As Guerras dos ‘deuses’ e dos homens (11) – Sou Uma Rainha!

O homem nasceu para ser um guerreiro ou os “deuses” ensinaram a humanidade a guerrear ? Os “deuses” alienígenas/extraterrestres foram responsáveis pelos eventos mais cataclísmicos da história humana ? As guerras da Terra começaram nos “Céus” e os eventos celestes determinaram o futuro da humanidade na Terra ? Neste livro, Zecharia Sitchin apresenta uma evidência surpreendente de que os deuses [Anunnaki, Nefilins, et caterva] que vieram à Terra desde o planeta Nibiru e outros sistemas, travaram uma série de batalhas ferozes pela supremacia e controle do nosso planeta, alistando os terráqueos nesses conflitos entre os “deuses”.

Fonte: As Guerras dos deuses e dos homens : Livro III das crônicas da Terra, de Zecharia Sitchin

Sitchin conta com um estudo meticuloso dos relatos antigos, desde as escritas sumérias em tabletes de argila e o Antigo Testamento até os mitos antigos dos ensinamentos canaanitas, egípcios, hititas, persas, gregos e hindus, para traçar a saga dos “deuses” e dos homens de um início criativo a um fim trágico. Ele usa então fontes modernas, como fotografias da Terra tiradas pela NASA desde o espaço, para revelar a evidência de uma enorme explosão nuclear ocorrida há cerca de 4 mil anos, mudando a vida na Terra para sempre. O novo exame dos mistérios antigos feito por Sitchin explica o Grande Dilúvio, a destruição de Sodoma e Gomorra [o primeiro grande núcleo da permissividade e corrupção da ideologia Transgênero e LGBTQ+] e outros eventos cataclísmicos do passado na história da humanidade, possibilitando a compreensão de nosso presente e um vislumbre do nosso futuro.


11 – “SOU UMA RAINHA”!

A lenda de Inanna/Ishtar conta a história de uma deusa que subiu na vida à própria custa. Não fazendo parte do primeiro grupo de astronautas que veio do 12º. Planeta Nibiru, os Velhos deuses, nem sendo a primeira filha de um deles, ela conseguiu atingir os mais altos postos na hierarquia e terminou fazendo parte do Panteão dos Doze deuses. Para isso, combinou sua astúcia e beleza com crueldade e obstinação, tomando-se uma deusa do amor e também da guerra, que contava entre seus amantes tanto homens como deuses.

E foi com ela que aconteceu um verdadeiro caso de morte e ressurreição. A morte de Dumuzi foi provocada pelo desejo de Inanna tornar-se uma rainha na Terra; a prisão e exílio de Marduk, o culpado direto, pouco serviu para suas ambições. No entanto, por ter desafiado e vencido um deus importante, Inanna achava que agora não lhe podia ser negado um território só seu.

De textos como A Descida de Inanna ao Mundo Inferior, depreende-se que o funeral de Dumuzi seria realizado na Terra das Minas, na região sul da África, o domínio da irmã de Inanna, Ereshkigal, e seu consorte Nergal. Enlil/Yahweh e Nannar/Sin, e mesmo Enki, aconselharam Inanna a não ir para lá, mas ela estava decidida: “Do Grande Alto, ela só pensava no Grande Baixo”. Ao chegar à porta da capital da irmã, disse ao guarda: “Diga a minha irmã mais velha, Ereshkigal, que vim para assistir aos ritos do funeral”.

Devido ao luto de Inanna, era de esperar que o encontro entre as irmãs seria caloroso e emocionante. No entanto, na continuação do texto, ficamos sabendo que Inanna, que chegara sem ser convidada, foi recebida com óbvia desconfiança. À medida que ia sendo conduzida pelas sete portas da capital que levavam ao palácio de Ereshkigal, era obrigada a entregar os emblemas e
adereços de sua posição divina. Quando finalmente foi levada à presença da irmã, encontrou-a sentada no trono, cercada por sete Anunnaki com atribuição judicial. “Eles a contemplaram com olhos de morte”. Foram duros com ela, dizendo “palavras que torturam o espírito”. Em vez de ser recebida como uma viúva enlutada, Inanna foi condenada a ser pendurada num poste e ali ficar até
morrer. Só a intervenção de Enki permitiu que ela fosse ressuscitada e salva.

Os textos não explicam o motivo dessa dura condenação, nem citam “palavras torturantes” dos juízes, mas ficamos sabendo no início da história que Inanna ameaçou recorrer à violência desde o primeiro instante em que apareceu nas portas da capital. Quando a notícia de sua chegada foi comunicada a Ereshkigal, esta “ficou pálida… seus lábios escureceram”, e perguntou-se em
voz alta qual seria o verdadeiro propósito daquela visita.

Quando as duas irmãs se viram frente a frente, discutiram e engalfinharam-se em luta. Portanto, de alguma forma, as intenções de Inanna significavam um grande perigo para Ereshkigal! Com base nas regras do código de sucessão dos Anunnaki, acreditamos que a pista que nos explica as intenções de Inanna pode ser encontrada no Livro do Deuteronômio, o quinto livro de Moisés, em que ficou estabelecido o código de comportamento pessoal dos hebreus. Se ele possuísse um irmão, a viúva não poderia se casar com um estranho. Esse irmão, mesmo sendo casado, teria
o dever de desposar a cunhada viúva para que ela gerasse filhos, dos quais o primogênito deveria levar o nome do falecido e assim o nome do morto “não ser apagado”.

Nossa teoria é que esse foi o motivo da arriscada viagem empreendida por Inanna, pois Ereshkigal era casada com Nergal, irmão de Dumuzi. O desejo de assistir ao funeral só fora um pretexto. Segundo a regra, a tarefa de gerar uma linhagem em nome de um falecido caberia ao irmão mais velho, que no caso dos filhos de Enki seria Marduk. Este, porém, fora acusado de ter provocado a morte de Dumuzi, mesmo que indiretamente, e fora condenado e exilado. Teria então Inanna o direito de exigir que o irmão seguinte na linhagem, Nergal, a tomasse como segunda esposa para que ela gerasse um herdeiro?

