OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES GUERREIROS DE MANTOS BRANCOS COM CRUZES VERMELHAS : Os seus costumes, os seus ritos, os seus segredos: Digam o que disserem determinados historiadores encastelados em sua erudição acadêmica, a criação da Ordem dos Cavaleiros Templários continua envolta em inúmeros mistérios; e o mesmo acontece com a realidade profunda da sua missão, não a que se tornou pública, mas a missão oculta. Inúmeros locais ocupados e ou de propriedade dos cavaleiros Templários apresentam particularidades estranhas.
OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES SENHORES DE MANTOS BRANCOS – OS SEUS COSTUMES, OS SEUS RITOS, OS SEUS SEGREDOS.
Atribuíram-se aos monges-soldados crenças heréticas, cultos curiosos e às suas construções, principalmente a Catedral de Chartres, significados e até poderes fantásticos. A seu respeito, fala-se de gigantescos tesouros escondidos (sendo o maior deles o CONHECIMENTO), de segredos ciosamente preservados e de muitas outras coisas.
III – O MISTÉRIO DO BAPHOMET
As pretensas práticas obscenas imputadas aos Templários
Se acreditarmos nas acusações feitas contra eles, os Templários teriam namorado esse mundo invertido cujo príncipe é o demônio, universo da negação e dos valores virados de pernas para o ar. De um certo modo, enquanto inversão, as acusações de sodomia de que foram alvo ligavam-nos, nas concepções da época, a um culto satânico. A sodomia como prática corrente entre irmãos da Ordem é uma acusação que foi muitas vezes e abundantemente comentada.
A importância que lhe foi atribuída deixaria pensar que alguns a consideravam menos um desvio do que um verdadeiro elemento cultural. Ora, é preciso mesmo assim precisar que a maior parte das confissões foi obtida sob tortura e que nada sugere cerimônias organizadas para aquele fim. Tratava-se de comportamentos individuais em relação aos quais teremos de saber se eram ou não tolerados pela Ordem, e não de uma constante no seio desta. Digamos desde já que, oficialmente, esta prática era castigada com severidade, quando observada. Ademais, a Ordem organizara-se sobretudo de modo a impedir tais atos e, acima de tudo, a não os incentivar. Assim, quando repousavam nos seus dormitórios, os Templários eram obrigados a conservar bragas e calções. Devia brilhar uma luz durante toda a noite para evitar que, no escuro…
É impressionante que, mesmo sob a tortura, os cavaleiros se tenham recusado a reconhecer esse vício. Muitos deles declararam que, quando da sua recepção na Ordem, essa prática lhes fora referida como permitida. O irmão Mathieu du Bois-Audemar afirmava: “Ele [aquele que o recebia] disse-me que se algum calor me incitasse a exercer os meus instintos viris, mandasse deitar um dos irmãos comigo e tivesse comércio carnal com ele; de igual modo, deveria permitir a recíproca aos meus irmãos.” A maior parte testemunhou neste sentido, mas declaravam também nunca o terem feito e não lhes ter sido tal pedido por outros irmãos. Os que confessaram esta prática sob a tortura, desdisseram as suas declarações mal o medo do suplício foi afastado.
Assim, Ponsard de Gisy declarou até que a acusação feita à Ordem de «dar licença aos irmãos para se unirem carnalmente (era) falsa» e que só a admitira coagido e obrigado. Aliás, é curioso verificar que mesmo aqueles que reconheceram alegremente ter negado Cristo se defenderam encarniçadamente da acusação de uranismo. Isso prova até que ponto a sodomia causava horror à maioria deles e, nessas condições, é difícil ver como poderia encontrar-se generalizada no Templo. Sem dúvida que, como em qualquer outra ordem religiosa, alguns se atreveram nesse campo, mas as verdadeiras confissões foram raras e Raoul de Tavernay afirmou, desiludido: «É preciso tolerar isso, em virtude do calor do clima do ultramar.» Guillaume de Varnage deu uma explicação completamente diferente.
Pretendia que esse vício era tolerado, embora sendo contra a natureza, ‘apenas em relação aos mais jovens e isso para que não fossem tentados a frequentar mulheres, no exterior. Teria havido receio de que revelassem, em conversas de almofada, os segredos da Ordem. Consequências mais pesadas teve a declaração de Guillaume de Giaco, criado do Grão-Mestre. Reconheceu ter satisfeito «uma vez», em Chipre, as necessidades de Jacques de Molay. Hughes de Narsac cobriu o lanço, declarando que Molay tinha costume de o fazer. Todavia, o Grão-Mestre, que confessou quase tudo o que quiseram sob a tortura, nunca aceitou reconhecer esse vício. Podemos afirmar aqui, sem medo de sermos considerados exagerados, que se ficaram provados alguns casos de uranismo na Ordem do Templo, também devem ter ocorrido entre os Cavaleiros Hospitalários e os Teutônicos.
No que se refere a estes últimos, basta consultarmos a obra de Henryk Sienkiewicz: Krzyzacy (A Cruz), traduzida em francês com o título Les Chevaliers Teutoniques. Numa cena em que falta de certo a emoção, mas não a precisão, Siegfried, o Grão-Mestre, uma personagem tortuosa e escandalosa, decide discutir o rapto de uma adolescente com o seu protegido: «Depois da saída de Bergow, Siegfried mandou sair também os dois noviços, porque desejava ficar a sós com o irmão Rotgier, que amava com um amor verdadeiramente paternal. Na Ordem, faziam-se inclusive algumas suposições sobre a origem dessa afeição desmesurada, mas não se sabia muito mais a esse respeito…»
Certamente, porque, quando Rotgier morre num combate homem a homem, Siegfried fica louco de dor e manda ignobilmente torturar Jurand, cuja filha capturou. Esse amor apaixonado e terrível é mostrado de forma ainda mais nítida em duas cenas do filme admirável que Alexandre Ford realizou, em 1959, a partir da obra de Sienkiewicz. Aí, já não há lugar para dúvidas. Sem dúvida que houve Templários homossexuais, mas é conveniente não generalizar e, ademais, está perfeitamente fora de questão transformar esse fato num elemento ritual. Ora, a Inquisição e, por vezes, a opinião pública tinham o hábito, na época, de associar as noções de heresia e de desvios sexuais. Assim, o termo bougre, que designava os cátaros que seguiam as doutrinas originárias da Bulgária, servia também para indicar que um indivíduo era sodomita. Daí os inquisidores terem desejado fazer a amálgama em relação aos Templários, foi apenas um passo, tanto mais que, afinal, se baseavam em alguns elementos suspeitos.
A homossexualidade era bastante vulgar nos países do Levante e, ao fim e ao cabo, os Templários podiam muito bem ter sido contagiados. Alguns tinham mesmo julgado ver na presença de dois cavaleiros num mesmo cavalo, no selo da Ordem, um sinal equívoco. Mas, sobretudo, havia os beijos recebidos quando da recepção de um novo Templário. O que recebia o neófito, puxava-o geralmente para o lado e pedia-lhe que lhe desse três beijos: no final da espinha dorsal, no umbigo e na boca. Por vezes, era ele que beijava assim o novo recruta. Fizeram-se muitas perguntas sobre esse rito amplamente reconhecido pelos irmãos, inclusive na ausência de torturas. Não há dúvida de que temos de ver nele um sentido simbólico.
