OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES GUERREIROS DE MANTOS BRANCOS COM CRUZES VERMELHAS – Os seus costumes, os seus ritos, os seus segredos: Digam o que disserem determinados historiadores encastelados em sua erudição acadêmica, a criação da Ordem dos Cavaleiros Templários continua envolta em inúmeros mistérios; e o mesmo acontece com a realidade profunda da sua missão, não a que se tornou pública, mas a missão oculta. Inúmeros locais ocupados e ou de propriedade dos cavaleiros Templários apresentam particularidades estranhas.
OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES SENHORES DE MANTOS BRANCOS – OS SEUS COSTUMES, OS SEUS RITOS, OS SEUS SEGREDOS.
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Atribuíram-se aos monges-soldados crenças heréticas, cultos curiosos e às suas construções, principalmente a Catedral de Chartres, significados e até poderes fantásticos. A seu respeito, fala-se de gigantescos tesouros escondidos (sendo o maior deles o CONHECIMENTO), de segredos ciosamente preservados e de muitas outras coisas.
Segunda Parte – OS TEMPLÁRIOS HERÉTICOS
As acusações de heresia
Voltaremos mais tarde ao andamento do processo, mas precisamos de analisar, desde já, uma das acusações mais graves feitas contra a Ordem do Templo: a de heresia. O rei da França Filipe, o Belo, redigira ele próprio um requisitório que deveria, em seguida, ser lido em todas as igrejas do reino a fim de explicar aos fiéis as razões da detenção dos Templários. O rei representava o papel da indignação e escreveu:
“Uma coisa amarga, uma coisa deplorável, uma coisa verdadeiramente horrível de pensar, terrível de ouvir, um crime detestável, um crime execrável, um ato abominável, uma infâmia horrível, uma coisa perfeitamente inumana, o que é mais, estranha a qualquer humanidade, soou, graças ao relato de várias pessoas dignas de fé, aos nossos ouvidos, não sem nos invadir de um grande estupor e nos fazer fremir com um violento horror; e, ao pesarmos a sua gravidade, uma dor imensa cresceu em nós tanto mais cruelmente quanto não existem dúvidas de que a enormidade do crime transvasa até se tornar uma ofensa à majestade divina, uma vergonha para a humanidade, um pernicioso exemplo do mal e um escândalo universal.”
Até parece um texto da Madame de Sévigné, embora com menos elegância. Filipe, o Belo, prosseguia, falando de bestialidade, de abandono de Deus, etc. Acrescentava:
“Recentemente, segundo o relato que nos foi feito por pessoas dignas de fé, foi-nos dito que os irmãos da ordem da milícia do Templo, escondendo o lobo sob a aparência do cordeiro e, sob o hábito da ordem, insultando miseravelmente a religião da nossa fé, crucificam nos nossos dias novamente Nosso Senhor Jesus Cristo, já crucificado para a redenção do gênero humano e enchem-no de injúrias mais graves do que aquelas que sofreu na cruz, quando, ao entrarem na Ordem e, quando fazem a sua profissão, lhes é apresentada a sua imagem e que, por uma infeliz, que digo?
Uma miserável cegueira, o negam três vezes e, por meio de uma crueldade horrível, lhe escarram três vezes na face; findo o que, despojados das roupas que vestiam na sua vida secular, nus, postos em presença daquele que os recebe ou do seu substituto, são beijados por ele, de acordo com o rito odioso da sua ordem, primeiro na base da sua espinha dorsal, em segundo lugar no umbigo e finalmente na boca, para vergonha da dignidade humana.
E depois de terem ofendido a lei divina por meio de feitos tão abomináveis e atos tão detestáveis, obrigam-se, pelo voto da sua profissão e sem temerem ofender a lei humana, a entregarem-se um ao outro, sem recusa, desde que tal lhes seja pedido, por efeito do vício de um horrível e pavoroso concubinato. E foi por isso que a cólera de Deus se abateu sobre estes filhos da infidelidade. Esta gente imunda abandonou a fonte de água viva, troca a sua glória pela estátua do Bezerro de Ouro e imola aos ídolos.”
Findo o que, o rei se defendia de antemão de ter dado fé a intriguistas e afirmava possuir elementos suficientes para proferir essas acusações e dava as suas ordens em relação à detenção. O essencial das queixas estava contido neste texto, apesar de o processo lhe ter acrescentado alguns floreados. Por agora, deixemos de fora a acusação de sodomia para retermos apenas o escarrar na cruz e a negação de Cristo. E, no entanto, os Templários não pareciam considerar-se heréticos. Não negaram ter cometido pecados, considerando, aliás, que isso é inerente à condição humana. Mas heréticos, não! E sobretudo não uma heresia de toda a Ordem. Teria tudo sido inventado? Também não, por certo. De fato, as coisas não são assim tão simples e eles próprios reconheciam que algumas partes do seu ritual podiam prestar-se a essa interpretação, mas era apenas, segundo eles, porque já não se sabia muito bem a que correspondiam esses elementos e, de qualquer forma, os seus corações continuavam puros.
