Os países BRICS seguem seu Próprio Caminho

Está chegando a hora (6 a 7 de julho de 2025) da Cúpula Anual de Líderes do BRICS+ no Rio de Janeiro. Os BRICS realizam centenas de reuniões ao longo do ano sobre todos os tópicos, desde esportes a questões femininas e agricultura. Mas há apenas uma Cúpula de Líderes. É quando os chefes de Estado dos membros se reúnem para discutir questões políticas e fazer anúncios de grande importância.

Fonte: De autoria de James Rickards via DailyReckoning.com

Para quem ainda não conhece o BRICS, trata-se de uma sigla que combina os nomes dos países membros fundadores: Brasil, Rússia, Índia e China, que se conheceram em 2009. Isso nos deu o nome de BRIC. A África do Sul aderiu em 2010 e o grupo se tornou BRICS. Irã, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Egito aderiram em 2024 e a Indonésia em 2025. Refiro-me a esse grupo expandido de dez como BRICS+.

Em 2024, foi criada uma categoria de parceiros para países que não são membros plenos do BRICS, mas são convidados a participar das Cúpulas de Líderes e Ministros das Relações Exteriores. Os parceiros atuais são Bielorrússia, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão. Alguns desses parceiros poderão se tornar membros plenos em um futuro próximo.

Além disso, há uma lista de espera ainda maior de potenciais futuros membros, incluindo economias importantes como Turquia, Argélia e Arábia Saudita. Independentemente das datas específicas em que determinados países ingressem no BRICS ou se tornem membros parceiros, a expansão contínua do grupo parece garantida.

Não é uma equipe heterogênea

Embora a Cúpula de Líderes seja um evento anual, ela não ocorre na mesma época e local todos os anos. A data exata depende da agenda dos próprios líderes, bem como das condições sazonais do país anfitrião. A liderança geral do BRICS+ é uma presidência rotativa entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. No ano passado, a cúpula foi realizada em Kazan na Rússia em outubro, com o presidente Putin como anfitrião.

Este ano, o Brasil tem a presidência rotativa e a cúpula será no Rio de Janeiro, de 6 a 7 de julho de 2025. O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, será o anfitrião. Todos os líderes fundadores do BRICS devem comparecer, incluindo Lula da Silva (Brasil), Vladimir Putin (Rússia), Narendra Modi (Índia), Xi Jinping (China) e Cyril Ramaphosa (África do Sul), entre muitos outros.

Uma breve comparação dos recursos combinados dos cinco primeiros membros do BRICS com os recursos do G-7 (EUA, Reino Unido, Alemanha, Itália, França, Japão e Canadá) é instrutiva. Em termos populacionais, os BRICS têm 3,3 bilhões de pessoas, contra 0,8 bilhão no G-7. A área total dos BRICS é de 39,7 milhões de km², contra 21,7 milhões km² do G-7.

O crescimento anual real do PIB é de cerca de 5% para os BRICS, contra 2% no G-7. O PIB nominal do G-7 supera o dos BRICS em US$ 45,3 trilhões (43,7% da produção global), em comparação com US$ 26,7 trilhões (28,7% da produção global). Mas, quando se utiliza a paridade do poder de compra, os BRICS superam o G-7 em US$ 51,6 trilhões, contra US$ 48 trilhões.

Os países do BRICS são líderes na promoção da segurança e da soberania alimentar,  nutrição e da agricultura sustentável global. Juntos, Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã, são responsáveis por 42% da produção global de alimentos, possuem  33% das terras agrícolas e estão abastecido com 39% dos recursos hídricos do planeta, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar do Brasil.

A questão não é que os BRICS estejam ultrapassando o G-7 em todos os aspectos – eles não estão. A questão é que os BRICS são um grupo poderoso demográfica e economicamente, e não uma coleção heterogênea do que antes eram chamados de países do Terceiro Mundo sem nenhuma relevância e representatividade no cenário global.

Preparados para seguir seu próprio caminho

Os BRICS fazem muito mais do que se reunir para cúpulas estéreis. Eles passaram os últimos dezesseis anos construindo cuidadosa, sistemática e metodicamente uma versão paralela das instituições originais de Bretton Woods (1944) para atender aos seus próprios propósitos e interesses.

O Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, com sede em Xangai, funciona de forma semelhante ao Banco Mundial como credor de desenvolvimento. O Acordo Contingente de Reservas do BRICS (CRA) funciona de forma semelhante ao FMI como credor de curto prazo para membros que enfrentam dificuldades temporárias de liquidez ou cambiais. O novo sistema de pagamentos do BRICS (BRICS Pay) funciona como um sistema financeiro de pagamento, liquidação e compensação para substituir instituições ocidentais como o SWIFT, BIS e a Euroclear.

Em termos simples, os BRICS estão se preparando para seguir seu próprio caminho e deixar a arquitetura financeira [e o controle ocidental do G-7 ocidental para trás.

O que NÃO está acontecendo este ano

A próxima cúpula dos BRICS no Rio, em 6 de julho, promete ser memorável em termos de anúncios relacionados ao desenvolvimento contínuo dessa nova arquitetura financeira e a admissão de possíveis novos membros. Antes de considerar quais serão esses anúncios, é útil listar o que os BRICS não farão. As reuniões dos BRICS são frequentemente cercadas de conjecturas infundadas e especulações descabidas. Vamos deixar de lado as especulações antes de nos voltarmos para a realidade.

Os BRICS não anunciarão uma nova moeda comum. Houve muita especulação sobre isso há dois anos, na Cúpula de Líderes na África do Sul. Não aconteceu naquela época e não está acontecendo agora. Aliás, pode não haver uma moeda dos BRICS por muitos anos, talvez nunca.

Os membros do BRICS vêm expandindo o comércio entre si e pagando com suas moedas locais, às vezes usando o dólar americano por conveniência. O euro não foi criado da noite para o dia. Foram necessários dez anos, do Tratado de Maastricht, em 1991, ao lançamento do euro, em 2000, para resolver todos os problemas técnicos. Até mesmo o Tratado de Maastricht foi resultado de mais de vinte anos de experimentação com o Sistema Monetário Europeu (1979-1999), um esforço anterior para fixar taxas de câmbio após o fim do padrão-ouro. Portanto, não espere uma moeda unificada do BRICS num futuro próximo.

Os BRICS não retornarão ao padrão-ouro. Quando usamos o termo “padrão-ouro”, nos referimos a um sistema no qual uma ou mais moedas são atreladas a uma quantidade fixa de ouro e a moeda é livremente conversível em ouro a essa taxa fixa. Quando mais de uma moeda está atrelada a esse padrão-ouro, essas moedas também são atreladas entre si pela lei transitória.

O mundo utilizou um padrão-ouro ad hoc de 1870 a 1914 e uma versão do padrão-ouro por acordo internacional de 1925 a 1936 e novamente de 1944 a 1971, sob Bretton Woods. Não existe um verdadeiro padrão-ouro desde 1971, e não surgirá nenhum dos BRICS tão cedo.

Por fim, não há nada na agenda dos BRICS sobre o abandono do dólar americano ou o fim do papel do dólar americano como unidade de conta. Hoje, o dólar representa cerca de 60% das reservas globais e mais de 80% das compras globais de energia. Apesar das inúmeras falhas e reclamações, o fim do sistema de reservas em dólar e do Acordo do Petrodólar não está à vista.

O que esperar nesta reunião de cúpula

Com a moeda dos BRICS, um novo padrão-ouro e o “fim do dólar” deixados de lado, pelo menos por enquanto, o que os BRICS realmente farão?

A iniciativa mais importante será admitir novos membros e adicionar novos países à lista de parceiros. A chave para criar uma moeda dos BRICS (a longo prazo) e substituir o dólar (a longo prazo) é criar uma grande área de comércio que aceite qualquer nova moeda que seja proposta. Essa foi uma das chaves para a criação do euro.

A União Monetária Europeia (UEM) tinha 11 membros em 2000 e conta hoje com 20 membros, com mais em lista de espera. O euro também é amplamente aceito e negociado por bancos em todo o mundo, mesmo fora da UEM. Com a adição de novos membros, os BRICS estão dando passos importantes rumo a uma ampla área de comércio com acordos mútuos de pagamento.

