“O propósito desta história é relatar o que conheci pela experiência, e não me cabe expor idéias teóricas. Se levares alguns pontos pequenos deixados sem explicação para o santuário interior de tua alma, e ali meditares neles, verás que se tornarão claros para ti, como a água que mitiga a tua sede. . . “Este é o espírito com que o autor propõe que seja lido este livro. E chama de história o relato que faz de sua experiência. Que é história?. . . Ao leitor a decisão. O que é a experiência? Dois componentes o conjunto das sensações que compõem uma dada situação e a percepção pessoal ou “tradução” individual desse conjunto de sensações. Que este livro seja lido pelo fascínio da narrativa, como “lenha atirada à sua fogueira pessoal”, alimento para o seu “fogo interior“! Jogue a lenha na sua fogueira e deixe queimar. Os produtos dessa queima – calor e luz – ativarão ou reativarão um processo interno de pensar e sentir em você mesmo, um processo de SER, no cadinho da vida. Conhecer. . . A verdade. . . Quem pode decidir? – O Tibetano
“Nunca pronuncies estas palavras: “isto eu desconheço, portanto é falso“. Devemos estudar para conhecer; conhecer para compreender; compreender para julgar“. – Aforismo de Narada.
Livro: “Um Habitante de Dois Planetas ou a Divisão do Caminho”, de Philos, o Tibetano – LIVRO UM, CAPÍTULO IX e X: A CURA DO CRIME e REALIZAÇÃO
CAPITULO IX – A CURA DO CRIME
Nos quatro anos que se seguiram ao meu estranho encontro com o homem alto e ereto, de cabelos brancos, que havia profetizado acontecimentos a mim ligados, estes se sucederam em harmonia com sua predição. Nunca mais nos havíamos visto, a não ser uma vez, antes de minha morte. Antes de continuar, devo lembrar e em seguida tirar de cena meus sócios na mina de ouro e o homem que comprou o ouro sabendo que esse ato era ilegal.
Vários meses tinham se passado desde minha entrevista com o Rai Gwauxln em seus aposentos particulares, quando um jovem usando um turbante de cor laranja com um alfinete de ouro e uma granada nele engastada, o que o distinguia como um guarda do serviço imperial, entrou na sala de geologia do Xioquithlon e, dirigindo-se ao instrutor-chefe, falou com ele em voz baixa. Batendo na mesa para chamar a atenção dos noventa ou mais alunos que assistiam à aula sobre minerais, o chefe perguntou se um Xioquene de nome Zailm Numinos estava presente.
Levantei em resposta à pergunta, apresentando-me. “Vem até aqui.” Os outros Xioquene observaram com interesse quando me dirigi à frente da sala, não sem alguma agitação pois eu sabia muito bem qual serviço era representado pelo mensageiro, e o instrutor falara num tom severo nada agradável. “Este mensageiro deseja que o acompanhes à presença do Rai, pois este assim ordenou. Ele está nas Tribunas da Corte Criminal e precisa de ti como testemunha.” Lembrando o que o Rai havia dito, fiquei mais confiante pela importância das palavras a mim dirigidas e, já não estando tão apreensivo, fiz o que pediam. Chegando à Corte dos Tribunos, vi meus sócios na mina de ouro ali, sob custódia, junto com o comprador do ouro que também havia sido indiciado.
O juiz estava sentado no divã judicial em sua plataforma elevada e ao seu lado estava sentado, com simples dignidade, o Rai Gwauxln, Rai (o rei) da maior nação da Terra de então, apesar de sua posição, ele observava respeitosamente o feito de que o juiz tinha a precedência enquanto na corte. Vários espectadores estavam sentados nos assentos providenciados para o público no auditório. Só podia ser dado um veredito relativo aos contraventores: “Culpados”. Esta decisão foi tomada rapidamente e os réus admitiram esse fato. Imediatamente um dos funcionários judiciais levou os prisioneiros a outra parte do edifício onde havia um aposento bem iluminado, aparelhado com vários instrumentos portáteis e fixos. Ele foi acompanhado por todos os presentes.