No decurso de uma cerimônia iniciática, o beijo na boca podia manifestar a transmissão do sopro e do espiritual. O beijo no umbigo (por vezes no sexo) teria permitido comunicar a força criadora, o ímpeto da vida. Quanto ao terceiro, no ânus, alguns vêem nele o ponto de partida dessa energia a que os místicos orientais chamam kundalini e que deve animar, um a um, os sete chakras do ser humano. É claro que não se trata de deduzir que, devido a isso, os Templários teriam praticado um culto do Extremo Oriente. Mas o seu ritual poderia estar relacionado com descobertas semelhantes relativas à circulação de energias sutis no corpo. Todavia, como pensa Jean Markale, talvez seja Rabelais quem nos proporciona a melhor hipótese.
Para tal, teremos de ver o seu diálogo entre Humevesne e Baisecul, em Pantagruel. Jean Markale afirma: “Em toda a obra de Rabelais existe uma vontade deliberada de insistir no valor dos sopros e, sobretudo, dos sopros de baixo. Os espíritos delicados julgarão que se trata de escatologia, mas, no entanto, deveriam aperceber-se do significado simbólico dos sopros de baixo que provêm do mundo subterrâneo ou, por outras palavras, da mina donde se retira a matéria-prima dos filósofos, aquela que, à força de operações e transformações, se torna a pedra filosofal ou, por outras palavras, a pura luz do espírito.”
Se Jean Markale tiver razão, será mesmo no âmbito do simbolismo de um ritual que teremos de inserir esses beijos, mas o mínimo que poderemos dizer, uma vez mais, é que o seu sentido já não era compreendido pelos últimos Templários.
Realidade do baphomet
O artigo 46.º do documento de acusação afirmava: Que em todas as províncias tinham ídolos, isto é, umas cabeças, algumas com três rostos e outras um só, e que havia algumas que tinham um crânio de homem. O artigo 47.º precisava: Que nas assembleias, e sobretudo nos grandes capítulos, adoravam o ídolo como Deus, como seu Salvador, dizendo que aquela cabeça podia salvá-los, que concedia à Ordem todas as riquezas e que fazia florir as árvores e germinar as plantas da terra. Guillaume Paris pediu aos inquisidores que interrogassem os cavaleiros a esse respeito e, mais precisamente, em relação a um «ídolo que reveste a forma de uma cabeça de homem com uma grande barba».
Efetivamente, alguns Templários testemunharam sobre esse ponto. As suas afirmações não concordam umas com as outras e permitem-nos pensar que não havia uma única cabeça. Uns viram-na com barba, outros julgaram-na esculpida ou afirmaram que se tratava de um simples crânio. Régnier Larchant pretendia tê-la visto uma dúzia de vezes, «quando dos capítulos; em especial, em Paris, a terça-feira após a última festa de São Pedro e São Paulo». Afirmava: É uma cabeça, com uma barba. Eles adoram-na, beijam-na e chamam-lhe seu Salvador […]. Não sei onde é guardada. Tenho a impressão de que é o Grão Mestre, ou aquele que preside ao capítulo, que a detém em seu poder. Mais tarde, voltou a afirmar que era em madeira prateada e dourada no exterior e que tinha uma barba ou uma espécie de barba. Jean Cassanhas, de Toulouse, descreveu-a coberta com uma «espécie de dalmática» e de cobre amarelo.
Ouviu que, a tal respeito se falava de demônio, e foi-lhe dito: Eis um amigo de Deus que conversa com Deus quando quer. Agradecei-lhe por vos ter conduzido a esta Ordem como desejáveis. Se um a viu de prata, com uma barba, reapareceu dourada no testemunho de Gaucerand de Montpezat para quem ela tinha «a forma barbuda» de um homem, feita com «aspecto de baffomet» (infiguram baffometi) e que era indispensável para o cavaleiro poder ser salvo. Jean Taillefer falou de uma figura humana colocada sobre o altar da capela quando da sua recepção e Raymond Rubey diz que se encontrava pintada numa parede, sob a forma de um fresco. Jean du Tour também a viu pintada, mas num pedaço de madeira, e «adorou-a durante um capítulo, como todos os outros». Raoul de Gisy contribuiu com alguns pormenores: Vi a cabeça em sete capítulos diferentes: parece-se com o rosto de um determinado demônio, de um Maufe; e, de todas as vezes que punha os olhos nela, um tal terror se apoderava de mim que mal a podia olhar; essa cabeça era adorada nos capítulos.
Noutra ocasião, precisou que essa cabeça fora retirada de um saco. Fizeram-lhe notar que adorar esse ídolo era uma ação muito má. Respondeu: Tínhamos feito bem pior ao negarmos Jesus, agora podíamos bem adorar a cabeça. Mas é evidente que esses Templários que assistiam a um ritual secreto retirado da magia não compreendiam grande coisa do que se passava. Alguns nunca a tinham visto, «porque não assistiam aos capítulos gerais», como foi o caso de Mathieu de Bois-Audemar e Pierre de Torteville. Outros nem sequer tinham ouvido falar dela, como Geoffroy de Gonneville. Guillaume de Herblay declarou: Quanto à cabeça, vi-a quando dos dois capítulos realizados pelo irmão Hugues de Pairaud, visitador de França. Vi os irmãos adorarem-na. Eu, fingia adorá-la também; mas nunca com o coração. Penso que é de madeira, prateada e dourada no exterior […], tem uma barba ou uma espécie de barba.
Hugues de Pairaud confirmou: Vi-a, segurei-a e apalpei-a em Montpellier, quando dum capítulo, e adorei-a bem como todos os irmãos presentes […]. Deixei-a ao irmão Pierre Alemandin, recebedor do Templo de Montpellier, mas ignoro se os homens do rei a encontraram. Essa cabeça tinha quatro pés, dois à frente, dois atrás. Para o irmão Barthélémy Boucher, parecia uma cabeça de Templário, «com um casco, uma barba branca e comprida». André Armani viu nela três rostos, outro só lhe atribuiu dois. Um contou a outro que era a cabeça de uma das onze mil virgens, mas este não acreditou, dado que a cabeça tinha barba num dos lados e apresentava um aspecto aterrador, observação que, aliás, aparece frequentemente. Era adorada gritando «Y, Allah!», tal como os muçulmanos.
Guillaume de Bos viu-a em madeira, de cor branca e negra como o estandarte do Templo. Arnaud de Sabatier pensava também que fosse em madeira. A um cavaleiro do Sul de França, Diodat Jaffet, deparou-se uma cabeça que o recebedor lhe mostrava. Tinha três rostos. Haviam-lhe dito: «Deves adorar isto como o teu Salvador e o Salvador do Templo» e o recebedor acrescentara: «Bendito seja aquele que salvará a minha alma.» Petrus Valentini que, no entanto, era apenas irmão servidor, teria visto três vezes o ídolo quando da sua recepção, em Santa Marie I Capita e em Castro Araldi. Em cada uma dessas vezes, os irmãos veneravam a cabeça como Deus porque ela dava à Ordem a sua riqueza e tinha o poder de salvar. A cabeça mostrada em Castro Araldi é, além disso, descrita por Vivolus como branca, com o rosto de um homem. Bernard de Selgues afirmava que a cabeça era conservada em Montpellier, que estava ligada ao diabo e aparecia, por vezes, sob a forma de um gato que lhes falava. Nota: Alguns pensam que um baphomet estaria escondido numa das casas que a Ordem possuía perto de Montpellier em Mauguio, em Castries, Saint-Christol ou Fabrègues.
