OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES GUERREIROS DE MANTOS BRANCOS COM CRUZES VERMELHAS
Os seus costumes, os seus ritos, os seus segredos: Digam o que disserem determinados historiadores encastelados em sua erudição acadêmica, a criação da Ordem dos Cavaleiros Templários continua envolta em inúmeros mistérios; e o mesmo acontece com a realidade profunda da sua missão, não a que se tornou pública, mas a missão oculta. Inúmeros locais ocupados e ou de propriedade dos cavaleiros Templários apresentam particularidades estranhas.
OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES SENHORES DE MANTOS BRANCOS – OS SEUS COSTUMES, OS SEUS RITOS, OS SEUS SEGREDOS.
Atribuíram-se aos monges-soldados crenças heréticas, cultos curiosos e às suas construções, principalmente a Catedral de Chartres, significados e até poderes fantásticos. A seu respeito, fala-se de gigantescos tesouros escondidos (sendo o maior deles o CONHECIMENTO), de segredos ciosamente preservados e de muitas outras coisas.
Segunda Parte – O Templo, Potência Econômica e Política – Os Mistérios da Sua Riqueza
01 – OS BENS DO TEMPLO – ASSEGURAR A LOGÍSTICA
… Atribuíram-se aos monges-soldados crenças heréticas, cultos curiosos e às suas construções, principalmente a Catedral de Chartres, significados e até poderes fantásticos. A seu respeito, fala-se de gigantescos tesouros escondidos (sendo o maior deles o CONHECIMENTO para quem souber LER nas entrelinhas), de segredos ciosamente preservados e de muitas outras coisas.
Uma vez aprovada a Ordem e permitindo-lhe a sua regra assumir o seu papel duplo, religioso e militar, poderíamos considerar que estava adquirido o enquadramento jurídico favorável ao seu desenvolvimento. Condição necessária mas não suficiente porque os Templários tinham necessidade de uma logística poderosa. Precisavam, não só, de realizar recrutamentos importantes para formarem batalhões de monges-soldados na Terra Santa, mas também garantir a manutenção desses exércitos em operações.
Era necessário fornecer-lhes alimentação, armas, vestuário, equipamentos, armas, cavalos, etc. As necessidades em breve iriam tornar-se colossais. Imaginamos mal, hoje em dia, como os Templários conseguiram fazer-lhes frente. Por vezes, houve que manter até quinze mil «lanças» na Palestina e uma lança significa um cavaleiro com o seu séquito completo: escudeiro, sargento de armas. Essas quinze mil lanças representam, na verdade, entre sessenta e cem mil homens. A isso há que acrescentar a intendência: todos os irmãos conversos encarregados dos abastecimentos, manutenção, reparações e alojamentos.
Pensemos que, a fim de ter sempre à disposição uma montada fresca, cada cavaleiro possuía três cavalos enquanto mais dois eram atribuídos a cada um dos seus sargentos. Em redor desta tropa gravitavam também os capelães do Templo e os operários encarregados das construções e da sua manutenção. Não esqueçamos que os Templários construíram e defenderam imensas fortalezas na Palestina e que asseguraram também a guarda de inúmeras praças-fortes em Espanha. Logo, era absolutamente necessário garantir as retaguardas da Ordem e financiar o esforço de guerra a partir do Ocidente.
Depender de uma corrente contínua de donativos teria sido muito arriscado e, de qualquer modo, insuficiente. Essas dádivas eram perfeitamente necessárias, mas, a utilização dos seus produtos devia ser racionalizada e maximizada. Convinha, é claro, provocar um verdadeiro ímpeto de simpatia e de generosidade para com o Templo e torná-lo o mais duradouro possível. Depois, seria necessário gerir por forma a multiplicar a eficácia do financiamento.
O PEDITÓRIO
No que se refere à primeira fase, a propaganda organizada por São Bernardo viria a revelar-se eficaz: os que se não alistassem nas fileiras da Ordem sentir-se-iam amiúde obrigados a doar para participarem nesse ímpeto. A verdadeira «digressão» que Hugues de Payns e os seus companheiros fizeram depois do concílio de Troyes permitiu acionar o sistema. Tinha, é claro, o duplo objetivo do recrutamento e da coleta de dádivas. Hugues de Payns começou pelas regiões onde tinha a certeza de ser bem recebido: a Champagne, em primeiro lugar, como é lógico, e, em seguida, Anjou e o Maine. Conhecia bem Foulques V de Anjou, que participara na primeira cruzada e mantinha uma centena de homens de armas na Terra Santa. Já estava conquistado para a causa dos Templários.