Uma cadeira com encosto para a cabeça, com presilhas, e outros encostos com presilhas e tiras de couro para prender os membros e o corpo do ocupante estava no centro da sala. Um guarda fez sentar um dos prisioneiros e prendeu-o firmemente na cadeira. Tendo sido tomada essa medida preliminar, um Xioqa se aproximou, trazendo nas mãos um pequeno instrumento que percebi ser de natureza magnética, por sua aparência. Ele colocou os dois pólos do mesmo nas mãos do homem condenado e, após uma breve manipulação, ouviu-se um som leve e ronronante. No mesmo instante os olhos do prisioneiro se fecharam e sua aparência denotou um profundo estupor.
Na realidade, ele fora magneticamente anestesiado. Então o operador apalpou cuidadosamente todo o crânio do homem inconsciente; concluído o exame, ordenou ao seu atendente que raspasse todo o cabelo. Quando essa ordem tinha sido cumprida, ele fez uma marca azul na superfície raspada, na frente e acima das orelhas. Continuando a apalpar, escreveu o numeral poseidano 2, acima e um pouco atrás de cada orelha. Feito isso, voltou a atenção para os espectadores mas, ouvindo as palavras do Rai Gwauxln, fez uma pausa antes do discurso que se propusera fazer aos presentes e me chamou para o seu lado, para onde me dirigi, deixando o local onde estava, além da grade. Então ele falou:
“Neste prisioneiro, verifiquei que as faculdades dominantes e mais positivas são as que marquei um e dois; o número um é um ambicioso desejo de ter propriedades, e sua disposição é fazer todas as coisas secretamente, como se pode ver pela proeminência excessiva dos órgãos do sigilo. Como o crânio não se alongasse muito para cima, mas é bastante largo entre as orelhas, no número dois, concluo que temos aqui um indivíduo muito ganancioso a quem faltam consciência e espiritualidade e, por conseqüência, uma natureza moral, quase que totalmente. Como ele também possui um temperamento muito destrutivo, temos aqui uma pessoa muito perigosa e me surpreende que ainda não tenha vindo a este lugar para ser corrigido.
Por que alguém hesitaria em se submeter a um tratamento corretivo voluntário, causa-me estranheza. Suponho que seja algo explicável pela teoria de que alguém que esteja no baixo plano moral deste pobre homem é incapaz de perceber a vantagem de se encontrar num plano superior, mas é capaz de ver as vantagens imediatas de seguir métodos execráveis para atingir seus objetivos. Em resumo, trata-se de um homem que não hesitaria em cometer um assassinato se isso lhe desse um ganho imediato, sem ter ideia das conseqüências futuras de seu ato. Isto é verdade, Zo Rai?” “Sim”, respondeu o Rai. “Tendo meu diagnóstico deste caso”, continuou o Xioqa, “sido confirmado por tão alta autoridade, farei a aplicação da cura”.
Ele chamou um atendente, que se aproximou com outro aparelho magnético sobre rodas, contido numa pesada caixa de metal, tendo colocado o mesmo em atividade de forma satisfatória. O Xioqa aplicou seu pólo positivo no ponto marcado pelo número um na cabeça do prisioneiro e o outro pólo na nuca. Então pegou seu marcador de tempo e colocou-o sobre a caixa de metal do instrumento, perto de um dial cujo ponteiro ele ajustou. Houve silêncio geral, a não ser por conversas em voz muito baixa em várias partes da sala, durante a meia hora seguinte. Ao fim desse período o Xioqa se levantou de sua cadeira e mudou o pólo positivo para o lado oposto da cabeça do réu, onde estava a duplicata do número um.
Houve outra meia hora de espera silenciosa, só interrompida pela saída de alguns espectadores e entrada de outros. Quando a segunda meia hora passou, o operador passou o pólo para o local marcado “dois”. Desta vez só meia hora foi dada para os dois lados da cabeça. O imperador tinha me ordenado que ficasse na sala. Ele só havia ficado alguns instantes após o início da operação que não tinha novidades para ele. Ao final da sessão com o primeiro homem, este foi tirado da anestesia pela influência do aparelho magnético, cuja operação foi invertida numa segunda aplicação. O Xioqa fez uma preleção sobre o tema da operação enquanto o primeiro paciente era removido do local. Ele disse o seguinte ao grupo de espectadores que tinha aumentado bastante:
“Vistes o tratamento das qualidades mentais que tendiam, por sua proeminência, a distorcer sua natureza moral apenas parcialmente desenvolvida. O processo consistiu em atrofiar parcialmente os canais vasculares que irrigam a parte do cérebro onde se localizam os órgãos da ganância e da destruição. Mas dito isso, deveis observar que a alma é superior ao cérebro físico e é na alma, na natureza do homem, que residem essas tendências criminosas (sendo o cérebro e outros órgãos apenas a sede da expressão psíquica) – o escritório administrativo, por assim dizer. Portanto, a mera hipnotização desse homem não cumpriria nosso propósito.