Foi também sob a imagem de um gato (e de uma mulher) que Bertrand de Sylva viu o ídolo, mas Eudes Baudry referiu um porco em bronze. Para outros, foi um bezerro. De qualquer modo, a sua vinda era a promessa de searas abundantes, de dinheiro, de ouro, de saúde e de toda a espécie de bens temporais. As práticas que acompanhavam as aparições da cabeça também não pareciam ser uniformes. Com o capuz tirado, os irmãos beijavam o ídolo como se beijam as relíquias e diziam-lhe: «Deus adjura-me». Depois, estendiam-se por terra para o adorar. «Adorai esta cabeça, é o vosso Deus, é o vosso Mahomet», diziam alguns, e comparavam-na a uma velha múmia «com os olhos brilhantes como a claridade do céu», como «pedras preciosas que iluminavam o capítulo». Eis muitos elementos díspares, mas alguns podem explicar-se.
Em primeiro lugar, houve manifestamente várias cabeças. Por outro lado, notamos alguns pontos que parecem regularmente: o metal ou a madeira e, diremos, sobretudo, os dois associados. Há também a pilosidade. Quando acontece a cabeça não ser barbuda, é porque tem dois rostos, um dos quais é glabro. Notemos também que ela conversa com Deus, que traz a riqueza como um corno da abundância e que aqueles que olham o seu rosto ficam aterrorizados com ele.
Baphomets verdadeiros e falsos
Os inquisidores procuraram encontrar essas misteriosas cabeças. A 11 de Maio de 1307, a comissão convocou Guillaume Pidoye, administrador e guardião dos bens do Templo e, a esse título, detentor das relíquias e cofres que as continham confiscados quando da prisão dos Templários, em Paris. Foi-lhe pedido, bem como aos seus colegas Guillaume de Gisors e Raynier Bourdon, que apresentassem aos comissários todas as figuras de metal e madeira que pudessem encontrar. Apenas havia uma passível de apresentar interesse no quadro da investigação. Tratava-se de um busto de mulher, dourado, uma espécie de relicário que continha um crânio, envolvido num «sudário vermelho» e que tinha uma etiqueta com a inscrição «CAPUT LVIII M» (cabeça 58 m).
Estamos longe das descrições do baphomet, embora possamos relacionar esse crânio com a figura feminina de que falou o cavaleiro Girald de Marsac. Aquele que o recebera na Ordem tê-la-ia retirado de debaixo das suas roupas dizendo-lhe para confiar nela, para tudo correr bem. A Chronique de Saint-Denis refere um curioso objeto encontrado no Templo de Paris, «um velho pedaço de pele, que parecia embalsamado, como um tecido brilhante, e que tinha nas suas órbitas carbúnculos brilhantes como a luz do Paraíso». Eis algo que nos lembra qualquer coisa mas, tirando isso, não temos muito de concreto para ferrar o dente. Geralmente, as obras dedicadas ao Templo têm por hábito representar o baphomet como um diabinho barbudo e hermafrodita. Os seus seios de mulher, o seu sexo viril e as suas asas membranosas de morcego tornaram-se indissociáveis do termo baphomet e, todavia, isso não tem estritamente nada que ver com o pouco que sabemos, graças aos testemunhos.
Esta descrição imaginária é produto de uma assimilação. Os ocultistas do século passado decidiram, baseando-se ou não em algumas tradições, que o pequeno demônio que ornamenta o portal da igreja de Saint-Merri, perto da torre de Santiago, em Paris, não era mais do que um autêntico baphomet templário. Seria por o local ficar perto do antigo recinto do Templo que foi tomada essa decisão? De qualquer modo, trata-se de um pequeno demônio esculpido, com trinta centímetros de altura, que se encontra no local reservado normalmente ao Cristo em glória: o cimo do portal central. Infelizmente, a igreja de Saint-Merri, tal como a podemos ver, apenas data do século XVI. Foi construída entre 1530 e 1621, aumentada em 1743 e restaurada em 1842. Bem precisava disso, porque os revolucionários a haviam transformado, sucessivamente, em «Templo do comércio» e em «Templo teofilantrópico», antes de a devolverem ao culto católico, em 1803.
As diversas campanhas de obras são, de qualquer modo, demasiado recentes para a estatueta poder ter sido um verdadeiro baphomet. Ademais, o clero local afirma que essa estatueta data apenas do início do século XIX, época em que tomou o lugar dum Yavé primitivo. Para outros, o baphomet seria «autêntico», mas colocado tardiamente. Em 1870, a pedido do ministro das Belas-Artes, o Sr. de Ronchaud fez uma descrição pormenorizada do edifício, para o inventário geral das riquezas nacionais: Em 1842, colocou-se sob o dossel da arquivolta dupla uma fila dupla de estatuetas representando personagens sentadas. Essas estatuetas são provenientes de moldes retirados da decoração da porta meridional do transepto da Notre-Dame. São obras do século XVIII. O pequeno demônio que se vê na ponta, num lugar normalmente reservado à imagem de Deus, também é um restauro. O diabinho do portal de Saint-Merri pode muito bem ser descrito por todos como um autêntico baphomet, mas nem por isso corresponde aos testemunhos recolhidos quando do processo dos templários.
Com efeito, trata-se sempre de uma cabeça e apenas de uma cabeça. A assimilação provém, com efeito, dos pseudo-cofres templários que pertenceram ao duque de Blacas e nos quais se podia ver uma personagem hermafrodita. Foi, sem dúvida, a atribuição precipitada desses cofres ao Templo que fez que se tomasse o diabinho por uma representação do baphomet. Ao fim e ao cabo, o único ponto comum é o nosso diabinho ter a cabeça de um diabo barbudo. É pouco. Mas talvez existam outras imagens do baphomet. Assim, em Saint-Bris-lesVineux, no Yonne, identificou-se por vezes uma cabeça baphomética esculpida. Também não ornamenta a comenda templária, de que, aliás, não resta muito, mas uma casa que pertenceu à Ordem e que foi transformada no correio da aldeia. Representa uma cabeça com chifres, a boca aberta, aparentemente barbuda. Um fato a assinalar: apresenta alguma semelhança com o pequeno demônio de SaintMerri. Ora, muito perto, havia uma comenda: em Merry.
Em Barbezières, na Charente, a comenda templária só conservou a capela. No século XV, os edifícios de habitação deram lugar a um castelo. No segundo andar, colocou-se uma «tapeçaria de pedra», conjunto de inscrições recuperadas no local. Alain Lameyre refere: O feliz eleito que souber decifrar a mensagem secreta para onde remetem estes sinais terá acesso ao tesouro escondido da Ordem. Um baphomet vermelho e dourado teria sido identificado graças ao exame com raios X. A chapa foi conservada por um professor de Bourges que não hesita em afirmar que, para além do seu valor simbólico e iniciático, esse baphomet representaria o plano dos subterrâneos da antiga comenda. A figura geométrica que esse símbolo permite pôr em evidência é um x, em cujo centro se encontra um ponto de ouro característico; esse ponto indicaria a localização da cripta onde estaria escondido o tesouro. Um x, como a forma sugerida pelas pernas do demônio de Saint-Merri. Mesmo assim, isso deixa-nos mais do que céticos.
Em Salers, no Cantal, existe ainda uma casa templária que servia de pouso na estrada de peregrinação para Santiago de Compostela. Agora é uma escola. Apesar das reformas realizadas no Renascimento, conservou alguns elementos que datam do século XII. Sigamos a descrição que dela faz Annette Lauras-Pourrat: Logo à entrada, à esquerda da abóbada, o arco parte de uma coluna simplesmente estilizada; à direita, a espessa porta de madeira pregueada dissimula uma figura estranha: os olhos erguidos em direção às têmporas têm algo de oriental; o queixo é desenhado, apesar da barba que o ornamenta; os cabelos muito compridos, abundantes, femininos, estão cingidos por uma coroa de folhagem. […] Esta figura enigmática simboliza o andrógino. De cada lado, duas colunas estão guarnecidas com leões esculpidos, com cabeça humana e coroada: o leão de Judá e o leão de David.