As confissões
O que é certo é que o seu ritual continha pontos em relação aos quais é conveniente fazer algumas interrogações. Com efeito, as declarações dos próprios dignitários são surpreendentes. Interrogado a 24 de Outubro de 1307, o Grão-Mestre da Ordem, Jacques de Molay, declarou que, quando da sua recepção, em Beaune, lhe foi apresentada uma cruz de bronze sobre a qual se encontrava uma imagem de Cristo e que lhe pediram que renegasse essa imagem e cuspisse na cruz. Assim o fez mas, afirmou, arranjou uma forma de cuspir para o lado. Interrogado três dias antes, Geoffroy de Chamey, preceptor da Normandia, declarara: “[…] que depois de o terem recebido e de lhe terem colocado a capa ao pescoço, lhe trouxeram uma cruz na qual se encontrava a imagem de Jesus Cristo e o mesmo irmão que o recebeu lhe disse para não acreditar naquele cuja imagem ali estava representada, porque era um falso profeta e não era Deus. E então aquele que o recebeu mandou-o renegar Jesus Cristo três vezes, com a boca, não com o coração” segundo disse.
Hugues de Pairaud, visitador de França, fez um depoimento análogo quanto à sua própria recepção e acrescentou que, quando acolhia irmãos novos na Ordem, mandava trazer uma cruz e lhes dizia: “[…] que tinham de, em virtude dos estatutos da referida Ordem, negar três vezes o Crucificado e a cruz e cuspir na cruz e na imagem de Jesus Cristo, dizendo que, apesar do que lhes ordenava, não o fazia do fundo do coração. Tendo-lhe sido pedido que declarasse se encontrara alguns que se recusassem fazê-lo, disse que sim, mas que acabavam por negar e cuspir.” Geoffroy de Gonneville, preceptor da Aquitânia e de Poitou, afirmou ter recusado vergar-se a este rito. Aquele que o recebia, Robert de Torteville, Grão-Mestre da Inglaterra, disse-lhe então que, se jurasse sobre os Evangelhos dizer aos irmãos que pudessem perguntar-lhe que cuspira mesmo, lhe faria um grande favor. Geoffroy de Gonneville jurou e Robert de Torteville mandou-o cuspir, mesmo assim, interpondo a sua mão em frente à cruz. Segundo ele, esses costumes haviam sido introduzidos na Ordem por um Grão-Mestre que fora prisioneiro do Sultão.
Esse Grão-Mestre seria Gérard de Ridefort, que foi prisioneiro do sultão. Alguns pretendiam que se tratava de uma das más e perversas introduções, nos estatutos da Ordem, de Mestre Roncelin ou então de Mestre Thomas Bérard. Houve também templários que negaram totalmente estas práticas que talvez não figurassem na regra, por toda a Ordem. Alguns historiadores pensaram que essas declarações que citamos eram obtidas sob tortura e não tinham qualquer valor: aliás, Jacques de Molay desdisse as suas confissões. É certo que inúmeros irmãos devem ter dito, fosse o que fosse, para que parassem de os torturar, mas que pensar das muitas confissões, nem todas foram obtidas sob coação? Não podemos deixar de referir que setenta e dois templários ouvidos pelo papa – tal como Jacques de Molay e os dignitários, tal como aqueles que foram interrogados na Alemanha e em Inglaterra – reconheceram que tinham negado Cristo e cuspido na cruz. Segundo os locais, negava-se e cuspia-se ora uma vez, ora três, mas em todo o lado as confissões são idênticas, apesar de os templários dizerem ter feito isso «com a boca e não com o coração». Irmãos que não foram torturados e não tiveram razão para ter medo de o serem, confessaram.
Foi esse o caso em Florença onde os comissários elaboraram o processo sem coação, diretamente em nome do papa, ou, para outros, em Inglaterra, na Sicília, em Pisa, em Ravena, onde não foi exercida qualquer violência. Ainda por cima, em todos esses locais, as confissões diferem todas umas das outras, apresentando toques pessoais. Se tivessem sido obtidas por artimanha ou coação, teriam correspondido a um modelo-padrão. Ora, elas foram acompanhadas de observações, por vezes ingênuas e bastante «vívidas» que lhes outorgam um caráter de veracidade. Não existem aqueles exageros comuns aos métodos da Inquisição que não hesita em recorrer ao floreado diabólico para melhor convencer, depois, as multidões da justeza dos processos perante a abominação das confissões. Nestas condições, não é de todo possível duvidar: inúmeros templários foram mesmo obrigados a cuspir na cruz e a negar Cristo, quando da sua recepção na Ordem.
Trata-se de uma verdadeira enormidade: como é que monges puderam renegar Cristo, em massa, e porquê? É manifesto que não se detecta qualquer compromisso herético profundo, nenhuma adesão a uma doutrina que negaria Cristo nos templários que, no entanto, confessam. Se tivessem sido realmente heréticos, alguns deles teriam estado dispostos a sofrer o martírio pelas suas crenças, para defenderem a sua doutrina. Ora, nada disso, não há o menor militantismo. E, no entanto, esses elementos rituais são reais. Os irmãos parecem tê-los vivido como uma espécie de rito sem grande importância, um costume ao qual era preciso vergar-se, com passividade, e não terem sido afetados doutro modo por eles. Isso significa, muito provavelmente, que nos tempos derradeiros da Ordem, o sentido desses ritos já não era conhecido, nem explicado e talvez até se encontrasse pervertido. Aquilo que poderiam ter contido de iniciático apenas dera lugar a uma prática sem significado real.
