conteúdo. Acredito que os trompes (“trunfos” ou “trombetas”) do tarô de Carlos VI formam um catecismo ilustrado da heresia medieval do Graal. Tais cartas poderiam ser datadas de meados do século XV, com base nas vestimentas das figuras representadas. O halo estilizado que envolve as figuras femininas, usado nas cartas A Justiça, A Força e A Prudência, foi popularizado um século antes pelo pintor toscano Giotto (1267-1337).

Sua origem tem sido ligada a datas diversas, mas o que realmente importa é a pureza de seus símbolos – o artista sabia exatamente o que desejava transmitir e os empregou de maneira consciente, com a intenção de registrar os dogmas da heresia do Graal. Infelizmente, seis dos trunfos do baralho de Carlos VI foram perdidos ou, provavelmente, eliminados. Do Sul da França, a heresia do Graal avançou de corte em corte, por toda a Europa. Não estou sugerindo que os adeptos de todas as seitas heréticas desse continente conhecessem seus dogmas (embora seja possível que muitos, de fato, estivessem a par dela), mas em Provença a heresia do Graal e a heresia cátara existiram lado a lado e se sobrepuseram: muitas famílias aristocráticas que eram ligadas à linhagem do Graal eram também cátaras. Como vimos, a Inquisição e a Cruzada Albigense, que devastaram Provença destruindo castelos e cidades inteiras, foram impiedosas em suas tentativas de exterminar a heresia e as famílias que a adotaram.

Quando Montségur – o último baluarte dos cátaros – caiu em 1244, a heresia tomou-se clandestina. Alguns antigos hereges, por necessidade, começaram a professar a fé oficial, embora apenas exteriormente. Era a única tática de sobrevivência possível. A heresia da Videira – a sobrevivência da descendência de Jesus – tivera suas raízes arrancadas. Ou assim parecia. Em 1307, porém, seus elementos ainda floresciam sob os ritos secretos dos cavaleiros templários. Quando o Vaticano tomou consciência de que seu inimigo de longa data estava à espreita sob a cruz vermelha desses cavaleiros, tentou aniquilar a ordem inteira por decreto, acusando seus adeptos de heresia e torturando-os para obter informações sobre o seu tesouro. Um século depois, as cartas do tarô circulavam por cortes da Europa, levadas por bandos de ciganos, bufões, malabaristas e acrobatas (os jongleurs), de cidade em cidade. Elas acabaram sendo usadas em mesas de jogo em praticamente todos os cantos da Europa.

Os artistas viajantes começaram fr onde os trovadores haviam parado, e seus símbolos ainda persistem nos baralhos modernos. O significado das cartas do tarô tem sido motivo de debates há muitos anos, e numerosas revisões e interpretações vinculam-no ostensivamente à alquimia, às sociedades secretas dos maçons e rosa-cruzes e às ciências ocultas em geral. Embora o significado de muitas cartas tenha sido declarado obscuro, elas ainda conservam uma aura de perigo. A Igreja condenou o tarô como herético quando ele apareceu pela primeira vez na Europa, porém ninguém conseguiu determinar com certeza que heresia se escondia em seus símbolos.

O conhecimento da heresia do Graal surge para esclarecer esse enigma. Um baralho de tarô é composto pelos Arcanos Menores – que consistem em quatro naipes chamados espadas, ou gládios; copas, ou taças; ouros, ou estrelas de cinco pontas; e paus, ou bastões – e pelos Arcanos Maiores (os Segredos Maiores), ou trunfos. Os baralhos modernos não possuem mais os trunfos, que foram os mais cruelmente condenados pela Igreja, embora o “truque” do trunfo seja um estratagema ainda presente em muitos jogos de cartas atuais. A única relíquia dos 22 trunfos originais encontrada nos baralhos modernos, e que é significativa para a nossa história, é o curinga – o palhaço, ou bobo, remanescente dos “palhaços de Deus”, aos quais se atribuiu a ação de terem espalhado os dogmas da heresia albigense. Essa figura aparece com freqüência nas marcas-d’água.