Podemos imaginar o motivo da raiva de Ereshkigal. Conhecendo bem a irmã, sabia que dificilmente Inanna se contentaria com a posição de segunda esposa e que logo começaria a tramar para ser a rainha inconteste de todo o domínio africano. Sem dúvida, Ereshkigal não quis correr riscos. Reuniu sete juízes de sua confiança, que condenaram Inanna à morte. Ela só voltou à vida porque Enki, seu sogro, ao receber a terrível notícia, despachou dois emissários para salvá-la. “Sobre o cadáver eles dirigiram aquilo que pulsa e irradia”; ministraram-lhe a “água da vida” e o “alimento da vida”, e “Inanna levantou se”. Ressuscitada, Inanna voltou à Suméria e lá, tristonha e solitária, passava seus dias à margem do rio Eufrates, sob uma árvore pela qual tinha um carinho especial, dando voz aos seus lamentos:

Quando finalmente terei um trono sagrado em que poderei me sentar? Quando finalmente terei uma cama sagrada em que poderei me deitar? Era sobre isso que Inanna falava… Aquela que, com o coração pesado, soltou os cabelos. Oh, a pura Inanna, como chora!

Quem se compadeceu de Inanna foi seu bisavô, Anu. Os textos sumérios afirmam que ela, apesar de ter nascido na Terra, “subiu ao Céu” pelo menos uma vez. Sabemos também que Anu visitou a Terra em varias ocasiões. Quando e como exatamente Anu deu à bisneta o título de Anunitum (“Bem amada de Anu”) não fica claro, mas os textos não estavam apenas registrando boatos quando insinuavam que o amor entre o deus supremo e sua bisneta era mais do que platônico.

Dessa forma, contando com uma simpatia vinda do mais alto dos níveis, Inanna apresentou o desejo de possuir um território só seu, um “país” que pudesse governar. Mas qual seria ele?
O tratamento que ela recebeu ao visitar a África deixa claro que Inanna não poderia obter um reino naquela região. Seu consorte Dumuzi estava morto, e com ele tinham se desvanecido suas esperanças de se tornar rainha nos domínios de Enki e seus descendentes. A Mesopotâmia e os territórios adjacentes já tinham dono. O que restava para Inanna?

Os textos que contam a morte de Dumuzi, bem como os que relatam o encarceramento de Marduk, mencionam nomes de cidades sumérias e sua população, sugerindo que esses eventos ocorreram depois da eclosão da civilização urbana, que começou por volta de 3.200 a.C. Por outro lado, nos textos egípcios que tratam desses acontecimentos, o pano de fundo não descreve cidades, mas um ambiente pastoral, sugerindo uma época anterior a 3100 a.C, quando se deu o surgimento da civilização urbana no Egito.

Em sua obra, Manetho registra um período de 350 anos de tumulto, que precedeu o reino urbano de Moisés. Portanto, o espaço de tempo compreendido entre 3450 e 3100 a.C. parece ter sido a época das atribulações e problemas desencadeados por Marduk, como o incidente da Torre de Babel, o caso Dumuzi – em que um deus foi capturado e morto – e o encarceramento e o exílio do grande deus do Egito. Nossa teoria é que foi nessa época que os Anunnaki, querendo satisfazer os
desejos de Inanna voltaram sua atenção para sua Terceira Região, o vale do Rio Indus [Mohenjo-Daro e Harapa], onde a civilização começou logo depois desse período.

Ao contrário das civilizações mesopotâmicas [Rios Tigre e Eufrates] e egípcias [Rio Nilo], que duraram milênios e de certa forma continuaram persistindo até hoje graças às civilizações que delas descenderam, a da Terceira Região [Rio Indus, Mohenjo-Daro e Harapa] durou cerca de dois mil anos. Logo em seguida ela começou a declinar e, por volta de 1300 a.C. já não existia mais. Suas cidades estavam em ruínas, o povo tinha se dispersado. O saque feito pelos seres humanos e o ataque da natureza pouco a pouco foram apagando os restos dessa importante civilização e ela acabou sendo totalmente esquecida.

A civilização do Vale do Rio Indus, também conhecida como civilização Harappan, em homenagem ao primeiro local de sua descoberta, é uma cultura da Idade do Bronze que durou aproximadamente de 3300 a 1300 a.C. Ela estava de igual para igual com os outros três pesos pesados ​​antigos do mundo — Egito, Mesopotâmia e China antiga — frequentemente superando suas realizações científicas; dos quatro antigos berços da civilização, o povo do Vale do Indus poderia reivindicar ser o maior e, sem dúvida, o mais próspero.

Foi somente em 1920 que um grupo de arqueólogos liderados por Sir Mortimer Wheeler começou a descobrir dois centros importantes e várias pequenas cidades entre eles, estendendo-se por mais de seiscentos quilômetros, indo da costa do oceano Índico para o norte, acompanhando o rio
Indus e seus afluentes
. Ambas as grandes cidades – Mohenjo-Daro ao sul e Harapa ao norte
mostram que eram centros urbanos significativos, com cerca de cinco quilômetros de circunferência.

Dentro e em torno das cidades havia grandes muralhas, e elas, bem como os prédios públicos e privados, eram todos construídos de tijolos ou barro cozidos. Havia tantos tijolos que apesar do constante saque por parte da população local para a construção de suas moradias, tanto em tempos muito antigos como mais recentes (e mais recentemente ainda para servirem de lastro para a ferrovia Lahore-Multan), ainda restam o suficiente para revelar a localização das duas antiqüíssimas cidades e demonstrar que elas foram construídas seguindo projetos bem determinados. As duas eram dominadas por uma acrópole – uma área elevada onde ficavam os templos e cidadelas.