A recepção na Ordem
O cerimonial de recepção na Ordem era, em princípio, fixo e não parecia dever permitir a crítica. Não se era cavaleiro do Templo sem mais aquelas. Era preciso aceitar todo um período de experiência antes de ser recebido. Para além de que a resposta não vinha de imediato e o postulante passava por um período probatório que podia durar vários meses, durante o qual lhe eram impostas tarefas duras e desagradáveis. Devia aprender assim que não entrava na Ordem por causa das honras, mas para servir. Non nobis Domine, non nobis sed nomini tuo da gloriam, dizia a divisa da Ordem. Quando a decisão de receber o postulante era tomada finalmente, reunia-se o Capítulo para o acolher. A cerimônia de recepção decorria de noite, como os mistérios antigos. O postulante aguardava do lado de fora, enquadrado por escudeiros que empunhavam tochas. Por vezes, tinha de esperar muito tempo assim. Durante esse tempo, o comendador perguntava aos irmãos se algum deles pensava dever opor-se à iniciação do novo recruta.
Se ninguém dissesse nada, mandavam-no buscar e introduziam-no numa divisão perto do Capítulo. Perguntavam-lhe se queria realmente ser Templário. Perante a sua resposta positiva, faziam-lhe notar quão rude iria ser a sua vida, como deveria obedecer, independentemente de quanto lhe custasse, quais as penas em que incorria se violasse os regulamentos extremamente estritos da Ordem. Se o impetrante persistia, as suas respostas eram comunicadas ao Capítulo. O comendador perguntava então se todos estavam de acordo quanto a acolher o neófito e o Capítulo respondia: «Mandai-o vir, por Deus.» O novo irmão era conduzido perante a assembleia reunida e dizia: “Senhor, vim perante Deus, perante vós e perante os irmãos, e peço-vos, e suplico-vos por Deus e por Nossa Senhora, que me acolhais na vossa companhia e nas graças da Casa, como aquele que para todo o sempre quer ser servo e escravo da Casa.” O comendador mostrava-lhe então o que o seu pedido implicava de compromisso e renúncia:
“Belo irmão, pedis uma grande coisa porque da nossa religião só vedes a casca que está por fora. Porque a casca é tal que nos vês termos bons cavalos e belos hábitos e assim vos parece que estareis à vontade. Mas não conheceis os fortes mandamentos que estão por dentro: porque é uma grande coisa que vós, que sois senhor da vossa pessoa, vos torneis servo de outrem. Porque, com grande mágoa, nunca mais fareis o vosso desejo: se quereis estar na terra deste lado do mar, enviar-vos-emos para o outro lado: se desejais estar em Acra, enviar-vos-emos para a terra de Tripoli, ou de Antioquia, ou da Armênia: ou enviar-vos-emos à Puglia ou à Sicília, ou à Lombardia, ou a França, ou a Inglaterra, ou a várias outras terras onde temos as nossas casas e os nossos bens. E se quereis dormir, far-vos-emos velar; e se por vezes quiserdes velar, ordenar-vos-emos que vos deiteis na vossa cama… Quando estiverdes à mesa e quiserdes comer, mandar-vos-emos ir onde nos aprouver e nunca sabereis onde. Muitas vezes devereis ouvir reprimendas. Ora, olhai, belo irmão, se podereis suportar todas estas durezas.”
Perante a aquiescência do postulante, acrescentava-se: “Belo irmão, não deveis pedir a companhia da Casa para ter senhorias nem riquezas, nem gozo do vosso corpo, nem honra. Mas deveis pedir para três coisas: uma para evitar e deixar o pecado deste mundo; a outra para fazer o serviço de nosso Senhor; e a terceira para ser pobre e fazer penitência neste século a fim de salvar a vossa alma; e essa deve ser a intenção para a qual deveis pedi-la.”
Novamente, era perguntado várias vezes ao postulante se persistia em querer entrar para a Ordem. Depois, mandavam-no sair e o Capítulo era consultado uma vez mais para dar, pela última vez, a sua opinião sobre o candidato. Em seguida, mandavam entrar aquele que iria tornar-se o novo irmão do Templo. Toda a assistência se levantava e rezava, enquanto o capelão recitava a oração do Espírito Santo. O comendador fazia então seis perguntas ao candidato. Em primeiro lugar, era casado ou noivo? Na verdade, acontecia receber-se um homem casado. Deveria então comprometer-se a que os seus bens revertessem para a Ordem, após a sua morte, e a mulher devia prestar o seu consentimento. Refiramos também, embora tenha sido raro, que houve casos de mulheres que entraram para a Ordem.
É claro que essas monjas templárias não eram guerreiras e viviam separadas dos irmãos. Isso só foi organizado para receber dádivas e o perigo de uma tal situação não escapou a ninguém; a experiência foi interrompida e estatuiu-se: Damas como irmãs, doravante, não serão recebidas. Citemos, para que conste, o mosteiro de mulheres templárias que existia em La Combe-aux-Nonnains, na Borgonha, e que dependia da comenda de Épailly. Citemos também a adesão da madre Agnès, abadessa das Camaldulas de Saint Michel de l’Ermo, e de toda a sua comunidade, à Ordem dos Templários. Refiramos ainda casos semelhantes em Lyon, Arville, Thor, Metz, etc. Mas voltemos ao nosso postulante.