Outra área fundamental para a expansão dos BRICS é a construção e o lançamento de novos sistemas de pagamentos, liquidação e custódia. Atualmente, os membros dos BRICS são obrigados a utilizar sistemas de pagamento dominados pelo Ocidente, como SWIFT, FedWire, DTCC e Euroclear. Esses sistemas são eficientes e seguros, mas são controlados pelos EUA e outros governos do G-7.

Isso significa que os ativos dos BRICS liberados ou mantidos nesses sistemas estão sujeitos a congelamentos e apreensões pelos EUA e seus aliados por razões geopolíticas. Isso já aconteceu com a Rússia em relação a US$ 300 bilhões de suas reservas mantidas na forma de títulos do Tesouro dos EUA, custodiados em bancos americanos e na Euroclear. Esses ativos estão sendo gradualmente roubados pelos EUA para sustentar o regime neonazista na Ucrânia. Ter sistemas alternativos enfraquecerá as sanções financeiras dos EUA e protegerá os ativos dos BRICS.

A Moeda de Ouro do BRICS

Embora o burburinho em torno de um novo padrão-ouro seja exagerado, o ouro continua sendo uma parte central da essência dos BRICS. Aqueles que defendem uma nova moeda dos BRICS parecem não perceber que os BRICS já têm uma moeda comum: o ouro.

Se a Rússia tiver um superávit comercial com a China, acumulará um excesso de reserva em yuans. Se a China acumular um superávit comercial com o Brasil, acumulará um excesso de reserva em reais. Essas reservas não são úteis além de um certo ponto e não existem grandes mercados de títulos líquidos nos quais possam ser investidas com liquidez e segurança. A conversão para dólares americanos e a compra de títulos do Tesouro dos EUA são uma opção, mas deixam o detentor sujeito às sanções americanas e de seus aliados e roubo direto.

A alternativa é converter as reservas cambiais dos BRICS em ouro. De fato, o ouro é um ativo monetário de reserva fundamental para os bancos centrais dos BRICS. Quando mantido em forma física em local seguro, o ouro não pode ser congelado ou roubado pelos EUA, e é livremente aceito pelos demais membros dos BRICS.

Este fenômeno é comprovado por dados concretos. Desde 2009, a Rússia aumentou suas reservas de ouro de 531 toneladas métricas (mt) para 2.333 mt. A China aumentou suas reservas de ouro de 600 mt para 2.293 mt. A Índia aumentou suas reservas de ouro de 358 mt para 880 mt.

Estas são posses oficiais, excluindo a propriedade privada. Estima-se que cidadãos indianos possam possuir até 5.000 toneladas métricas em joias e barras de ouro. Há também boas razões para acreditar que as posses oficiais de ouro chinesas sejam significativamente maiores do que o valor relatado acima. Por fim, alguns países estão adquirindo grandes reservas de ouro, mas não são transparentes sobre suas posses. O Irã, membro do BRICS, se enquadra nessa categoria.

Então, os BRICS já têm uma moeda comum na forma de ouro.

Regras de Geoeconomia

É importante enfatizar que os BRICS não são uma aliança militar. Não existem tratados de defesa mútua no âmbito dos BRICS. Os BRICS são uma organização multilateral focada na cooperação econômica e em outras questões sociais e interpessoais. Os críticos que afirmam que os BRICS não podem funcionar devido a tensões geopolíticas, incluindo aquelas entre China e Índia, estão equivocados. A geopolítica não impede a geoeconomia quando há questões que podem ser abordadas de forma vantajosa para todos.

A cúpula dos BRICS no Rio pode decepcionar aqueles que preveem uma “reinicialização global” ou o “fim do dólar”. Mas será memorável, mesmo assim. O fim do papel da libra esterlina como moeda de reserva global levou trinta anos (1914-1944). A ascensão do euro como moeda de reserva global também levou trinta anos (1979-2000). Essas foram verdadeiras redefinições monetárias, mas não aconteceram da noite para o dia. A chave é ficar atento a movimentos importantes em uma direção que nos permita vislumbrar o futuro do sistema monetário global. Haverá muito disso em exibição no Rio de Janeiro em julho.


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