As Digitais dos deuses: (6) Ele Veio em uma Época de Caos

Através de todas as lendas antigas dos povos andinos perpassa misteriosa uma figura humana alta, barbuda, de pele clara, envolvida em um manto de segredo. Embora, em muitos diferentes lugares, fosse conhecido por diferentes nomes, ele era sempre reconhecivelmente a mesma figura: Viracocha, Espuma do Mar, mestre da ciência e da magia que manejava armas terríveis e que chegara em uma época de caos para restabelecer a ordem no mundo. A mesma história básica era contada com numerosas variantes por todos os povos da região andina. Tudo começou com a descrição vívida de um período apavorante, quando a terra fora inundada por grandes enchentes e mergulhara na escuridão com o desaparecimento do sol.

Edição e imagens:  Thoth3126@protonmail.ch

Livro “AS DIGITAIS dos DEUSES”, uma resposta para o mistério das origens e do fim da civilização – CAPÍTULO 6 – Ele Veio em uma Época de Caos

Por Graham Hancock, livro “AS DIGITAIS DOS DEUSES”, Tradução de Ruy Jungmann, editora Record 2001.

CAPÍTULO 6 – Ele Veio em uma Época de Caos

A sociedade caiu na maior desordem e o povo enfrentou um sem-número de dificuldades. Mas então subitamente apareceu, vindo do sul, um homem branco de grande estatura e postura autoritária. Esse homem tinha tal poder que transformou colinas em vales e de vales criou grandes colinas e fez com que água jorrasse de pedra viva… O historiador espanhol antigo que pôs no papel essa tradição explicou que ela lhe fora contada por índios que conhecera em jornadas pelos Andes:

E eles ouviram essas histórias de seus pais, que, por seu lado, tinham-nas recebido através de velhas canções legadas de uma geração a outra desde tempos muito antigos… Disseram que esse homem viajou pela rota do altiplano em direção ao norte, fazendo maravilhas por onde passava e que nunca mais voltaram a vê-Io… Contaram que, em muitos lugares, ele deu instruções aos homens sobre como deveriam viver, falando-lhes com grande amor e bondade e aconselhando-os a ser bons e não causar danos ou mal uns aos outros, mas que se amassem e que demonstrassem compaixão para com todos os seres. Na maioria dos locais, deram-lhe o nome de Ticci Viracocha

Representação Inca de Viracocha

Entre outros nomes pelos quais era conhecida a mesma figura contavam-se os de Huaracocha, Con, Con Ticci ou Kon Tiki, Thunupa, Taapac, Tupaca e Illa. Ele era cientista, arquiteto de superior qualidade, escultor e engenheiro: “Ele mandou que terraços e campos fossem construídos em encostas íngremes de ravinas e levantados muros para sustentá-los. E criou também canais de irrigação para que a água corresse… e viajou em várias direções, organizando muitas coisas”.

Viracocha foi ainda mestre e curador e ajudava os necessitados. Dizia-se que, “por onde ele passava, curava todos os que estavam doentes e restituía a vista aos cegos”. Esse samaritano bondoso, civilizador, “super-humano”, porém, tinha um outro lado. Se sua vida fosse ameaçada, como parece que aconteceu em várias ocasiões, ele tinha à disposição a arma do fogo dos céus:

Realizando grandes milagres com suas palavras, ele chegou ao distrito de Canas e aí, perto da aldeia conhecida como Cacha (…) o povo se levantou contra ele e ameaçou apedrejá-lo. Viram-no cair de joelhos e erguer as mãos para o céu, como se implorando ajuda naquele perigo. Os índios contaram que, em seguida, viram fogo descer do céu, que parecia cercá-Ios por todos os lados. Aterrorizados, aproximaram-se dele, que antes tencionavam matar, e imploraram que os perdoasse. Logo em seguida, viram que o fogo se apagava à sua ordem, embora pedras tivessem sido consumidas de tal maneira pelo fogo que grandes blocos podiam ser levantados com a mão, como se fossem de rolha. Eles contaram ainda que, deixando o local onde havia acontecido tudo isso, ele se dirigiu para a costa e lá, puxando o manto para o corpo, entrou nas ondas e não foi mais visto. E quando ele se foi, deram-lhe o nome de Viracocha, que significa “Espuma do Mar”.