No estado hipnótico há uma atração para dentro, e os vasos sangüíneos do cérebro se contraem e ficam parcialmente sem sangue; podem, inclusive, tornar-se fatalmente esvaziados. Esta arte é verdadeiramente muito perigosa. Mas o efeito oposto é produzido no afaísmo (o equivalente poseidano de “mesmerismo”). O cérebro fica cheio de sangue e a reversão do instrumento inicia o processo (hipnótico) afáico. Nesse momento a mente do operador pode assumir o controle da mente do paciente e sugerir à alma pecadora uma permanente cessação do pecado. Este homem foi tratado dessa forma, duplamente, porque o suprimento de sangue foi parcialmente interrompido para os órgãos que sediam sua fraqueza, mas também, através de minha vontade, comuniquei à alma que deixasse de errar e incumbi-a de executar um trabalho que terá uma ação contrária.
Ele poderá se sentir adoentado por alguns dias, mas suas tendências pecaminosas terão desaparecido. É preciso uma mente superior, que tenha cometido erros de diferentes espécies, para termos um malfeitor bem-sucedido, e onde estiver a natureza mais baixa, principalmente uma natureza sexual pervertida, estará o criminoso. Na Atlântida ele não tem saída, pois, se uma pessoa denota essa disposição, o Estado a toma pela mão e age sobre os órgãos pertinentes. Mas creio que não é necessário que eu me alongue mais sobre este assunto.” Tendo o primeiro homem sido levado para receber cuidados, o segundo dos meus sócios foi colocado na cadeira.
O exame do desenvolvimento cerebral revelou que ele era mais um fraco que um malvado: um prevaricador habitual e com tendências libertinas; tinha um crânio que estava colocado principalmente para trás e para cima das orelhas. Não acho necessário descrever seu tratamento, que seguiu as mesmas linhas do anterior; a sugestão (hipnótica) mesmérica foi o principal método de cura. Ao voltar para casa aquela tarde, decidi acrescentar a ciência da frenologia profilática ao meu currículo. E assim fiz.
Pela prática do conhecimento dos homens, que então eu adquiri, eu interferi com o carma de não poucos indivíduos, mas, como o resultado provou, a interferência não foi em nenhum, prejudicial, de modo que eu não tenho para responder por nenhum dano provocado. De vez em quando eu desejei que eu mesmo tivesse me submetido para tratamento nas mãos do Estado, por que se isso tivesse sido feito, no mínimo, eu teria evitado o cometimento de erros que causaram muita miséria mais tarde, para mim, e para os outros, por mim provocado.
Que eu não o tivesse feito, foi assim, melhor, mas também porque ninguém pode de qualquer forma que seja, fugir das suas próprias responsabilidades com seu personagem, com o carma de todas as suas encarnações anteriores. Pois ter assim eu mesmo me submetido à correção teria sido uma evasão do calvário (do carma e consequente aprendizado) que me esperava, uma espécie de tentativa covarde semelhante ao ato de um suicida que procura evitar problemas na terra praticando o suicídio, e que em cada vida assim terminada não se escapa de nada, nem um jota ou til da lei de Deus. Em vez disso, ele acumula suas montanhas de misérias e penalidades mais alto e prolonga através do karma inexorável, em mais outras encarnações terrenas, a sua própria angústia.
Assim é com os que morrem pela auto-destruição (suicídio); mas aqueles que morrem por causas inevitáveis ?? involuntariamente, não são visitados por essas sanções. Então, os culpados Poseidanos que não poderiam evitar o tratamento foram sabiamente beneficiados, enquanto que para mim a submissão voluntária teria semeado dentes de dragão para o meu caminho futuro. As penalidades, aos que observam a Lei, não preocupam aqueles que a conhecem e, assim sabendo, se submetem à vontade de Deus, a aceitam, enfrentam e aprendem com o seu próprio carma.