Em ambos os casos essas estruturas tinham as mesmas medidas e estavam orientadas exatamente sobre um eixo norte-sul provando que seus construtores seguiram regras bem definidas ao erigirem os recintos sagrados. Também nas duas cidades o edifício mais importante depois da acrópole era um imenso armazém – um silo imenso de grãos, de impressionante funcionalidade, situado perto da margem do rio Indus. Isso sugere que os grãos não apenas eram o principal cultivo, mas também o principal produto de exportação da civilização do vale do Rio Indus.

As cidades e os poucos artefatos encontrados – fornalhas, urnas, cerâmicas, ferramentas de bronze, contas de cobre, vasos de prata e adornos testemunham que uma alta civilização foi subitamente transplantada para lá. Os dois prédios mais primitivos de Mohenjo-Daro (um imenso celeiro e uma
torre de fortaleza) eram reforçados com vigas de madeira, um método de construção totalmente inadequado para o clima local. Vê-se, porém, que logo a técnica foi abandonada, e nenhuma outra estrutura mostra vigamentos; o que fez os estudiosos concluírem que esses primeiros construtores eram estranhos à região, acostumados com suas próprias necessidades climáticas.

Procurando a fonte da civilização do Indo, os especialistas chegaram à conclusão de que ela não poderia ter surgido independente da civilização suméria, que a precedeu em quase mil anos. A despeito das notáveis diferenças entre as duas, como a escrita pictográfica até hoje não decifrada, as analogias com a Mesopotâmia estão em todos os cantos, como o uso de barro ou tijolos de argila para construção; a disposição das ruas; o sistema de drenagem; as técnicas químicas para pinturas, verniz e confecção de contas; as formas de espadas de metal e jarros. Existem semelhanças impressionantes com tudo o que foi descoberto em Dr. Kish e outros sítios arqueológicos da Mesopotâmia [Suméria].

Estátua de sacerdote ou rei do Indus. A estátua tem 17,5 cm de altura e é esculpida em esteatita. Foi encontrada em Mohenjo-daro em 1927. Direita: Uma coleção de focas do vale do Indo com seus moldes. Imagens via Wikimedia.

Até mesmo os desenhos encontrados nos objetos de cerâmica, escudos e outros artefatos de argila são cópias exatas dos mesopotâmicos. O mais significativo é que a cruz – o símbolo de Nibiru, planeta-mãe dos Anunnaki também prevalecia por toda a civilização do vale do rio Indus. Que deuses o povo dessas cidades adorava? As poucas descrições pictóricas encontradas até agora mostram-nos usando a divina tiara com chifres dos deuses mesopotâmicos. As estatuetas de argila encontradas em abundância indicam que a deidade dominante era uma deusa, em geral retratada nua ou com os seios à mostra, ou então coberta apenas por colares e muitas fileiras de contas, exatamente como as bem conhecidas imagens de Inanna/Ishtar encontradas com enorme freqüência na Mesopotâmia e em todo o Oriente Médio.

É por tudo isso que sugerimos que, ao procurarem uma terra sobre a qual Inanna pudesse reinar, os Anunnaki decidiram dar-lhe a Terceira Região. Embora em geral se afirme que as evidências da origem suméria da civilização do Indus limitam-se a uns poucos restos arqueológicos, acreditamos
que também existam indícios escritos que comprovam essa ligação. Um longo texto chamado Enmerkar e o Senhor de Aratta é de especial interesse, pois tem como pano de fundo a subida da cidade de Uruk e de Inanna ao poder.

O texto descreve Aratta [Harappa] como a capital de um país situado além das cadeias de
montanhas e depois de Anzan, isto é, além do sudeste do Irã/Pérsia. Esse é o lugar exato onde fica o fértil vale do rio Indus. Estudiosos como J. van Dijk (Orientalia, 39, 1970) calculam que Aratta era uma cidade situada “no platô iraniano ou junto ao rio Indus”. O mais impressionante é que esse texto fala sobre os silos de grãos da cidade. Aratta era um lugar onde “o trigo crescia sozinho, feijões também cresciam sozinhos” e as grandes colheitas eram guardadas em celeiros. Em seguida, sem dúvida para serem exportados, eles “derramavam os grãos em sacos, levavam-nos para a plataforma de carregar os animais e os colocavam em lombo de burros”.

A localização geográfica de Aratta e o fato de ela ser famosa pela fartura de grãos e por seus armazéns reforça sua similaridade com a civilização do Indus. De fato, o próprio nome Harappa, ou Arappa, pode ser eco atual do antigo Aratta. A lenda nos leva ao início do sistema monárquico em Uruk (Erech, na Bíblia), quando um semi-deus, filho de Utu/Shamash com uma terráquea, era tanto
alto sacerdote como rei e habitava o recinto sagrado a partir do qual a cidade iria se desenvolver.

Por volta de 2900 a.C., ele foi sucedido pelo filho Enmerkar, que, segundo as Listas de Reis sumérias, “construiu Uruk”, fazendo da moradia nominal de um deus ausente – Anu – um importante centro urbano de uma deidade reinante. E ele conseguiu isso persuadindo Inanna a escolher Erech como sua sede de poder e tornando para ela ainda mais grandioso o templo Eanna (“Casa de Anu”). O texto nos conta que a primeira exigência de Enmerkar foi que Aratta contribuísse com “pedras preciosas, bronze, chumbo e placas de lápis-lazúli” para a ampliação do templo, bem como “ouro e prata artisticamente moldados”, de modo que o Monte Sagrado que estava sendo construído para Inanna pudesse ser digno dessa grande deusa.

Reprodução de como seria Mohenjo Daro há cerca de 4 mil anos.