As lendas eram unânimes na descrição física de Viracocha. No Suma y Narracion de los Incas, por exemplo, Juan de Betanzos, um historiador espanhol do século XVI, afirma que, de acordo com os índios, ele fora “um homem barbudo de alta estatura, que vestia um manto branco que lhe chegava aos pés e que usava amarrado com um cinto”. Outras descrições, recolhidas entre povos andinos muito diferentes e muito separados entre si, aparentemente identificavam o mesmo indivíduo enigmático. De acordo com uma dessas fontes, ele era: Um homem barbudo de estatura mediana, vestido com um manto bem longo… Já na meia-idade, tinha cabelos grisalhos e era magro.

Andava com um cajado e dirigia-se em termos afetuosos aos nativos, chamando-os de filhos e filhas. Viajando pela terra, fazia milagres. Curava os doentes ao tocá-los. Falava todas as línguas melhor do que os nativos. Os índios chamavam-no de Thunupa ou Tarpaca, Viracocha-rapacha ou Pachacan…

Outra lenda dizia que Thunupa- Viracocha fora um “homem branco de grande estatura, cujo ar e porte despertavam grande respeito e veneração”. Em outra, era descrito como “um homem branco de aparência augusta, olhos azuis, barbudo, sem adereço na cabeça e que usava uma cusma, uma blusa ou camisa sem mangas que lhe chegava aos joelhos”. Em ainda outra, que aparentemente se referia a outra fase da vida de Viracocha, ele era reverenciado como “sábio conselheiro em assuntos de Estado” e descrito como “um velho, com barba e cabelos longos, que usava uma comprida túnica”.

Missão Civilizatória

Acima de tudo, Viracocha era lembrado nas lendas como um mestre. Antes de sua vinda, diziam as histórias, “os homens viviam em um estado de desordem, muitos andavam nus como selvagens, não tinham casas ou outras habitações que não cavernas e delas saíam para coletar nos campos o que podiam para comer”. Atribuía-se a Viracocha ter mudado tudo isso e dado início a uma longa era de ouro, que gerações posteriores mencionavam com nostalgia. Todas as lendas concordavam, além disso, que ele realizara sua missão civilizatória com grande bondade e, tanto quanto possível, evitara o uso da força: instruções cuidadosas e exemplo pessoal haviam sido os métodos principais por ele usados para ensinar ao povo as técnicas e conhecimentos necessários a uma vida civilizada e produtiva. Em especial, era lembrado por ter trazido ao Peru conhecimentos tão variados como os de medicina, metalurgia, agricultura, criação de animais, a escrita (que, diziam os incas, fora ensinada por Viracocha, mas posteriormente esquecida) e conhecimentos sofisticados de princípios da engenharia e arquitetura.

Eu já estava impressionado com a qualidade do trabalho de cantaria dos incas em Cuzco. Continuando minhas pesquisas na velha cidade, contudo, fiquei surpreso ao descobrir que o citado trabalho de construção dos incas não podia ser atribuído, com qualquer grau de certeza arqueológica, apenas a eles. Era bem verdade que haviam sido mestres na manipulação de pedras e que numerosos monumentos em Cuzco foram, sem a menor dúvida, trabalhos deles. Parecia, no entanto, que algumas das estruturas mais notáveis que lhes eram rotineiramente atribuídas poderiam ter sido erigidas por civilizações mais antigas. A prova sugeria que os incas haviam muitas vezes trabalhado como restauradores dessas estruturas, e não como seus construtores originais. O mesmo parecia acontecer com o altamente desenvolvido sistema de estradas, que ligava partes muito distantes do império.