CAPITULO X – REALIZAÇÃO
O governo estava acostumado a fiscalizar sistematicamente os mais proeminentes Xioqueni (estudantes) a quem concedia bolsas de estudo, mas a supervisão não era ostensiva; na verdade mal era percebida pelos que estavam sob sua paternal vigilância. Aqueles que além de serem inteligentes e estudiosos, aproximavam-se do final do seu termo colegial, eram admitidos às sessões do Conselho dos Noventa que não fossem de caráter executivo ou secreto. Havia alguns Xioqueni favoritos especiais que, mediante votos estritos, não eram excluídos de qualquer reunião dos conselheiros. Nenhum dos muitos milhares de estudantes deixava de dar valor ao menor «desses privilégios, pois além da honra que eles conferiam, as lições sobre a arte de governar que eles aprendiam representavam uma incalculável vantagem em sua formação.
Na segunda metade de meu quarto ano de freqüência à escola, procurou-me um certo Príncipe Menax que desejava saber se eu aceitaria o cargo de Secretário dos Registros, o qual me daria a oportunidade de me familiarizar com todos os detalhes do governo de Poseid. Ele assim falou: “Este é um privilégio verdadeiramente importante, que estou feliz em te oferecer porque tens capacidade de desempenhá-lo de modo a satisfazer o conselho. Esse cargo te colocará em estreito contato com o Rai e todos os príncipes, e também te dará certo grau de autoridade. Que me respondes?”
“Príncipe Menax, estou ciente de que esta é uma grande honra. Mas permite-me perguntar por que ofereces tão grande oportunidade a alguém que se considera um quase completo estranho para ti?” “Porque, Zailm Numinos, decidi que és digno e agora te dou ocasião para provar isso. Não és desconhecido para mim, embora eu o seja para ti; tenho confiança em ti; não queres me provar que essa confiança está bem fundamentada?” “Certamente.” “Pois então ergue tua mão direita para o fulgurante Incal e por esse símbolo sublime declara que em caso algum revelarás coisa alguma que se passe nas sessões secretas, e nenhum dos atos acontecidos no Salão Nobre das Leis.”
Fiz o voto e, ao fazê-lo, fiquei obrigado por um juramento inviolável aos olhos de todos os poseidanos. Dessa forma tornei-me um dos sete secretários não eleitos e não oficiais, que eram incumbidos de escrever os relatórios especiais e cuidar de muitos documentos de estado importantes. Certamente não era pequena essa distinção conferida a um dentre nove mil Xioqueni, um homem ainda sem direito a
voto numa nação de cerca de trezentos milhões de habitantes.
Se por algum motivo eu pudesse atribuir esse fato ao meu mérito, nem por isso me consideraria melhor que cem dos meus colegas. O oferecimento se deveu em grande parte à minha popularidade pessoal junto aos poderosos, uma popularidade, entretanto, que eu não teria se não tivesse demonstrado em todos os campos a mesma sólida determinação que havia regido minhas ações no solitário pico do (Pitak) Rhok, a grande montanha.
O Príncipe Menax continuou, dizendo: “Gostaria de ver-te esta noite no meu palácio, se te for conveniente, pois tenho algumas coisas para te dizer. Agradar-me-ia provar teu erro em acreditar que me és desconhecido, apenas porque és um entre os muitos estudantes Xioqueni, cada um deles perseguindo igualmente o conhecimento. Partiu de mim e não do teu Xioql (preceptor-chefe), como imaginaste, o convite para assistires às sessões do conselho ordinário. Os Astiki (príncipes de estado) estão sempre muito interessados nos Xioqueni de maior mérito; por isso tantos pequenos deveres te foram dados a cumprir. Mas nada mais direi agora, para não atrapalhar tuas aulas. Lembra-te da hora marcada, a oitava.”
