Como o ‘Sionismo Cristão’ distorce as escrituras para servir Agenda do Império

Em uma entrevista recente com Tucker Carlson, o senador americano Ted Cruz demonstrou não apenas uma alarmante ignorância [e estupidez] geopolítica, mas também uma descarada disposição de distorcer as Escrituras em defesa de seu apoio inabalável às ações de Israel. O versículo que ele citou – Gênesis 12:3 – foi descaradamente truncado, uma tática comum usada para conferir “legitimidade divina” ao excepcionalismo sionista nas profecias do Fim dos Tempos. Este versículo tornou-se o alicerce teológico de uma cosmovisão militante de zumbis ignorantes conhecida como “sionismo cristão”.

Fonte: Rússia Today

Por que a obsessão dos evangélicos dos EUA [e de outros países] com o “Israel abençoado” coloca em risco a igreja, o mundo e a verdade.

Até mesmo os críticos judeus da atual política estatal israelense expressam consternação com o analfabetismo histórico e a crueza teológica que alimentam essa ideologia em metástase nos círculos evangélicos americanos e alhures [também no Brasil].

Lembro-me de debater esse “fenômeno” há mais de uma década no LinkedIn com interlocutores judeus e israelenses. Eu o apelidei de “culto ao lixo de trailer”  – uma fusão de analfabetismo bíblico, fervor apocalíptico e ilusão geopolítica. Alguns dos meus colegas israelenses, numa estranha demonstração de preconceito casual, alternadamente se referiam a Cruz e ao atual Secretário de Estado, Marco Rubio, simplesmente como “o mexicano”.

Ted Cruz tenta usar a Bíblia para justificar seu apoio ao bombardeio israelense do Irã. Tucker Carlson o destrói“.

O sionismo cristão prospera na ignorância, no analfabetismo bíblico, no fanatismo e na apropriação seletiva das escrituras. Embora frequentemente apresentado como antigo e imutável, é, na verdade, um fenômeno relativamente moderno, surgindo junto com a ascensão do sionismo político no final do século XIX.

Em vez de tratar as Escrituras como sacrossantas, ele distorce o cânone bíblico, transformando-o em uma ferramenta maleável – que deve se conformar aos imperativos ideológicos do momento. Em uma nação como os Estados Unidos, que esteve em guerra por quase 95% de sua existência, essa distorção frequentemente serve como cobertura teológica para uma doutrina de “guerra sem fim”, com versículos escolhidos a dedo usados ​​para santificar a agressão geopolítica e a criação de novos inimigos.

Após a Segunda Guerra Mundial, quando a União Soviética se tornou a primeira nação a conceder reconhecimento de jure ao moderno Estado de Israel, esse mesmo movimento começou a minerar febrilmente as escrituras para lançar a URSS, e a Rússia em particular, como os vilões apocalípticos Gog e Magog.

Até mesmo Ronald Reagan, o santo pseudo-religioso do conservadorismo americano, repetidamente invocou essa heresia interpretativa para enquadrar a Guerra Fria como uma batalha cósmica contra o “império do mal”. 

Até hoje, milhões de evangélicos americanos e protestantes fundamentalistas em todo o mundo continuam a ver a Rússia como o eterno inimigo do próprio Deus. O alcance e a influência dessa subcultura pseudo-teológica não devem ser subestimados.

Mas antes de desvendar as ramificações mais amplas dessa perversão ideológica, vamos primeiro examinar o versículo que o senador Cruz citou tão convenientemente de forma incorreta.

Bênçãos e maldições do Gênesis

O senador Ted Cruz invocou Gênesis 12:3 para justificar o apoio inabalável dos EUA a Israel, mas sua citação foi notavelmente seletiva. O versículo completo diz: “Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra.” – (KJV)

Esta é uma promessa profética dada ao patriarca Abraão, apontando, em última análise, para sua semente, Jesus Cristo. É por meio de Cristo, de acordo com Gálatas 3:16 , que “todas as famílias da terra” recebem a reconciliação com o Divino. Se essa bênção é universal e messiânica em seu escopo, onde está então a exclusividade étnica ou nacional tão frequentemente atribuída ao Israel moderno? (Explorei este tópico com mais profundidade aqui , aqui , aqui e aqui )

A estrutura teológica de Cruz, na prática, alinha-se mais com o etnocentrismo talmúdico do que com a soteriologia cristã. Considere esta notável afirmação do Rabino Chaim Richman, dirigida aos cristãos:

Vocês estão adorando um judeu [Cristo]. Isso é um erro. Vocês deveriam adorar cada um de nósporque todos nós morremos pelos seus pecados todos os dias… O povo judeu na terra de Israel é o baluarte contra os orcs, ok? Os orcs não estão vindo para um teatro perto de vocês, mas para a casa de vocês.