O que é mais, Hugues de Payns fora encarregado, junto dele, de uma missão muito agradável, dado que era portador de uma carta de Balduíno, rei de Jerusalém. Este, que não tinha herdeiro homem, desejava ver Foulques casar com a sua filha, Mélisande, e suceder-lhe no trono de Jerusalém. Foulques aceitou e ajudou a facilitar a digressão de Hugues de Payns junto dos seus vassalos. Hugues continuou o seu périplo passando pelo Poitou e pela Normandia.
Aí, encontrou o rei Henrique I de Inglaterra que o aconselhou a transpor o Canal da Mancha. O primeiro Mestre da Ordem, com a recomendação no bolso, dirigiu-se então à Grã-Bretanha e chegou, inclusive, à Escócia. Foi bem recebido em toda a parte e acumulou dádivas e presentes diversos. O ouro e prata recolhidos foram rapidamente expedidos para Jerusalém, enquanto Hugues continuava a sua digressão, passando pela região de Flandres, para a concluir no seu ponto de partida: a Champagne.
Nesse momento, uma pequena hoste já se formara em seu redor, ao longo das etapas, pronta para embarcar para o Oriente. Durante esse tempo, os seus companheiros da primeira hora não tinham ficado inativos. Também eles haviam recrutado, tendo-se cada um deslocado ao local onde tinha a certeza de ser melhor recebido: Godefroy de Saint-Omer, em Flandres, Payen de Montdidier, no Beauvaisis e na Picardia, Hugues Rigaud, no Delfinado, na Provença e no Languedoque, outro fora a Espanha.
Assim, em 1129, os habitantes dos vales do Ródano puderam ver passar uma tropa comandada por Hugues de Payns e Foulques de Anjou, com destino à Terra Santa. Em muito pouco tempo, o Mestre do Templo conseguira recrutar trezentos cavaleiros, sem contar os escudeiros e os sargentos que os acompanhavam. A digressão de propaganda fora um verdadeiro êxito e as dádivas começavam a afluir de todos os lados. Durante décadas, o movimento em prol do Templo não iria deixar de crescer. No Ocidente, já se criavam casas da Ordem, que tinham como dever não só assegurar a intendência, mas também, continuar a propaganda com o fito de atraírem novos recrutas e doações. Se olharmos bem, o progresso da Ordem do Templo parece fantástico, quase inexplicável na sua magnitude.
TUDO SE DOA
As primeiras doações foram, é claro, as dos primeiros Templários, dado que a sua regra os proibia de terem propriedade privada. Foi, portanto, o caso dos bens de Hugues de Payns, de Godefroy de Saint-Omer, em Ypres, na Flandres, dos de Payen de Montdidier, em Fontaines, etc. Mas houve também bens e direitos oferecidos por particulares: casas, terras, armas, objetos diversos, dinheiro, roupas, «taxas»… Havia até quem doasse a sua própria pessoa à Ordem do Templo em troca de uma vantagem espiritual. Bernard Sesmon de Bézu foi um curioso exemplo disso.
Ele doou a sua própria pessoa a fim de que os Templários o ajudassem a salvar a sua alma e o acolhessem na sua Ordem quando a sua morte estivesse próxima, fazendo-o assim participar in extremis no seu empenho e nos benefícios celestes que daí pudessem resultar. Precisava: “E se a morte viesse surpreender-me enquanto estou ocupado no século, que os irmãos me recebam e que, num local oportuno, inumem o meu corpo e me façam participar das suas graças e benefícios.” Em contrapartida, fazia dos Templários seus herdeiros. Além destes aspectos testamentários, viu-se também pessoas venderem os seus bens à Ordem em renda vitalícia.
Outros cediam direitos diversos ou locais particulares, como a levada de um riacho para que os Templários pudessem construir lá um moinho. Quanto a Roger de Béziers, foi muito generoso. Doou: “[…] o seu domínio chamado Champagne, situado no condado de Razès, nas margens do rio Aude, que o divide ao meio […] com todos os seus habitantes, homens, mulheres e crianças, as suas casas, foros, usufrutos, as suas terras isentas de foros e terras aráveis, os seus prados, pastagens, terrenos baldios, as suas culturas e terrenos incultos, as suas águas e aquedutos, com todos os moinhos e direitos de moinho, as pescarias com entradas e saídas.”