O leitor deve lembrar-se de que essas obras tinham a forma de estradas paralelas, que corriam no sentido norte-sul, uma delas ao longo da costa e a outra cruzando os Andes. No total, mais de 24.000 km de estradas pavimentadas estiveram em uso regular e eficiente ao tempo da conquista espanhola. Eu havia feito a suposição de que os incas tinham sido responsáveis pela construção dessa rede viária. Nesse momento, descobri que era muito mais provável que constituíssem um sistema herdado. O trabalho que coubera aos incas fora o de restaurar, manter e unificar a rede pré-existente. Na verdade, embora este fato não fosse admitido com freqüência, nenhum especialista podia estimar, com segurança, que idade tinham essas estradas incríveis e quem as havia construído. O mistério tornava-se ainda mais profundo dadas as tradições locais, que afirmavam não só que o sistema de estradas e a arquitetura sofisticada já “eram antigos no tempo dos incas”, mas também que ambos “eram obra de grandes homens brancos, ruivos” que haviam vivido milhares de anos antes”.

Uma das lendas descrevia Viracocha como acompanhado de “mensageiros” de dois tipos, “soldados fiéis” (huaminca) e “refulgentes” (hayhuaypanti), a quem cabia o papel de levar a mensagem de seu senhor “a todas as partes do mundo”. Em outras lendas, encontramos frases como “Con Ticci voltou (…) com certo número de atendentes”, “Con Ticci, em seguida, convocou seus seguidores, que eram chamados de viracochas”, “Con Ticci ordenou a todos, menos a dois viracochas, que seguissem para o leste…”. “De um lago saiu um Senhor chamado Con Ticci Viracocha, trazendo consigo certo número de homens…”. “E, assim, os viracochas seguiram para os diferentes distritos que Viracocha lhes designara…”.

As pedras ciclópicas de Sacsayhuaman e ao fundo a moderna Cuzco

Obra de Demônios?

A antiga cidadela de Sacsayhuaman situa-se a pouca distância ao norte de Cuzco. Chegamos ao local em fins da tarde, sob um céu quase encoberto por pesadas nuvens cor de prata suja. Uma brisa fria soprava pela tundra de alta altitude, enquanto eu subia as escadarias, passava por portais com dintéis, construídos para gigantes, e caminhava ao longo de fileiras gigantescas de muralhas em forma de Ziguezague. Espichei o pescoço e levantei a vista para a grande pedra de granito por baixo da qual passava meu caminho. Medindo 7 m de altura por 2 m de largura e pesando muito mais de 100t, era obra de homem, não da natureza. Fora cortada, modelada e transformada em uma harmonia sinfônica de ângulos, manipulada com visível facilidade (como se feita de cera ou massa) e se erguia sobre uma das extremidades em uma parede formada de outros enormes blocos poligonais, alguns deles sobre a primeira pedra, outros embaixo, outros de lado, e todos eles em uma justaposição perfeitamente equilibrada e organizada.

Uma vez que uma dessas peças espantosas de pedra cuidadosamente talhada tinha uma altura de 8,5m e cálculos falavam em um peso de 361 t (aproximadamente, o equivalente a quinhentos automóveis de grande porte), achei que grande número de perguntas de importância fundamental clamava por resposta.

  • De que maneira haviam conseguido os incas, ou seus predecessores, trabalhar pedras em uma escala tão gargantuesca?
  • Como haviam cortado e modelado com tal precisão esses calhaus ciclópicos?
  • De que modo os haviam transportado por dezenas de quilômetros desde pedreiras distantes?
  • Através de que meios haviam-nas usado para construir muralhas, movimentando blocos isolados e erguendo-os, com aparente facilidade, muito altos acima do solo?

Supostamente, esses povos não conheciam nem a roda, quanto mais maquinaria capaz de erguer e manipular dezenas de blocos de formas diferentes de 100 t de peso e colocá-los em quebra-cabeças tridimensionais. Eu sabia que os historiadores do início do período colonial haviam ficado tão perplexos como eu com o que tinham visto. O respeitado Garcilaso de La Vega, por exemplo, que visitou o Peru no século XVI, escrevera, estarrecido, sobre a fortaleza de Sacsayhuaman:

Suas proporções são inconcebíveis para os que não a viram com seus próprios olhos. E quando a olhamos de perto e a examinamos atentamente, ela parece ser algo tão extraordinário que dá a impressão de que algum mágico presidiu à sua construção, que deve ter sido obra de demônios, e não de seres humanos. É construída de pedras tão grandes, e em tal número, que nos perguntamos no mesmo instante como índios poderiam extraí-las de pedreiras, transportá-las… e cortá-las e colocá-las umas sobre as outras com tal precisão. Isso porque eles não dispunham nem de ferro nem de aço com que pudessem perfurar a rocha e cortar e polir as pedras. Nem possuíam carroças nem bois para transportá-las e, na verdade, não existiam nem carroças nem bois em todo o mundo que tivessem sido suficientes para realizar esse trabalho, tão gigantescas eram essas pedras e tão íngremes as trilhas de montanhas através das quais foram levadas…

Supõe-se que Sacsayhuaman foi construída originalmente com propósitos militares para defender-se de tribos invasoras que ameaçavam o Império Inca. A construção foi iniciada pelo Inca Pachacuti, antes de 1438. Quem melhor descreve o monumento é o cronista Garcilaso de la Vega, que afirmou que sua construção durou cerca de 50 anos até o período de Huayna Capac; estava concluído na época da chegada dos conquistadores. Atualmente se pode apreciar somente 20 porcento do que foi o conjunto arqueológico, já que na época colonial os espanhóis destruíram seus muros para construir casas e igrejas em Cusco. Da fortaleza se observa uma singular vista panorâmica dos arredores, incluindo a cidade de Cuzco.

Garcilaso escreveu também sobre algo interessante. No Royal Commentaries of the Incas, ele faz um relato do modo como, nos tempos históricos, um rei inca tentou imitar as realizações de seus predecessores, que haviam construído Sacsayhuaman. A tentativa implicava trazer um único bloco imenso de uma distância de vários quilômetros para aumentar as fortificações: “Esse calhau foi arrastado pela montanha por mais de 10.000 índios. subindo e descendo colinas muito íngremes (…) Em certo ponto, a pedra escapou das mãos que a seguravam, rolou por um precipício e esmagou mais de 3.000 homens”. Em todas as histórias que examinei, este foi o único relato que descrevia os incas como realmente construindo, ou tentando construir, alguma coisa com blocos enormes semelhantes aos que haviam sido usados em Sacsayhuaman. O relato sugere que eles não possuíam experiência das técnicas envolvidas e que a tentativa terminou em tragédia. Esse fato, claro, nada provava por si mesmo.

A história de Garcilaso, porém, aumentou minhas dúvidas sobre as grandes fortificações que se alteavam muito acima de mim. Olhando para elas, achei que podiam, na verdade, ter sido construídas antes da era dos incas e por uma raça infinitamente mais antiga e tecnicamente mais avançada. Não pela primeira vez, lembrei-me de como era difícil para arqueólogos fornecer datas exatas para obras de construção, como estradas e muralhas de pedra, que não continham compostos orgânicos. O teste com o rádio-carbono era inútil nessas circunstâncias, como também a termoluminescência. E embora novos testes promissores, como a datação de rochas pelo Cloro-36, estivessem sendo desenvolvidos na ocasião, seu emprego ainda era coisa para o futuro.

Dependendo de progressos ulteriores neste último campo, por conseguinte, a cronologia dos “especialistas” era ainda, na maior parte, resultado de formulação de palpites e pressupostos subjetivos. Uma vez que se sabia que os incas haviam usado extensivamente a fortaleza de Sacsayhuaman, eu podia facilmente compreender o motivo da suposição de que eles a tinham construído. Os incas, com igual probabilidade, poderiam muito bem ter encontrado as estruturas já de pé e as ocupado. Se assim, quem tinham sido os construtores originais? Os Viracochas, diziam os mitos antigos, os estranhos barbudos, de pele branca, os “refulgentes”, os “soldados fiéis”.

Incas

Enquanto viajávamos, continuei a estudar os relatos de aventureiros espanhóis e de etnógrafos dos séculos XVI e XVII, que haviam registrado fielmente as tradições antigas dos índios peruanos antes do contato com os europeus. O fato particularmente notável nessas tradições era a ênfase repetida em que a chegada dos Viracochas estivera ligada a um dilúvio terrível, que havia varrido a terra e destruído a maior parte da humanidade.


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