O curinga é uma representação de um “louco por Cristo” (1 Coríntios 4:10): “Nós somos loucos por causa do amor de Cristo… padecemos fome e sede; estamos nus e recebemos bofetadas e não temos pousada certa. Somos perseguidos e suportamos.” As ligações com os hereges perseguidos por buscarem a verdade são claras. E, mesmo hoje, o curinga vence. Ele parece possuir um poder oculto e irrevogável. Sua figura, por associação, também é ligada a Thoth/Hermes/Mercúrio, o mensageiro dos deuses, freqüentemente chamado de trapaceiro dada a sua astúcia. Acredita-se que os ciganos foram os criadores das cartas, mas, na minha opinião, eles apenas as adaptaram para fazer adivinhações, assim como outras pessoas fizeram o mesmo para usá-las em jogos. O simbolismo interno dos baralhos mais antigos deixou-me convencida de que sua fonte foi a heresia albigense do Graal.

Acredito que os integrantes das trupes nômades dos ciganos e artistas que acompanhavam os trovadores ficaram sabendo do tarô por intermédio dos pregadores albigenses que viajavam com eles e lhes ensinavam as doutrinas da fé “oculta”. Até hoje, todos os anos, os ciganos correm para as ruas de Les-Saintes-Maries-de-La-Mer no mês de maio para honrar Sara (filha de Madalena e Jesus), a Egípcia, como sua Rainha Negra.

A Trombeta

A palavra trompe, no francês antigo, significa “trombeta”, o mesmo símbolo das pregações heréticas que cindiram a Rocha da Igreja de Pedro e que era encontrado nas marcas-d’água. Nos baralhos originais, eram esses trunfos que ilustravam as verdadeiras doutrinas e a história da Igreja oculta do Graal. Nenhuma autoridade no assunto parece saber com exatidão por que os trunfos do tarô foram considerados subversivos, em parte porque o significado original dos símbolos foi obscurecido por copistas posteriores. Somente os pintores dos baralhos primitivos poderiam dizer com certeza o que eles mesmos estavam expressando.

Trabalhos subseqüentes, executados por artistas que desconheciam o real significado das imagens, muitas vezes não passavam de adivinhações acidentais ou meras especulações sobre a intenção dos verdadeiros criadores das cartas. Com o passar do tempo, muitas dessas pinturas foram deturpadas e mal interpretadas. As lendas do Graal difundiram-se em várias direções, fazendo com que a sua história básica fosse se modificando aos poucos até que o tema verdadeiro se perdesse totalmente. Apenas os baralhos mais antigos ainda existentes, entre eles o de Carlos VI, mantêm um simbolismo original suficiente para identificar a heresia oculta nos trunfos. Por isso, vamos recorrer às cartas desse baralho para decifrar os símbolos.

Vejamos o que os desenhos de seus trunfos podem nos dizer sobre o Sangraal. A primeira carta é O Tolo, ou “O Homem Comum”. Na terminologia do Graal, esse é Parsifal, o investigador não iniciado. Para iniciar-se nos segredos, ele precisa fazer as perguntas certas. Esse tema do homem comum que deve formular questionamentos é repetido nos rituais de iniciação da maçonaria. Essa carta é seguida pelo curinga, que ainda faz parte dos baralhos modernos. O curinga conhece todos os segredos. Ele é um professor da tradição hermética. Essas duas cartas e as duas seguintes desapareceram do tarô de Carlos VI, mas suas imagens podem ser determinadas por analogia com as de baralhos posteriores.

A próxima carta da seqüência é A Papisa. Já mencionei que, na Igreja herética, as mulheres tinham posição e nível similares aos dos homens. Muitas eram consideradas descendentes de Jesus – um dos dogmas de sua fé. Elas chamavam a si mesmas de “Videiras”, referindo-se à noiva real de Judá, “a planta das delícias de Deus” (Isaías 5:7). Além disso, seguiam o versículo de João 14 – “Eu sou a videira, vocês são os ramos” – e de Isaías 24: “Eu floresço como a videira”. Em O Santo Graal e a linhagem sagrada, é dito que um grupo de elite foi cuidadosamente selecionado para receber a incumbência de passar o segredo adiante, de geração em geração. Acredita-se que essa sociedade secreta, denominada Priorado de Sião, tenha sido formada por Godofredo de Lorena para proteger os interesses da linhagem. Seu líder, ou “grão-mestre”, era eleito pelos companheiros para um mandato que duraria toda a sua vida e era sempre chamado de Jean ou Jeanne (“João” ou “Joana”) após a eleição.

