Descer da Grande Pirâmide machucou mais os nervos do que subir. Não estávamos mais lutando contra a força da gravidade, de modo que era menor o esforço físico. Mas as possibilidades de uma queda fatal pareciam maiores, nesse momento em que nossa atenção se dirigia exclusivamente para a terra, e não mais para os céus. Escolhemos o caminho com um cuidado exagerado até a base da enorme montanha de pedra, escorregando e deslizando entre os traiçoeiros blocos de cantaria, sentindo-nos como se tivéssemos sido reduzidos à condição de formigas.
Por Graham Hancock, livro “AS DIGITAIS DOS DEUSES”, Tradução de Ruy Jungmann, editora Record 2001.
CAPÍTULO 35 – Tumbas, e Nada Mais?
Ao completar a descida, a noite já tinha acabado e a primeira pintura de luz pálida espalhava-se pelo céu. Pagamos as 50 libras egípcias prometidas ao guarda da face oeste da pirâmide e em seguida, com uma enorme sensação de libertação e exultação, afastamo-nos em passos arrogantes do monumento, em direção à Pirâmide de Quéfren, situada a algumas centenas de metros a sudoeste. Khufu, Khafre, Menkaure… Quéops, Quéfren, Miquerinos.
Fossem eles chamados por seus nomes egípcios ou gregos, restava o fato de que esses três faraós da Quarta Dinastia (2575-2467 a.C.) foram universalmente aclamados como os construtores das Pirâmides de Gizé. Tal era a fama deles, pelo menos desde que antigos guias turísticos egípcios haviam dito ao historiador grego Heródoto que a Grande Pirâmide tinha sido construída por Quéops. Heródoto incluiu essa informação na descrição remanescente mais antiga dos monumentos, e que continuava com as seguintes palavras:
Quéops, disseram eles, reinou durante 50 anos e por ocasião de sua morte o reino foi assumido pelo irmão, Quéfren. Este construiu também uma pirâmide… 12m mais baixa do que a do irmão, mas, à parte isso, da mesma grandeza. (…) Quéfren reinou por 56 anos (…) e em seguida foi sucedido por Miquerinos, filho de Quéops (…) Esse homem deixou uma pirâmide muito menor do que a do pai.
Heródoto conheceu os monumentos no século V a.C., mais de 2.000 anos depois de terem sido construídos. Não obstante, foi principalmente seu testemunho que embasou todo julgamento subseqüente da história egípcia. Todos os demais comentaristas, até o presente, continuaram, sem nenhum senso crítico, a seguir nas pegadas do historiador grego. E, através das eras – embora, no início, esse conhecimento pouco mais fosse do que boatos -, a atribuição da Grande Pirâmide a Khufu, a segunda a Khafre e, a terceira, a Menkaure, assumiu a estatura de fatos inatacáveis.
A Banalização do Mistério
Tendo nos despedido de Ali, Santha e eu continuamos a andar pelo deserto. ladeando a imensa aresta sudoeste da Segunda Pirâmide, tivemos os olhos atraídos para o cume. Nele notamos, mais uma vez, as pedras intactas do revestimento, que ainda cobriam as 22 carreiras mais altas. Notamos também que as primeiras carreiras acima da base, cada uma delas com uma “pegada” de cerca de cinco hectares, eram compostas de blocos de calcário realmente enormes, quase que altos demais para ser escalados, com cerca de 6m de comprimento por 1,80m de espessura.
Esses extraordinários monólitos, como eu descobriria mais tarde, pesavam 200 toneladas cada e incluíam-se em um estilo diferente de cantaria, que seria encontrado em vários locais diferentes e muito separados na necrópole de Gizé. Nos lados norte e oeste, a Segunda Pirâmide assentava-se sobre uma plataforma plana, cortada no leito rochoso circundante e, portanto, estava fechada dentro de uma larga vala de mais de 4m de profundidade em alguns lugares. Andando em linha reta para o sul, paralelamente ao flanco oeste dilapidado do monumento, seguimos a borda da vala, a caminho da Terceira Pirâmide, muito menor, que ficava a uns 400m à nossa frente no deserto. Khufu… Khafre… Menkaure…
De acordo com todos os egiptólogos ortodoxos, as pirâmides haviam sido construídas como tumbas – e só como tumbas – para esses três faraós. Ainda assim, essas conclusões enfrentavam algumas dificuldades sérias. A espaçosa câmara funerária da Pirâmide de Khafre, por exemplo, tinha sido encontrada vazia quando foi aberta em 1818 pelo explorador europeu Giovanni Belzoni. Na verdade, mais do que vazia, a câmara era nua e austeramente despojada. O sarcófago de granito polido engastado no chão também havia sido encontrado vazio, com a tampa ao lado, quebrada em dois pedaços. Como explicar esse fato?
