O sábio que introduziu os algarismos arábicos no Ocidente e nos salvou de multiplicar CXXIII por XI

Origem Dos NúMerosGalileu, Newton, Einstein… são três grandes nomes da ciência ocidental. Mas, como o próprio Newton escreveu, citando o filósofo do século XII Bernardo de Chartres: “Se eu vi mais longe, foi por estar sentado sobre os ombros de gigantes.” Vários desses gigantes nos quais cientistas ilustres se apoiaram e continuam a se apoiar, foram relativa [e intencionalmente esquecidos, devido a sua origem ]… mas, se olharmos com atenção, poderemos encontrá-los.

Edição e imagens:  Thoth3126@protonmail.ch

O sábio árabe que introduziu os algarismos arábicos [oriundos da Índia] no Ocidente e nos salvou de multiplicar CXXIII por XI

Fonte: BBC Londres

Jim Al-Khalili, Físico, da série da BBC “Ciência e o Islã”

Segundo historiadores, o principal legado do grande matemático italiano Leonardo Pisano, mais conhecido como Fibonacci, foi ajudar a Europa a abandonar o antigo sistema de uso dos algarismos romanos e adotar os numerais indo-arábicos.

Estátua de Al-Khwarizmi
Al-Khwarizmi nos deixou como legado a álgebra e a palavra algoritmo derivada do seu nome

Eles constam em seu Liber Abaci (“Livro de Cálculo”), que escreveu em 1202 após estudar com um professor árabe.

Na mesma obra, há uma referência a um texto anterior chamado Modum algebre et almuchabale, e na margem está escrito Maumeht, que é a versão em latim do nome Mohamed [Maomé].

No caso, a referência é especificamente para Abu Ja’far Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi, conhecido como Al-Khuarismi, que viveu aproximadamente entre os anos 780 e 850 em Bagdá, hoje o Iraque. Foi graças a ele que os “intelectuais” europeus souberam da existência dos numerais indo-arábicos.

Fibonacci
Assim como Fibonacci, estudiosos europeus dos séculos XII a XVII se referem com frequência a textos islâmicos e nomes árabes em manuscritos sobre diversos temas, da medicina à cartografia

Dos hindus ao Oriente Médio, de Bagdá à Europa

A obra de Al-Khuarismi aborda um aspecto crucial de toda nossa vida. Por causa dela, o mundo europeu percebeu que sua maneira de fazer contas — ainda essencialmente baseada em algarismos romanos — era irremediavelmente ineficiente e atrapalhada.

Se eu pedir para você multiplicar 123 por 11, você consegue calcular até de cabeça. A resposta é 1.353. Agora tente fazer isso com algarismos romanos: você tem que multiplicar CXXIII por XI. Pode ser feito, claro. Mas não é nem um pouco fácil.

Em seu Livro de adição e subtração, de acordo com o cálculo hindu, Al-Khuarismi descreveu uma ideia revolucionária: a possibilidade de representar qualquer número com apenas 10 símbolos simples e básicos, os algarismo de zero a 9.

Essa ideia de usar apenas dez símbolos — os dígitos de 1 a 9, além do símbolo 0 — para representar todos os números de um ao infinito, foi desenvolvida por matemáticos hindus por volta do século 6, e sua importância é inestimável.

Evolução dos números
E assim os algarismos foram evoluindo, da direita para a esquerda

Separador decimal

Al-Khuarismi e seus colegas árabes fizeram mais do que originalmente traduzir o sistema numérico hindu para o árabe: eles criaram o separador decimal — que em alguns países é o ponto e em outros, como o Brasil, é uma vírgula. Sabemos disso graças à obra do matemático árabe Abu’l Hasan Ahmad ibn Ibrahim Al-Uqlidisi.

O livro Kitab al-fusul fi al-hisab al-Hindi, dos anos 952-3 — o manuscrito mais antigo em que é proposto um tratamento de frações decimais, escrito apenas um século depois de Al-Khwarizmi — mostra que o mesmo sistema decimal pode ser ampliado para descrever não apenas números inteiros, mas também frações.

Número de Euler (ou constante de Euler)
O zero e o ponto decimal nos levaram ao infinito. Um ótimo exemplo é a constante de Euler, um dos números mais importantes da matemática

A ideia do ponto decimal (ou da vírgula, no caso do Brasil) é tão familiar para nós que é difícil entender como vivíamos antes dele — parece incrivelmente óbvio depois de ser descoberto.

Quem foi Al-Khuarismi ?

Al-Khuarismi, o grande matemático que deu ao Ocidente os números e o sistema decimal, também era astrônomo — e levou seu conhecimento para a corte do califa al-Mam’un, em Bagdá. Ele era um emigrante da Pérsia oriental e um homem do seu tempo, a Idade de Ouro Islâmica.

Sua forma de pensar era ousada, e ele gozava de um grande luxo: vivia rodeado por livros.

Estátua de Al-Khwarizmi
Al-Khwarizmi é um dos grandes ícones da cultura Islâmica

Graças ao Movimento das Traduções, que reuniu trabalhos científicos de todo o mundo conhecido até então, no fim do século IX, um importante corpus matemático grego — que incluía obras de Euclides, Arquimedes, Apolônio de Perga, Ptolomeu e Diofanto — foi traduzido para o árabe.