Os medalhões das quatro chaves da abóbada são todos diferentes. O primeiro é uma simples cruz templária. O segundo medalhão é uma rosa sobre uma espécie de trevo de quatro folhas (símbolo de São João) guarnecida com umas letras tão misteriosas que o enigma ainda não foi decifrado. O terceiro representa a rosa no octópode, rosa de 14 partes (8 x 3) com a evocação da cruz templária, no centro. Por fim, o quarto medalhão lembra o rosto da porta, com olhos amendoados, uma barba que se diria arranjada como a dos faraós egípcios; uma madeixa de cabelos que se parece muito com uma chama parte do alto da cabeça e abre-se em leque. Esta figura simbolizaria o ser que capta as correntes telúricas e, ao mesmo tempo, as correntes espirituais. Teremos de ver nesta cabeça com barba a de um baphomet? A relação com o mundo vegetal poderia levar-nos a isso. Lembremos também a escultura de uma figura em oração que ornamenta a parede da igreja de Roth, nas Ardenas belgas. Podia representar o enigmático ídolo.
Outra imagem interessante: aquela que figura em inscrição na misteriosa pirâmide de Falicon, por cima de Nice. A cabeça desenhada é muito semelhante à de Saint Bris-le-Vineux. Ora, a pirâmide de Falicon estava ligada por subterrâneos a uma casa templária. Em Provins, um baphomet barbudo, alado, cornudo e hermafrodita, teria decorado o cimo do pórtico da igreja de Santa Cruz, construída por Thibaud IV de Champagne, depois de ter trazido das cruzadas um fragmento da vera cruz. Mas esse baphomet apenas teria sido colocado muito mais tarde e seria grandemente posterior à queda da Ordem dos Cavaleiros Templários. Deveremos detectar uma alusão ao baphomet na igreja da comenda de Charrière, em Saint-Moreil, no Creuse? Aí, havia dez cabeças esculpidas. As da nave mostravam cavaleiros com capacetes e imberbes e as do coro apresentavam o rosto enquadrado por uma abundante pilosidade.
Refiramos, de passagem (voltaremos a este ponto), que esta igreja era dedicada a São João Batista antes de ser dedicada a Santa Clara, essa Clara que tem mais relação com a clara fonte do que com a amiga de São Francisco de Assis. Talvez seja também um baphomet que decora a chave da abóbada da capela de Nossa Senhora da Piedade, perto de Sainte-Eulalie-de-Cemon. Em 1951, encontrou-se numa comenda templária de Somerset, na Inglaterra, um fresco que foi dependurado na pequena igreja de Templecombe. Nele, vê-se a cabeça de um homem barbudo, em tamanho natural. O rosto parece aquele que geralmente se atribui a Cristo. Segundo Séverin Batfroi, esta cabeça seria idêntica à do Sudário de Turim e o baphomet seria apenas uma reprodução do rosto do Santo Sudário. Na mesma ordem de idéias, Jean-Gaston Bardet pensa que os Templários possuíram o Santo Sudário, pano cujo paradeiro se desconhece entre 1207 e 1353. Isso explicaria, segundo ele, que tenha reaparecido entre os cônegos de Lirey, a vinte quilômetros da Floresta do Oriente, que foi um dos berços da Ordem.
Se essa hipótese fosse correta, como explicar que os Templários tenham negado Cristo? Bardet pretende precisamente que eles esconderam o sudário que provava a existência desse Cristo que negavam. Mas, então, por que razão teriam espalhado a imagem por meio do baphomet? Tudo isso estaria desprovido de lógica. E mesmo que pensemos que a negação não era mais que a evocação de São Pedro, custa-nos a ver por que razão os Templários teriam escondido uma tal relíquia. O que as representações do baphomet podem ensinar-nos talvez o encontremos na etimologia deste termo.
Hipóteses etimológicas referentes ao baphomet
Foram apresentadas várias hipóteses a este respeito mas, de qualquer modo, é preciso ser-se prudente porque foram dadas várias formas diferentes a este termo, tais como bafumet, bahomet, bahumet. Poderíamos ver aí uma transformação da palavra baphé, que significa batismo em grego, e de meteos, iniciação. Esta fórmula deveria, talvez, ser relacionada com o batismo de fogo dos gnósticos, manifestação renovada da descida de línguas de fogo sobre a cabeça dos apóstolos. Disse-se também que se tratava de uma deformação de Mahomet. Era o que afirmava, no século XIX, Sylvestre de Sacy que teria descoberto, num glossário do século XVIII, o termo bohomerid, que significava mesquita.
A hipótese não procede, se nos lembrarmos de que o Islã proíbe a representação humana. Hammer-Purgstall julgava que a palavra estava ligada ao árabe bahoumid, que designa o vitelo, mas ninguém sabe onde teria encontrado esse termo. Jean-Louis Bernard vê nela um derivado da associação dos nomes de dois deuses egípcios: Phtah e Sekhmet. E Gérard de Sède encontra no Bapheus remete a tradução de tintureiro da lua, isto é, alquimista. Para Victor-Émile Michelet, tratava-se da abreviatura da expressão Templi Omnium Hominum Pacis Abbas lida, cabalisticamente, da direita para a esquerda e retendo apenas as letras que bem se quer. A partir daí, podemos demonstrar o que quisermos. Pouco convincente também a hipótese complementar que utiliza TEM (parcela) OPH (serpente) e AB (pai) ou seja, parte da serpente das origens. Para Jacques Breyer, baphomet é oubah-phoumet, a boca do pai. Pensou-se também no porto de Chipre: Bapho, onde os Templários se instalaram. Nesse local houve, na antiguidade, um templo dedicado a Astarté. Aí, a deusa era adorada sob a forma de uma pedra negra e sacrificavam-se-lhe crianças, como ao deus Baal. Albert Ollivier imagina que os Templários talvez tenham trazido uma cabeça de Chipre ou ossos que, depois, teriam pretendido ligar ao culto de Astarté. Tudo é possível e o contrário também.
Foram avançadas muitas outras hipóteses que não são verdadeiramente dignas de crédito. Diga-se, de passagem, que todas estas interpretações talvez não passem de elucubrações porque o termo baphomet não é, sem dúvida, o nome verdadeiro daquele objeto a que os Templários nunca atribuíram um nome, nos seus depoimentos. Apenas falavam em cabeça e ídolo. Poderia tratar-se de uma má interpretação da declaração do irmão que vira uma cabeça maomética, isto é, para ele pura e simplesmente demoníaca. Com efeito, tudo parece ter-se originado no depoimento de Gaucerand de Montpezat que se acusou de ter adorado uma imagem baffomética, termo derivado de Mahomet, em provençal. Aliás, em 1265, o trovador Olivier Le Templier escrevia em Ira et dolor: “[os turcos] sabem que cada dia nos humilharão, porque Deus dorme, quando velava outrora, e baphomet manifesta o seu poder e faz resplandecer o sultão do Egito. Acrescentava: Nenhum homem que acredite em Jesus Cristo ficará mais, se puder, neste país, do Mosteiro de Santa Maria farão a bafomerie”. Designava assim a mesquita.