Perguntava-se-lhe também se tinha dívidas que não pudesse saldar, se não pertencia a outra ordem, se era são de corpo, se não subornara alguém para entrar na Ordem, se era nobre (para ser cavaleiro) ou pelo menos homem livre (para ser sargento), se era padre, diácono ou subdiácono, e se não estava sujeito a excomunhão (embora isso não tenha sido uma desvantagem durante muito tempo). Depois, lembravam-lhe mais uma vez a perda do seu livre arbítrio: “Ora, belo irmão, ouvi bem o que vos dizemos: prometeis a Deus e a Nossa Senhora que, durante todos os dias da vossa vida, sereis obediente ao Mestre do Templo e a qualquer comendador sob cuja autoridade estiverdes colocado.” Então, os juramentos encadeavam-se, todos feitos perante «A Senhora Santa Maria» e todos destinados a fixar no espírito do postulante que já não era mais dono de si mesmo. Emitia votos de obediência, de castidade, de pobreza, de fidelidade à regra.
Obrigavam-no a jurar reconquistar a Terra Santa pelas armas, não sair do Templo para entrar noutra ordem, não escutar a maledicência nem a calúnia. Haveria medo de que ele ouvisse com atenção o que por vezes se murmurava sobre as práticas da Ordem? Depois, o comendador «recebia» o novo irmão e prometia-lhe «pão, água e sofrimento e trabalho suficientes». Colocava-lhe sobre os ombros o manto da Ordem e fechava-lhe as agulhetas. O capelão lia um salmo que dizia: «como é bom, como é agradável vivermos todos juntos como irmãos» e continuava com a oração do Espírito Santo. O comendador dava o beijo da paz ao novo Templário, beijando-o na boca, o que era o costume da época. A cerimônia terminara.
Um segredo bem protegido
Encontravam-se nesta recepção todos os elementos para sensibilizar o postulante quanto à importância do seu compromisso e para o tornar solene. Mas teremos dificuldade em encontrar nela elementos iniciáticos e, ainda menos, heréticos. Seja como for, nada que se relacione com as confissões de que falamos. Isto significa, evidentemente, que esta cerimônia «oficial» deveria comportar adições que o eram menos. Sabemos, de acordo com os testemunhos, que a recepção se realizava de noite. Porquê? Por que razão devia desenrolar-se com todas as portas fechadas e guardadas, com as sentinelas a rondarem os edifícios? Por que razão se exigia uma discrição absoluta quanto ao desenrolar dessas reuniões? Por que razão haviam sido punidos, e até lançados em masmorras, irmãos que se tinham insurgido contra o desenrolar das recepções? Existiriam realmente elementos de ritual diferentes dos descritos oficialmente e, em caso afirmativo, a partir de que época?
Quando do processo, o advogado Raoul de Presles afirmou ter ouvido do Templário Gervais de Beauvais uma revelação importante, segundo a qual: “[…] havia na Ordem um regulamento tão extraordinário e sobre o qual deveria ser guardado um tal segredo, que qualquer um teria preferido que lhe cortassem a cabeça a revelá-lo.” Acrescentava: “No capítulo geral, há uma prática de tal modo secreta que, calculai que, infelizmente, um estrangeiro a tivesse testemunhado, nem que fosse o rei de França em pessoa, muito bem, os mestres do Capítulo, sem temerem qualquer castigo, matariam essa testemunha e não teriam o menor respeito pela sua qualidade.”
Raoul de Presles afirmava também que Gervais de Beauvais possuía um exemplar dos estatutos secretos da Ordem e não o mostraria a ninguém, nem por todo o dinheiro do mundo. Seria esta a regra cujos exemplares Jacques de Molay mandara destruir, pouco tempo antes da sua prisão? Templários ingleses, sem serem torturados, referiram a existência de duas recepções na Ordem, sendo a segunda secreta e «repreensível». Eles próprios não tinham assistido a ela, mas, segundo diziam, existia uma hierarquia paralela. E é sem dúvida aí que reside a chave do mistério.
A existência de uma regra secreta
A existência de uma regra secreta é quase certa. Corresponde a vários testemunhos de Templários e acabamos de ver que alguns referiam vários tipos de recepção. Alguns pensam que eram em número de três: uma primeira, «oficial», sem rito condenável, depois, mais tarde e apenas para alguns irmãos, a segunda com a negação de Cristo e, por fim, a terceira, ainda mais secreta, reservada apenas aos membros do Capítulo Geral. Com o correr dos tempos, a incompreensão de determinados ritos teria feito confundir um pouco tudo e os postulantes, quando da sua entrada na Ordem, teriam seguido ritos que não lhes eram destinados. É isso que embaralha as pistas, mas lembremo-nos da frase do templário Gaucerand de Montpezat: “Temos três artigos que nunca ninguém conhecerá, excetuando Deus, o diabo e os mestres.”
Gilette Ziegler escreve: “Teremos, portanto, de admitir a existência de uma regra secreta, conhecida apenas por alguns chefes, e que teria sido destruída. Alguns fatos parecem prová-lo: na Inglaterra, Guillaume de La More, Grão-Mestre, dera um manuscrito, para dele ser feita uma cópia, a um cavaleiro, Guillaume de Pokelington, e como um capelão, que entrara para o Templo havia apenas seis meses, pretendesse consultar esse texto, o Grão-Mestre arrancou o papel das mãos do copista e levou-o consigo. Por outro lado, o irmão Gaspard de Cauche explicava: «No ultramar, vi uma ou duas vezes o Grão-Mestre Thibaud Gaudin pedir aos irmãos que detinham os livros relacionados com as regras da Ordem que lhes entregassem. Ouvi dizer e penso que mandava queimar alguns, entregava outros aos mais antigos da Ordem e guardava os restantes para si. Os antigos diziam que Guillaume de Beaujeu e Thomas Bérard haviam feito o mesmo.»”