Todavia, mal terminou a construção, Enmerkar deixou-se levar pelo orgulho. Aratta fora assolada por uma seca e ele, aproveitando-se da tragédia, passou a exigir não apenas matéria-prima como também obediência: “Que Aratta submeta-se a Erech”! Ordenou. Para conseguir seu propósito, enviou a Aratta uma série de emissários, o que S. N. Kramer (History Begins at Sumer) caracterizou como sendo a primeira “guerra de nervos” de que se tem notícia. Elogiando o rei e seus poderes, o emissário citou palavra por palavra as ameaças de Enmerkar de levar a desolação à cidade e dispersar seu povo. O soberano de Aratta, contudo, enfrentou essa guerra psicológica com uma
trama. Lembrando ao emissário sobre a confusão de linguagem depois do incidente da Torre de Babel, afirmou que não era capaz de entender a mensagem que lhe estava sendo transmitida em sumério. Frustrado, Enmerkar enviou outro emissário carregando tabuinhas de argila ao que tudo indica escritas na língua de Aratta -, o que se tornou possível devido à intervenção de Nibada, a deusa da escrita.

Mas dessa vez, as ameaças seguiram acompanhadas de uma oferenda de “velhos grãos”, que eram guardados no templo de Anu em Erech, provavelmente alguma semente muito necessária em Aratta devido à destruição das plantações pela seca. Quanto à seca em si, ela foi considerada um sinal da própria Inanna, que desejava que Aratta caísse “sob a sombra protetora de Erech”.

“O senhor de Aratta pegou a tabuinha de argila da mão do arauto e examinou a.” A escrita era cuneiforme, pois a “palavra ditada tinha a aparência de pregos”. O rei ficou em dúvida. Deveria se submeter ou resistir? Nesse exato momento, “uma tempestade, como um leão atacando, começou a se aproximar”. A seca foi subitamente quebrada por um temporal que fez toda a terra tremer, as montanhas se sacudiram, e mais uma vez Aratta, “a das muralhas brancas”, tornou-se uma terra de abundância.

Não existia mais a necessidade de se submeter a Erech, e o Senhor de Aratta comunicou ao emissário: “Inanna, a rainha destas terras, não abandonou sua Casa nesta cidade. Ela não entregou Aratta a Erech”. Apesar da alegria do povo de Aratta, a esperança de que Inanna não abandonasse sua morada naquela cidade não foi totalmente atendida. Encantada com a perspectiva de residir num grandioso templo na Cidade de Anu, na Suméria, ela passou a desempenhar suas atividades na distante Aratta, mas morava na Erech metropolitana.

Inanna fazia suas viagens entre os dois lugares voando em seu “Barco do Céu”. Essas idas e vindas deram origem a muitos retratos dela vestida como aeronauta e, segundo se infere a partir de alguns textos, ela mesma pilotava sua aeronave. Por outro lado, como outras deidades importantes, Inanna tinha um piloto-navegador para os vôos mais difíceis. Tal como os Vedas, que
falam de pilotos dos deuses, dos quais um, Pushan, “Guia Indra pelas nuvens salpicadas” no “barco de ouro” que navegava na “região média do ar”, os textos sumérios primitivos referem-se aos AB.GAL, que transportavam os deuses pelo firmamento. O nome do piloto navegador de Inanna era Nungal, como consta nos versos que relatam a mudança da deusa para a Casa de Anu
em Erech:

Nos tempos em que Enmerkar em Uruk reinava, Nungal, o coração de leão, era o piloto que dos céus trouxe Isthar para o E-Anna.

Após o dilúvio, segundo as Listas de Reis sumérias, o sistema monárquico começou em Kish, mas depois “a realeza foi carregada para o Eanna”. Como confirmaram os arqueólogos, de fato Erech se iniciou como uma cidade templo, sendo o recinto sagrado que abrigava o modesto santuário em honra de Anu (“O Templo Branco”), construído sobre uma plataforma elevada. Esse local continuou sendo o coração da cidade mesmo depois de Erech ter crescido e de possuir outros templos grandiosos, como indicam as ruínas que podem ser vistas atualmente.

Os arqueólogos descobriram as ruínas de um magnífico templo dedicado a Inanna/Ishtar datado da primeira parte do terceiro milênio antes de Cristo, talvez o mesmo construído por Enmerkar. Ele é um edifício singular, com imensas colunas ornamentadas, e deve ter sido tão luxuoso e impressionante como afirma os hinos que o louvavam:

Com lápis-lazúli ele era adornado, com as tapeçarias de Ninagal era enfeitado. No lugar brilhante…A residência de Inanna, a lira de Anu foi instalada.

Apesar de todo esse luxo e grandiosidade, Erech continuava a ser uma cidade “provinciana”, carecendo da estatura dos outros centros sumérios, que possuíam a distinção de terem sido construídos nos locais das cidades antediluvianas. Ela não gostava do status e dos benefícios decorrentes da posse dos “ME Divinos”. Embora esses ME surjam constantemente nos textos
sumérios, sua natureza não está clara, e os especialistas traduzem o termo como “mandamentos divinos”, “poderes divinos” ou mesmo “virtudes místicas”.

No entanto, os ME eram descritos como objetos [tecnológicos?], que continham conhecimento ou dados secretos. Talvez fossem algo como nossos atuais chips de computadores, pequenas placas em que programas, ordens operacionais e uma miríade de dados são minuciosamente registrados. Nesses ME estavam os requisitos para a formação de uma civilização.

Os ME ficavam sob a guarda de Enki, o cientista-chefe dos Anunnaki, e ele os liberava passo a passo para beneficiar gradualmente a humanidade. Tudo indica que a vez de Erech atingir os píncaros da civilização ainda não chegara quando Inanna tornou-se sua deidade residente.