Isto sem contrapartida alguma, visto que afirmava: “Os irmãos do Templo não me deverão, sobre o seu domínio, nem rendimentos, nem vínculos pessoais, nem direito de portagem e de passagem.” Algumas dádivas foram nitidamente mais modestas, como a daquele camponês que se compromete a fornecer, todos os anos pela Páscoa, dez ovos à casa do Templo próxima do local onde habita. Os que doavam eram amiúde desinteressados ou esperavam do seu ato um benefício quanto à remissão dos seus pecados. Mas outros tratavam isto como negócios. As suas doações eram realizadas então contra determinadas liberalidades por parte da Ordem e, muitas vezes, a garantia de esta os proteger, a eles e aos seus interesses, garantia muito apreciável naqueles tempos de insegurança.
De qualquer modo, foi tudo muito depressa. Os bens multiplicaram-se rapidamente. Assim, a casa dos Templários de Douzens, no Aude, não recebeu menos de dezesseis doações importantes, em cinco anos. Na Flandres, o entusiasmo foi fulgurante: em alguns dias, foram instaladas quatro comendas, em Ypres, Cassel, Saint-Omer e Bas-Wameton. A partir daí, toda a região foi percorrida de imediato, o conde Guillaume Clito concedeu-lhes as sisas (impostos) das Flandres, isto é, os foros devidos por cada herdeiro quando entrava na posse do seu feudo. No Languedoque, fora organizada uma reunião pública na catedral de Toulouse para dar a conhecer a Ordem. O efeito imediato foi, é claro, um peditório substancial, mas seguiram-se-lhe inúmeras doações, tanto no Languedoque como no Roussillon.
Esta região deu, aliás, um bom exemplo da extensão contínua da Ordem. Em 1130, os Templários receberam um imóvel em Perpignan. Transformaram o local em fortaleza, com uma igreja fortificada. Em 1136 e 1137, foram-lhes doadas casas, campinas, terras cultiváveis, vinhas e os homens que nelas trabalhavam. Aconteceu o mesmo em 1138 e 1140. Sabemos menos bem o que se passou nos anos seguintes mas, em 1149, Gaufred, conde de Roussillon, doou o Mas da Garrigue du Pont-Couvert-sur-Réart que foi transformado em recebedoria. Em 1157, os Templários viram transferidos para si diversos direitos. Em 1170, o conde Guinard doou-lhes o castelo do Mas-Pal, junto do qual criaram a aldeia de Bompas.
Em 1176, outras terras vieram juntar-se a todas estas propriedades. Em 1180, começaram a secar um conjunto de pântanos que haviam acabado de lhes serem doados. Dez anos mais tarde, os Templários tornaram-se proprietários de todos os terrenos planos situados a oeste de Perpignan. Em 1207, o rei de Aragão concedeu-lhes terras que tinha no Roussillon e, em 1208, o bispo de Elne atribuiu lhes a igreja da cidade com os seus rendimentos. Ocorreram novas doações de terras e de direitos em 1214, 1215 e 1217. Em 1237, na sequência de novas doações, a comendadoria geral do Roussillon foi instalada no Mas-Deu, entre Trouillas e Villemolagne. Isto mostra a regularidade das doações durante um século.
Na verdade, neste lapso de tempo, o Templo recebeu, nesta região, muitas outras terras mas não as citamos, dado que nem sempre conhecemos as datas precisas. O movimento de generosidade que se exerceu em prol da Ordem do Templo adquiriu proporções especialmente importantes na França. No entanto, outros países participaram nesta construção. Para esquematizar, poderíamos dizer toda a Europa. Mesmo assim, alguns foram mais longe do que outros. Isso foi especialmente verdade nos reinos da Península Ibérica. Logo em Maio de 1128, a Rainha D. Teresa, de Portugal, dera aos Templários o castelo de Soure, ponto de resistência aos sarracenos. Não esqueçamos que os árabes da dinastia dos Almorávidas ainda ocupavam, nessa época, metade da Península Ibérica.