Menax exercia o mais alto cargo ministerial de todos os Astiki, pois era o primeiro-ministro e, como tal, principal consultor do Rai. Minha autoestima aumentou quando percebi que era contemplado com tão elevado favorecimento, mas isso me encheu de gratidão e não de convencimento. Tratava-se realmente de auto-estima, não de vaidade. Embora aquela não fosse minha primeira visita ao palácio desse príncipe, de forma alguma eu poderia dizer que estava familiarizado com o interior de seu astikithlon. Enrolando o meu melhor turbante verde em volta da cabeça e fechando-o com um alfinete que trazia uma pedra de quartzo cinzento com veios verdes como azinhavre nele engastada, o que denotava minha categoria social, entrei no naim e chamei um vailx citadino, como chamarias um taci.
O veículo logo chegou; embora pequeno, era amplo o bastante para acomodar dois, três e até quatro passageiros. Dando boa noite à minha mãe, logo me pus a caminho. O condutor me deixou sossegado e eu fiquei ouvindo a furiosa arremetida das torrentes de chuva que faziam a noite inclemente ao extremo. O palácio de Menax não ficava distante do cais interior do canal, no ponto mais próximo entre este e minha casa suburbana. A distância era de dez milhas e por isto a viagem aérea de lá até o canal durou o mesmo tempo que durou para o vailx encostar no amplo piso de mármore da estação, arrastando um pouco o fundo, anunciando assim a sua chegada.
Um sentinela se aproximou para saber o que eu queria e, tendo sido atendido, chamou um servidor para me escoltar até onde estava o príncipe Menax. Vários funcionários categorizados do séquito do príncipe estavam no grande aposento, laboriosamente ocupados em fazer nada em particular, ocupação na qual estavam sendo auxiliados por várias damas que residiam no palácio. O Príncipe Menax estava deitado num diva colocado na frente de uma grade cheia de pedaços de alguma substância refratária aquecida pela força universal.
No tempo que levou para o atendente me conduzir à presença do príncipe e anunciar minha chegada, tive oportunidade de notar um grupo de funcionários e senhoras reunidos no espaço ao redor de uma mulher de tão grande graça e beleza que nem sua evidente tristeza e aflição nem a distância entre a entrada e o canto onde ela estava sentada conseguiram ocultá-la completamente. Suas roupas, suas feições e sua tez mostravam que ela não era filha de Poseid, pois não tinha os olhos e cabelos escuros, e a pele clara mas distintamente acobreada. Aquela mulher triste e aflita era ao contrário disso tudo, pelo que minha rápida vista de olhos pôde discernir na distância que nos separava.
O príncipe Menax disse, saudando-me: “Sê bem-vindo. Senta-te. A noite está tempestuosa mas eu te conheço bem. Como prometeste vir, viestes.” Ele ficou em silêncio por algum tempo, olhando fixamente para a grelha que ardia, e então perguntou: “Zailm, tu participarás na competição em Xio nos nove dias reservados para o exame anual dos Xioqueni?” “Tenho essa intenção, meu Astika.” “Tens o direito de adiar o exame até o último ano do seu termo.” “É assim para todos os Xioqueni?” “Aprovo enfaticamente tua determinação. Eu mesmo agi assim, quando era estudante. Espero que sejas aprovado, para que te alegres com teu êxito, embora isso não diminua o número de teus anos de estudo. Mas o que acontecerá após o exame?
Terás um mês para fazer o que tiveres vontade. Quisera eu ter trinta e três dias de descanso dos meus deveres!” Menax fez uma pausa meditativa e continuou: “Zailm, tens algum plano especial para estas férias?” “Nenhum, meu príncipe.” “Nenhum. . . Muito bem. Agradar-te-ia me prestar um serviço, indo para um país distante para fazer-me esta gentileza? Após completares esse rápido dever, poderás ficar lá pelo tempo que quiseres, ou ir para onde a fantasia te chame.” Não vi razão para me negar a fazer o que ele queria, e como o serviço solicitado me levou a uma terra até aqui só de passagem mencionada, considero justificado prefaciar meu relato sobre aquela longínqua viagem com uma descrição de Suernis, hoje chamada como ÍNDIA, e de Necropan ou hoje o EGITO, as mais civilizadas nações que não estavam sob a supremacia E O GOVERNO de Poseid.