A oculta Igreja do Amor era considerada paralela e igual (embora em oposição!) à Igreja de Roma. Quatro mulheres já ocuparam o cargo de grão-mestre do Priorado de Sião, formando um paralelo com o Papa da Igreja de Roma. O terceiro trunfo retrata a Papisa Joana. A Igreja que ela representa é a da Videira, os descendentes da outra Maria, a Madalena, sua matriarca real. Essa Igreja honra o princípio “sentada à esquerda de Deus” – o feminino. É, definitivamente, antiestablishment. Não é de admirar que a carta tenha sido eliminada!

A carta seguinte, A Imperatriz, também se perdeu. Baralhos posteriores a retrataram na figura de uma mulher carregando um escudo no qual se via uma fênix, mas não se sabe se esse símbolo também estava no tarô de Carlos VI. Ela era, claramente, o “oposto/igual” ao Imperador, que é mostrado na carta posterior segurando um globo e um cetro. Após O Imperador há a carta chamada O Papa, personagem que aparece sentado entre dois cardeais com mantos vermelhos. O Papa no baralho de Carlos VI porta uma chave, remetendo-nos às chaves do reino que, segundo os Evangelhos, foram entregues a Pedro. Provavelmente, a papisa da carta perdida carregava a outra chave. Em seguida, temos Os Amantes (ou Os Enamorados em baralhos posteriores), carta em que dois cupidos são retratados com fitas sobre os torsos, formando a letra X em vermelho. Eles apontam flechas para uma procissão de casais vestidos com magnificência, de acordo com a última moda da época – os nobres da Europa dançam em uma procissão através da história. Essa carta representa a linhagem da heresia movendo-se em pares pela cena européia. Os dançarinos estão batendo palmas e cantando, outra associação sutil com o “fruto da Videira”.

São famílias da linhagem carregando o Santo Graal, o Sangue Real, no transcorrer dos séculos. A mulher no centro do desenho exibe na cabeça um grande e elaborado enfeite azul, com o formato da letra M – de Maria? Ou, talvez, de merovíngio? O símbolo não é acidental. O verdadeiro nome dessa carta é ”A Videira”. Quando trocamos a seqüência habitual das cartas O Cocheiro e O Eremita, a ordem cronológica dos trunfos fica mais clara. Sugiro que a próxima carta seja a denominada O Eremita, um homem com uma capa e uma longa barba. O eremita que aparece no baralho de Carlos VI é Pedro, o Eremita, cuja zelosa pregação da primeira Cruzada no fim do século XI, na Europa Ocidental, culminou com a tomada da Cidade Santa e de seus santuários.

Graficamente, esse significado adquire uma confirmação ainda mais evidente na carta A Força do tarô de Mantegna, na qual a mulher que segura a coluna quebrada exibe dois leões em suas roupas, e um terceiro leão aparece ao seu lado: um para Judá, um para Boaz e um para Jesus o “Três Vezes Forte”! O desenho de um Graal aparece entalhado no topo da coluna. Uma frase ainda usada nos rituais maçons é parte do mito da Palavra Perdida do Mestre Criador: até que ela seja encontrada em uma era futura, “existe uma força no Leão de Judá, e ele prevalecerá”. A Força representa a linhagem do Leão de Judá e as promessas feitas aos herdeiros de Davi (Salmos 89, 2 Samuel 7:16).

A seguir há a carta O Cocheiro, que nos baralhos modernos é chamada de O Carro. Contudo, o homem que conduz o veículo no baralho de Carlos VI não é um cocheiro, mas um cavaleiro. Ele veste uma armadura e retoma vitorioso, segurando na mão direita uma acha (arma antiga com o formato de um machado), enquanto se equilibra sobre o carro, no qual estão despojos de guerra. Esse veículo lembra um ataúde – ou um tabernáculo. Um dos pés do homem descansa sobre um enfeite que forma a letra I. A curvatura do enfeite ao lado o faz formar a letra C. As letras IC são as iniciais de Iesu Christi. Esse trunfo mostra que os despojos de guerra trazidos de Jerusalém estão de alguma forma associados a Jesus. A carta representa o retorno dos templários que, segundo rumores, haviam levado de volta à Palestina um grande tesouro após a primeira Cruzada.