Em 1130, a entrada de Raimundo III de Barcelona para a Ordem, trazendo com ele o castelo de Oranera, foi o ponto de partida de uma vaga de recrutamento, de doações de fortalezas e dinheiro. Quanto ao rei Afonso de Castela e Aragão, quis inclusive doar, por testamento, um terço do seu reino aos Templários. Elevaram-se protestos e o testamento acabou por ser anulado, mas a Ordem foi indenizada, apesar de tudo, com a atribuição das fortalezas de Curbin, Montjoye, Calamera, Monzon e Remolina. Por vezes, algumas praças-fortes só lhes foram atribuídas em troca de alguns esforços. Foi assim que D. Afonso de Portugal lhes concedeu a de Ceira e toda a região que a rodeava, com a condição de expulsarem os sarracenos que a ocupavam.
Eles fizeram-no e aproveitaram para fundar as cidades de Coimbra, Ega e Ródão. Perante o seu poderio crescente, as pequenas ordens militares que haviam sido fundadas em Castela e em Aragão, como a Ordem de Montreal, fundiram-se com a do Templo, trazendo consigo os seus bens. Assim, com bastante rapidez, a Ordem do Templo encontrou-se solidamente implantada na França, Espanha, Portugal, Inglaterra, Alemanha, Bélgica e, depois, na Armênia, Itália e em Chipre, sem esquecer a Terra Santa.
A ORGANIZAÇÃO DAS COMENDAS
Todas estas doações provocaram muitas invejas. Vimos que o testamento do rei de Aragão foi contestado; aqui e ali, alguns particulares consideraram-se lesados, inclusive algumas ordens religiosas protestaram porque, à medida que aumentava o entusiasmo em relação ao Templo, viam rarefazer-se as dádivas de que eram alvo. Por uma espécie de equilíbrio misterioso inerente à natureza humana, quantos mais amigos tinham os Templários mais suscitavam invejas e inimizades. Inúmeras vezes, os bispos e até a Santa Sé tiveram de intervir para dirimir litígios. Assim, no caso da capela de Obstal, os Templários tinham obtido que as esmolas dadas nesse local, durante os três dias das Rogações e os cinco seguintes, pertencessem à Ordem, beneficiando delas, durante o resto do ano, os cônegos de Saint-Martin d’Ypres.
Foi necessária a intervenção do arcebispo de Reims e dos bispos de Chartres, Soissons, Laon, Arras, Mons e Châlons e até mesmo uma confirmação pontifícia para tornar possível essa disposição. Fosse como fosse, a quantidade e diversidade destas ofertas em breve exigiu, dos Templários, uma aptidão muito especial para a gestão e a organização. Escolheram para célula de base do seu desenvolvimento as comendas. Na verdade, se a sua criação dependeu, na maior parte das vezes, do acaso e se realizou em função das oportunidades, o seu desenvolvimento correspondeu a critérios racionais. A organização dessas comendas ocidentais foi, em todos os aspectos, notável. Elas reuniram, segundo as regiões, culturas, prados, vinhas, fontes, ribeiros, lagos, construções diversas, rendas, direitos.
Sempre que lhes foi possível, os Templários procuraram realizar uma cobertura eficaz das regiões onde estavam bem implantados. Procuraram também colocar a mão em determinados locais famosos por terem albergado cultos antigos e que se julgava possuírem poderes especiais. Tão frequentemente quanto podiam, dado que tinham os pés perfeitamente assentes em terra, tentaram também garantir rendimentos regulares, em substituição dos aleatórios. Sempre que lhes foi possível, converteram os direitos e percentagens que haviam recebido em taxas fixas. É verdade que, cada dia, a manutenção do seu exército do Oriente lhes custava extremamente caro e devia ser assegurada, a qualquer preço.
Foi também por isso que criaram, um pouco por todo o lado, silos de armazenamento, comprando e armazenando cereais nos anos de grande produção e revendendo-os, mais caro, certamente, mas a um preço que continuava a ser bastante razoável, quando a colheita era má. Resultado: benefícios confortáveis para a Ordem, mas também uma ausência total de fome nas regiões em que estava implantada – e isso durante os dois séculos da sua existência. Para racionalizar a exploração das suas terras e direitos e maximizar o rendimento deles, o Templo não podia satisfazer-se com as doações que lhe eram feitas. Gerir terras dispersas não teria sido muito prático nem muito econômico. A Ordem inventou, portanto, a reconstrução.