Quando as nações tentam tornar a religião absolutamente dominante em seus assuntos, o resultado não pode deixar de ser marcado pelo desastre. A política teocrática dos israelitas é uma ilustração disso e, como o leitor deve ter percebido há muito, Suernis (ÍNDIA) e Necropan (EGITO) foram exemplos ainda mais antigos na história do mundo. A razão disso não é a de que a religião seja um fracasso; a força deste registro de minha vida deve transmitir a verdade de que julgo nada haver de melhor do que a religião pura, sem máculas. Não, a razão por que uma teocracia bem-sucedida não pode durar é que a atenção de seus dirigentes deve ser dada às coisas espirituais para que o espiritual tenha êxito, e as coisas do Reino de Deus nunca podem ser as coisas da terra. Pelo menos não até que o homem esteja totalmente desenvolvido em seu sexto ou o princípio psíquico e tenha se purificado de toda mancha de animalidade, pelo fogo do Espírito.
Suernis e Necropan tinham uma civilização que hoje percebo ter sido tão adiantada quanto a nossa, embora diferente. Mas, porque não tinha quase nenhum ponto em comum com a de Poseid, o povo deste país a considerava com certo desprezo quando a ela se referia entre seus iguais. Entretanto, os poseidanos eram muito respeitosos em seus contatos com aqueles povos, por razões que ficarão claras no decorrer da narrativa.
As diferenças entre essas duas civilizações contemporâneas se encontravam no fato de que Poseid tendia para o cultivo das artes mecânicas (desenvolvimento e endeusamento da TECNOLOGIA), para as ciências ligadas às coisas materiais, e se contentava em aceitar sem questionamento a religião de seus ancestrais, enquanto que os suernis e necropanos davam grande importância a tudo que fosse oculto e tivesse significação religiosa – princípios verdadeiramente práticos, pois as leis ocultas têm influência sobre a materialidade – mas descuidavam-se dos assuntos materiais, salvo quanto à adequada manutenção da existência física.
Sua regra de vida estava resumida no princípio de não tomar grande conhecimento da existência presente e preocupar-se com o futuro. O princípio vital de Poseid era estender seu domínio sobre todas as coisas naturais (e se possível sobre todo o planeta). Havia os que filosofavam a respeito do espírito; eram os teóricos poseidanos, que desenhavam o quadro do destino da Atlântida. Eles apontavam para o fato de que nossos esplêndidos triunfos materiais, nossas artes, ciências e progresso, dependiam absolutamente da utilização do poder oculto extraído do Lado-Noite (feminino) da Natureza. Este fato era comparado com a verdade de que os misteriosos poderes dos suernis e necropanos deviam sua existência ao mesmo reino oculto, concluindo que com o tempo também daríamos menos importância ao progresso material e empregaríamos nossa energia em estudos ocultos.
Seus presságios (sobe o futuro de Atlântida-Poseid), por conseguinte, eram extremamente sombrios; mas, embora o povo os ouvisse com respeito, a incapacidade desses profetas para sugerir uma solução os tornava objeto de um secreto desprezo, a algum grau. Qualquer um que encontre defeitos no estado de coisas existente e se mostre obviamente incapaz de oferecer um substitutivo superior, não pode deixar de ser publicamente ridicularizado. Nós, poseidanos, sabíamos que as duas misteriosas nações de além-mar possuíam capacidades que virtualmente superava de longe nossas realizações, como o nosso poder de navegar pelo espaço aéreo e nas profundezas das águas, nossos velozes carros, nossas embarcações submarinas.
Não, eles não se jactavam de tais conveniências, pois não precisavam delas para levar adiante sua existência, não tendo o desejo, como supúnhamos, de terem tais aparelhos, talvez nosso desprezo fosse mais uma afetação que uma realidade, pois em nossos momentos de pensar mais sobriamente nós reconhecíamos sua supremacia com grande admiração. Mas com quem falaríamos, quem veríamos e ouviríamos, sendo vistos e ouvidos, no desejo de nos comunicarmos a qualquer distância e sem fios, por meio das correntes magnéticas do globo? Verdadeiramente, nunca conhecemos a dor da separação de nossos amigos; podíamos atender as demandas do comércio e transportar nossos exércitos em tempo de guerra em um dia para qualquer lugar do mundo, tudo isso enquanto nossos dispositivos mecânicos e elétricos estivessem disponíveis.