Para os egiptólogos, a resposta parecia óbvia. Em alguma antiga data, provavelmente não muitas centenas de anos após a morte de Khafre, ladrões de sepulturas haviam penetrado na câmara e levado tudo que ali havia, incluindo o corpo mumificado do faraó. Quase a mesma coisa parecia ter acontecido com a Terceira Pirâmide, a menor, na direção da qual Santha e eu estávamos nos dirigindo – a pirâmide atribuída a Menkaure. Neste caso, o primeiro europeu a penetrar no local fora um coronel britânico, Howard Vyse, que chegara ao interior da câmara mortuária em 1837. Ele encontrou um sarcófago vazio de basalto, uma tampa de caixão para antropóide, feita de madeira, e alguns ossos.
A suposição natural era de que aqueles ossos pertencessem a Menkaure. A ciência moderna, porém, conseguiu provar que os ossos e a tampa do caixão datavam de começos da era cristã, isto é, de 2.500 anos após a Era das Pirâmides e, portanto, representavam o “enterro intrusivo” de um indivíduo muito posterior (costume este muito comum em toda a história do Egito antigo). Quando ao sarcófago de basalto – bem, poderia ter pertencido a Menkaure. Infelizmente, ninguém teve oportunidade de examiná-lo, porque a peça se perdeu no mar quando o navio usado por Vyse para enviá-la à Inglaterra afundou ao largo da costa da Espanha.
Desde que estava registrado que o sarcófago havia sido encontrado por Vyse, mais uma vez fez-se a suposição de que o corpo do faraó devia ter sido dali tirado por ladrões de sepultura. Suposição análoga foi feita sobre o corpo de Khufu, também desaparecido. Neste caso, o consenso dos estudiosos, expressado tão bem como por qualquer outra pessoa, por George Hart, do Museu Britânico, dizia que “não depois de 500 anos após o funeral de Khufu” ladrões penetraram na Grande Pirâmide para “roubar o tesouro do sepultamento”. A implicação era que o arrombamento devia ter ocorrido no ano 2000 a.C., ou por aí, uma vez que se acreditava que Khufu falecera no ano 2528 a.C.
Além disso, o professor I.E.S. Edwards, uma autoridade reconhecida nesses assuntos, supôs que o tesouro funerário tinha sido retirado do famoso recinto sagrado, ora conhecido como Câmara do Rei, e que o “sarcófago de granito” que existia na extremidade oeste do recinto “havia abrigado outrora o corpo do rei, provavelmente dentro de um caixão interno feito de madeira”. Tudo isso é “erudição (ignorância e má fé) ortodoxa”, corrente, moderna, aceita inquestionavelmente como fato histórico e (ainda) ensinado como tal em universidades por todo o mundo. Mas vamos supor que isso não seja verdade.
O Armário estava Vazio
O mistério da múmia desaparecida de Khufu começa com as anotações do califa Al-Ma’mun, governador muçulmano do Cairo no século IX d.C., que usou uma equipe de pedreiros para abrir um túnel, começando no lado norte da pirâmide, e estimulando-os com promessas de que encontrariam tesouros. Graças a uma série de felizes “acasos”, o “Buraco de Ma’mun”, como os arqueólogos agora o chamam, desembocou em uma das várias passagens internas do monumento, no “corredor descendente”, que conduzia a um nível inferior a partir da porta original oculta na face norte (cuja localização, embora conhecida nos tempos clássicos, havia sido esquecida à época de Ma’mun).