Completou as suas propriedades mediante uma política de compras e permutas, procurando formar conjuntos coerentes para a exploração. Se havia direitos detidos por terceiros sobre as terras ou os bens que lhes haviam sido concedidos, tentava sempre comprar esses direitos, de modo a possuir um máximo de bens livres de quaisquer encargos. Quanto às terras mais isoladas ou menos interessantes que não se integravam no seio de uma exploração racional, não hesitava em livrar-se delas, quer trocando-as, quer cedendo a sua gestão. O objetivo era sempre, numa primeira fase, permitir à comendadoria viver em auto-subsistência e, em seguida, libertar o máximo de excedentes possível de modo a financiar o esforço de guerra no Oriente.
O poderio da Ordem inquietava várias personalidades e não era raro tentarem dissuadir as pessoas de doarem os seus bens ao Templo. Os monges-soldados não hesitavam, para atingirem os seus fins, em recorrer à artimanha. Utilizavam intermediários, verdadeiros testas de ferro, para comprarem os bens que cobiçavam que, em seguida, lhes eram revendidos. Na verdade, os Templários não eram os únicos que praticavam uma verdadeira política fundiária. Os seus amigos cistercienses eram um bocado parecidos com eles nessa matéria, mas procediam de forma menos sistemática. Desde o início que os Templários haviam tido consciência da importância das trocas comerciais para o desenvolvimento econômico.
A utilização destes termos pode parecer curiosa porque pertencem a um vocabulário moderno. No entanto, apesar das diferenças de épocas, são adequados, na medida em que a Ordem do Templo se comportou exatamente do mesmo modo que as multinacionais atuais. O recrutamento fora rápido, mas todos quantos se desejavam alistar nem sempre eram talhados para se converterem em soldados de elite. Havia, entre eles, burgueses e camponeses que raramente eram feitos cavaleiros e, depois, havia também que «reciclar» os feridos que já não mais podiam combater. Na maior parte das vezes, eram adstritos às comendas ocidentais onde se utilizavam, da melhor forma, os conhecimentos e competências de cada um deles. Encarregaram-se das plantações, da preparação dos solos férteis, do comércio. Havia poucos homens de armas nessas comendas, na maior parte das vezes, dois ou três cavaleiros e alguns sargentos, encarregados sobretudo do policiamento, isto é, da proteção das casas do Templo e das rotas utilizadas para o seu comércio.
Para além do Mestre e de alguns cavaleiros, a comendadoria abrigava geralmente um esmoler, um enfermeiro, um ecônomo, um recebedor dos direitos devidos ao Templo, alguns artesãos «irmãos de mestres», dirigidos por um «alveitar», um irmão responsável pela venda dos produtos, um capelão e um clérigo mais especialmente encarregado do correio e do equivalente aos atos notariais atuais. Juntavam-se-lhes criados e artesãos laicos que constituíam a «mesnada», a «gens» do Templo. Esta criadagem era bastante numerosa. Assim, em Baugy, no Calvados, compreendia um pastor, um vaqueiro, um porqueiro, um guardador dos frangos, um encarregado das florestas, dois porteiros e seis operários. É claro que a composição destes grupos dependia das explorações e da importância das terras possuídas porque, muitas vezes, os Templários tinham para gerir superfícies tão grandes como meia província, com quintas disseminadas, vilas fortificadas, múltiplas capelas para guarnecer, etc.
Na administração dos bens da Ordem, o ecônomo ou recebedor podia ser secundado por um tenente ou por um celeireiro. Os Templários sabiam empregar métodos racionais, mas isso não os impedia de se mostrarem pragmáticos e de se adaptarem aos hábitos locais. Isso era tanto mais necessário quanto empregavam uma mão-de-obra radicada no local: vilões ou servos. Estes últimos pertenciam-lhes muitas vezes, em consequência de doações ou heranças. Se alguns desses servos foram alforriados pelos Templários, tal não se deveu a razões humanitárias. Com efeito, os irmãos da Ordem possuíram inclusive escravos sem terem problemas de consciência. Acontecia comprarem-nos e venderem-nos. Tratava-se, geralmente, de prisioneiros mouros.