Mas de que valia toda essa esplêndida capacidade? Se um dos mais competentes Xioqueni fosse encerrado numa masmorra, todo o seu conhecimento seria nulo; privado de todos os implementos e meios costumeiros, ele não poderia ter a esperança de ver, ouvir ou escapar sem ajuda externa. Suas maravilhosas capacidades dependiam das criações de sua inteligência. Não era assim no caso dos suernis e necropanos. Nenhum poseidano saberia a maneira de aprisionar qualquer desses cidadãos. Se um suerni ou necropano fosse encerrado numa masmorra, simplesmente se levantaria e iria embora como Paulo de Tarso; podia ver e ouvir a qualquer distância, sem o naim (telefone); andar entre inimigos sem ser visto. De que valiam então nossos triunfos tecnológicos diante desses poderosos suernis e necropanos?
Que utilidade teriam nossos instrumentos de guerra contra esse tipo de povo, se um só de seus homens, olhando com olhos em que queimava a terrível luz do poder da vontade e usando contra nós as forças invisíveis do Lado- Noite (feminino da Natureza), poderia nos destruir como o faz o hálito ardente do fogo com as folhas verdes num campo incendiado? Nossos mísseis teriam alguma utilidade nesse caso? Se a pessoa contra quem fossem atirados poderia impedir seu trajeto rápido como um raio, fazendo-os cair a seus pés como a lanugem do cardo? E os explosivos mais poderosos que a nitroglicerina, atirados do céu de vailxes planando várias milhas acima no domo azul do firmamento? Seriam inúteis, pois o inimigo, com seu presciente olhar e perfeito controle de forças do Lado-Noite que desconhecíamos, poderia deter o petardo em sua queda e, ao invés de sofrer danos, poderia aniquilar a aeronave vailx e toda a sua tripulação.
A criança que já se queimou teme o fogo, pois em tempos passados tínhamos tentado conquistar aquelas nações, com desastroso fracasso (n.t. Fato histórico narrado no épico Ramayana, que narra um conflito entre Suerni (ÍNDIA) e Atlântida). Eles só se preocuparam em repelir nossos ataques, e tendo sido vitoriosos, deixaram-nos partir em paz. (Foram os anos se transformando em séculos e milênios, e a nossa atitude também se tornou apenas defensiva, deixando de ser ofensiva e, por causa dessa mudança de comportamento por parte de Poseid, desenvolveram-se relações amigáveis entre as três nações.
A Atlântida tinha finalmente aprendido uma boa parte do segredo do uso de forças magnéticas para destruir inimigos, dispensando mísseis, projéteis e explosivos como meios de defesa. Ainda assim, o conhecimento de Suerni (ÍNDIA) continuava a ser muito superior. Superior porque nossas armas magnéticas só espalhavam a morte numa área restrita, próxima ao operador; as deles atingiam qualquer ponto desejado por eles, por mais longínquo que fosse. Nossas armas destruíam indiscriminadamente todas as coisas existentes no alvo – inanimadas e animadas – todas as pessoas, amigas ou inimigas; animais e árvores, tudo ficava condenado. O poder das armas deles era controlado, atingindo o âmago da força oponente, e não destruía vidas desnecessariamente; aliás, não causava danos ao inimigo em geral, só aos OFICIAIS, GENERAIS e GOVERNANTES do lado contrário.
Eu havia tomado conhecimento desses fatos relativos aos suernis muito tempo antes. O Príncipe Menax tinha me pedido para cumprir uma missão junto àquele povo. Eu nunca tinha visitado Suerni e, como tinha o desejo de fazê-lo, fiquei satisfeito porque esse desejo seria gratificado. Após consentir em atender o pedido, perguntei ao príncipe qual seria a missão com as seguintes palavras: “Se o Astika disser a este filho o que deseja, satisfará sua crescente curiosidade”. “Eu o farei”, respondeu o príncipe. “Quero mandar um presente ao Rai de Suerni como retribuição de certas dádivas enviadas por ele ao Rai Gwauxln.
Embora tenhamos poucas dúvidas de que essas dádivas foram enviadas para nos induzir a aceitar cento e quarenta mulheres, prisioneiras do Rai Ernon de Suern, não podemos aceitar que eles de certa forma nos imponham uma espécie de suborno; embora as mulheres possam receber permissão para ficar ou ir para onde quiserem a não ser para onde os suernis as proíbam, decidimos considerar as jóias e o ouro que eles nos deram como um presente, e retribuí-lo adequadamente. Assim resolveu o conselho em assembléia. Parece que essas mulheres são membros de certas poderosas forças de imprudentes invasores cujo país se encontra a oeste de Suern. Esses grupos insensatamente guerrearam contra a terrível Suern.