Impaciente, a deusa resolveu usar seus encantos femininos para melhorar a situação. Um texto que S. N. Kramer, em Sumerian Mythology, intitulou “Inanna e Enki”, mas cujo titulo sumério original é desconhecido, descreve como Inanna viajou em seu “Barco do Céu” até o Abzu, onde Enki escondera os ME. Percebendo que a deusa iria visitá-lo desacompanhada (“a donzela, sozinha,
dirigiu seus passos para o Abzu”), Enki mandou seu mordomo providenciar uma refeição suntuosa, incluindo muito vinho de tâmara. Depois que os dois comeram e Enki ficou alegre por causa da bebida, Inanna trouxe à baila o assunto dos ME. Todo dadivoso por causa do álcool, Enki presenteou-a com o ME próprio da “posição de Senhor… posição de deus, a Sublime e Duradoura
Tiara, o Trono da Monarquia”. Enquanto Inanna continuava a seduzir seu idoso anfitrião, Enki apresentou-lhe o “Sublime Cetro e Cajado, o Sublime Santuário, a Justa Governança”, e a alegre Inanna também ficou com eles.

Enquanto continuava o banquete, Enki entregou a sua jovem convidada sete ME importantes relacionados com as funções e atributos de uma Senhora Divina, seu templo com sacerdotes, eunucos e prostitutas, e rituais adequados; artes de guerra e armamentos; justiça e tribunais; música e artes; construção; entalhação de madeira e gravação de metais; uso do couro e tecelagem; escrita e matemática; e assim por diante.

Tendo em mãos esses itens para criar uma alta civilização, Inanna saiu sorrateiramente do salão e embarcou em seu Barco do Céu, fugindo para Erech. Horas depois, quando Enki ficou sóbrio, ele percebeu que sua visitante e os ME já não estavam mais lá. Seu mordomo, um tanto embaraçado,
informou-o de que fora ele mesmo que presenteara os ME a Inanna. Nervoso, Enki mandou o mordomo tomar a Grande Câmara Celestial e perseguir Inanna para recuperar os ME. Conseguindo alcançar a deusa no primeiro ponto de parada, o homem explicou-lhe quais eram as ordens de seu amo, mas Inanna recusou-se a entregar os ME, indagando:

“Por que Enki não cumpriria sua palavra”? Ao voltar e contar o acontecido ao seu senhor, o mordomo recebeu ordens de capturar o Barco do Céu e levá-lo a Eridu. Inanna mandou seu piloto de confiança salvar o Barco do Céu e os ME que lhe haviam sido presenteados. E assim, enquanto a deusa argumentava com o enviado de Enki, seu piloto levou embora a nave com os preciosos ME.

Uma Exaltação a Inanna, composta para ser lida pela congregação, ecoa os sentimentos do povo de Erech:

Senhora dos ME, Rainha Brilhante e resplandecente, virtuosa, vestida em esplendor, amada pelo Céu e pela Terra; escrava sagrada de Anu, usando as grandiosas adorações, para a sublime tiara adequada, para o sumo sacerdócio adequada. Os sete ME ela obteve, em sua mão os segura.
Senhora dos grandes ME, deles ela é a guardiã…

Foi nessa época que Inanna/Ishtar passou a fazer parte do Panteão dos Doze e, ao substituir Ninharsag, recebeu o planeta Vênus (MUL DILBAT) como sua contraparte celestial e a constelação de Virgem (AB.SIN) como sua casa zodiacal. A representação gráfica dessa constelação pouco mudou desde a época suméria. Expressando sua gratidão, Inanna anunciou a todos, homens e
deuses: “Eu Sou uma rainha”! Vários hinos reconheceram sua nova posição na hierarquia dos deuses e seus atributos celestiais:

Àquela que vem do céu, Àquela que vem do céu, “Salve!”, dizemos… Elevação, grandeza, confiabilidade, a ela pertencem enquanto ela surge radiante ao anoitecer. Uma tocha sagrada enche os céus; sua posição no céu é igual à da Lua e do Sol… No céu ela está segura, a boa “vaca selvagem” de Anu; na Terra ela é permanente dona das terras. No Abzu ela recebeu os ME vindos de Eridu; seu padrinho Enki com eles a presenteou. A soberania depositou em suas mãos. Com Anu ela toma assento no grande trono, com Enlil ela determina os destinos de suas terras…

Depois de exaltar a posição de Inanna entre os deuses, os hinos passam a falar de sua adoração pelos sumérios (“o Povo de Cabeça Preta”):

Em toda a região, o povo de cabeça preta se reúne quando a abundância é colocada nos celeiros da Suméria… Eles vêm a ela com… Trazem as disputas para diante dela. Ela julga e destrói os malvados; ela favorece os justos, determina boa sorte para eles… A boa senhora, a alegria de Anu, é uma heroína; com certeza vem do Céu… Ela é poderosa, ela é confiável, ela é grande; Ela é de extraordinária juventude.

O povo de Erech tinha todos os motivos para ser grato a Inanna, pois com sua astúcia ela transformara a cidade num centro importante. Ao louvar seu valor, os sumérios de Erech não deixavam também de mencionar sua beleza e poder de sedução. De fato foi por volta daquela época que Inanna instituiu o costume do “casamento sagrado”, ritos sexuais pelos quais o rei-sacerdote se tornava seu suposto consorte por uma noite. Um texto, atribuído a um rei chamado Iddin-Dagan, descreve a vida de Inanna em seu templo:

Os prostitutos penteiam os cabelos dela… Enfeitam o próprio pescoço com faixas coloridas…
O lado direito eles vestem com roupas de mulher, enquanto caminham diante da pura Inanna…
O lado esquerdo eles vestem com roupas de homem, enquanto caminham diante da pura Inanna…
Com cordas de pular e cordões coloridos eles competem diante dela… Os jovens, carregando arcos, cantam diante dela… As moças, sacerdotisas Shugia, caminham diante de Inanna… Elas preparam uma cama para minha senhora, limpam os frisos com o cheiroso óleo de cedro. Para Inanna, para o rei, eles arranjam a cama… O rei aproxima-se do puro colo de Inanna com orgulho;
Orgulhosamente ele se aproxima do colo de Inanna… Ele acaricia o puro colo. Ela estende-se na cama, faz amor com ele em sua cama. Ela diz a Iddin-Dagan: “Com toda a certeza, você é meu amado”.