Em Aragão, cada comendadoria utilizava, em média, duas dezenas de escravos. Com efeito, os Templários submetiam-se às regras da região, sabendo muito bem que uma política demasiado liberal de alforria, por exemplo, poderia afastar deles uma nobreza que não teria desejado segui-los nesse campo e teria receado a expansão dessas medidas. Só utilizavam, portanto, os vilões naqueles locais onde isso não levantava qualquer problema mas, quando as condições se prestavam a tal, não hesitavam em alforriar os seus servos, porque se tinham dado conta de que os homens livres produziam nitidamente mais do que os outros. Amiúde, ensinavam aos seus camponeses novos métodos de exploração e, não querendo perder esse investimento em formação, como diriam os economistas modernos, obrigavam-nos por vezes a assinar contratos que os obrigavam a investir na exploração mediante obras de benfeitoria.
A partir de então, o vilão não se sentia tentado a ir-se embora, dado que pretendia recuperar os frutos dos seus esforços. Por este meio, o Templo estabilizava o seu pessoal e, ao mesmo tempo, organizava um sistema de investimento permanente que foi uma fonte importante de progresso para a agricultura europeia da época. Aos camponeses menos afortunados confiavam terras por arrendamento ou locação. Por vezes, nas regiões insuficientemente povoadas, deparavam-se-lhes dificuldades para assegurar a exploração das propriedades. Então, tinham de atrair cultivadores oferecendo-lhes vantagens especiais. Isso foi particularmente verdade na Península Ibérica, em relação às terras tomadas aos árabes. Chegaram mesmo a recorrer a muçulmanos para cultivarem e valorizarem as suas propriedades, mediante determinadas condições de submissão.
Assim, em Villastar, na fronteira do reino de Valência, pediram aos sarracenos expulsos pela reconquista cristã que regressassem. Para tal, em 1267, concederam-lhes um foral em que lhes garantiam o direito de praticarem o seu culto, os isentavam de rendas e foros (impostos) durante um determinado período de tempo, exigiam deles uma estrita neutralidade militar e pediam-lhes que jurassem fidelidade à Ordem do Templo. Que exemplo de política realista numa época que julgamos, por vezes, integralmente submetida a um ideal religioso! As comendas foram, realmente, centros de produção importantes e exemplos recolhidos no Sul e no Norte de França mostram-no bem.
Em Richerenches, na Provence, a generosidade de numerosas famílias da região permitira aos Templários possuírem um imenso domínio. Várias centenas de pessoas foram contratadas para desmatar o solo, secar as zonas pantanosas. Depois, criaram-se, nessas terras, milhares de cavalos e carneiros que viviam quase livres em imensas superfícies rodeadas por muros de pedras. A lã dos carneiros permitia a confecção de roupas que, depois, eram exportadas. As peles serviam para fabricar sacos, proteções, arreios. A carne dos carneiros era salgada ou defumada para ser conservada e enviada, nomeadamente, para a Terra Santa. A própria comendadoria estava instalada num quadrilátero com 74 m a norte, 81 m a sul, 58 m a leste e 55 m a oeste, rodeada por muralhas e torres. No interior, para além da comendadoria propriamente dita, encontravam-se uma capela e as oficinas onde se desenvolvia um artesanato que não tinha como única finalidade a satisfação das necessidades locais.
Os Templários de Richerenches tinham arranjado também os ribeiros e lagos próximos, o que lhes havia permitido ampliarem as suas pastagens e entregarem-se à piscicultura. Apreciadores de peixes e, muitas vezes, também da boa mesa, estes monges-soldados deixaram-nos até receitas de cozinha. É o caso desta, conservada numa crônica: “Uma bela solha de cinco a seis libras, esvaziada das entranhas, abundantemente lavada em água envinagrada, é recheada com tomilho, salva, louro, trufas e azeite. Cozinhada em forno muito quente durante uma hora, arrefecida no parapeito da janela e envolvida em gelatina, é cortada em fatias, como um patê…”
A COMENDA, POTÊNCIA ECONÔMICA E COMERCIAL
Já vimos que, para além da exploração agrícola, os Templários se faziam pagar pelos serviços, como os moinhos que afetavam e cuja utilização estava sujeita a foros. Era, aliás, um dos pecadilhos dos seus amigos cistercienses cujos mosteiros borguinhões, no século XIII, possuíam cada um, em média, uma dezena de moinhos. Azenhas (moinhos movidos pela força da água de um riacho), na maior parte dos casos, mas também moinhos de vento, serviam, é claro, para a moagem de cereais, o esmagamento das azeitonas e do miolo das nozes para a extração de óleo, mas também para tarefas artesanais e semi-industriais como o pisoar dos tecidos de lã. Por vezes, os Templários associavam tanarias aos seus moinhos ou aproveitavam-nos para criarem verdadeiras redes de irrigação.