A cerimônia do ritual maçônico do Arco Real ressalta que arquivos secretos foram encontrados em escavações realizadas sob o Templo de Salomão por “residentes temporários” de Jerusalém. Assim sendo, o famoso tesouro do Templo pode estar ligado a informações descobertas em suas ruínas. A décima carta, que também desapareceu do tarô de Carlos VI, mas que integra outros baralhos, é A Roda da Fortuna. Acredito que ela se refira especificamente à mudança abrupta no destino da Ordem dos Cavaleiros Templários. Durante dois séculos, essa ordem acumulou grande fortuna e poder político; porém, em 1307, o rei Filipe IV, da França, se associou com o Papa Clemente V para exterminá-la. No dia 13 de outubro desse ano, uma sexta-feira, um edital determinando a prisão dos templários foi publicado simultaneamente em todas as cidades da França e por toda a Europa. Nesse dia de mau agouro, A Roda da Fortuna mudou radicalmente e se voltou contra esses poderosos cavaleiros, a quem o destino já fora tão favorável.

A Justiça é a virtude feminina retratada na carta seguinte. A mulher segura a balança da  justiça e a espada de dois gumes. A Justiça é a virtude feminina retratada na carta seguinte. A mulher segura a balança da justiça e a espada de dois gumes. Os templários foram levados a julgamento, acusados de heresia. Durante sete anos, a lnquisição os interrogou com imensa brutalidade, numa tentativa de descobrir o esconderijo de seu famoso e imenso tesouro.

A próxima carta da seqüência, geralmente chamada O Enforcado (ou O Pendurado em versões modernas) e considerada a mais enigmática do baralho, poderia ser denominada “O Templário Torturado”. A perna pela qual o homem está pendurado é um eufemismo metafórico, usado desde a Antiguidade na literatura e na arte, para referir-se aos órgãos genitais. É, ao mesmo tempo, uma sutil referência à linhagem sagrada e a Anfortas, o rei inválido do Graal. As sacolas de dinheiro nas mãos do homem representam o legendário tesouro do Templo. Apesar das terríveis torturas aplicadas pelos inquisidores, os líderes templários não revelaram a localização do tesouro escondido, talvez porque a sua verdadeira riqueza não fosse feita de ouro. Ela estava guardada em recipientes terrenos – a linhagem real de Jesus, o Rei, e a outra versão da história cristã que eles mantinham em seus corações.

O trunfo denominado A Morte é a carta seguinte. Estranhamente, porém, os corpos pisoteados pelos cascos do bárbaro jumento são os de um rei e os de figuras representadas em uma carta anterior: O Papa e os cardeais de mantos vermelhos. Esta é outra pista importante para a correta interpretação do tarô como um catecismo albigense: em março de 1314, Jacques de Molay, grão-mestre dos templários, profetizara, pouco antes de morrer queimado em uma estaca, que o rei Filipe IV da França e o papa Clemente V iriam encontrá-lo no banco dos réus, diante de Deus, ainda naquele ano. A profecia se concretizou: ambos morreram antes do fim daquele ano. Essa carta retrata a morte da elite governante repressora, da ímpia aliança dos poderes que se uniam para destruir a verdade do Graal e seus protetores.

Acredita-se que a carta seguinte represente uma virtude: A Prudência. A figura feminina está sentada, pacientemente, derramando água de um jarro para outro. O significado esotérico dessa carta é que os dogmas supostamente exterminados estão sendo transferidos, por motivo de segurança e com muito cuidado, para outro recipiente. A água é o símbolo cristão do espírito e da verdade, os dogmas da “única fé verdadeira”. Eles não se perderam.

O Diabo, a próxima carta na seqüência, é uma representação licenciosa do poder do princípio masculino reinante na Europa após a dissolução do Templo e do aniquilamento dos albigenses. As figuras em torno de um terrível ogro estão removendo pedras do caminho. Essa criatura é uma representação visual do “tirano” da Idade Média, a Inquisição da igreja de Roma, que foi instituída para arrancar a heresia pela raiz, mas que acabou sendo usada para reprimir todo tipo de pensamento livre. O monstro segura pesadas correntes com as quais escraviza a raça humana. Suas horríveis e enormes orelhas provavelmente representam os espiões da Inquisição que estavam por toda parte, intimidando e oprimindo o povo. Não são os hereges da Videira que servem a esse monstro da maldade – seus escravos são os ortodoxos.

