Com mais de 100 dias de conflito e de massacres de civis, na sua maioria mulheres e crianças em Gaza, as Forças de Defesa de Israel teriam eliminado menos de 30% dos combatentes do Hamas, segundo relatório da inteligência dos EUA. O imenso custo humanitário, de “propaganda” e os resultados militares parcos da operação em Gaza colocam em dúvida a pseudo pujança militar e tecnológica de Israel.
‘Missão impossível’: Porque os militares de Israel têm resultados ruins em Gaza
Fonte: Sputnik
Nesta semana, fontes de inteligência dos EUA estimaram que Israel teria eliminado entre 20% e 30% dos combatentes do Hamas em Gaza, 100 dias após o início do conflito que já ceifou mais de 25 mil vidas na Faixa de Gaza, relatou o Wall Street Journal.
Apesar do braço militar do Hamas, as Brigadas Qassam, não divulgam o seu número absoluto de combatentes, o desempenho fica bastante aquém dos objetivos declarados de Israel em sua operação em Gaza: os de destruir a capacidade militar do grupo palestino.
Durante o mês de janeiro, o Hamas foi capaz de realizar ataques de foguetes contra o território israelense e emboscar tropas no território de Gaza, demonstrando que seu poder de fogo está longe de ser extirpado.
Nesta segunda-feira (22), 21 soldados israelenses morreram no território palestino, marcando o dia mais mortal para as forças militares de Israel desde o início do conflito. No dia 16 de janeiro, o grupo palestino lançou 25 foguetes contra a cidade israelense de Netivot.
A resiliência das forças do Hamas se deve ao seu melhor conhecimento do terreno, à sua extensa rede de túneis e motivação de seus combatentes, considerou o professor de Relações Internacionais da PUC Minas, Danny Zahreddine.
“Além da vantagem natural de quem está em posição de defesa, a área de combate é densamente povoada e se transformou em um amontoado de escombros, o que favorece quem conhece melhor o terreno”, disse Zahreddine à Sputnik Brasil. “O sistema de túneis ainda cria condição de ataque surpresa, que é um elemento essencial da guerra.”
A superioridade tecnológica inconteste das Forças Armadas israelenses tampouco parece ter efeito determinante nas batalhas em Gaza, apontou o professor doutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Sandro Teixeira Moita.
“O campo de batalha urbano é um grande nivelador entre forças dispares. Então um oponente que tem uma desvantagem numérica e tecnológica – nesse caso, o Hamas – consegue, através do combate em zonas edificadas em escombros, equalizar o nível com um inimigo com superioridade tecnológica – nesse caso, Israel”, disse Moita à Sputnik Brasil.
Segundo ele, a rede de túneis construída pelo Hamas se mostrou muito mais extensa e interligada do que Israel antecipara. E não está claro se existem reais possibilidades de destruir essa verdadeira cidade subterrânea.
“Israel ainda não possui mapeamento ou rede de sensoriamento dos túneis, o que representa por si só um enorme desafio”, considerou Moita. “E há dúvida sobre a capacidade de Israel de eliminar essas redes, que não são somente utilizadas pelo Hamas, mas também por civis, para conduzir atividades econômicas básicas em Gaza – uma região sob bloqueio econômico imposto por Israel.”
A adoção de táticas de guerra típicas do confronto assimétrico e irregular está aliada ao alto nível de motivação no lado dos combatentes palestinos, notou Zahreddine.
“Claro que os israelenses estão motivados pelos ataques de 7 de outubro. Mas, no caso de Gaza, eles lutam pela autonomia, independência e liberação da Palestina, o que sem dúvida dá para ea sua resistência um significado diferente”, considerou o professor da PUC Minas. “A Palestina tem mais de 75 anos de luta pela independência.”
Fator EUA
Enquanto as forças de Israel estão ocupadas em reverter os resultados militares aquém do esperado em Gaza, e no monitoramento de um conflito cada vez mais ativo contra o Hezbollah ao norte do seu território, Tel Aviv deverá ainda manter sua capacidade dissuasória contra potências como o Irã.