Devido a outro feliz acaso, as vibrações causadas pelos árabes com suas marretas e furadeiras desalojaram um bloco de calcário do teto do corredor descendente. Ao ser examinado o espaço de onde caíra o bloco, descobriu-se que ocultava a abertura de outro corredor, desta vez ascendente, que levava às entranhas da pirâmide. Havia um problema, contudo. A abertura estava bloqueada por uma série de enormes cunhas de granito maciço, evidentemente da mesma época da construção do monumento, que eram mantidas em seus lugares pelo estreitamento da extremidade mais baixa do corredor. Os pedreiros não conseguiram quebrar nem abrir passagem através das cunhas. Em vista disso, abriram um túnel no calcário ligeiramente mais mole que as cercava e, após várias semanas de trabalho exaustivo, voltaram a estabelecer ligação com o corredor ascendente mais alto – tendo vencido um obstáculo formidável nunca antes superado.
As implicações eram óbvias. Uma vez que nenhum caçador de tesouros anterior havia penetrado tanto assim no monumento, o interior da pirâmide devia ser ainda território virgem. Os pedreiros devem ter lambido os beiços em prelibação das imensas quantidades de ouro e jóias que, nesse momento, esperavam encontrar. Analogamente – e talvez por motivos diferentes, Ma’mun devia ter ficado impaciente para ser o primeiro a entrar nas câmaras que seriam descobertas. Dizia-se que seu principal motivo em dar início a essa investigação não fora a ambição de aumentar a sua já imensa riqueza pessoal, mas o desejo de obter acesso a um repositório de sabedoria e tecnologia antigas que, acreditava, devia estar enterrado no monumento.
Nesse repositório, de acordo com tradição muito antiga, os construtores da pirâmide haviam depositado “instrumentos de ferro e armas que não enferrujavam, vidro que podia ser encurvado e não quebrava, e estranhos sortilégios”. Ma’mun e seus pedreiros, porém, nada encontraram, nem mesmo qualquer tesouro comum – e com certeza nada de qualquer plástico antigo de alta tecnologia ou instrumentos de ferro ou armas à prova de ferrugem – e tampouco estranhos encantamentos. A erroneamente denominada “Câmara da Rainha” (que se situava ao fim de uma longa passagem horizontal que se bifurcava a partir do corredor ascendente) estava inteiramente vazia – e era apenas um aposento de aparência severa, geométrico.
Mais decepcionante ainda, a Câmara do Rei (onde os árabes chegaram depois de subir a imponente Grande Galeria) pouca coisa de interesse oferecia. O único móvel era um cofre de granito, grande o suficiente apenas para conter o cadáver de um homem. Mais tarde identificado, sem fundamentos dos melhores, como o “sarcófago”. Ma’mun e seus homens aproximaram-se cheios de medo da caixa de pedra, destituída de qualquer decoração. Descobriram que ela não tinha tampa e que estava vazia, como tudo mais na pirâmide.
Por que, como e quando, exatamente, a Grande Pirâmide fora esvaziada de seu conteúdo? Quinhentos anos após a morte de Khufu, como sugeriam egiptólogos? Ou não seria mais provável, como a prova estava começando a sugerir, que as câmaras interiores haviam estado sempre vazias, desde o início, isto é, desde o dia em que o monumento fora inicialmente fechado? Ninguém, afinal de contas, havia chegado à parte superior do corredor ascendente antes de Ma’mun e seus pedreiros. E era certo também que ninguém cortara um caminho através das cunhas de granito que bloqueavam a entrada desse corredor. O bom senso eliminava a possibilidade de qualquer penetração anterior – a menos que houvesse outra maneira de entrar na pirâmide.
Gargalos no Poço da Coluna
Havia outra maneira de entrar. Mais abaixo no corredor descendente, a mais de 60m além do ponto onde havia sido encontrada a extremidade fechada com uma cunha, descobriu-se a entrada oculta para outra passagem secreta, escavada profundamente no leito rochoso subterrâneo do platô de Gizé. Se Ma’mun tivesse descoberto essa passagem, poderia ter evitado muitos problemas, uma vez que fornecia uma rota sob medida em volta das cunhas que bloqueavam o corredor ascendente. Sua atenção, no entanto, fora desviada pelo desafio de abrir um túnel através das cunhas e nenhuma tentativa fez de investigar os espaços mais baixos do corredor descendente (que ele acabou usando como depósito de entulho das toneladas de pedra que seus pedreiros removiam do núcleo da pirâmide).