Esse hábito de Inanna pode ter começado com o próprio Enmerkar, pois seu filho, que o sucedeu no trono de Erech, chamado de “divino Lugalbanda, um Justo Supervisor”, era um semi-deus. Foram encontrados vários textos épicos sobre Lugalbanda, e tudo indica que Inanna desejava que ele residisse em Aratta, substituindo-a lá. Mas o jovem era inquieto e aventureiro demais para
ficar parado. Uma dessas lendas – Lugalbanda e o Monte Hurum – descreve sua perigosa viagem ao “assustador lugar da Terra” à procura do Divino Pássaro Preto. Ele chegou a esse monte restrito, “onde os Anunnaki, deuses da montanha, tinham escavado túneis na Terra como cupins”.

Querendo dar um passeio no Pássaro do Céu, o jovem implorou permissão a seu guardião, e
suas palavras imortalizaram o desejo do ser humano de voar:

Como Utu, como Inanna, deixe-me ir. Como os Sete Trovejadores de Ishkur, deixe-me subir por entre chamas e desaparecer por entre o trovão! Deixe-me ir para todos os lugares que meus olhos avistarem, em tudo o que desejo, deixe-me colocar meus pés, Em tudo o que meu coração deseja, deixe-me chegar.

Ao chegar ao monte Hurum (“cuja frente Enlil fechara com uma grande porta”), Lugalbanda foi avisado pelo Guardião: “Se és um deus, direi uma palavra amiga que o deixará entrar; se és homem, teu destino decretarei”. Ouvindo isso: Lugalbanda, fruto da amada semente, estendeu sua mão, dizendo: “Como o divino Shara eu sou, o filho amado de Inanna”. Mas o Guardião do lugar sagrado não permitiu a entrada do rapaz e fez uma profecia: de fato ele atingiria terras distantes e tornaria Erech e a si mesmo famosos, mas o faria a pé.

Um outro longo conto épico, que os estudiosos inicialmente intitularam “Lugalbanda e Enmerkar”, e hoje é conhecido por O Épico de Lugalbanda, confirma a semi-divindade de Lugalbanda, mas não identifica seu pai. No entanto, devido às circunstancias e eventos subseqüentes, podemos concluir que o pai era Enmerkar, o primeiro de uma longa lista de governantes que, quer sob o disfarce de um casamento simbólico, quer sem ele, foram convidados por Inanna para compartilhar seu leito.

O “convite” de Inanna aparece também no Épico de Gilgamesh. O quinto governante de Erech, Gilgamesh, tentou escapar do destino comum a todos os seres humanos, a morte, alegando que era filho da deusa Ninsun e do sumo sacerdote do Kullab, o que fazia “dois terços dele serem divinos”. Em sua procura pela imortalidade (amplamente examinada em A Escada para o Céu), ele primeiro viajou ao “Lugar de Aterrissagem” na montanha dos cedros – a antiqüíssima plataforma de aterrissagem [Baalbek] nas montanhas do Líbano (para onde, aparentemente, Lugalbanda também se dirigiu).

Na luta que tiveram contra o monstro mecânico que guardava o perímetro da área restrita, Gilgamesh e seu companheiro teriam sido aniquilados se Utu não os salvasse. Exausto da batalha, o rei tirou suas roupas encharcadas de suor para poder lavar-se e descansar. Foi então que Inanna/Ishtar, que assistira ao combate dos céus, foi tomada por um desejo por Gilgamesh:
Ele lavou seus cabelos sujos, poliu suas armas; a trança de cabelos sacudiu contra suas costas.
Ele tirou as roupas sujas, vestiu as limpas. Enrolou uma capa franjada no corpo, prendeu-a com uma faixa. Quando Gilgamesh colocou a tiara, a gloriosa Ishtar ergueu os olhos para sua beleza.

“Venha, Gilgamesh, seja meu amante”! “Conceda-me tua fertilidade; tu serás marido, eu serei mulher”. A deusa reforçou o convite com promessas de uma gloriosa (mas não eterna) vida se o rei atendesse seu pedido. Mas Gilgamesh respondeu-lhe dando uma longa lista dos amantes que ela tivera, apesar de ter sido “destinada a Tammuz [Dumuzi], o namorado de sua juventude”. Enquanto, supostamente chorando pela morte do amado, Ishtar tivera uma sucessão de casos amorosos,
abandonando seus parceiros “como se fossem um sapato que aperta o pé do dono… como uma porta que não serve para conter o vento. Que amante amaste para sempre”? Perguntou ele. “Se tu fizesses amor comigo, me trataria como os tratou”. (Por causa disso, a ofendida Inanna rogou e conseguiu permissão de Anu para lançar o Touro do Céu contra Gilgamesh. O rei foi salvo no ultimo instante, diante das portas de Erech).

A idade de ouro de Erech não iria durar para sempre. Sete outros reis sucederam Gilgamesh. Então “Uruk foi aniquilada com armas; sua realeza foi levada para Ur”. Thorkild Jacobsem, cujo estudo sobre as Listas de Reis sumérias é o mais minucioso e completo que se conhece, acredita que a
transferência da sede da monarquia de Erech para Ur tenha ocorrido por volta de 2850 a.C. Já outros estudiosos afirmam que isso aconteceu em cerca de 2650 a.C. (Essa discrepância de dois séculos persiste até hoje e continua inexplicada pelos especialistas).