Muitos foram os que se puseram na pista dessa famosa regra secreta. Em 1877, foi publicada a tradução de um texto latino proveniente da Grande Loja maçônica de Hamburgo. Pensava-se que se tratava de uma cópia da regra dos Templários. Na primeira parte, encontrava-se efetivamente a regra oficial com os aditamentos redigidos, em 1205, por Mathieu de Tramlay. Ademais, pensava-se que uma segunda parte continha os «estatutos secretos dos irmãos eleitos» e o «batismo de fogo ou estatutos secretos dos irmãos consolados», devidos a um tal mestre Roncelin.
Houve efetivamente um Roncelin que fora admitido na Ordem, em 1281, e o seu nome fora citado no processo como sendo um mestre que teria «introduzido maus costumes», segundo o testemunho, nomeadamente, de Geoffroy de Gonneville. Este Roncelin teria sido um dos membros da família de Fos, perto de Marselha, que possuía também um castelo em Bormes-les-Mimosas. A data de 1281, corresponderia a uma introdução bem tardia das regras secretas e isso não se coaduna de modo algum com o fato de que, no início do século XIV, os rituais já não serem cumpridos. As noções de «irmãos eleitos» e «irmãos consolados» fazem, inevitavelmente, pensar nos cátaros e na sua cerimônia do «consolamentum». Voltaremos a este ponto. Infelizmente, esses estatutos encontrados miraculosamente são falsos, destinados sem dúvida a provar a filiação da Ordem do Templo e da Franco-Maçonaria.
Com efeito, podemos aperceber-nos de inúmeras incoerências nesta pretensa regra secreta. Os estatutos estão assinados pelo copista Robert de Samfort, recebedor da Ordem do Templo em Inglaterra, em 1240. Como poderiam ter sido inspirados por um Roncelin que se julgava ter entrado para a Ordem em 1281? Ainda por cima, o texto está recheado de contradições. Assim, está escrito que os estatutos nunca serão traduzidos em língua vulgar e que nunca serão postos nas mãos dos irmãos. Ora, o documento pretensamente encontrado é em língua francesa. Alguns elementos parecem mesmo ter sido retirados de uma obra de 1818: o Mysterium Baphometis Revelatum de Hammer-Purgstall. Tudo isto não exclui de forma alguma a existência de uma verdadeira regra secreta. Só que não é aquela. Logo, é inútil aprofundar o conteúdo dos artigos desta falsificação.
A proteção dos locais dos Templários: os segredos da épine e dos tanques
Sem dúvida que existiram cerimônias secretas regidas por uma regra secreta e, para serem praticadas, convinha que se utilizassem locais adequados e protegidos. Louis Charpentier associa o seu segredo ao termo «épine» («espinho») e seus derivados. Para ele, os locais que apresentam essas características toponímicas correspondiam a lugares dissimulados próprios para essas cerimônias. Refere, assim, locais chamados I’Épinne, Épinay, Pinay, Épinac, etc. E precisa: “Hoje em dia, pode ser o nome de um campo, de uma casa, de um lugarejo, ou até de uma cidade como Épinay-sur-Orge, mas podemos ter a certeza de que as comendas não se encontram longe. As que Épinay-sur-Orge põe em evidência existiam em Ris e em Viry. Por vezes, o nome estendeu-se, sobretudo quando se trata de florestas, como a floresta de Courbéine, na floresta de Othe, perto do bailio de Coulours.”
E Louis de Charpentier não está desprovido de razão; quando olhamos com atenção, a frequência das «épine» perto das comendas não parece dever muito às leis das probabilidades. Peguemos em alguns exemplos entre centenas: na região de Cognac, uma aldeia de I’Épine fica situada a meio caminho entre as comendas de Cherves e de Richemont. O mesmo acontece na Vienne, onde a capela da comenda de Béruges se encontrava no local chamado Épinay, perto da floresta de I’Épine. Em Deux-Sèvres, encontramos I’Épine perto de Saint-Maixent-I’École, onde havia uma comenda dos Templários. No Indre, havia uma comenda de Lespinaz ou de I’Épinat. E nunca mais acabaríamos de referir locais templários associados a «épines». Por que razão a escolha deste topônimo?
Simbolicamente, o espinho sempre desempenhou um papel de protetor contra os intrusos, a forma de preservar um outro mundo mais secreto, mas também o papel iniciático da barreira que o valente deve saber transpor para chegar ao fim da sua demanda. Não era o espinheiro alvar, antepassado da rosa, ou «cinto de espinhos» que impedia o acesso ao castelo da Bela Adormecida? Alguns Templários disseram, a respeito do seu Baphomet, que fazia florir as árvores e germinar a terra. Ora, no Livro bíblico dos Juízes, pode ler-se: “Então, todas as árvores disseram à moita de espinhos: vem e reina sobre nós.” E a moita respondeu: «Se é de boa fé que pretendeis ungir-me como vosso rei, refugiai-vos sob a minha sombra. Se não, um fogo sairá da moita de espinhos e devorará os cedros do Líbano.» O espinho aparece, assim, como o rei das árvores e foi ela que serviu de coroa ao filho de Deus, quando da Paixão.
