Marinha avança na Construção do 1º Submarino Nuclear do Brasil

Em entrevista à Sputnik Brasil, analistas apontam que a conclusão da etapa do Prosub de submarinos convencionais abre espaço para a Marinha brasileira se dedicar ao seu projeto estrategicamente relevante de colocar o Brasil no seleto grupo de apenas seis países países detentores de um submarino movidos à energia nuclear, os EUA, a China, Rússia, Reino Unido, França e Índia.

Fonte: Sputnik

A Marinha do Brasil lançou ao mar na semana passada o submarino Almirante Karam, o quarto e último modelo convencional previsto no Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), iniciado em 2008 com o objetivo de revolucionar a tecnologia e a indústria naval brasileiras.

Com a conclusão dessa etapa, a expectativa é que o foco da força naval agora se concentre no desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear Álvaro Alberto, ainda em construção. Analistas apontam que o total de quatro submarinos ainda é um número aquém das necessidades de defesa do país, e defendem que o ideal seria contar com um modelo nuclear como meio de dissuasão.

À Sputnik BrasilPedro Martins, doutorando em relações internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), considera que o encerramento do programa Prosub abre espaço para o avanço da construção do submarino nuclear brasileiro.

“Esse é o momento mais crítico e mais estrategicamente relevante para a Marinha do Brasil. Porque nós vamos ser um dos poucos países no mundo, o Brasil vai entrar em um seletíssimo grupo de países que tem submarino nuclear”, afirma Martins.

Ele acrescenta que o número de países com submarino nuclear é pequeno, por ser um equipamento caro e tecnologicamente muito avançado.

Questionado sobre as recentes queixas da Marinha relativas à falta de recursos, Martins explica que o orçamento da Defesa não é pequeno, na verdade, é um dos maiores das pastas ministeriais. Porém, ele aponta que há no orçamento da pasta “um peso muito grande com gasto com pessoal”, sobretudo com inativos e pensões, quando o foco deveria ser em equipamentos de defesa.

Lançamento do quarto submarino do programa Prosub, o Almirante Karam, em 2025

“Isso é um grande limitador dos gastos em defesa do Brasil, você tem que priorizar o investimento em equipamento, de alguma forma alocar esses recursos […], porque você precisa manter o grau de prontidão e de modernização do equipamento comparável às demandas que a nossa defesa exige.”

Ele destaca como exemplos de demandas de defesa a Amazônia Azul, uma grande área de espaço econômico marítimo exclusivo do Brasil com grandes reservas de petróleo e peixe, os planos para a exploração de petróleo na Margem Equatorial do rio Amazonas e a instabilidade política no norte da América do Sul, principalmente perto da Venezuela e da Guiana, justamente por causa de petróleo.

“Então nós precisamos de equipamentos mais modernos, mais avançados, para que a gente consiga manter as necessidades da nossa economia e da nossa segurança nacional”, afirma.

Para Martins, o Brasil deve buscar novas parcerias na área de desenvolvimento de tecnologia militar. Segundo ele, a transferência de tecnologia é crucial, porque o Brasil não se preocupa só em modernizar o seu equipamento, mas também em ter uma capacidade tecnológica autônoma de desenvolver os seus próprios equipamentos, o que é muito importante para a soberania militar e tecnológica do país.

Michelly Geraldo, doutora e especialista em política e tecnologia nuclear, afirma à Sputnik Brasil que o encerramento dessa etapa do Prosub representa “um ponto de transição muito importante para a Marinha”. “Embora o programa em si tenha sido concluído com o lançamento do quarto submarino, ele deixa um legado industrial, tecnológico e humano que precisa ser mantido ativo”, afirma.

Ela destaca que a força, agora, tem pela frente três passos importantes, sendo o primeiro a consolidação da capacidade alcançada com a etapa concluída.

“Garantir que o estaleiro, as linhas de produção e, principalmente, a mão de obra qualificada continuem em operação. O maior risco de programas de defesa é o hiato quando você termina um ciclo e passa muito tempo sem produzir nada, perde gente e perde know-how.”

O segundo passo, de acordo com a analista, é doutrinário, ou seja, a Marinha precisa evoluir as doutrinas, treinar tripulações e adaptar processos logísticos para operar em padrões mais sofisticados.

“A capacidade de negar área, proteger o pré-sal e garantir rotas marítimas depende de uma integração maior com a FAB e com o Exército, num conceito mais multidimensional”, aponta.