São João Batista no centro do enigma
Logo, segundo parece, o termo baphomet não deverá ser associado à cabeça adorada em alguns capítulos. Mesmo assim, a todo o custo, iremos tentar encontrar uma última explicação etimológica. Na verdade, alguns quiseram ver nesse termo a associação de São João Batista a Mahomet sob a forma Baptiste-Mahomet. A chave do enigma poderia encontrar-se na aldeia de Anzeghem, na Flandres, entre Audenaerde e Courtrai. Aí encontra-se uma velha igreja templária dedicada a São João Batista. Sobre o altar da direita está exposta uma cabeça de madeira, muito antiga, com barba e um cabo que se enfia na nuca para a apresentar à veneração dos fiéis. Na verdade, trata-se de um relicário que contém um fragmento do crânio de São João Batista, uma das personagens mais veneradas pelos Templários.
Eis, por fim, algo que corresponderia muito bem às cabeças barbudas descritas por estes últimos, pelo menos nitidamente melhor do que o diabinho de Saint-Merri, em Paris. Isso coincidiria até perfeitamente se nos lembrarmos do que Maurice Magre escreveu em Jean de Fodoast. Contava como os Templários e os Cavaleiros Teutônicos, que se batiam contra os Mongóis, viram estes quase vencidos, dispersados, juntarem-se de repente, contra-atacarem e vencerem, após terem visto, brandida no meio deles na ponta de uma estaca, a imagem de uma cabeça barbuda com um aspecto horrível. Maurice Magre conta-nos que esta tradição foi relatada por Henrique da Silésia que participou na batalha. Teria sido um baphomet capturado aos Templários que decidira a vitória dos Mongóis e a derrota do Templo? E essa estaca não nos faz pensar no cabo fixado na nuca do relicário de Anzeghem?
Maurice Magre acrescentava: Seria provável que os grandes conquistadores, aqueles que têm um domínio sobre os povos do universo, fossem homens que se serviram da magia e canalizaram as forças do mundo em seu proveito, por meio de signos. Ora, para o Templário Bartholomée Rocherii, a cabeça do baphomet devia ser invocada em caso de perigo. Era capaz de salvar. Mas voltemos a São João Batista de que a cabeça de Anzeghem contém uma relíquia. Os Templários prestaram-lhe um verdadeiro culto. Por um lado, dedicaram-lhe inúmeras igrejas e capelas mas, ainda por cima, utilizaram muito um símbolo que o ligava a Cristo: o cordeiro. Não é raro encontrarmos cruzes templárias ornamentadas com esse cordeiro portador de uma bandeira onde figura, com ênfase, a cruz da Ordem. Esse símbolo enfeita também, por vezes, as chaves das abóbadas das suas igrejas. Assim o encontramos na da comenda de Brélevennez, nas Côtes d’Amior. O cordeiro associado à cruz do Templo encontra-se também em Jouers, perto de Accous, nos Pirenéus Atlânticos, com cabeças cortadas esculpidas – cabeças com barba, uma das quais se pensa ser a de Abraão.
O Agnus Dei (Cordeiro de Deus) figura mais de dezessete vezes nos lacres de selos templários e foi encontrado oito vezes em escudos partidos em pala que correspondem a um período bastante longo, dado que se estende de 1160 a 1304. Ora, São João Batista insere-se, e isso é fundamental, na velha tradição do culto das cabeças cortadas. Foi decapitado em Maqueronte, na Arábia. Herodíades mandou transportar a sua cabeça para Jerusalém e mandou-a enterrar, com cuidado, perto da casa de Herodes, temendo que o profeta ressuscitasse se a sua cabeça fosse inumada com o corpo, segundo relata Jacques de Voragine na sua Lenda Dourada. O corpo teria sido enterrado em Sebasta, por discípulos fiéis. Em 362, o imperador Juliano mandou-o exumar e queimar. Ora, a tradição conta que, em 453, sob Marciano, São João revelou a dois monges de Jerusalém a localização da sua cabeça e estes dirigiram-se rapidamente ao palácio que pertencera a Herodes. Aí encontraram, seguindo as instruções do santo, a sua preciosa cabeça, envolvida em sacos de pele de cabra provenientes, sem dúvida, das roupas que o batista usava no deserto.
Mas a relíquia desapareceu de novo, roubada por um oleiro que fugiu para Emesa. Muito mais tarde, o próprio São João Batista interveio de novo junto de um monge, para a sua cabeça ser encontrada. O saco foi desenterrado e a relíquia trazida para Constantinopla. Ou, pelo menos, foi o que se tentou fazer, porque a cabeça não quis saber disso e recusou-se a prolongar a viagem para além de um local situado perto de Calcedônia. Todavia, após um longo período de descanso, a relíquia deixou-se transportar para Constantinopla. Um cônego de Amiens, chamado Wallon de Sarton, encontrou-a aí, em 1204. Tal como o Graal, estava engastada num prato de prata. Trouxe-a para Amiens, depois de ter vendido o prato para pagar a viagem. Ora, se o selo do Mestre dos Templários na Inglaterra ostentava um Agnus-Dei, o seu contra selo estava ornamentado com a cabeça cortada de São João Batista com a inscrição: Sou o garantidor do cordeiro. Essa cabeça barbuda, hirsuta e um pouco horripilante, ora apresentada de perfil, ora sobre o prato de Salomé, encontra-se em pelo menos sete lacres descobertos na Inglaterra, Itália, na Alemanha e na França.
Cabeça cortada e barbuda, que pode exprimir terror, eis algo que se parece muito com o baphomet. A cabeça de São João Batista tinha poderes estranhos. Com efeito, Herodíades, que pedira a sua filha Salomé que obtivesse de Herodes a cabeça desse santo que repelia as suas propostas, morreu em condições bizarras. A lenda afirma que, segurando entre as mãos a cabeça cortada do Batista, a teria insultado. A cabeça ter-se-ia animado, soprando-lhe para o rosto, e Herodíades morrera de imediato. Outras lendas narram versões diferentes. São João Batista aparece assim como uma figura bastante semelhante a Orfeu, no quadro do culto das cabeças cortadas. Orfeu foi morto por mulheres da Trácia que não lhe perdoavam não se interessar por elas. A sua cabeça, cortada, tornou-se um objeto de culto; quando interrogada, fornecia oráculos.
Como lembra Raymonde Reznikov, o mesmo aconteceu com a cabeça do celta Bran, o Abençoado, talismã protetor e símbolo de ressurreição. Bran fora ferido numa perna por uma lança envenenada, episódio que não deixa de estar relacionado com a história do Rei Pescador, na demanda do Graal. Mandou que os seus companheiros lhe cortassem a cabeça e fossem enterrá-la em Gwynn Vrynn, a colina branca, em Londres. Essa cabeça converteu-se então num símbolo de imortalidade e num poderoso talismã, fonte de proteção, de vida, de vitória e de riqueza. A cabeça de Bran, o Abençoado, desempenhou um papel quase semelhante ao do Graal.
Não veremos, pois, aqui o nosso baphomet que trazia riqueza, dava a vitória e vida, fazia florir as árvores e germinar as plantas? Poderíamos lembrar também a história de Cuchulain, cuja cabeça foi cortada por Lug. A «cabeça» do herói irlandês foi enterrada em Tara, centro político e religioso donde os reis da Irlanda retiravam os seus poderes mágicos. Logo, esta cabeça também era protetora. Na versão primitiva galesa utilizada por Chrétien de Troyes para escrever o seu Perceval le Gallois ou Le conte du Graal, ocorre uma cena que tem alguma relação com a nossa tese. Em casa do Rei Pescador, no castelo do Graal, dois homens entram na câmara. Trazem uma grande lança donde escorrem, até ao chão, três ribeiros de sangue. Seguem-nos duas donzelas com um grande prato sobre o qual uma cabeça humana deixa escorrer, lentamente, sangue.