Neste momento, não teremos de pensar na Virgem, tão amada pelos Templários, e que era chamada Lilium inter spinas, lírio no meio dos espinhos. O espinho apareceria então como a indicação do local a transpor, da barreira simbólica para além da qual se encontra o segredo procurado. A luz estaria para além do espinho e, nesse sentido, este topônimo poderia indicar a entrada de passagens secretas que permitiriam entrar nas comendas através de subterrâneos. Talvez seja conveniente também pensarmos na tradição que afirma que a Arca da Aliança fora feita com madeira de espinheiro, precisamente do spina-christi, variedade resinosa que não se parece com o espinheiro que existe entre nós.
Outro elemento frequente perto das comendas: a existência de tanques. Serviam para a piscicultura, dado que os peixes eram necessários para as refeições dos monges nos dias em que era obrigatória a abstinência. Mas esses tanques podiam servir também como redes de proteção tornando mais difícil o acesso a determinados locais, por parte daqueles que não os conhecessem bem. Assim, a comenda de Blizon, no Brenne, perto de Loches, encontrava-se situada junto a uma rede que compreendia duas dezenas de tanques. Entre estes, havia edifícios pertencentes à comenda, nos locais chamados Le Temple e Lépinière. Esconderiam o acesso a criptas misteriosas e inundáveis, em caso de perigo? Não podemos esquecer-nos de lembrar, a este respeito, a Floresta d’Orient, no Aube, um dos lugares mais fascinantes para quem se interessa pela Ordem do Templo. Também aí as casas da Ordem se encontravam protegidas por uma verdadeira rede de tanques e de regatos. A esse respeito, Louis Charpentier fala de esconderijos sob esses tanques e não se trata de uma observação gratuita. Quinze anos antes dele, Léon Mizelles já pusera a nu esse sistema ao descobrir um esconderijo no viveiro da comenda de Coulours, inundável, caso fosse preciso.
No caso da Floresta d’Orient, as pesquisas ficaram impossibilitadas porque a maior parte dos locais que pertenceram aos Templários ficou submersa sob um lago artificial cujas águas servem para o arrefecimento de uma central nuclear. Falar de locais protegidos e de acessos secretos significa que havia algo a proteger, mas o quê? Sem dúvida locais subterrâneos mais próprios do que outros para o desenrolar de determinadas cerimônias. Mas, neste caso, também não falamos com leviandade. Para ficarmos convencidos, basta atermo-nos em La Bove des Chevaliers que Michel-Vital Le Bossé nos descreve numa pequena obra muito interessante. O lugar encontra-se no Ome, no vale do Touque. Mais precisamente, fica situado no bosque de La Jaunière, perto de um local chamado La Chevalerie (a Cavalaria). A toponímia que o rodeia é interessante, desde La Prévotière (a Prebosteira) a Babylone (Babilônia), passando por Porte-Lancière (Porta-Lanceira), La Croix-Rouge (a Cruz Vermelha), Les Rouges-Terres (as Terras Vermelhas), Le Nouveau-Monde (o Novo Mundo), Le Pont-Percé (a Ponte Transposta) e Le Pont de Vie (a Ponte da Vida).
A «bove» em questão não é mais do que um dos inúmeros subterrâneos devidos à Ordem do Templo nessa região, mas a sua planta é, no mínimo, curiosa, parecendo lembrar a possibilidade de cerimônias secretas com a sua sala em forma de cruz céltica, a sua pequena sala redonda com sete cavidades, as suas passagens do retângulo ao quadrado e ao círculo. Deveremos ver nela um protótipo dos locais secretos dos Templários? É difícil dizê-lo, mas o que é certo é que esses locais não eram construídos assim gratuitamente.
Gnósticos e essênios
Se houve realmente cerimônias secretas no seio da Ordem do Templo, resta-nos perguntar a que doutrina há que as ligar. Na maior parte das vezes, é às crenças gnósticas que se recorre para esse fim. Isto seria bastante lógico, na medida em que a gnose, sob uma ou outra das suas formas, inspirou quase todas as heresias da Idade Média. Ainda por cima, o contato com o Mediterrâneo oriental só podia favorecer o contágio gnóstico. Os gnósticos tinham forjado as suas doutrinas a partir de um fundo comum bebido nos mitos gregos, egípcios e até babilônicos. A «gnose» era, com efeito, uma tentativa de conhecimento integral do mundo e dos princípios (LEIS) que o regem. Para os seus adeptos, é pela compreensão que o homem tem uma hipótese, por mais ínfima que seja, de aceder à divindade ou, pelo menos, de se aproximar dela. Essa procura do conhecimento deveria conduzir à Sophia, a sabedoria. Em geral, os gnósticos pensavam que eram necessárias várias vias para atingir esse estádio e acreditavam na transmigração das almas e na reencarnação. O corpo era, para eles, a prisão da alma, mas, pelas provas sofridas e ultrapassadas quando das vidas sucessivas, cada ser poderia esperar se reintegrar a um estado primordial.