Já o terceiro passo seria continuar fortalecendo o papel da Marinha dentro do conceito de “Amazônia Azul”, que ela afirma que, aparentemente, foi “deixado de lado nos últimos anos”.

“O Brasil tem uma área marítima gigantesca, com ativos críticos de economia e infraestrutura. O grande desafio agora é transformar a capacidade instalada pelo Prosub em uma estratégia contínua de defesa naval, de vigilância, de sensoriamento e de prontidão.”

Para Geraldo, “sem dúvida” o encerramento da etapa do Prosub dedicada a construção de submarinos convencionais “abre espaço institucional, técnico e até orçamentário para avançar no submarino nuclear”.

“Esse é um ponto onde o Brasil já vem trabalhando há décadas, com muito cuidado, e sempre dentro de uma lógica de uso pacífico da energia nuclear e de respeito aos acordos internacionais”, sublinha a analista.

Ela acrescenta que a importância do submarino nuclear é enorme para o Brasil, em termos de poder de dissuasão, uma vez que o equipamento tem autonomia praticamente ilimitada, maior velocidade submersa e opera com muito mais imprevisibilidade.

O SN Álvaro Alberto é um projeto de submarino nuclear de ataque, desenvolvido pela Marinha do Brasil e que se encontra em fase de construção, sob responsabilidade da Itaguaí Construções Navais (ICN). Faz parte do Programa de Desenvolvimento de Submarinos, inserido na parceria estratégica firmada entre a França e o Brasil em 2009, que também incluiu a transferência total de tecnologia e o apoio à construção de quatro submarinos convencionais da Classe Riachuelo, derivados da Classe Scorpène, todos já construídos e entregues.

“Do ponto de vista estratégico, isso gera um elemento muito forte de incerteza para qualquer ator externo que cogite ameaçar nossos ativos marítimos, e dissuasão é isso: fazer com que a possibilidade de resposta seja suficientemente custosa para que o conflito nem chegue a ocorrer.”

Ademais, ela aponta a questão da imensidão da Amazônia Azul [a área total reivindicada é de 5,7 milhões de quilômetros quadrados do Oceano Atlântico Sul] e o fato de que o Brasil [com cerca de 7.500 km de costa] depende do mar para energia [Pré Sal], transporte marítimo, pesca, comércio exterior e comunicação, e grande parte disso está em áreas muito distantes da costa. Há também o impacto tecnológico.

“Um programa desse nível tecnológico impulsiona setores inteiros: a engenharia nuclear, materiais avançados, sistemas de controle e desenvolvimento científico. É um ativo dual, que gera ‘spin-offs’ para energia, para a indústria e até para a academia. E eu vejo esse ponto como o mais importante hoje em dia, tendo em vista que, no momento, não temos ameaças externas pairando a região.”

Em relação ao orçamento da Defesa, Geraldo sublinha que, quando a verba é limitada, “a prioridade precisa ser muito clara”. E no caso da Marinha, a primeira grande prioridade é manutenção e prontidão.

“Não adianta ter novos meios se os atuais não têm peças, não têm suporte ou tripulação treinada. A manutenção preventiva e corretiva garante que a frota esteja realmente capaz de operar. Da mesma maneira, eu colocaria o investimento em formação e retenção de pessoal qualificado. Projetos complexos, como o Prosub, exigem engenheiros, operadores e técnicos altamente especializados. Sem essa base humana, não existe continuidade”, explica.

Ela enfatiza que, mesmo com orçamento apertado, parar o programa do submarino nuclear seria muito mais caro.

“A perda de conhecimento acumulado é irreversível. Então, a continuidade planejada e gradual do programa também precisa ser tratada como prioridade estratégica.”

Já no que tange à busca por novas parcerias, a analista afirma que a França continua sendo um parceiro natural, pois a experiência do Prosub criou uma integração importante entre as equipes e uma base tecnológica que pode ser ampliada. Outro parceiro estratégico seria a Índia, por ser uma potência regional, ter um programa de submarino nuclear, uma indústria de defesa robusta e, principalmente, por compartilhar com o Brasil “a ideia de autonomia estratégica, sem alinhamento automático a grandes potências [e dos países serem membros fundadores do BRICS]”.

“E até mesmo países do Sul Global, como a África do Sul [também membro do BRICS], podem ser parceiros importantes em vigilância do Atlântico Sul, em operações conjuntas e intercâmbio técnico”, conclui a analista.



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