Os Templários – História – (3)

OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES GUERREIROS DE MANTOS BRANCOS COM CRUZES VERMELHAS : Os seus costumes, os seus ritos, os seus segredos: Digam o que disserem determinados historiadores encastelados em sua erudição acadêmica, a criação da Ordem dos Cavaleiros Templários continua envolta em inúmeros mistérios; e o mesmo acontece com a realidade profunda da sua missão, não a que se tornou pública, mas a missão oculta. Inúmeros locais ocupados e ou de propriedade dos cavaleiros  Templários apresentam particularidades estranhas. 

SÃO BERNARDO E OS MONGES-GUERREIROS  – Livro de Michel Lamy – Capítulo III 

Mais informações sobre os Templários: https://thoth3126.com.br/category/templarios/

Atribuíram-se aos monges-soldados crenças heréticas, cultos curiosos e às suas construções, principalmente a Catedral de Chartres, significados e até poderes fantásticos. A seu respeito, fala-se de gigantescos tesouros escondidos (sendo o maior deles o CONHECIMENTO), de segredos ciosamente preservados e de muitas outras coisas.

OBTER UMA REGRA

Em 1127, quando Hugues de Payns regressou ao Ocidente em missão especial, encontrava-se acompanhado por mais cinco Templários. Ora, ainda eram apenas nove, ou talvez dez. Logo, tinham ficado apenas três ou quatro no Oriente (Jerusalém) para assegurarem a prometida proteção dos peregrinos europeus em visita à terra santa. Mesmo que tivessem junto deles alguns sargentos de armas, a hoste deveria ser bem magra no caso de um encontro com o inimigo muçulmano. Decididamente, essa missão era muito mal desempenhada.

Este prova insofismavelmente apenas que a “proteção” aos peregrinos se tratava de um «disfarce». Aliás, houve que esperar até 1129 para se ver os Templários enfrentarem pela primeira vez os infiéis muçulmanos em combate. Isso não impediu os modestos guardiões do desfiladeiro de Athlit de se verem chamados «ilustres pelas suas façanhas guerreiras» inspiradas diretamente por Deus, e isso ainda antes de se terem batido verdadeiramente.

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A propaganda não é, por certo, uma invenção moderna, mas, este exemplo é especialmente interessante. Mostra que a publicidade que lhes foi feita não se baseava numa realidade e se integrava, deliberadamente, naquilo que podemos considerar uma segunda fase da Ordem: o seu desenvolvimento e a sua transformação numa ordem militar. Do pequeno número de afiliados discretamente ocupados com a descoberta de segredos importantes no local do antigo templo de Salomão, passava-se à procura do poder, o que indica que as pesquisas tinham, sem dúvida, dado os seus frutos e estavam concluídas. Convinha, desde logo, pôr em execução a política que elas tivessem sugerido e podemos perguntar-nos se, a partir desse momento, não existiu uma vontade de criar uma espécie de poder sinárquico que se sobreporia aos reinos.

Hugues de Payns parou em Roma, antes de seguir para Champagne. Ali, encontrou-se com o papa Honório II (1124-1130) que se interessava muito pela nascente Ordem do Templo. Em Janeiro de 1128, Hugues de Payns encontrava-se em Troyes para participar no concílio onde foi proposto se adotar uma regra especial para a Ordem do Templo. O texto, nas suas linhas gerais, fora elaborado em Jerusalém. Tratava-se também de dar a conhecer a Ordem, de começar a recrutar, recolher dádivas, estimular a fundação do poder futuro do Templo. Hugues de Payns tinha no bolso a carta de recomendação do rei de Jerusalém, Balduíno II; que sem dúvida financiara a viagem. Dirigia-se a São Bernardo e pedia-lhe que desse o maior apoio aos projetos de Hugues de Payns e dos seus companheiros. Pelo seu lado, o patriarca de Jerusalém pedia ao papa a concessão de uma regra especial a esses monges. A carta de Balduíno II a São Bernardo referia:

“Os irmãos Templários, que Deus inspirou para a defesa desta província e protegeu de uma forma notável, desejam obter a confirmação apostólica bem como uma regra de conduta. Devido a isso, enviamos André e Gondemar, ilustres devido às suas proezas guerreiras e pela nobreza do seu sangue, para que solicitem ao Soberano Pontífice a aprovação da sua ordem e se esforcem por obter dele subsídios e ajudas contra os inimigos da fé, coligados para nos suplantarem e derrubarem o nosso reino. Sabendo bem quanto peso poderá ter a vossa intercessão, tanto junto de Deus como do seu vigário e dos outros príncipes ortodoxos da Europa, confiamos à vossa prudência esta dupla missão cujo êxito nos será muito agradável. Fundamentai as constituições dos Templários de tal forma que eles se não afastem dos ruídos e dos tumultos da guerra e continuem a ser os auxiliares úteis dos príncipes cristãos… Fazei de maneira que possamos, se Deus o permitir, ver em breve uma conclusão feliz desta questão. Dirigi por nós orações a Deus. Que Ele vos tenha na Sua Santa Guarda”.

São Bernardo

Bernardo de Clairvaux deveria, efetivamente, desempenhar um papel importante no progresso da Ordem. Convém nos deter um pouco nesta personagem sobre a qual Marie-Madeleine David escreve: “Bernardo é o homem mais representativo do renascimento do século XII.” Nascido no final do século XI, em 1090, e falecido em 1153, insere-se em plena época de fecundidade intelectual e de transformações econômicas e sociais. Nascido no castelo de Fontaine, a noroeste de Dijon, era o terceiro filho da Dwna Aleth. Antes do seu nascimento, a sua mãe tivera sonhos curiosos. Via o seu futuro filho sob a forma de um cãozinho que ladrava furiosamente. Inquieta, abrira-se com um religioso que a acalmara afirmando-lhe que, mais tarde, o seu filho apenas ladraria para defender a Igreja. O pai de Bernardo, Tescelin, era senhor do castelo de Fontaine e os seus compatriotas tinham-no apelidado de «o baio», porque era loiro-arruivado. Tinha a fama de ser um homem de honra, corajoso e fiel ao seu suserano, o duque da Borgonha.

Aleth, que era filha do duque de Montbard, velara para que o seu filho Bernardo recebesse uma boa educação. Confiara-o, pois, aos cônegos de Saint-Vorles, em Châtillon-sur-Seine. Eles haviam-lhe ensinado o trivium (gramática, retórica, dialética) e o quadrivium (aritmética, música, geometria, astronomia) e tinham-no obrigado a ler Cícero, Virgílio, Ovídio, Horácio. Também o tinham ajudado a vencer uma timidez quase doentia. Foi na igreja de Saint-Vorles que caiu em êxtase perante Maria, vendo aquela «imagem da Mãe de Deus, feita de uma madeira que a idade escureceu mais do que o sol». Fora essa VIRGEM NEGRA de madeira que, miraculosamente, teria apertado o seu seio, de modo que teriam caído três gotas de leite nos lábios de Bernardo.

Os seus contemporâneos descreviam o jovem Bernardo como belo, esbelto, com uma cabeleira revolta, um olhar que se impunha. Mas essa beleza não era para as mulheres, porque pretendia preservar a sua castidade. Um dia, pensando que olhara uma mulher com demasiada complacência, fora mergulhar num lago gelado para apagar o desejo que sentia crescer dentro de si. Do mesmo modo, tratara com desprezo uma outra mulher que viera meter-se, nua, na sua cama. Pelo menos, é o que conta a sua lenda dourada.

De qualquer modo, escolheu o claustro que comparava à escola de Deus. Robert Thomas lembra-nos como São Bernardo via os monges: “Tal como os anjos, vivem puros e castos; tal como os profetas, elevam os seus pensamentos acima das coisas da terra; tal como os apóstolos, deixam tudo e vão ouvir a palavra do Mestre, recordá-la nos seus corações, esforçar-se por a guardar, por a pôr em prática. Cada mosteiro será uma escola onde Jesus ensina.” São Bernardo escolheu a Abadia de Cister onde entrou, no tempo do abade Estêvão Harding, com cerca de trinta companheiros que mais ou menos arrastara consigo. Definia-se como alguém que procurava Deus e pensava que, neste caso, «quem procura, encontra». Era exigente com os outros mas, antes de mais nada, era exigente consigo mesmo.