A carta denominada A Torre retrata a destruição da torre de uma fortaleza, que foi chamada de A Casa de Deus em alguns baralhos posteriores. É uma obsedante referência a Magdal-eder, a “fortaleza” da filha de Sião no exílio. Ela parece simbolizar a destruição da Cidade de Deus, que foi a esperança e o sonho milenares dos hereges. Em um mundo que nega e reprime a verdade, ela não pode ficar de pé. A carta seguinte desapareceu do baralho de Carlos VI, mas foi denominada A Estrela em versões posteriores. Em alguns desses baralhos, uma moça aparece derramando no chão a água contida em dois vasos, um sinal de esperança para a futura regeneração do espírito e da verdade. Em uma carta anterior, a virtude da prudência aparecia transferindo a água para um novo recipiente. A Estrela também pode ser uma referência ao signo astrológico de Aquário, o Aguadeiro, a Nova Era cujo símbolo profetiza a dissolução da elite patriarcal dominante por meio da “água”, do feminino (mare, que significa “mar”) e do espírito da verdade. A água derramada nessa carta fará o deserto florescer nos séculos que virão.

Na próxima carta, A Lua, há uma lua crescente no céu e dois homens que trabalham anotando cálculos em um pergaminho. Esse corpo celeste é um importante símbolo para as ciências ocultas e para a deusa. Os homens parecem estar calculando dimensões celestiais, uma ilustração gráfica da crença esotérica de que a realidade na Terra espelha a ordem do cosmo. Essas medidas determinarão as dimensões do Templo terreno. O arquiteto do verdadeiro Templo é parte do mito original da maçonaria, cujos rituais incluem Hiram Abiff e um clamor: “Não haverá ajuda para os filhos da viúva?” O tema recorrente da construção do verdadeiro Templo, de acordo com os princípios cósmicos da harmonia e do equilíbrio das forças, ainda permeia as doutrinas da irmandade dos maçons. Os homens na carta estão usando as formas A e V , as mesmas do compasso e do esquadro entrelaçados que se tomaram símbolos da maçonaria. Colocadas juntas, elas formam o ideograma IA, o Ave Millennium, encontrado nas marcas-d’água dos albigenses. A exagerada lua crescente simboliza o oculto – especificamente as ciências medievais da alquimia e astrologia. Há muitos sinais de que ambas estavam ligadas à construção das catedrais medievais.

Pode-se até especular que os dois homens que aparecem nessa carta estejam estabelecendo uma base astrológica para uma catedral, tentando alinhá-la com sinais auspiciosos das estrelas e do cosmo, como fizeram os construtores da Igreja de São Miniato. Essa prática foi copiada de outra similar, usada pelos projetistas e arquitetos árabes na Idade Média. A carta O Sol retrata uma moça à luz do dia, com um bilro nas mãos. Seu cabelo está solto e ela segura uma linha, um símbolo da continuidade. Ela é a Bela Adormecida, que espetou o dedo em um fuso, caiu em sono profundo e só despertou quando um príncipe atravessou a floresta de espinhos para resgatá-la e livrá-la do feitiço. Colocando essa carta ao lado das duas anteriores, A Estrela e A Lua, vemos que a água do espírito e da verdade, que havia sido derramada, transformou-se em dois rios cujas águas carregam os dogmas da heresia. Um deles, as ciências ocultas e as tradições secretas de certas sociedades, corre sob a escuridão (A Lua). O outro rio, a lenda popular, carrega o segredo à luz do dia. Essa carta avisa ao investigador de que é nessas fontes que ele deve procurar as pistas para a verdade.