No seu romance, Chrétien contenta-se com deixar ver a Perceval já não uma cabeça, mas a taça do Graal. No relato francês de Perlesvaux, Lancelote encontra o cavaleiro do escudo verde que lhe mostra um local extremamente perigoso por onde vai ter de passar: o Castelo das Barbas. Aí, todos os cavaleiros têm de abandonar as suas barbas ou bater-se para as conservar. Quando Lancelot chega ao castelo, vê o portal de acesso todo coberto de barbas e de um grande número de cabeças cortadas de cavaleiros. Lancelot livra-se dos que o atacam. No dia seguinte, ainda tem de cortar a cabeça de um gigante para salvar a sua vida, mas tem de voltar um ano mais tarde para que a sua própria cabeça seja cortada pelo mesmo gigante que se foi embora com a sua cabeça debaixo do braço. Jean Markale refere que a mesma história se encontra numa narrativa irlandesa muito anterior, o festim de Brierin, cujo herói é o célebre guerreiro Chuchulain.
Este «jogo do decapitado», como lhe chamam, com um simulacro de decapitação, e está relacionado com um tema bem conhecido na hagiografia cristã: os santos cefalóforos (que transportam a sua cabeça depois de uma agressão) do tipo de São Dinis (Saint Denis), na França; de São Térmeur e Santa Tryphine, na Bretanha; ou de São Mitre, na Provença. A cabeça de São João Batista, cortada a pedido de Herodíades, integra-se bem no mito. E, depois, Cristo não morreu no Gólgota, o «monte do Crânio» de Adão? Não foi aí que o sangue precioso foi recolhido na taça do Graal? Quanto ao crânio, evoca, nas tradições iniciáticas, a caverna que ilumina o olho do Mundo. O tumulus calco, o calvário, o Gólgota é o «crânio» e ostentará o sinal da Redenção. A cabeça de Medusa, cortada por Perseu, petrifica aquele que a contempla e Atena possuía, em efígie, no seu escudo.
Na mitologia escandinava, é a cabeça de Mimir que serve de oráculo a Odin, na fonte, e ornamenta o escudo dos seus guerreiros. Em certos aspectos, o baphomet pode levar-nos a pensar em Janus. Jovem e velho ao mesmo tempo, é representado pelos romanos com dois rostos, um glabro e o outro barbudo. Um olhava para o passado e o outro para o futuro. Janus deu o seu nome ao nosso mês de Janeiro, que inicia o ano depois do renascimento do Sol, no solstício do Inverno. Presidia também aos empreendimentos propícios e o seu nome deve ser ligado ao de João, esse Ioan que atravessa o tempo e os mitos de origens diversas. Também se coaduna bastante bem com a dualidade aparente dos dois cavaleiros templários em cima do mesmo cavalo. Janus bifrons, como duas vezes João, o batista e o João evangelista, o do solstício do Verão e o do solstício do Inverno, dois santos quase gêmeos. Janus do passado e Janus do futuro, João (Batista) o precursor e João (evangelista, a alma) que deve regressar com o regresso de Cristo. Janus ou João Batista, não há grande diferença no plano simbólico, mas precisamos de reter esta ligação importante com o culto das cabeças cortadas, porque iremos ter ocasião de o confirmar.
{“E Pedro, voltando-se, viu que o seguia aquele (João) discípulo a quem Jesus (Cristo iniciava) amava, e que na ceia se recostara também sobre o seu peito, e que dissera: Senhor, quem é que te há de trair? Vendo Pedro a este, disse a Jesus: Senhor, e deste o que será? Disse-lhe Jesus: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu. Divulgou-se, pois, entre os irmãos este dito, que aquele discípulo não havia de morrer. Jesus, porém, não lhe disse que não morreria, mas: Se eu quero que ele fique até que eu venha (novamente e através dele), que te importa a ti? Este é o discípulo (João) que testifica destas coisas e as escreveu; e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro. Há, porém, ainda muitas outras coisas que (Cristo através de) Jesus fez; e se cada uma das quais fosse escrita, cuido que nem ainda o mundo todo poderia conter os livros que se escrevessem. Amém”. João 21:20-25 – }
Quanto a Daniel Réju, conta-nos uma história muito estranha. No final do século passado, descobriu-se, na ilha de Sein, uma gruta escavada pelos druidas, em frente ao mar e acessível apenas por barco. Ao que parece, as sacerdotisas celtas concediam aí os seus oráculos. Fez-se lá uma curiosa descoberta: Tratava-se de uma estatueta de madeira negra cujo braço direito (a que faltava a mão) se erguia para o céu, enquanto a esquerda pendia ao longo do corpo. A estatueta tinha uma cabeça desproporcionada, com dois grandes buracos redondos no local dos olhos, uma barba triangular feita com cinco traços verticais, um par de cornos e um peito de mulher. E, entre os dois seios, em relevo, via-se uma cruz da Ordem dos Cavaleiros Templários, de bom talhe e bem visível. Essa estatueta desapareceu. Confiada a um padre de Côtes d’Armor, foi-lhe roubada pouco depois.
Nesta descrição, há bastantes pontos de semelhança com o baphomet. E alguns que fazem pensar em ÍSIS-Astarté, ou então em Ishtar que, na Fenícia, se chamava Baalit. Os cornos em forma de crescente deviam ser associados então ao simbolismo lunar. E Réjus faz notar até que ponto o crescente se encontra, amiúde, no caminho dos Templários: Ainda mais espantoso, esses locais concentram-se num eixo Gisors (os Croissants-de-Gisors) – Nogent-le-Rotrou – Bellême – Angers, por um lado, e em diversas províncias que se encontram entre as mais marcadas pela tradição céltica, Normandia, Ile-de-France, Pays de Loire e Bretanha, por outro. Celta ou oriental, a origem pouca importância tem a partir do momento em que se insere numa tradição universal. A cabeça cortada do baptista apresenta todas as características que lhe permitem desempenhar o mesmo papel protetor que a de Bran, o Abençoado.
Os poderes do baphomet
Segundo os testemunhos, a adoração da cabeça decorria essencialmente quando da realização dos capítulos, tão secretos que ameaças terríveis pesavam sobre aqueles que ousassem revelar o que lá se passava. Curiosamente, é verdade, os cavaleiros nunca revelaram esse segredo e não parecia haver grande vontade de os obrigar a fazê-lo. Quando lhes eram feitas perguntas demasiado precisas, afirmavam nunca haverem tido acesso a eles, a fim de fugirem à resposta. A menos que as revelações que possam ter sido feitas não hajam sido registadas pelos escrivães, por razões que desconhecemos. Raoul de Presles, ao testemunhar, diz que o reitor do Templo de Laon, Gervais de Beauvais, lhe afirmara que havia, no Capítulo Geral da Ordem, uma coisa tão secreta (quidam punctius adeo secretus), que se, por infelicidade sua, alguém a visse, nem que fosse o rei de França, medo algum de tormentos impediria os do Capítulo de o matarem de imediato.
Como já vimos, alguns desses Templários atribuíam propriedades especiais ao baphomet, verdadeiros poderes talismânicos. Por esse motivo, rodeavam a cabeça com cordões de fio branco que, depois, eram entregues aos irmãos. Estes usavam nos em redor da cintura, sobre a pele. Frisemos que esses cordões não devem ser confundidos com o cordão da Ordem, emblema de castidade. Assim, estavam protegidos pela cabeça, mesmo quando esta não estava perto deles. Mas, olhar a cabeça frente a frente não era algo isento de riscos, o que nos lembra os poderes de Medusa, cuja cabeça foi cortada por Perseu. As atas do processo são testemunho disso, a fazermos fé numa história curiosa. Um cavaleiro, posto na presença do baphomet, saíra mais pálido do que um morto, com o rosto descomposto, aterrorizado, esgazeado. Afirmou que nunca mais voltaria a ter alegria no mundo, caiu num estado depressivo e não tardou a morrer.