Recusava-se a respeitar apenas o voto de obediência que lhe não parecia um compromisso suficiente. Era necessário ir além disso. Não podia compreender que um monge se fizesse pelo mínimo obrigatório. Escrevia: “A obediência perfeita ignora o que é apenas uma lei, não está encerrada em limites; a vontade ávida estende-se até aos limites da caridade, entrega-se por si mesma a tudo o que lhe é proposto e, com o fervor de uma alma ardente e generosa, vai sempre em frente, sem ter em conta limites ou medidas. Para ele «a medida de amar a Deus é amar sem medida».”

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Nossa Senhora do Pilar, a Virgem Negra, encontrada no interior da Catedral de Chartres, construída pelos Templários

Bernardo não se contentava com meditar, adorar. Estudava também. Lia as escrituras, comentava-as, dissecava-as, até, procurando ir até à fonte em vez de se limitar aos comentadores precedentes. O que estava em jogo em tudo isto: conhecer-se a si mesmo e conhecer Deus. Mas conhecer-se consiste também em descobrir quão insignificante se é. No entanto, a sua atitude na vida desmentiu, amiúde, essa aparente humildade. São Bernardo, o admirado e o temido Bernardo de Clairvaux em breve se tornou notado e foi a ele que se confiou a fundação da abadia de Clairvaux, em 1115, num local que tinha o belo nome de Vale de Absinto. Afirmou-se lá e continuou a pregar a humildade, e nem por isso deixou de ser cada vez mais seguro de si, a tal ponto que é necessário ser um hagiógrafo para negar o orgulho de São Bernardo. Afirmava: “Os assuntos de Deus são meus e nada do que lhe diz respeito é estranho para mim.”

O que é mais extraordinário é que, em seu redor, todos achavam isso normal de tal modo a sua personalidade era, ao mesmo tempo, forte e sedutora. Estava dotado de uma energia e de uma vontade sem titubeios, daquelas que fazem vergar as pessoas em seu redor. Para além da autoridade e da violência verbal, sabia manejar também a delicadeza e a persuasão. Bernardo foi um ser dúplice, dividido entre a meditação e a ação. Tão depressa arrastava os irmãos, repreendia os grandes, influenciava a política de todo o Ocidente, como se retirava para uma choupana e se entregava a mortificações até esgotar o seu corpo e o tornar doente, «semelhante a um arco que, depois de ter sido distendido, retesado de novo, recupera toda a sua força: como uma torrente retida por uma barragem que, liberta, retoma a impetuosidade do seu curso, regressa às suas práticas, como se tivesse pretendido castigar-se por esse repouso, e reparar as perdas da ascese interrompida».

Robert Thomas escreveu: “Uma saúde arruinada, um corpo extenuado, uma alma que, até ao fim, será senhora daquele corpo e lhe fará a vida dura, assim foi Bernardo.” Dedicou-se à Ordem de Cluny para a qual defendeu uma reforma monástica. Acusava os monges clunicenses de terem costumes dissolutos. Compreenderemos facilmente, com base nisso, que São Bernardo não defendesse para os a Ordem dos Cavaleiros Templários uma regra especialmente suave e que se esforçasse para os tornar aguerridos através da própria dureza da vida que deveriam levar. Bernardo foi também quem lutou contra Abelardo, até o ter derrubado, aniquilado social e psicologicamente. Abelardo era um mestre com uma inteligência notável que ensinava uma juventude estudantil que o adulava.

Dialético brilhante, gostava das lides oratórias mais por elas mesmas do que pelo seu conteúdo. Tinha uma tendência nítida para o racionalismo e não admitia que, para um problema religioso, a única resposta avançada fosse: é um mistério. Crer e não discutir era inconcebível para ele. Bernardo considerava perigoso o seu ensino, tanto mais pernicioso quanto as suas teses eram, amiúde, sedutoras. Opôs-se-lhe violentamente e redigiu um tratado dos erros de Abelardo que dirigiu ao papa Inocêncio III. Não parou enquanto não conseguiu condena-lo. A esse respeito, Dom Jean Leclerq escreveu: “Esse excesso de injúrias, de acusações baseadas em denúncias sumárias, traía, em São Bernardo, uma paixão mal dominada.” Este episódio não é, certamente, o mais glorioso da vida de São Bernardo.