A seguir, temos O Julgamento. Dois anjos aparecem tocando trombetas (mais uma vez, as trombetas!), e as pessoas na parte inferior do desenho estão se levantando de seus túmulos. O significado dessa carta não é o do último Julgamento, conduzido pelo Rei Celestial, parte do dogma da Igreja Romana. O tema é “Desperte!”. O Julgamento retrata o dia da iluminação, quando todos os povos acordarão para a sua responsabilidade pessoal e o seu destino comunal como o Filho de Deus, cujo nome, Emanuel, significa “Deus esteja conosco!”. Nas doutrinas da heresia, a promessa é para o “toque da alvorada” e não para o “toque de silêncio”. Essas trombetas, assim como as cartas do tarô, anunciam o Novo Dia. A última carta, O Mundo, é a concretização dessa promessa. O governante justo, com uma coroa, um globo e um cetro, domina toda a Terra, que aparece circundada pelo ciclo místico da perfeição. O reino de Deus tornou-se real.

Os Naipes das Cartas do Tarô

Os naipes do tarô contêm um simbolismo do Graal que confirma a interpretação dos 22 trunfos. O naipe de espadas era, originalmente, representado por uma pequena espada, a “lâmina”masculina. Praticamente todos os túmulos dos templários eram marcados com espadas. No simbolismo original das cartas, o naipe de copas era um cálice. Ele também simbolizava o Graal e a Igreja alternativa, que tinha, entre outros, o epíteto de Igreja do Amor. Posteriormente, muitos corações apareceram nas marcas-d’água albigenses, e esses dois temas – cálice e coração – ficaram associados. O naipe de ouros era originalmente chamado de “pentáculo”, o nome de uma estrela de cinco pontas que é o símbolo do homem nas ciências ocultas. Segundo o livro de The Holy Place

(O lugar sagrado), de Henry Lincoln, essa estrela possuía um significado especial para os cavaleiros templários e para a Igreja alternativa. Era um símbolo dedicado a Vênus, pois a órbita do planeta que recebeu o nome da Deusa do Amor formava, a cada oito dias, um perfeito pentáculo em relação ao Sol.

Esse desenho está refletido no chão por meio dos cinco picos das montanhas existentes em Rennes Le Chateau que traçam um pentagrama no coração da heresia albigense. Lincoln sugere que eles foram incorporados pelos cavaleiros como um templo natural dedicado a Maria, a Madalena. Nas versões mais primitivas do tarô, o naipe de paus, talvez o mais significativo de todos, aparecia como um cajado, ou uma vara, em flor – um cetro. Esse símbolo é a imagem visual do “cajado florido da raiz de Jessé” a promessa messiânica descrita em Isaías 11:1, e é repetido no uso do “Cetro” que se refere ao Messias davídico no Pergaminho da Guerra, encontrado entre os Pergaminhos do Mar Morto, nas cavernas de Qumran.

O trevo de três folhas dos baralhos modernos é uma clara menção à linhagem real dos reis de Judá e ao seu mandato divino. Estilizados em nossos baralhos modernos, os emblemas originais dos quatro naipes eram símbolos bem definidos e propositais da heresia do Graal. Nessa análise, é preciso lembrar que uma das maiores contribuições dos albigenses foi exatamente a sua insistência em fazer com que as Escrituras fossem traduzidas para o seu idioma. A seita manteve-se infiltrada nos versículos das Bíblias hebraica e grega.

Mensagens que podem parecer obscuras para nós eram o alimento diário dos hereges. Essa paixão pelo acesso direto à palavra escrita de Deus representou um dos mais expressivos legados dos albi-genses à civilização ocidental. Ao disseminarem o Evangelho, os hereges de Provença plantaram sementes de liberdade, justiça e igualdade. Essas sementes se tornaram mais importantes do que o culto da linhagem, culminando, enfim, no surgimento da democracia no século XVIII.  

Revisões posteriores das pinturas e dos símbolos das cartas do tarô acabaram obscurecendo seus significados originais. Tentei reconstruí-los com base nos trunfos ainda existentes de um dos mais antigos baralhos de tarô. À luz da heresia e de suas ligações com os cavaleiros templários, os símbolos são facilmente colocados em uma seqüência cronológica. Por meio desse catecismo desenhado, os dogmas básicos e a história da heresia atravessaram toda a Europa. A origem e o significado do tarô são, até hoje, um quebra-cabeça que perturba os historiadores da arte, mas somente porque eles não reconheceram suas ligações com a Noiva Perdida e sua íntima associação com a heresia albigense do Graal (e com o ocultismo e o esoterismo).

Continua …


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