Teria visto, como julgam Michel Angebert e Gautier Darcy a sua própria «sombra» inserir-se sob as feições do baphomet? Quanto aos seus poderes, vimos que, tal como a Arca da Aliança, esse ídolo permitia conversar com Deus. Teremos de pensar também nessa cabeça encantada que Cervantes, no seu Dom Quixote, um romance verdadeiramente iniciático, cabeça que dá oráculos (mesmo que não passe de um truque)? Teríamos de a ligar com aquela que o papa Silvestre II trouxera de Espanha e que respondia sim ou não às perguntas que lhe eram feitas. Alberto, o Grande, teria possuído uma cabeça semelhante, tal como Gerbert d’Aurillac. Escritos árabes falam também de uma cabeça de ouro oracular possuída por um feiticeiro do Cairo, chamado El-Ghirby. Esses poderes mágicos devem ser relacionados com o testemunho prestado por Mestre Antoine Sici de Verceil, notário, perante a Comissão de 4 de Março de 1311. Declarou então:
Quanto à cabeça do ídolo, aqui está: ouvi dizer várias vezes, em Sídon, que um senhor dessa cidade amara uma dama nobre da Armênia, mas nunca a conhecera carnalmente durante a sua vida; morta, veio a conhecê-la no seu túmulo, em segredo, na noite em que a enterraram. De imediato, ouviu uma voz que lhe disse: «Volta quando chegar a altura do parto; encontrarás a tua progenitura e será uma cabeça humana.» Tendo terminado o tempo, o cavaleiro regressou ao túmulo e encontrou uma cabeça humana entre as pernas da dama; ouviu, pela segunda vez, a voz que lhe dizia: «Guarda essa cabeça, porque todos os bens te virão dela.» Jean Senandi, que vivera na Síria, contou que a Ordem comprara a praça de Sídon e que Julião, um dos senhores da cidade, entrara para a Ordem e lhe dera uma cabeça obtida por um dos seus antepassados, depois de ter abusado do cadáver de uma virgem. Julião apostatara, fora expulso da Ordem e morrera na miséria. Mas os Templários podiam muito bem ter guardado a preciosa cabeça.
Hughes de Faure confirmou a compra de Sídon pelos Templários, sendo Grão-Mestre Thomas Bérard, a quem alguns irmãos imputavam a introdução de maus costumes no Templo. No entanto, deu uma versão um pouco diferente da história. Teria ouvido dizer em Chipre que a herdeira de Meracleu, em Tripoli, fora amada por um homem que exumara e violara o seu cadáver e, em seguida, lhe cortara a cabeça. Uma voz aconselhara-o a guardá-la preciosamente porque ela faria morrer todos quantos a olhassem. Embrulhara-a e encerrara-a num cofre e, quando queria aniquilar uma cidade ou vencer os Gregos, bastava-lhe tirar a cabeça para fora e destapá-la. Querendo atacar Constantinopla, meteu-se num barco. A sua velha ama, demasiado curiosa, abriu o embrulho para ver o que continha. Uma tempestade abateu-se de imediato sobre o navio que foi engolido com toda a sua tripulação, exceptuando alguns marinheiros, que sobreviveram e contaram a história. Depois, nunca mais se encontrou um peixe nessa parte do mar.
Segundo Guillaume Avril, este episódio poderia ter acontecido no turbilhão de Sétalias, onde uma cabeça surgia por vezes, levando para o fundo todos os navios que se encontravam nas proximidades. De notar, por fim, que a virgem violada se chamava Yse, o que lembra ÍSIS. Não diziam os alquimistas que a matéria primeira se colhe «no sexo de Isis»? Promessa de abundância, por vezes com cornos, o baphomet faz-nos pensar em Cernunnos, deus do panteão céltico que também fazia crescer as árvores e germinar as plantas. Os hermetistas falam também de uma figura chamada Bahumid el Kharouf, isto é, o segredo da natureza e da totalidade dos mundos. Patrick Rivière afirma que chamam a essa figura «aquele que cria e ressuscita», o que sugere a idéia de fecundidade e de abundância ligada a Cernunnos, que se manifestava sob a forma de um homem com cornos.
Quanto a este ponto, podemos ver, na basílica de Vaison-la-Romaine, uma representação de Cristo. Aí, Jesus aparece… com cornos que apresentam a forma de crescente lunar. Os poderes desta cabeça ligada a Cristo podiam também estar em ligação com as forças telúricas, ou até demoníacas, pelo menos no plano simbólico. Quando se passa um limiar, o que se encontra do outro lado pode muito bem apresentar formas diferentes e surpreendentes. Ora, um dos aspectos que assume a manifestação do guardião do limiar é precisamente a mudança de cabeça.
Os Templários guardiões do Diabo
As características mágicas atribuídas ao baphomet fizeram alguns pensar que os Templários praticavam cultos demoníacos. Nada menos seguro, apesar de a bula de supressão da Ordem os acusar de terem erguido altares a Baal para iniciarem e dedicarem os seus integrantes a adorar aos ídolos e aos demônios. Não está, de modo algum, fora de questão que pequenos grupos, no seio do Templo, tenham tido alguma relação com o demônio e tenham corrido riscos impensados nesse âmbito, mas isso foi por razões muito especiais. Para o compreendermos, temos de remontar às origens, à ocupação do Templo de Salomão. Jerusalém está ligada ao Monte Sião, esse nome de Sião é anterior a Israel. De origem cananeia, lembra-nos que nenhum dos nomes sagrados atribuídos a esse local é verdadeiramente de origem israelita, mesmo que isso nos espante – nem Sião, nem Jerusalém, nem Moriah.
Segundo Pierre Dumas, Sião terá de ser ligado a Saphon, dado que as duas palavras, em hebraico, só diferem numa letra. «O último termo, que em hebraico designa o norte, é, antes de mais, o nome da principal montanha sagrada de Canaã, montanha polar.» Ora, esta, verdadeiro centro do mundo, era consagrada a Baal. Aí, o deus manifestava-se no trovão e nos relâmpagos, no templo que a deusa Anat lhe construíra, no cume da montanha. Assim, Sião parece como uma montanha cósmica, que tem a cabeça no céu e a sua base fixada profundamente no mundo subterrâneo, tal como o Mashu (nome que significa «os gêmeos») do mito babilônico, montanha sobre a qual Gilgamesh continua a sua busca para chegar ao Paraíso. Mashu é uma montanha dupla como as duas colunas do Templo de Salomão e Gilgamesh passa entre essas duas montanhas-colunas como se atravessasse uma porta no limiar dos infernos. Do mesmo modo, a porta pode abrir-se para os céus e Ezequiel assiste à glória de Yavéh chegando ao Templo pelo pórtico virado para Oriente. E essas portas de Yavéh eram as colunas do Templo.
Salomão mandou construir locais de culto para divindades «estrangeiras», como o templo de Kamosh, deus de Moab, no Monte das Oliveiras, ou ainda templos a Astarté e Milkom. Uma lenda muçulmana afirma que ele obtivera de Deus que Iblis, o demônio, fosse metido na prisão, bem fechado e impedido de agir. Mas a terra já não dava produtos, os grãos já não germinavam, as árvores não cresciam e a fome instalou-se. Salomão teve de resolver-se a exigir a libertação de Iblis. Neste momento, devemos lembrar-nos das particularidades do baphomet que, tal como Iblis, favorece a germinação. Assim, o Templo de Salomão aparece, através do mito, como uma porta que estabelece uma comunicação tanto com os céus assim como com o mundo infernal. Isto é reforçado pela presença da Arca da Aliança, ela própria meio privilegiado de comunicação com Deus, tal como o baphomet, segundo alguns testemunhos templários.