A plena extensão do corredor descendente, contudo, era bem conhecida e fora explorada nos tempos clássicos. O geógrafo greco-romano Estrabão deixou uma descrição muito clara de uma grande câmara subterrânea, na qual o corredor se abria (a uma profundidade de quase 1,80m abaixo do cume da pirâmide). Rabiscos (graffitti) do período da ocupação romana do Egito foram também encontrados no interior da câmara subterrânea, confirmando o fato de que ela havia sido habitualmente visitada. Ainda assim, uma vez que fora tão habilmente ocultada no início, a porta secreta que dava para um dos lados, situada a cerca de dois terços do caminho descendente da parede oeste do corredor descendente, permaneceu fechada e desconhecida até o século XIX.
A passagem levava a uma chaminé estreita, de cerca de 50m de extensão, que subia quase verticalmente pelo subestrato rochoso e em seguida, passando por mais de vinte carreiras completas dos blocos de calcário do coração da pirâmide, ligava-se ao principal sistema de corredores internos, situados na base da Grande Galeria. Não há prova indicativa do fim a que poderia ter servido esse estranho aspecto arquitetônico (embora vários estudiosos tenham arriscado palpites). Na verdade, a única coisa clara é que foi projetado por ocasião da construção da pirâmide e não constituiu resultado de intrusão de ladrões de sepulturas, que teriam cavado túneis. Continua em aberto, porém, a questão de se esses ladrões não poderiam ter descoberto a entrada oculta para o poço e a usado para retirar os tesouros das Câmaras do Rei e da Rainha.
Não se pode ignorar essa possibilidade. Não obstante, um exame do registro histórico pouco indica em seu favor. O astrônomo de Oxford, John Graves, por exemplo, conseguiu entrar na extremidade superior do poço partindo da Grande Galeria. Desceu até uma profundidade de uns 18m. Em 1765, outro britânico, Namaniel Davison, chegou a uma profundidade de 45m, mas encontrou o caminho bloqueado por uma massa impenetrável de areia e pedras. Mais tarde, em 1830, o capitão G.B. Caviglia, um aventureiro italiano, desceu à mesma profundidade e encontrou o mesmo obstáculo.
Mais empreendedor de que seus predecessores, ele contratou trabalhadores árabes para começar a escavar o entulho, na esperança de que pudesse haver embaixo alguma coisa de interesse. Seguiram-se vários dias de escavação em condições capazes de provocar claustrofobia, antes que fosse descoberta a ligação com o corredor descendente. Será provável que essa chaminé apertada, bloqueada, possa ter sido uma passagem viável para os tesouros de Khufu, supostamente o maior faraó da magnífica Quarta Dinastia?
Mesmo que a chaminé não tivesse sido fechada com entulho e tapada na extremidade inferior, ela não poderia ter sido usada para tirar dali mais do que uma minúscula fração dos tesouros típicos de uma tumba real. E isso acontecia porque a chaminé só tinha 90cm de diâmetro e nela havia várias seções verticais de escalada difícil. No mínimo, por conseguinte, quando Ma’mun e sua gente abriram caminho para a Câmara do Rei, por volta do ano 820 d.C., teria sido de esperar que algumas das peças maiores e mais pesadas do sepultamento original ainda continuassem ali – como as estátuas e santuários que ocupavam tanto espaço na tumba muito posterior, e presumidamente de qualidade inferior, de Tutancâmon.
Nada, porém, foi encontrado dentro da Pirâmide de Khufu, tornando esta e a alegada pilhagem do monumento de Khafre trabalho dos únicos ladrões de sepultura na história do Egito a conseguir fazer uma limpeza completa, sem deixar nenhum vestígio – nem um pedaço de pano rasgado, nem um caco de louça partida, nem uma estatueta desprezada, nem uma única esquecida peça de joalheria mas apenas pisos e paredes nuas e as bocas abertas de sarcófagos vazios.