Se o gnóstico foi sobretudo grego, implantou-se também na Palestina. Os manuscritos descobertos em Qumran e atualmente chamados «manuscritos do mar Morto» informam-nos sobre as crenças dos essênios. Os textos encontrados contam-nos, entre outras, a história do Mestre da Justiça supliciado «sobre um madeiro» pelos judeus. Os fiéis aos quais dera os seus ensinamentos pensavam ser os únicos eleitos por Deus. A sua doutrina baseava-se em livros que remontavam a Moisés (o que nos levaria à Arca da Aliança). Diziam-se «filhos da Luz» e julgavam levar a cabo a luta contra as trevas. Ensinavam o desapego em relação a si próprios e o desprezo pelo ego. A alma deveria ser arrancada ao corpo e às suas contingências e era necessário iniciar esse processo sem demora. O corpo é mau, pensavam eles, não foi Deus quem o criou, mas sim o Demiurgo, divindade secundária criadora, mas também o deus que reinava sobre as forças do mal. Pela criação, o Demiurgo aprisionou as almas na matéria.
Plínio dizia dos essênios: Formavam uma nação sem mulheres, sem amor, sem dinheiro. Este último ponto não teria, por certo, sido conveniente para os Templários. As bases principais dos essênios encontravam-se em Khirbet Qumran, nas margens do mar Morto, onde foram encontrados os manuscritos, e no Egito, perto do lago Maoris. A sua influência na Palestina era considerável. São João Baptista foi um deles, esse santo tão amado pelos Templários que lhe consagraram inúmeras capelas. Alguns pretendem mesmo que Cristo era essênio e que era ele que se encontrava designado sob o nome de «Mestre da Justiça». Em todo o caso, as crenças essênias continuaram a ser veiculadas muito após a época de Cristo, ao mesmo tempo que sofriam diversas influências, como a do hermetismo alexandrino. Os Templários podem perfeitamente ter encontrado restos dessas crenças na Palestina, reforçadas pelas sobrevivências gnósticas especialmente vivas na Grécia, em Constantinopla e em Alexandria.
Os Templários e a Gnose: o Abraxas
No início do século XIX, o arqueólogo austríaco Hammer-Purgstall falou de quatro estátuas que tinham sido conservadas no museu imperial de Viena. Teriam sido encontradas numas velhas casas da cidade que tinham pertencido aos Templários. Ora, tratava-se de ídolos gnósticos do período decadente. Uma lembrava mais ou menos a representação de um faraó com cornos e uma barba. Mas, na verdade, nada prova estritamente que essas estátuas tenham pertencido aos Templários. Ainda por cima, a investigação sobre as relações entre o Templo e a gnose é difícil de realizar. O termo «Gnose» abrange doutrinas por vezes tão diferentes umas das outras e que, ainda por cima, receberam múltiplas influências cruzadas. Não é fácil descobrir os pontos comuns que existem entre a gnose síria, a egípcia e a asiática. Infelizmente, isto deixa-nos uma vez mais ao nível das conjecturas. Uma prova do gnosticismo da Ordem foi procurada nos cofres cujos desenhos haviam sido publicados por Hammer-Purgstall e noutros que se encontravam em poder do duque de Blacas.
Foram amplamente comentados, de uma forma bastante sábia, um pouco por todo o lado. Infelizmente, uma vez mais, embora sejam incontestavelmente de inspiração gnóstica, ninguém pode dizer que fossem templários, apesar de um deles ter sido encontrado «apenas a poucos quilômetros de uma comenda», o que não é sequer uma prova. Muito mais interessante parece ser a utilização do abraxas pelos Templários. Entre os selos da Ordem, há um, com efeito, guardado nos Arquivos Nacionais, onde figura, nitidamente, um abraxas acompanhado pela menção Secretum Templi. Lucien Camy diz-nos: O abraxas é um símbolo gnóstico e até o símbolo da gnose. É composto por uma personagem cujo corpo está coberto por uma armadura, o busto termina com um vestido curto, donde saem, em vez das duas pernas, duas serpentes, cada uma com duas cabeças. Em geral, a personagem tem na mão esquerda um escudo redondo ou oval, onde estão inscritas as três letras sagradas I A O ou A O I ou I A ÔMEGA, e, na outra mão, um chicote que é o do deus egípcio Amon-Ra, símbolo da firmeza, do governo, do poder, da lei, do império sobre os seres e as coisas, o cetro chicote de Amsu.
Esta personagem tem uma cabeça de galo. Esta está voltada para o céu lembrando o canto matinal ao Sol. Tal como o erguer da estrela da manhã, Lúcifer, o galo precede e parece provocar o levantar do Sol. Neste sentido, os Templários talvez tenham visto nele um símbolo que lembrava São João Baptista, precursor e arauto de Cristo. Este abraxas servia de selo secreto a determinados dignitários do Templo. A cruz da Ordem figurava nele, por cima do ser com cabeça de galo. A curiosa inscrição Secretum Templi poderia fazer-nos pensar que este selo era apanágio de um círculo interno da Ordem, aquele precisamente a que estariam reservadas determinadas cerimônias. Todavia, este selo figura num documento de 1214, assinado pelo irmão André de Coulours, recebedor das instalações do Templo em França. Nesse documento, reconhecia que não podia vender sem autorização do rei a floresta que os Templários possuíam entre Senlis e Vemeuil. Não podemos dizer que se tratasse de um texto especialmente hermético. A expressão «selo secreto» pode designar pura e simplesmente um contra-selo, meio de verificação, de identificação.