Vamos um pouco mais longe no exame das relações possíveis entre os Templários e o demônio. Mergulhemos na obra apaixonante de Jean Robin dedicada a Seth, o deus maldito. Lembra-nos que a pedra de delimitação de um recinto sagrado era designada com o nome de pedra de asilo, isto é, por jogo com as palavras «pedra do burro», esse burro, animal do deus Seth que também era Typhon. Seth, o deus vermelho com cabeça de burro, deus da violência e da tempestade (o que o aproxima de Baal), assassino de seu irmão Osíris, era aquele a que alguns autores árabes chamavam Agathodaimon, a «boa serpente». Robin escreveu: Seth, num contexto gnóstico bastante tardio, foi invocado sob o nome de Io (o burro) ou Iao (a divindade com cabeça de galo – cuja função eminentemente séthiana veremos mais adiante) que ligaremos tão mais facilmente a Yavéh quanto o templo judeu de Elefantina, por exemplo, era chamado «templo do deus Ya’on» nos papiros aramaicos encontrados in situ. E acrescenta: A identificação do galo e do burro (Io e Iao), hipostasiando ambos Seth, não é de modo algum acidental e fortuita.
Parece relevar, pelo contrário, de uma tradição esotérica que, sem dúvida, se tornou muito fechada no seio do judaísmo esotérico, que também sofreu a tentação de demonizar essas representações de Seth, que já não compreendia. Por certo, no cristianismo, o episódio bem conhecido do Evangelho relativo à negação de Pedro atesta a função esotérica do galo. […] O galo desempenha aqui, explicitamente, a função de acusador em relação a Pedro que encarna, por certo, o exoterismo. Não foi a crista do galo o modelo do barrete frígio dos iniciados, o dos pastores da Arcádia? Quanto ao burro, não esqueçamos que faz parte dos animais do presépio. Segundo Weysen, que estudou muito especialmente a presença dos Templários na região de Verdon: A presença de Nascien, antigo duque Serafim, cunhado de Evalac, rei do Graal, na ilha que gira e no templo de Sarras onde se encontrava um ídolo Asclaphas, ligado ao burro que figura na fortaleza de Valcros, sugere uma ligação entre os gnósticos de Naas.
Na verdade, Nascien pode significar «aquele que conhece o navio», isto é, a nave do Santo Graal, ou simbolizar os naasianos, gnósticos ofitas cujo deus era Sabaoth, criador do Céu e da Terra e a quem se atribuía uma cabeça de burro ou de javali, como ao deus Seth, o Egípcio. Esses gnósticos ofitas ou naasianos veneravam a serpente, símbolo da gnose. Sabaoth, ou Iadalbaoth, ou Iao, era um deus com cabeça de burro que uma inscrição mural do Palatino (século III) representava ironicamente crucificado perante um devoto ajoelhado. […] O deus esotérico Seth, ou Typhon, filho do Tártaro, com corpo de serpente e cabeça de burro, usava também o nome de Akephalos (sem cabeça). Esses gnósticos assimilavam voluntariamente Sem, Seth e Melki-Tsedek, mistura igualmente verificada entre alguns maniqueus e nos ismaelitas do velho da montanha. Já vimos que Ioan-Janus-João Batista pode ter uma ligação com Seth invocado sob o nome de Io. Seth, também chamado Akephalos, o sem cabeça, que nos leva a João Batista.
Ora, na Lenda Dourada, de Jacques de Voragine, obra contemporânea dos Templários, encontramos esta curiosa passagem referente a São João Batista: João é chamado Lúcifer ou estrela da manhã, porque ele foi o termo da noite da ignorância e o início da luz da graça. Jacques de Voragine afirma também: Preenche o mistério dos Tronos que têm por missão julgar e diz-se que João repreendia Herodes dizendo: não vos é permitido ter como mulher a de vosso irmão. Curioso quando pensamos, ao contrário, que Seth cobiçava ÍSIS, a mulher de seu irmão Osíris. Dois Joões nos dois solstícios e dois rostos de Janus, um para a luz e outro para as trevas. Decididamente, quais poderão ter sido as relações dos Templários com este mundo invertido? Para Alain Marcillac: Poderíamos deduzir que a palavra baphomet representa a pedra de Beth-El que serve para manter o diabo no Téhom. Consequentemente, os Templários teriam sido, pelo menos simbolicamente, as sentinelas ou guardiões do diabo para permitir que a humanidade se elevasse em direção às alturas da verdadeira espiritualidade.
Os Templários guardiões do diabo, que o impediam de sair, mas, domesticavam os seus poderes melhor do que Salomão, para que se realizasse a germinação da terra? Os Templários, durante cuja história nunca se verificou qualquer fome nas vastas extensões de terras por eles administradas? Ao fim e ao cabo, São Pedro tem duas chaves. Se uma abre a porta do Paraíso, a outra pode abrir a dos infernos. Reside aí o segredo ou uma parte do segredo encontrado por Hughes de Payns e pelos seus amigos no local do Templo de Salomão, em Jerusalém? Com efeito, uma tradição judaica pretende que o rochedo de Jerusalém mergulha nas águas subterrâneas do Téhom. Na Mishma, diz-se que o Templo se encontra por cima do Téhom, que Alain Marcillac lembra ser semelhante a Apsu.
Assim, tal como na Babilônia existia uma porta de Apsu, em Jerusalém, o rochedo do Templo fecha a boca do Téhom. Lembremo-nos também do homem que desceu a um poço, no tempo de Omar. No fundo, vislumbrou uma porta, transpôs a sua ombreira e descobriu uma paisagem luxuriante. Trouxe de lá uma folha e foi prevenir Omar, mas nunca se voltou a encontrar a porta. No entanto, a sua recordação vegetal nunca secou. Os Templários estavam instalados nesse local. Foi a partir daí que toda a sua aventura começou, com a ajuda dos rabinos contratados por Estêvão Harding e os cistercienses. Os Templários não se teriam tornado, assim, guardiões do diabo? Guardas que tiveram a tentação de usar em proveito próprio forças que julgavam poder dominar, o que é a própria base da magia. Neste caso, que importância tem acreditar-se ou não no diabo? Não basta que eles tenham acreditado? Lê-se no Apocalipse:
“Vi então um Anjo descer o céu, trazendo na mão a chave do Abismo e uma grande corrente. Ele agarrou no Dragão, a antiga Serpente – que é o Diabo, Satanás – acorrentou-o por mil anos e atirou-o para dentro do Abismo, fechando-o e lacrando-o com um selo para que não seduzisse mais nações até que os mil anos estivessem terminados. Depois disso, ele deverá ser solto por pouco tempo.”
E o cordeiro querido a São João Batista está deitado sobre o livro do Apocalipse de João, o Evangelista, fechado com sete selos que devem permanecer selados até chegarem o final dos tempos. Nesse momento, sem dúvida, os rostos de Janus olhar-se-ão um ao outro. De qualquer modo, será provavelmente nos dois São Joões que teremos de procurar o segredo dos dois templários em cima de um único cavalo e, depois, o olhar horripilante da cabeça cortada de São João Batista, pousada sobre a sua bandeja como o Graal sobre o seu cepo.
Continua . . .