Caso o Irã se envolva diretamente no conflito, Israel teria que adicionar à sua lista de tarefas a vitória sobre um país com população quase dez vezes superior, que possui tecnologia de mísseis balísticos e de drones, que podem atingir qualquer ponto de Israel e vários países da Europa, considerou o professor da PUC Minas.
“Claro que Israel tem armas nucleares e uma Força Aérea muito significativa para dissuadir o Irã”, disse Zahreddine. “Mas o principal elemento dissuasório que Israel tem se chama Estados Unidos da América.”
O especialista lembra o deslocamento do porta-aviões dos EUA para o Mediterrâneo leste e a ofensiva de Washington contra os houthis do Yémem no mar Vermelho como sinais de que Israel pode, sim, contar com seu aliado norte-americano no contexto atual.
Por outro lado, a falta de resultados militares robustos em Gaza pode abrir espaço para que os parlamentares dos EUA questionem o apoio incondicional a Israel, a exemplo do que ocorre na Ucrânia.
“Um dos fatores que mais pressionam os políticos nas guerras são os seus custos. No caso da Ucrânia, os custos são altíssimos para o [ex] mundo rico ocidental do Atlântico Norte, o que leva a um desgaste e desmotivação na continuidade do apoio à Ucrânia”, apontou Zahreddine. “O caso de Israel vai pelo mesmo caminho.”
A insatisfação de setores da opinião pública dos EUA com os rumos da guerra em Gaza pode interferir nos cálculos eleitorais, pressionando a administração Biden a rever ou reduzir seu apoio a seu aliado no Oriente Médio em um ano de eleição presidencial nos EUA.
Resiliência interna
A escalada no número de mortes do lado israelense observada nessa semana tensiona ainda mais uma sociedade civil já traumatizada pelos eventos de 7 de outubro e pela postergação da liberação de reféns.
O serviço militar obrigatório e o elevado nível de militarização social em Israel não garante que a sociedade aceitará um alto número de baixas e mortes durante o conflito em Gaza, acreditam os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
“A sociedade israelense será resiliente ao número de mortos, à medida que ela entender que há resultados e sucesso”, considerou Moita. “Neste momento, existe uma percepção de insucesso – de que as tropas foram para Gaza, mas não estão conseguindo degradar o Hamas da maneira que se acreditaria possível, nem recuperar os reféns judeus das mãos do Hamas.”
Além disso, com cerca de meio milhão de pessoas em armas em um país minúsculo e, portanto, afastadas da vida econômica – 360 mil mobilizados e cerca de 140 mil profissionais das Forças de Defesa, estimou o professor doutor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército – a economia de Israel começa a dar sinais preocupantes.
“Há claro sinais de fadiga em Israel em função do impacto econômico da guerra, inclusive levando à retirada limitada das tropas israelenses de Gaza em dezembro, e a liberação de alguns reservistas para voltarem à vida civil”, relatou Moita.
No entanto, o fim das hostilidades não está no horizonte, tampouco uma reversão nos insucessos das Forças de Defesa de Israel no terreno.
“Foi confiada às forças militares de Israel uma missão impossível. Elas podem degradar o Hamas, sim. Mas um movimento como o Hamas só pode ser destruído se você atacar a situação econômica de Gaza, resolver a questão política palestina, oferecer uma condição de vida digna para a população, o que enfraqueceria muito a capacidade do discurso extremista de cooptar os palestinos”, argumentou Moita.
O especialista lamenta que a estratégia de Israel tenha sido “jogar toda a questão palestina para debaixo da esfera militar”, que não tem os meios necessários para solucionar um conflito desta magnitude.
“Israel está perante um desafio não militar. O problema é político e de racismo, mas está sendo tratado pelas Forças Armadas. Porém, como estamos vendo, o campo militar só pode produzir resultados militares”, concluiu o professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército brasileiro.
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