Os reinados dos vários governantes iam ficando cada vez mais curtos à medida que a sede da monarquia passava de uma cidade para outra. De Ur foi para Awan, depois voltou para Kish; em seguida foi para Hamazi e depois retornou para Erech e Ur; foi para Adab e Mari, e voltou para Kish; foi para Aksak e de novo retornou para Kish, e finalmente foi mais uma vez para Erech.

Em 220 anos, houve três dinastias em Kish, três em Erech, duas em Ur e uma dinastia em cada uma das outras cinco cidades. Esse foi, pelo que tudo indica, um período de instabilidade e de atritos freqüentes entre as cidades, principalmente por causa de direitos sobre a água e canais de irrigação, motivo que seria de se esperar numa região de clima cada vez mais seco e com uma população crescente. Em cada caso, a cidade que perdia a disputa era descrita como tendo sido “aniquilada com armas”. A humanidade começara a fazer suas próprias guerras!

O uso de armas para resolver disputas locais estava se tornando cada vez mais comum. As inscrições dessa época indicam que os aflitos habitantes das diferentes cidades estavam competindo entre si pelos favores dos deuses através de oferendas e aumento da adoração. Com isso, as cidades-Estado começaram a envolver os deuses patronos em seus entreveros.

Uma tabuinha registra que Ninurta envolveu-se na determinação da posição correta de uma vala de irrigação. Enlil/Yahweh também foi forçado a ordenar o fim das hostilidades entre duas cidades. Essas constantes disputas e a falta de estabilidade deixaram os deuses descontentes. Certa ocasião, quando o Dilúvio estava para chegar, Enlil/Yahweh ficara tão desgostoso com a humanidade que tramou sua aniquilação na grande inundação. Posteriormente, no incidente da Torre de Babel, ele ordenara a dispersão da humanidade e a confusão de linguagens. Agora o “grande deus” estava novamente ficando desgostoso. O pano de fundo histórico dos eventos que se seguiram foi a tentativa final dos deuses de restabelecerem Kish, a primeira capital, como a sede da monarquia.

Pela quarta vez eles fizeram a realeza voltar para Kish, dando início à dinastia de governantes cujos nomes indicam fidelidade a Sin, Ishtar/Inanna e Shamash. No entanto, dois deles tinham nomes que revelavam devoção a Ninurta e sua consorte, um indício de uma nova rivalidade entre a Casa de Sin e a Casa de Ninurta. Isso acabou resultando na subida ao trono de um homem sem expressão – “Nannia, um cortador de pedras” -, que reinou por apenas 7 anos.

Devido a toda essa inquietação, Inanna conseguiu recuperar a sede da monarquia para Erech. O homem escolhido para a tarefa, um certo Lugal zagesi, reteve o favor dos deuses por 25 anos. Mas ele incorreu num grande erro ao atacar Kish para arrasá-la, o que só serviu para despertar a ira de Enlil/Yahweh. A idéia de uma mão forte no leme da monarquia humana estava se tornando cada vez mais atraente. Era preciso encontrar alguém não envolvido em todas as disputas, alguém capaz de exercer uma firma liderança e de novo desempenhar adequadamente o papel de rei como o único intermediário entre os deuses e os homens no que dizia respeito aos assuntos mundanos.

Quem descobriu esse homem foi Inanna, numa de suas viagens aéreas, e o encontro ocorrido por volta de 2.400 a.C. deu início a uma nova era. Quando esse homem, que começou sua carreira como copeiro-mor do rei de Kish, tomou em suas mãos as rédeas da Mesopotâmia Central, rapidamente estendeu seu poderio sobre toda a Suméria, os países vizinhos e até mesmo
sobre territórios distantes. O nome-epípeto desse primeiro construtor de império era Sharru-Kin
(“Governante Virtuoso”), e os livros de história modernos o chamam de Sargão I ou Sargão, o Grande.

Ele construiu para si uma nova capital, não muito distante da Babilônia, e deu-lhe o nome de Agade (“Unida”), que conhecemos como Acad, nome do qual se origina o termo “acadiano” para
designar a primeira língua semita. Um texto conhecido como A Lenda de Sargão registra nas palavras do próprio rei sua estranha história pessoal:

Sargão, o poderoso rei de Agade, sou eu. Minha mãe era uma alta sacerdotisa; não conheci meu pai… Minha mãe, a alta sacerdotisa que me concebeu, me pariu em segredo. Ela me colocou numa cesta de vime, com betume vedou a tampa. Ela atirou-me ao rio, ele não me fez afundar. As águas me levaram a Akki, o irrigador. Akki, o irrigador, levantou-me enquanto puxava a água;
Akki, o irrigador, fez de mim seu filho e me criou. Akki, o irrigador, me indicou como seu jardineiro.

Essa história, tão parecida com a de Moisés (e escrita mais de mil anos antes da época de Moisés!), continua para responder a pergunta mais óbvia de todas: como um homem de paternidade desconhecida, um simples jardineiro, acabou se tornando um poderoso rei? Sargão explica:

Enquanto eu era jardineiro, Ishtar concedeu-me seu amor. E por cinqüenta e quatro anos exerci a monarquia. O povo de cabeça preta eu governei.

Essa lacônica afirmação é ampliada num outro texto. O encontro entre Sargão, o trabalhador braçal, e Ishtar, a linda deusa, foi sem dúvida acidental, mas não teve nada de inocente:

Um dia, minha rainha, depois de cruzar céus e terras… Inanna. Depois de cruzar céus e terras…
Depois de atravessar Elam e Shubur, Depois de atravessar… A escrava sagrada aproximou-se, cansada, pegou no sono. Eu a vi da beirada de meu jardim; e beijei-a, copulei com ela.