Isso não impossibilita que os Templários decerto não escolheram ornar o seu «selo secreto» com um Abraxas sem uma intenção especial. Podemos pensar que estava realmente ligado a uma hierarquia paralela da Ordem. Aliás, outro selo encontrado nos Arquivos Nacionais por Lucien Camy milita nesse sentido. Trata-se do contra-selo do Priorado secreto da Ordem do Templo como diz a inscrição. Infelizmente muito estragado, não permite reconhecer o que estava representado no centro. Apenas se julga poder distinguir um pássaro debruçado sobre qualquer coisa e mesmo isso está longe de ser uma certeza. De qualquer modo, isto prova a existência de um órgão interno e secreto e confirma os depoimentos de um determinado número de Templários. Esse priorado teria alguma coisa que ver com o misterioso Priorado de Sion, ligado à ruptura do Templo em Gisors? É difícil sabê-lo. Mas esclarece-nos quanto à existência de um círculo interno que utilizava símbolos dos gnósticos.
Entre estes últimos, o Abraxas panteísta encontrava-se mais especialmente difundido no seio dos discípulos de Basilide, que operara uma fusão das correntes mitraicas, orientais e celtas da religião nascente. Segundo São Jerônimo, Abraxas correspondia ao número místico de Mitra: nos dois casos, o valor numérico das letras adicionadas dava 365, o que fazia dele uma representação cosmológica, interpretação reforçada pela presença de sete estrelas a seu lado. Ora, o culto heróico de Mitra, que se difundira largamente nas legiões romanas em virtude dos seus aspectos marciais, teria também sido muito conveniente para os monges-soldados do Templo. Apuleio dizia que Abraxas e Mitra eram nomes temíveis que tinham o poder de fazer retroceder para a sua fonte as torrentes mais impetuosas, aplacar subitamente as ondas do mar agitado, acalmar de imediato as tempestades mais furiosas, apagar a luz do dia, cobrir com um véu o rosto do astro da noite, fazer cair os astros do firmamento, impedir o dia de nascer ou a noite de terminar, fazer desmoronar-se a abóbada celeste, amolecer a terra, petrificar as fontes, liquefazer as fontes, reanimar os cadáveres, precipitar os deuses nos infernos e transferir da morada dos vivos para a morada dos mortos a luz que ilumina o mundo. Que poder!
Convém também lembrar que a tradição dizia que Mitra nascera numa caverna ou numa gruta, onde foi adorado por pastores e recebeu inúmeros presentes. Nos ritos do culto que lhe era prestado, os fiéis comungavam e um texto mitraico dizia: “Aquele que não comer o meu corpo e não beber o meu sangue, de forma a unificar-se comigo, não será salvo.” Cria-se que o Abraxas dava vigilância, poder e sabedoria. Era por isso que a personagem tinha cabeça de galo, símbolo do «despertado», daquele que anuncia a chegada da luz. Pitágoras dizia, nos seus Versos dourados: «Alimentem o galo e não o imolem!» É, aliás, o que faziam os Gauleses. A própria palavra «coq» (galo) vem do celta «kog», que quer dizer vermelho como a sua crista e as suas carúnculas, vermelho como a aurora que anuncia. Os Templários não desgostavam de representar este galináceo e encontramo-lo no teto da recebedoria de Metz, entre Renart e Ysengrin, o que é tanto mais normal quanto, segundo Paul de Saint Hilaire, fora um Templário: […] o irmão Nivard, o autor da primeiríssima versão do célebre Roman de Renart, o Ysengrinus, e que eles próprios se serviam dessa narrativa como código secreto que só deveria ser utilizado em casos extremos.
O que fizeram Ricardo Coração de Leão, prisioneiro do imperador quando viajava envergando o hábito de cavaleiro do Templo, e Philippe de Novara. Este último, na sua Gesta dos Cipriotas, mostra-nos como se deveria utilizar. Cercado, em 1229, na torre dos hospitalários, em Chipre, redigiu, para prevenir o senhor de Beirute da sua triste situação e pedir a sua ajuda, um poema segundo o modelo do Roman de Renart em que cada uma das personagens desempenhava o seu próprio papel, representando-se a si próprio sob os traços de Chantecler (o galo que anuncia a chegada do dia). Dado que os trovadores estavam autorizados a circular livremente entre um campo e o outro, mandou um deles decorar o seu texto, encarregando-o de o ir cantar ao senhor de Beirute. Este não teve a menor dificuldade em descodificar a mensagem e armou de imediato uma frota para ir libertar o seu amigo. Assim, o galo Chantecler, que é capaz de enganar Renart, aparece entre os heróis de um conto templário.
Então, o galo do Abraxas templário é uma prova da adesão dos monges soldados às doutrinas gnósticas? Sem dúvida que não porque o Abraxas estava relativamente na moda nessa época e encontramo-lo também nos selos de Margarida da Flandres ou dos condes de Champagne. Serviu também a Routrou, que foi arcebispo de Rouen, cerca de 1175, ou a Marie, dama de La Ferté, ou ainda a Seffried, bispo de Chichester, e até ao rei Luís VII. É verdade que, neste último caso, a razão poderia ser idêntica à da Ordem do Templo. Então, digamos que este elemento acrescenta uma presunção interessante. Paul de Saint-Hilaire, numa obra bastante interessante dedicada aos selos dos Templários, publicada pelas Éditions Pardés, refere também a existência da palavra abraxas gravada em cruzes templárias e lembra que mais de um décimo das impressões deixadas pela Ordem do Templo são entalhes gnósticos dos primeiros séculos, recuperados e montados em selos. Foram encontradas sete iniciais do abraxas bem como cinco «discos». Todos figuravam em selos postos em documentos com datas entre 1210 e 1290. Como poderemos acreditar que essa escolha tenha sido meramente fortuita?