Diferente das Outras “Tumbas”
Nesse momento, passava das 6h da manhã e o sol banhava os cumes das pirâmides de Khufu e Khafre com uma leve tonalidade de luz pastel-rosada. Uma vez que era cerca de 60m mais baixa do que as duas outras, a Pirâmide de Menkaure continuava envolvida nas sombras, enquanto Santha e eu passávamos por sua aresta noroeste e continuávamos nosso passeio pela areia solta do deserto em volta. Eu continuava a pensar na teoria de arrombamento e roubo do conteúdo da tumba. Tanto quanto podia compreender, a única “prova” autêntica em favor dela era a falta de objetos e múmias que, para começar, ela havia sido formulada para explicar. Todos os demais fatos, especialmente no que interessava à Grande Pirâmide, pareciam argumentar convincentemente contra a ocorrência de qualquer roubo.
A questão não era apenas o espaço apertado e a inconveniência da chaminé como rota de retirada para um volumoso tesouro. O outro aspecto notável da Pirâmide de Khufu era a ausência total, em todos os lugares, de inscrições ou efeitos decorativos na imensa rede de galerias, corredores, passagens e câmaras. A mesma coisa acontecia nas Pirâmides de Khafre e Menkaure. Em nenhum desses espantosos monumentos palavra alguma fora escrita em louvor dos faraós cujos corpos elas supostamente abrigavam. Esse fato era excepcional. Nenhum outro local comprovado de sepultamento de qualquer monarca egípcio jamais foi encontrado sem motivos decorativos.
O costume em toda a história do Egito era de as tumbas dos faraós serem extensamente decoradas, pintadas de maneira bela de cima a baixo (como no Vale dos Reis, em Lúxor, por exemplo) e com abundantes inscrições de encantamentos e invocações rituais, destinados a ajudar o morto em sua jornada para a vida eterna (como nas pirâmides de Saqqara, a apenas 30km de Gizé). Por que Khufu, Khafre e Menkaure teriam feito as coisas de maneira tao diferente? Não teriam eles construído seus monumentos não para servir absolutamente de tumba, mas para alguma outra finalidade, mais sutil? Ou seria possível, como sustentavam algumas tradições árabes e esotéricas, que as pirâmides de Gizé tivessem sido erigidas muito antes da Quarta Dinastia pelos arquitetos de uma civilização mais antiga e mais avançada?
Por motivos muito fáceis de entender, nenhuma dessas hipóteses era muito popular entre os egiptólogos. Além do mais, embora admitindo que não havia nenhuma inscrição interna na Segunda e Terceira Pirâmide, tendo sido omitidos até os nomes de Khafre e Menkaure, os estudiosos citaram certas “marcas de pedreira” em hieróglifos (graffitti garatujados em blocos de pedra antes de deixarem a pedreira) e que foram encontrados dentro da Grande Pirâmide e que, de fato, pareciam trazer o nome de Khufu.
Um Certo Cheiro…
A descoberta das marcas de pedreira coube ao coronel Howard Vyse, durante as escavações destrutivas que realizou em Gizé no ano de 1837. Prolongando uma passagem existente, ele abriu um túnel para uma série de cavidades estreitas, denominadas de “câmaras de descarga”, que se situam imediatamente acima da Câmara do Rei. As marcas de pedreira foram encontradas nas paredes e tetos das quatro cavidades mais altas e diziam coisas como as seguintes:
A TURMA DOS ARTESÃOS. COMO É PODEROSA A COROA BRANCA DE KHNUM-KHUFU KHUFU KHNUM-KHUFU ANO DEZESSETE
Tudo aquilo era muito conveniente. Exatamente no fim de uma onerosa e, sob outros aspectos, infrutífera estação de escavações, exatamente quando era necessária uma grande descoberta arqueológica para legitimar as despesas que fizera, Vyse tropeçou por acaso na descoberta da década – a primeira “prova” irrefutável de que Khufu havia sido realmente o construtor da até então anônima Grande Pirâmide. Caberia pensar que uma descoberta de tal natureza teria eliminado, de uma vez por todas, quaisquer dúvidas persistentes sobre a propriedade e finalidade do enigmático monumento. As dúvidas, porém, continuaram, principalmente porque, desde o início, um “certo cheiro” pairou sobre a prova de Vyse:
- 1. Era estranho que as marcas constituíssem os únicos sinais do nome Khufu jamais encontrados dentro da Grande Pirâmide.
- 2. Era estranho que tivessem sido encontrados em um canto obscuro e pouco examinado da imensa estrutura.