Eles nunca tinham experimentado, nem visto outros experimentarem, a ira e o PODER com que Incal reveste Seus filhos de Suern, uma ira que devasta os inimigos como a foice sega o trigo. Ora, Ernon tem um país fértil, e esses selvagens ignorantes ambicionavam possuí-lo, e por isso declararam guerra a Ernon. A isso Ernon respondeu que não aceitava; que aqueles que o atacassem com arcos e viessem vestidos de couraças seriam enfrentados por ele e muito se arrependeriam, visto que Jeohvah como os Suerni preferiam chamar Aquele que denominamos Incal, o protegeria e ao povo de Suern, sem luta e sem derramamento de sangue. Diante disso os bárbaros responderam com linguagem arrogante, declarando que invadiriam aquela terra e destruiriam seu povo pela espada.
Então eles reuniram um grande exército, de muitos milhares de combatentes e acompanhantes, os quais, liderados por um destemido Astiki (Príncipe), arremeteram para o leste vindos pelo sul, para devastar o reino de Suern. Mas espera – há alguém nesta sala que sem dúvida poderá te dizer mais e melhor do que eu. Mailzis!” – disse ele ao seu criado particular – “traz à minha presença aquela estrangeira de pele clara”. Mailzis obedeceu e a estrangeira que eu tinha visto ao entrar no salão do príncipe levantou-se com uma atitude leve e graciosa que despertou minha admiração. Alisando a roupa calmamente, sem absolutamente se comportar como alguém que obedece a ordem de um superior, aproximou-se de Menax.
Levantando-se com deferência, o príncipe disse: “Senhora, farieis a gentileza de repetir o que narraste ao meu soberano? Sei que tua história é muitíssimo interessante”. Enquanto ouvia essas observações a estrangeira não olhou para o príncipe e sim para mim. Seus olhos tinham se fixado em meu rosto, não ousadamente mas com profunda atenção, embora sem ter consciência da fixidez de seu olhar. Seja como for, havia nele um tão grande poder magnético que tive de desviar os olhos, estranhamente intimidado, sentindo que continuava a ser observado a despeito disso. Ocorreu-me que ter respondido na língua poseidana indicava que ela possuía uma boa educação.
“Se te for agradável, Astika, que eu o faça, então será agradável para mim também”, disse ela. “Terei prazer em repetir a história para o jovem a quem tratas com favor. Entretanto preferiria que tua jovem filha não permanecesse aqui” – disse ela a meia-voz, com um olhar de antagonismo para Anzimee que estava sentada perto de nós, aparentemente ocupada em ler um livro, mas sem fazê-lo realmente, em minha opinião. O laivo de ciúme na voz da estrangeira não foi percebido por Menax, mas o foi por Anzimee, que se levantou e deixou o salão.
Desgostou-me esse ato e me ressenti do que o causara, o que a Saldu (n.t. da tribo Saldeus, que mais tarde na história humana seria conhecida como Caldeus) percebeu de imediato, mordendo o lábio, vexada. “Não deve ser agradável ficar de pé; senta-te aqui à minha direita e tu, Zailm, muda de lugar e senta à minha esquerda”, disse Menax, voltando a se acomodar no divã. Quando todos estavam devidamente sentados, mostramo-nos prontos para ouvir a narrativa. Nesse momento Mailzis, o criado, aproximou-se respeitosamente e, quando perguntado sobre o que desejava, disse: “É da vontade de teus oficiais e das senhoras do astikithlon também ouvir o relato.”
“Concedido; podes também conduzir o naim até aqui, perto de nós, para que o escriba dos Registros anote tudo.” Tendo recebido permissão, os peticionários logo estavam acomodados à nossa volta, alguns em assentos baixos e os mais altos oficiais que tinham mais familiaridade com o príncipe se estenderam de lado, apoiando-se no cotovelo, nos ricos tapetes de veludo que cobriam o chão, na frente de Menax. (…) Continua…
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