Os nativos Laklãnõ/Xokleng quase foram extintos no início do século XX. Desde então, vêm se reerguendo e lutando por seus direitos e pelo seu território tradicional. Atualmente, também buscam evitar outra extinção: a da araucária, árvore símbolo da Mata Atlântica que chamam de Zág. “Ninguém melhor do que nós, os povos indígenas, para trazer essa floresta de volta”, afirmou Isabel Gakran, de 39 anos.
Fonte: Deutschewelle
Isabel é cofundadora e diretora ambiental do Instituto Zág, uma organização do Vale do Rio Itajaí, em Santa Catarina, que está reflorestando a região com araucárias. Desde 2016, os indígenas já plantaram cerca de 130 mil mudas, com a meta de chegar a um milhão de árvores em 10 anos.
Do povo Munduruku, da Amazônia, Isabel conheceu a araucária em um livro quando era criança. Mas só anos depois se lembraria dessa história. Após ir estudar na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em Florianópolis, conheceu e se casou com Carl Nduzi Gakran, do povo Laklãnõ/Xokleng. E foi morar na Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, nos municípios de José Boiteux, Doutor Pedrinho, Vitor Meireles e Itaiópolis.
Foi onde ela viu pela primeira vez a araucária. O marido explicou que a árvore era sagrada para seu povo e reverenciada como um ser feminino da floresta. Além do significado espiritual e cultural, tinha um papel ecológico importante, especialmente por fornecer o pinhão, alimento que sustenta seres humanos e animais.
Carl Nduzi começou a pesquisar mais a fundo aquela história, até para entender por que tinham poucas araucárias em sua terra. Descobriu que a árvore estava classificada como criticamente ameaçada de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). “No começo, achei que era fake news”, conta o indígena, presidente do instituto.

Em 2016, o casal reuniu amigos e plantou as primeiras mudas. No ano seguinte, fundaram o Instituto Zág. Também tiveram uma filha chamada Zágtxo, hoje com três anos, cujo nome significa Floresta de Araucárias. O instituto recebeu prêmios, ganhou reconhecimento internacional e tem inspirado outras comunidades dentro e fora do Brasil. De certa forma, também repetem o que seus ancestrais fizeram há cerca de mil anos.
Expansão e declínio da araucária
A Araucaria angustifolia, conhecida como araucária ou pinheiro-do-paraná, é típica das áreas mais frias e altas da Mata Atlântica. Junto com outras espécies nativas, compõe a floresta de araucárias. Há cerca de mil anos, ela teve uma expansão rápida, difícil de ser explicada apenas pelas condições climáticas.
Um artigo publicado em 2018 na revista Nature indicou que essa expansão foi impulsionada, sobretudo, pela ação humana. Com base em evidências do paleoclima, da paleoecologia, da arqueologia e da etnologia, os autores mostram que os povos Jê do Sul – ancestrais dos Laklãnõ/Xokleng e Kaingang – desempenharam um papel decisivo no plantio e na disseminação dessa floresta produtora de pinhão além dos seus limites naturais.
“Mais do que um fato histórico, percebemos que a experiência humana pode ser positiva e que podemos tentar diminuir as ações das mudanças climáticas com atitudes como essas”, avalia o professor de arqueologia, história e antropologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Rafael Corteletti, um dos autores do estudo. “Não necessária e somente expandindo florestas, mas tentando viver em harmonia com o planeta.”
As araucárias estavam distribuídas pelas regiões mais altas e frias do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, São Paulo e Minas Gerais. A partir, principalmente, do século XIX, com a colonização europeia, a árvore passou a ser intensamente usada por causa da sua ótima madeira. O desmatamento fez com que sobrasse menos de 3% da espécie.

Ditadura e marco temporal
Na TI Ibirama-Laklãnõ, o desmatamento se acentuou durante a Ditadura Militar, por meio de ações do Estado e da iniciativa privada, que legalizaram a extração de madeira. Sobraram tão poucas araucárias, contou Carl Nduzi, que o pinhão passou a ser consumido apenas pelos mais velhos.
Em 2009, duas indígenas foram coletar pinhão nos limites da TI, uma das poucas áreas com araucárias. Elas sofreram ameaças de fazendeiros, disse Carl Nduzi. Os indígenas revidaram e ocuparam a área tradicional. “O povo Laklãnõ/Xokleng tem uma tradição guerreira”, afirma.
A então Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (Fatma) pediu a reintegração de posse da área, alegando pertencer à Reserva Biológica Sassafrás. O estado de Santa Catarina invocou uma tese controversa para defender sua reivindicação: a do marco temporal.
O caso chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou o caso de repercussão geral. Ou seja, o que fosse decidido naquela discussão valeria para todos os outros. Em 2023, a Suprema Corte deu vitória aos Laklãnõ/Xokleng.
A vitória, no entanto, durou pouco. O congresso reagiu e aprovou a Lei do Marco Temporal (Lei 14.701) – e o tema voltou ao STF, onde aguarda julgamento.
“Sou a araucária pedindo socorro”
Havia dois desafios iniciais para o instituto: o alto valor das mudas, cerca de R$ 45, e a poluição com os saquinhos plásticos, feitos de petróleo. Pesquisaram sobre materiais biodegradáveis, mas também tinham custo elevado. Então os indígenas se inscreveram em um projeto do Fundo de Conservação de Espécies Mohamed Bin Zayed, da Arábia Saudita.