- 3. Era estranho que tivessem sido absolutamente encontradas em um monumento, sob outros aspectos, inteiramente destituído de inscrições de qualquer tipo.
- 4. E era muitíssimo estranho que tivessem sido encontradas apenas nas quatro cavidades superiores das cinco câmaras de descarga. Inevitavelmente, mentes desconfiadas começaram a se perguntar se as “marcas de pedreira” não poderiam ter também aparecido na mais baixa das cinco câmaras, se ela tivesse sido descoberta por Vyse (e não por Namaniel Davison, setenta anos antes).
- 5. Por último, mas não de menor importância, era estranho que vários hieróglifos nas “marcas de pedreira” tivessem sido pintados de cabeça para baixo, que alguns fossem irreconhecíveis e que outros tivessem sido escritos erradamente ou usados com desprezo pelas regras da gramática.
Teria sido Vyse um falsário? Conheço um argumento plausível apresentado para sugerir que ele foi exatamente isso e, embora tudo indique que a prova final jamais será encontrada, parecia-me falta de cuidado da egiptologia acadêmica ter aceito, sem fazer perguntas, a autenticidade das marcas de pedreira. Além do mais, havia prova hieroglífica alternativa, convincente, de origem mais pura, que parecia indicar que Khufu não poderia ter construído a Grande Pirâmide. Curiosamente, os mesmos egiptólogos que atribuíram de imediato importância imensa às marcas de pedreira de Vyse apressaram-se em minimizar a importância desses outros hieróglifos em sentido contrário, que constam de uma estela retangular de pedra calcária, que ora se encontra no Museu do Cairo.
A Estela do Inventário, como é chamada, foi descoberta em Gizé no século XIX pelo arqueólogo francês Auguste Mariette. A estela foi uma espécie de bomba, porque seu texto indicava claramente que a Grande Esfinge e a Grande Pirâmide (bem como várias outras estruturas encontradas no platô) já existiam muito antes de Khufu subir ao trono. A inscrição referia-se também a Ísis como a “Senhora da Pirâmide”, implicando essas palavras que o monumento fora dedicado à deusa da magia e de maneira nenhuma a Khufu. Finalmente, havia a forte sugestão de que a pirâmide de Khufu pudesse ter sido uma das três estruturas subsidiárias situadas ao longo do flanco leste da Grande Pirâmide.
Tudo isso parecia prova contundente contra a cronologia ortodoxa do antigo Egito. E contestava também a opinião consensual de que as pirâmides de Gizé haviam sido construídas como tumbas, e apenas como isso. Não obstante, em vez de estudar as declarações antigas constantes da Estela do Inventário, os egiptólogos resolveram desmoralizá-las. Nas palavras do respeitado estudioso americano James Henry Breasted, “Essas referências seriam da mais alta importância, se a estella fosse contemporânea de Khufu. As evidêndas ortográficas de que tem data posterior, porém, são irrefutavelmente conclusivas…”.
Breasted queria dizer com essas palavras que o sistema de escrita hieroglífica usado na inscrição não era compatível com o usado na Quarta Dinastia, pertencendo a uma época mais recente. Todos os egiptólogos concordaram com essa análise e o julgamento final, ainda aceito hoje, era que a estela havia sido entalhada na 21ª. Dinastia, cerca de 1.500 anos após o reinado de Khufu e que, por conseguinte, devia ser considerado como uma obra de ficção histórica. Dessa maneira, citando evidência ortográfica, uma disciplina acadêmica inteira descobriu razões para ignorar as implicações revolucionárias da Estela do Inventário e, em nenhum momento, deu a devida consideração à possibilidade de que ela tivesse se baseado em uma inscrição autêntica da Quarta Dinastia (da mesma maneira que a Nova Bíblia Inglesa baseia-se em um original muito mais antigo).
Exatamente os mesmos estudiosos, contudo, haviam aceitado a autenticidade de um duvidoso conjunto de “marcas de pedreira” sem a menor reserva, fechando os olhos para suas peculiaridades ortográficas e de outra natureza. Por que essa ambigüidade? Poderia ter sido porque as informações contidas nas “marcas de pedreira” confirmavam rigorosamente a opinião ortodoxa, de que a Grande Pirâmide havia sido construída como tumba para Khufu, ao passo que as informações constantes da Estela do Inventário a contradiziam?