Além da referência a Tolkien – que, até onde sei, não aparece em nenhum lugar do Talmude – a citação de Richman revela o terreno ideológico em que Cruz orbita: um terreno onde a identidade judaica coletiva é quase divinizada e os adversários são desumanizados como monstros fantásticos. Suspeita-se que os “orcs” sejam um eufemismo generalizado para os árabes da região, muitos dos quais são aliados sub-reptícios de Israel. Os únicos “orcs” recalcitrantes, aparentemente, são os palestinos, cuja recusa em aceitar seus senhores divinamente designados continua sendo um problema intratável.

Ironicamente, os persas (iranianos) tradicionalmente desfrutam de uma representação muito mais favorável nas escrituras judaicas – desde Ciro, o Grande, até Assuero, no Livro de Ester. A inimizade geopolítica moderna é, portanto, uma aberração histórica, não uma necessidade teológica.

Mas, se seguirmos a lógica grotesca de Richman, será que essa “adoração incondicional a cada judeu” se estende até mesmo àqueles recentemente implicados em escândalos satânicos de abuso infantil em Israel? Em que ponto a solidariedade se torna um sacrilégio, e o apoio a Israel exige uma rendição teológica total?

Sinais, presságios e delírio pareidólico

Há uma razão pela qual descrevo o sionismo cristão como uma subcultura teologicamente falida disfarçada de profecia. É uma ideologia que santifica qualquer crime de guerra, qualquer ato de brutalidade das forças militares israelenses, porque, segundo seus adeptos, a “bênção” pessoal de Deus depende da fidelidade política a um Estado-nação moderno.

Quando não está deturpando ativamente as escrituras, a história e a moralidade básica, esse movimento fabrica sinais e maravilhas do nada. Fenômenos naturais, especialmente padrões pareidólicos, são rotineiramente interpretados como comunicações divinas. Isso não é um entusiasmo inofensivo; reflete uma mentalidade crédula condicionada pelo pensamento de grupo, adoração guiada pela emoção e retórica manipuladora. Música hipnótica, testemunhos encenados e atmosferas cuidadosamente orquestradas frequentemente levam os congregantes a um frenesi de expectativa, onde a credulidade se transforma em virtude espiritual.

Certa vez, assisti a um vídeo de peregrinos cristãos em uma van em Jerusalém, que explodiram em admiração ao ver raios de sol salpicados brilharem através das árvores à beira da estrada. Para eles, esses padrões fugazes de luz não eram um truque de movimento e sombra, mas “manifestações angelicais”. (Na verdade, são um efeito óptico comum causado pela luz que atravessa a folhagem em movimento.)

Hoje, uma grande parcela de evangélicos está disposta a interpretar qualquer acontecimento mundano como um endosso divino ao papel central de Israel na profecia do Fim dos Tempos. Mas, se buscam sinais, podem considerar um que vá na direção oposta. Logo após Israel lançar um ataque não provocado ao Irã [numa sexta feira 13], um corvo apareceu arrancando uma bandeira israelense em meio aos escombros de um bairro israelense.

“Até mesmo os pássaros já tiveram o suficiente”

No Midrash judaico, o corvo é considerado um presságio. Na narrativa bíblica, é a criatura que Deus usou para sustentar o profeta Elias quando ele estava à beira do desespero ( 1 Reis 17 ). O corvo é uma criatura associada tanto ao julgamento quanto à provisão. Que mensagem, então, ele estava transmitindo ao “povo eleito”?

Agora imagine se o pássaro tivesse arrancado uma bandeira palestina ou iraniana. O ecossistema cristão sionista teria explodido em êxtase em massa. As redes sociais transbordariam com manchetes declarando que se tratava de um sinal do céu. Blogs de profecia correriam para decifrar seu “simbolismo” profético.  Teleevangelistas exibiriam a filmagem em sequência entre os pedidos de doações. Mas, como isso desafiava sua narrativa, o evento foi cuidadosamente ignorado.

Tal é o reflexo esquizoide da teologia estupidez sionista cristã: sinais divinos são válidos apenas quando reforçam o roteiro. Qualquer outra coisa, por mais bíblica ou explícita que seja, é descartada como coincidência ou interferência satânica.