Inanna, a essa altura acordada, devemos presumir, encontrou em Sargão um homem de seu gosto, alguém capaz não apenas de satisfazer seus desejos sexuais como também suas ambições políticas. Um texto conhecido como A Crônica de Sargão afirma que “Sharru-Kin, rei de Acad, subiu ao poder na era de Ishtar. Ele não tinha nem rival nem oponente. Ele atravessou o mar ao leste; conquistou a região do oeste e toda sua extensão”.

A enigmática referência à “Era de Ishtar” tem confundido os estudiosos, mas só pode significar o que diz: naquela época, por qualquer que seja o motivo, Inanna/lshtar teve poder para colocar no trono um homem de sua escolha, alguém que criasse um império para ela: “Ele derrotou Uruk e derrubou suas muralhas… Ele foi vitorioso na batalha com os habitantes de Ur… ele derrotou
o território inteiro, de Lagash até o mar”… Houve conquistas também além das antigas fronteiras da Suméria: “Marie Elam estão em pé, mas prestam obediência diante de Sargão”.

A força de Sargão e a grandeza de Inanna, caminhando lado a lado, ficaram expressas na construção da nova capital de Agade e do UL.MASH (“Cintilante, Luxuoso”) templo da deusa. Um texto historiográfico da Suméria conta que naqueles dias “as moradias de Agade estavam cheias de ouro; suas casas claras e brilhantes estavam repletas de prata. Para seus armazéns eram trazidos cobre, chumbo e placas de lápis-lazúli; seus celeiros pareciam querer estourar. Os velhos eram dotados de sabedoria, as velhas de eloqüência, seus jovens eram dotados da Força com Armas, suas crianças eram dotadas de corações alegres… A cidade era cheia de música”.

Em Acad, a bela e feliz cidade, “Inanna erigiu um templo para ser sua nobre morada; no Umash ela colocou um trono”. Esse era o principal templo entre uma série de santuários dedicados à deusa na Suméria. Com a afirmação: “Em Erech, o E-Anna é meu”, Inanna continuou dando uma lista de seus templos em Nippur, Ur, Girsu, Adab, Kish, Der Akshak e Umma, por último o Ulmash de Acad, e concluiu: “Existe algum deus que pode competir comigo?”.

Apesar de todo o orgulho de Inanna, Sargão não poderia ter se tornado rei de toda a região que daí em diante passou a ser chamada de Suméria e Acad sem o consentimento de Anu e Enlil/Yahweh. Um texto bilíngüe (sumério-acadiano), originalmente gravado numa estátua de Sargão que foi colocada diante de Enlil/Yahweh em seu templo de Nippur, afirmava que o rei não era somente o “Capataz Comandante” de Ishtar, mas também “sacerdote ungido de Anu” e
“grande regente de Enlil/Yahweh“. “Foi Enlil/Yahweh que me deu a soberania”, afirmou Sargão.

Os registros de Sargão sobre suas conquistas referem-se à constante presença de Inanna nos campos de batalha, mas atribuem a Enlil/Yahweh a abrangência das vitórias e a extensão dos territórios:

“Enlil/Yahweh não deixou ninguém se opor a Sargão, rei das terras; ele deu-lhe desde o Mar Superior até o Mar Inferior”.

Invariavelmente, nos post-scriptum das inscrições, Sargão invocava Anu, Enlil/Yahweh, Inanna/lshtar e Utu/Shamash como suas “testemunhas”. Quando se examina o vasto império de Sargão, que ia do Mediterrâneo até o golfo Pérsico, vê-se claramente que de início as conquistas ficaram limitadas às regiões atribuídas a Sin e seus filhos (Inanna e Utu) e que, mesmo em seu
auge elas se mantiveram sempre dentro de territórios enlilitas. Sargão atingiu Lagash, a cidade de Ninurta, e conquistou as terras de Lagash para baixo, mas não a cidade em si. Ele também não se expandiu para o nordeste da Suméria, feudo de Ninurta. A sudeste, indo além das fronteiras da velha Suméria, o rei entrou no país de Elam – área havia muito sob a influência de Inanna.

Mas, quando ele quis invadir as terras a oeste, compreendidas entre o Eufrates e o Mediterrâneo, o domínio de Adad, “Sargão prostrou-se em preces diante do deus… e ele lhe deu Mari, Yarmuli e Ebla na região superior, indo até a floresta de cedros [Líbano] e a montanha de prata”. Fica claro a partir das inscrições de Sargão que ele não obteve Tilmum (a Quarta Região, exclusiva dos deuses), nem Magan (o Egito), nem Meluhha (a Etiópia), situada na Segunda Região, território dos descendentes de Enki.

Com essas terras ele só tinha relações comerciais pacíficas. Na Suméria propriamente dita ele mantinha-se fora da área controlada por Ninurta e da cidade que pertencia a Marduk, embora este não residisse lá, por ter sido exilado. Porém, “em sua velhice”, Sargão cometeu um erro: Sargão tirou solo das fundações da Babilônia e construiu sobre esse solo uma outra Babilônia ao lado de Agade.

Para se entender a gravidade desse ato, devemos nos recordar do significado de “Babilônia” – Bab-Ili, “Portão dos Deuses”. Esse título e função foram dados à cidade por Marduk, que desafiava seus pares, e eram simbolizados por seu solo sagrado. Agora, incentivado por Inanna, impulsionado pelas ambições dela, Sargão retirara o solo sagrado para espalhá-lo como alicerce para a nova Bab-Ili, visando transferir, audaciosamente, o título e a função para Agade.

Isso foi uma oportunidade para Marduk – de quem não se ouvia falar havia séculos – reafirmar sua posição: Devido ao sacrilégio que Sargão cometeu, o grande senhor Marduk enfureceu-se e destruiu o povo pela fome. De leste a oeste ele os separou de Sargão, E sobre o rei infligiu um castigo que o impedia de repousar. Esmagando uma revolta atrás da outra, desesperado, Sargão “não pôde repousar”. Desacreditado, atormentado, ele morreu, pondo fim a um reinado
de 54 anos.


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