Da mesma forma, a matemática babilônica e hindu antigas, assim como as contribuições mais recentes de sábios judeus, estavam disponíveis para estudiosos islâmicos. Al-Khuarismi estava na posição privilegiada de ter acesso a diferentes tradições matemáticas.

A grega abordava principalmente a geometria, ciência de formas como triângulos, círculos e polígonos, que ensina a calcular área e volume. A hindu havia inventado o sistema decimal de dez símbolos que tornava as contas e os registros muito mais simples.

Ao combinar a intuição geométrica com a precisão aritmética, imagens gregas e símbolos hindus, ele inspirou uma nova forma de pensamento matemático que hoje chamamos de álgebra. Al-Khuarismi foi tão importante para a matemática no ocidente que a própria palavra “algarismo” tem origem em seu nome.

Al-Khwarizmi
Al-Khwarizmi é considerado o pai da álgebra

Al-Jabr [Álgebra]

No livro Al-Jabr w’al-Muqabala, de autoria de Al-Khuarismi, é a primeira vez que a palavra Al-Jabr (“álgebra”) aparece. Ele começa dizendo: “Descobri que as pessoas necessitam de três tipos de números: unidades, raízes e quadrados.”

E mostra a seguir como resolver equações usando métodos algébricos. Equações quadráticas (ou de segundo grau) já eram resolvidas nos tempos da Babilônia. A diferença é que não havia fórmulas, e cada problema era resolvido individualmente:

“Pegue a metade de 10, que é 5, e o quadrado, que é 25”; e mais tarde, outro diria: “Pegue a metade de 12, que é 6, e o quadrado, que é 36.”

E assim sucessivamente, eles passavam pelo mesmo processo repetidas vezes com números diferentes, conforme o caso.

Fórmula matemática
As fórmulas são libertadoras porque permitem resolver os mesmos tipos de problemas sem ter que começar do zero toda vez

Para Al-Khuarismi,, a solução não estava nos números que precisávamos descobrir, mas em um processo que pudéssemos aplicar. Ou seja: o quadrado significa fazer a raiz quadrada e multiplicá-la por ela mesma. E essa fórmula é verdadeira qualquer que seja a raiz quadrada. Se for 5, é 5 vezes 5, que é 25; se for 3, é 3 vezes 3…

Não usar números, mas símbolos, acabou sendo uma ideia incrivelmente libertadora, permitindo que você resolva problemas sem se prender a cálculos numéricos bagunçados.

‘Algoritmi de numero Indorum’

Ao abandonar temporariamente a relação com números específicos, você manipula os novos elementos (x, y, z) de acordo com as regras que explica em seu livro: uma série de fórmulas. Os números que os símbolos representam em seu problema específico aparecerão milagrosamente no final.

Pense em algo simples e cotidiano, era o que Al-Khuarismi queria ajudar a resolver:

Ahmed morre e deixa 80 moedas de herança. Para um amigo, ele destina um quarto delas; para sua viúva, um oitavo; o resto é para seus três filhos. Cada fração corresponde a quanto?

Al-Khwarizmi fez com que a incógnita fosse parte da equação: o que chamamos de X em álgebra.

Equação simples

O tratado escrito por Al-Khuarismi por volta de 825 sobre o sistema numérico indo-arábico foi traduzido no século 12 com o nome Algoritmi de numero Indorum, que significa “Algoritmi sobre os números hindu”; “Algoritmi” foi a tradução para o latim do nome Al-Khuarismi.

Na obra, ele nos apresenta a essas fórmulas que, devido à tradução do seu nome, acabaram sendo chamadas de algoritmos.

Al-Khuarismi permitiu que a álgebra existisse como uma área da matemática por mérito próprio, e se tornasse um fio condutor para quase todas as outras. A álgebra nada mais é do que uma série geral de princípios e, se você os compreender, a entenderá.

Qual é a verdadeira importância da álgebra?

Ela foi usada ao longo do tempo para resolver todos os tipos de problemas.

Se a massa de uma bala de canhão for ‘m’ e a distância que tem que percorrer, ‘d’, você usa a álgebra para calcular o ângulo ideal para apontar o canhão.

É o tipo de conhecimento que vence guerras. Ou podemos chamar a velocidade da luz de ‘c’, a mudança na massa de um núcleo atômico de ‘m’, e assim calcular a energia liberada com esta simples fórmula:

Fórmula de Einstein
A famosa equação de de Einstein determina a equivalência entre massa e energia

Esse tipo de conhecimento é poderoso. Os números arábicos e a álgebra foram uma contribuição inestimátivel para a ciência ocidental, que permitiu desde a ida do homem à lua ao desenvolvimento do dispositivo com o qual você está lendo esta reportagem.


“O néscio pode associar-se a um sábio toda a sua vida, mas percebe tão pouco da verdade como a colher do gosto da sopa. O homem inteligente pode associar-se a um sábio por um minuto, e perceber tanto da verdade quanto o paladar sabe do sabor da sopa”.   –  Textos Budistas


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