Além de conseguir recursos, participaram de workshops e treinamentos e passaram a produzir as próprias mudas. E, em 2023, se inscreveram no Prêmio Equatorial, voltado para comunidades indígenas e locais, organizado pela Iniciativa Equatorial do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). E venceram.
Por causa disso, foram à Conferência da ONU sobre o Clima em Dubai, nos Emirados Árabes, a COP28, onde Isabel discursou na abertura. “Minhas pernas tremiam”, conta. “Mas eu disse assim: araucária, me dê forças!”
“Já plantamos milhares de Zág. Mas não estamos apenas protegendo o futuro. Estamos agindo no agora, em nome das vidas indígenas, da floresta e da biodiversidade. Faço um chamado para a ação. Nós somos a natureza tentando se defender. Eu saí do meu território para fazer um pedido de socorro da araucária. Eu sou a araucária pedindo socorro”, discursou.
A diretoria do instituto conta com 13 pessoas, mas as ações envolvem diversos membros da comunidade, com jovens, adultos, anciãos e forte presença feminina. “Eu acredito que não dá para falar de justiça climática sem garantir a presença e escuta das mulheres indígenas em todos os espaços de decisão“, afirma Isabel. “As mulheres indígenas estão na linha de frente.”
Essa atuação levou o Instituto Zág a outra conquista em 2024: o Prêmio Soluções Justas com Gênero e Clima (GJCS), do Grupo Constituinte de Mulheres e Gênero (WGC) e da Women Engage for a Common Future (WECF).
Ganharam a honraria por promover o papel das mulheres indígenas na restauração e proteção da biodiversidade e por preservar o conhecimento ancestral das mulheres Laklãnõ-Xokleng na Mata Atlântica brasileira. E receberam o prêmio na COP29, em Baku, no Azerbaijão.
“Projetos como o Zág nos lembram que as mulheres e as comunidades não esperam passivamente ser ouvidas por quem se reúne todos os anos na COP; elas já estão agindo, com conhecimento, sabedoria, atitude e compromisso, liderando a ação climática a partir dos territórios e demonstrando que a transformação começa de baixo para cima”, avalia Valeria Peláez Cardona, coordenadora do programa de Gênero e Clima da WECF.
Fora da COP30
Depois de ir à COP28 e à COP29, além de participar de inúmeros fóruns para debater a biodiversidade e mudanças climáticas, o Instituto Zág vai ficar fora da COP30, que ocorrerá justamente no Brasil. Fizeram uma solicitação para a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) para participarem da conferência, mas não conseguiram. “É como se estivessem silenciando a araucária”, avalia Isabel.
Para Carl Nduzi, o saber indígena, aliado ao conhecimento científico, pode trazer soluções para a crise ambiental e climática. Mesmo fora da COP no Brasil, vão continuar plantando a araucária, como se estivessem realizando um sonho dos seus ancestrais.
“Eu imagino um futuro com uma colheita mais saudável, meu povo mais bem alimentado, as pessoas com um ar mais puro”, disse Carl Nduzi. “Eu sonho em evitar a extinção da araucária.”
Pinhão: semente, castanha ou fruto (da Araucária) ?

Mais popular nas regiões Sul e em áreas altas do Sudeste, o pinhão é protagonista de festas e o destaque em diversos pratos da culinária. Mas o que, de fato, é esse rico e nutritivo alimento?
É a semente da araucária, a parte comestível da pinha. “A araucária é uma árvore que não tem fruta, faz parte do grupo das gimnospermas. Ela produz a pinha e os pinhões. Quando um pinhão cai no chão, por exemplo, ele germina e produz uma muda, por isso é uma semente”, explica o engenheiro florestal e pesquisador da Embrapa Florestas Ivar Wendling.
Essa semente é formada por uma casca e pela castanha, que é a parte comestível. Mas, até o pinhão estar maduro existe um longo processo que pode durar até três anos.
“Basicamente existe a araucária fêmea e a árvore macho. A fêmea produz a flor que normalmente abre em setembro. Essa flor recebe o pólen da árvore macho através do vento e é polinizada. Em seguida, ela vai se desenvolvendo até formar a pinha que com o tempo vai amadurecendo e se abrindo até liberar os pinhões. Cada pinha pode ter mais de 100 pinhões”, esclarece o pesquisador.

A época da colheita varia de março até julho, quando muita gente já encontra a semente a venda nos supermercados, mas cada estado permite o extrativismo a partir de uma data exata. “Não é permitido colher o pinhão antes por vários motivos. Um deles é a falta de conscientização e as pessoas acabariam tirando as pinhas antes delas estarem maduras e o pinhão verde se consumido é prejudicial à saúde”, alerta Wendling.
Mas quando está no ponto é um super alimento com baixo teor de gordura e sódio que funciona como fonte de energia e pode ser consumido por qualquer faixa etária. O pinhão ainda é capaz de acelerar o metabolismo e diminuir o colesterol, segundo estudos.
“Ele também tem muitas fibras o que ajuda na digestão, além de contar também com proteínas, minerais e não possuir glúten. É um alimento muito versátil que pode ser incorporado em qualquer receita para agregar benefícios, sem alterar muito o sabor da comida”, diz o engenheiro florestal.
Não é à toa o pinhão tem uma forte conexão com tribos indígenas que até hoje dependem do alimento para manter a dieta local, como os aborigenes na Australia, os Pehuenches no Chile e no Brasil além dos Guaranis, os povos Macro Jê, Kaingangs e Xoklengs.
Ainda segundo o especialista, muito se dá ao fato do alimento estar disponível no inverno. “Na natureza pouquíssimas árvores produzem alimento no inverno, normalmente é em épocas mais quentes. O pinhão fica maduro exatamente no período mais frio, o que ajudava os índios e outros animais a garantirem o alimento e a sobrevivência nesses meses mais difíceis”.
Para os amantes da semente a dica é o armazenamento correto para que ele dure mais. Em um saco fechado, dentro da geladeira, a validade chega a 30 dias. Já congelado (junto com água), o pinhão pode durar até três anos.