Visão do Alto
Por volta de sete da manhã, Santha e eu havíamos penetrado profundamente no deserto a sudoeste das pirâmides de Gizé e estávamos sentados confortavelmente à sombra de uma imensa duna de areia que oferecia um panorama desimpedido de todo aquele sítio. Na data, 16 de março, estávamos a apenas alguns dias do Equinócio de Primavera, uma das duas ocasiões no ano em que o sol se levanta exatamente no leste verdadeiro em qualquer lugar no mundo. Marcando os dias como o ponteiro de um metrônomo gigantesco, o sol cortou ao meio, nessa manhã, o horizonte em um ponto a uma distância de um fio de cabelo do leste verdadeiro e já subira o suficiente no céu para dissipar os nevoeiros do Nilo, que ainda cobriam como uma mortalha grande parte da cidade do Cairo.
Khufu, Khafre, Menkaure… Quéops, Quéfren. Miquerinos. Sejam eles chamados por seus nomes egípcios ou gregos, não havia dúvida de que os três famosos faraós da Quarta Dinastia haviam sido consagrados pelas estruturas mais esplêndidas, mais honrosas, mais belas e maiores jamais vistas no mundo. Além do mais, era claro que esses faraós deviam, na verdade, ter mantido uma estreita ligação com os monumentos, não só por causa do folclore compilado e transmitido à posteridade por Heródoto (e que, com certeza, tinha alguma base nos fatos), mas também porque inscrições e referências a Khufu, Khafre e Menkaure haviam sido encontradas em volume moderado fora das três grandes pirâmides, em várias partes diferentes da necrópole de Gizé. Essas descobertas tinham ocorrido invariavelmente dentro e em volta das seis pirâmides subsidiárias, três das quais se situam à leste da Grande Pirâmide e as outras três ao sul da Pirâmide de Menkaure.
Uma vez que grande parte dessa evidência externa era ambígua e incerta, eu achava difícil entender por que motivo os egiptólogos se sentiam tão felizes em continuar a citá-la como confirmação da teoria das “tumbas e apenas isso”. O problema era que, com essa mesma evidência, podia-se dar respaldo igualmente válido – a um bom número de interpretações diferentes e mutuamente contraditórias. Para dar apenas um exemplo, a “estreita ligação” observada entre as três grandes pirâmides e os três faraós da Quarta Dinastia poderia, na verdade, ter surgido porque eles as haviam construído como suas tumbas. Mas poderia ter acontecido também se os monumentos gigantescos do platô de Gizé houvessem estado lá muito antes do alvorecer da civilização histórica, conhecida como Egito Dinástico.
Nesse caso, bastaria supor que, no devido tempo, Khufu, Khafre e Menkaure haviam construído certo número de estruturas subsidiárias em volta das três pirâmides mais antigas – algo que teriam toda razão para fazer, porque, dessa maneira, teriam se apropriado do alto prestígio dos monumentos originais anônimos (e seriam, quase com certeza, considerados pela posteridade como seus construtores). Mas havia ainda outras possibilidades. O importante, contudo, era que a prova relativa a quem, exatamente, construíra a grande pirâmide, quando e para que fim, era fraca demais para justificar o dogmatismo da teoria ortodoxa de “tumbas e só isso”.
Com toda honestidade, não estava claro quem tinha construído as pirâmides, nem em que época haviam sido construídas e de maneira nenhuma clara qual havia sido sua função. Por todas essas razões, elas estão cercadas por um maravilhoso e impenetrável véu de mistério e, enquanto eu olhava para elas daquela altura no deserto, pareceu-me que elas vinham marchando pelas dunas em minha direção…
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Diz as lendas que profanar os túmulos dos faraós resulta em alguma maldição, e expor suas imagens também. Eis que há inúmeros anúncios patrocinados nas redes sociais invadindo o feed das pessoas com essas imagens “proibidas” e supostamente amaldiçoadas. Percebe-se que essas pessoas agem de má fé induzindo pessoas inocentes a vislumbrar imagens amaldiçoadas sem a permissão ou consentimento delas. Se existe algum mal nisso que recaia exclusivamente sobre os autores e responsáveis pela divulgação desses materiais envolvendo o antigo Egito. Amém!