Bênçãos e maldições: a verificação da realidade

Há uma citação frequentemente citada — atribuída a Joseph Goebbels, embora provavelmente usada pela primeira vez por Adolf Hitler — que diz: “Uma mentira repetida mil vezes se torna verdade”.

Os sionistas cristãos cantam Gênesis 12:3 com tanta frequência e com tanto zelo que poucos entre eles param para comparar o versículo com as escrituras ou com a realidade empírica.

Vamos fazer isso agora. Gênesis 12:3 diz: “Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem…”

Se interpretarmos isso como um mandato geral para a política externa estatal, as evidências devem ser óbvias. Então, pergunte-se: os aliados mais leais de Israel hoje, particularmente no Ocidente, são realmente “abençoados” ?

Veja os Estados Unidos. O país está, sem dúvida, mais dividido internamente do que em qualquer outro momento desde a Guerra Civil. Suas cidades estão em decadência, a falta de moradia e o vício em drogas são galopantes, as relações raciais estão em seu ponto mais baixo e quase 40% dos americanos não conseguem arcar com uma despesa emergencial de US$ 400 sem recorrer a empréstimos, vender suas relíquias de família ou se endividar. E, no entanto, bilhões em ajuda incondicional continuam a fluir para Israel, ano após ano.

A velha, decrépita Europa Ocidental não se sai melhor. O continente enfrenta uma polarização política cada vez mais profunda, uma crise de legitimidade institucional e crescentes conflitos culturais, alimentados pela migração forçada e pela desigualdade econômica. O que antes se passava por consenso democrático está agora fragmentado pelo populismo, apatia e agitação. A coesão social está se desintegrando em toda a aliança transatlântica.

Agora compare isso com o Leste Asiático e o Sudeste Asiático, onde a maioria dos países mantém posturas moderadas e neutras em relação ao conflito Israel-Palestina. Com uma população combinada de quase 2,4 bilhões de habitantes, essa região abrange inúmeras etnias e religiões, mas permanece notavelmente mais estável. Com exceção de Mianmar, cuja junta militar foi abastecida com armamento israelense, não há guerras em todo o continente, nem o tipo de fraturas sociais existenciais que assolam o Ocidente.

A imigração é limitada, a harmonia social permanece relativamente intacta e todas as principais nações asiáticas apoiam uma solução de dois Estados no Oriente Médio baseada nas fronteiras pré-1967. Nenhuma nação bajula Israel e/ou seu “povo eleito” nesta parte do mundo.

Então a questão praticamente se coloca: se Gênesis 12:3 está sendo usado para avaliar a política externa em relação a Israel, então quem exatamente está sendo abençoado e quem está sendo amaldiçoado?

As consequências da lealdade cega não se limitam ao declínio econômico. Considere as guerras por procuração alimentadas por cálculos estratégicos israelenses. Na Síria, o apoio israelense a facções jihadistas contribuiu para a dizimação de minorias étnicas e religiosas.

No último domingo (22 de junho), um homem-bomba detonou-se dentro da Igreja Ortodoxa Antioquina de Santo Elias, matando pelo menos quinze fiéis cristãos. Essas não são tragédias isoladas. São frutos do sionismo cristão: uma teologia que confunde realpolitik com mandato divino.

Colocando cristãos em perigo em todo o mundo

Por que é essencial confrontar e corrigir essa narrativa sionista? Porque a ideologia religiosa propagada pelo senador Cruz e seus semelhantes não se assemelha em nada ao cristianismo autêntico. É uma falsificação teológica perigosa – um covil de lobos em pele de cordeiro, exatamente como Mateus 7:15 alertou.

Longe de defender a fé, o sionismo cristão coloca ativamente em perigo os cristãos em todo o mundo. Em seu zelo por defender a Pax Americana, idolatrar o moderno Estado de Israel e forçar a adaptação dos eventos atuais a um roteiro apocalíptico artificial, sacrifica comunidades cristãs reais nos altares da geopolítica e da fantasia escatológica.

Como alguém descendente de uma das mais antigas tradições cristãs do mundo — cujas raízes remontam até o Antigo Testamento — digo isto claramente: não tenham comunhão com esses idólatras assassinos ( 1 Coríntios 5:11 ).

Eles invocam Cristo, mas servem às ambições do império, às ilusões do homem e aos ardis de Satanás. Se é isso que significa ser “abençoado”, então sua igreja deveria ter cuidado com o que está realmente adorando.


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