Os outros agricultores podiam beneficiar-se delas, a troco de foros. Os Templários possuíam também fornos, mas é preciso notar que os direitos que obrigavam a pagar pela sua utilização eram geralmente menos elevados do que os dos outros proprietários, o que atraía para eles uma clientela fiel e lhes valia algumas inimizades entre os concorrentes. Os Templários recebiam ainda outros direitos. Para além dos dízimos, que já referimos, retiravam rendimentos das casas que arrendavam, bem como de lojas. Detinham, por vezes, os direitos sobre o conjunto das vendas nas feiras, nomeadamente em Provins, como lembra Bruno Lafille: “Não se vende, em Provins, nenhum novelo de lã, nenhuma meada de fio, nenhum colchão de penas, almofada, veículo ou roda sem que os Templários recolham um imposto sobre o preço de venda.”
Com efeito, o conde Henrique cedera-lhes, contra dez marcos e meio de prata, o imposto de lugar recebido quando das feiras. Em 1214, adquiriram também o imposto de lugar sobre os animais destinados ao matadouro. Recebiam, por fim, um direito sobre a pesagem das leis. A pedra de peso que servia de padrão de pesagem na cidade de Provins foi-lhes confiada e montaram dois estabelecimentos de pesagem: um, em Sainte-Croix, na cidade baixa, e outro em La Madeleine, na cidade alta. É difícil imaginar a riqueza que tudo isso representava na época. Em 1307, quando foi feito o inventário da casa dos Templários de Baugy, que era apenas um estabelecimento muito secundário e modesto, encontraram-se nada menos que: 14 vacas, 5 vacas leiteiras, 1 bezerro, 7 vitelas, 200 bois adultos, 100 carneiros, 180 ovelhas e cordeiros, 98 porcos e marrãs, 8 jumentos, 8 potros de mais de um ano, 4 potros de leite, 6 cavalos, tonéis de vinho e cerveja, silos cheios de trigo, frumento, aveia, celeiros cheios de feno e erva, três belas charruas e inúmeras alfaias para arar.
A riqueza agrícola das comendas devia-se, em grande parte, às extraordinárias qualidades de gestores dos Templários. Punha-os à frente daquilo a que poderíamos chamar um verdadeiro império financeiro, tanto mais que souberam também ser banqueiros, como veremos mais à frente. Mas utilizaram também a sua experiência para fazer progredir as técnicas da época. Nomeadamente, melhoraram as técnicas de armazenamento de grãos em silos, o que permitiu evitar, durante a existência da Ordem, todas as fomes. Estas reapareceram depois da extinção do Templo.
Em todo o caso, esta riqueza, legítima aos olhos de alguns, gerou todas as lendas escritas e faladas de tesouros escondidos nos locais das antigas comendas do Templo. É certo que só se empresta aos ricos, mas não esqueçamos que uma grande parte dessa riqueza era investida e que os excedentes serviam essencialmente para financiar o esforço de guerra no Oriente. Mesmo assim, todos têm o direito de sonhar ao descobrir esses subterrâneos de que as comendas eram, amiúde, dotadas. Louis Charpentier pensa que a sua entrada pode ser detectada em lugares, que, geralmente, têm nomes como Épine, Épinay, Pinay, Épinac, Belle-Épine, Courbe, Épine, etc.
Esses subterrâneos são, muitas vezes, difíceis de se encontrar, hoje em dia. Em parte soterrados ou inundados, o solo revolto nem sempre permite encontrar os seus vestígios. Mesmo assim, conseguiu-se desenterrar alguns, como em Dormelle, no Seine-et-Marne. Encontrou-se lá uma bela galeria com abóbada de berço, suficientemente grande para que três cavaleiros pudessem cavalgar nela, lado a lado. Dirigia-se para a comenda de Paley, situada a nove quilômetros. E por certo haverá outras mais sob o solo de França. Mas veremos um pouco mais à frente que, se os túneis subterrâneos existem mesmo e estão por vezes ligados a mistérios, não é apenas através das «épines» que podemos descobri-los, mas antes através de outras chaves, que são as de São Pedro. [Continua…]