O culto da Dama Celeste

Bernardo teve também um amor louco por Maria,  mãe de Jesus Cristo embora tenha escrito muito menos sobre esse tema do que acerca de outros. As poucas páginas que
deixou sobre a Virgem ressumam literalmente fervor e amor. Inventou uma oração a Maria, na qual ela aparece como a «Rainha» da Salve Regina (rainha em latim), que intercede em prol dos homens, junto de Cristo, a Virgem coroada que aceitou a provação desejada por Deus, triunfou sobre ela, é capaz de mostrar o caminho aos homens. A devoção de Bernardo à Virgem parece profunda, o que não é tão habitual na sua época. Daí, poderemos imaginar que não tenha sido alheio à veneração que os Templários sempre tiveram por Nossa Senhora. Todavia, tenhamos cautela porque talvez se tenha tendência para atribuir uma importância desmesurada a São Bernardo, a partir do momento em que se trata dos Templários.

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Bernardo de Clarivaux

Baseando-nos nos depoimentos prestados por estes últimos no seu processo – dois séculos mais tarde – poderíamos pensar que fora o próprio Bernardo quem redigira a sua regra. Na verdade, mesmo que seja quase certo que meteu a sua mão na tarefa, deve ter trabalhado a partir de um texto prévio redigido pelo patriarca de Jerusalém, Estêvão de La Ferté. O que é certo é que tornou mais fácil a sua aprovação e, nesse sentido pelo menos, os Templários deveram-lhe a sua regra. Assim, Bernardo enviou uma carta a Thibaut de Champagne, dizendo-lhe: “Dignai mostrar-vos cheio de solicitude e de submissão pelo legado, em reconhecimento por ter escolhido a vossa cidade de Troyes para a realização de um grande concílio, e dignai-vos dar o vosso apoio e a vossa assistência às medidas e resoluções que este julgar convenientes no interesse do bem.”

O pedido não está isento de uma certa firmeza. No entanto, por detrás de um São Bernardo aparentemente na primeira linha, esconde-se talvez uma outra personagem cuja importância, nos bastidores do Templo, nos parece considerável. Estêvão Harding e a tradição hebraica Podemos interrogar-nos quanto ao fato de saber quem foi, quanto ao fundo, a personagem mais importante para a constituição da Ordem do Templo: São Bernardo ou Estêvão Harding, abade de Cister, que congeminara tudo, desde o início, com Hugues de Champagne?

Inglês de origem, Estêvão Harding fora, inicialmente, monge no mosteiro de Sherbone. Depois, prosseguira estudos na Escócia e, em seguida, em Paris e em Roma. Marion Melville lembra o que dele dizia Guillaume de Malmes: “Sabia casar o conhecimento das letras com a devoção; era cortês nas suas palavras, risonho no rosto: o seu espírito rejubilava sempre no Senhor.” Depois de uma passagem por Molesmes, fundara a Abadia de Cister. Alguns anos mais tarde, tornara-se o seu terceiro abade. Estêvão Harding acumulara quase todos os conhecimentos intelectuais que podiam adquirir-se nessa época. Reformou a liturgia e fez da sua abadia um centro cultural único. Empreendeu um trabalho gigantesco: a redação da Bíblia de Cister, com um espírito de correção crítica notável.

Para o ajudarem, recorrera a sábios judeus. De acordo com as suas observações, mandou efetuar duzentas e noventa correções e cinco versículos completos de Samuel foram completamente reescritos. Findo isso, Estêvão Harding proibiu que se tocasse numa só palavra daquela Bíblia. Daniel Réju refere que uma personagem curiosa vivia então em Troyes: o rabino Salomon Rachi (1040-1105). Foi considerado o maior exegeta dos textos hebraicos e o principal comentador e intérprete do Talmude. Analisava sempre os textos a três níveis: literal, moral e alegórico.É difícil saber se Estêvão Harding conheceu pessoalmente Rachi, dado que este morreu em Praga, em 1105. Em todo o caso, é bastante provável que os seus genros tenham vindo trabalhar para Cister, ao lado dos monges, para facilitar a tradução de documentos sagrados especialmente difíceis de interpretar. Por este meio indireto, os Templários beneficiaram de um apoio extremamente importante para a pesquisa que pareciam estar a levando a cabo no Ocidente.

São Bernardo partilhou, sem dúvida, o interesse de Estêvão Harding pelos textos hebraicos, embora as provas sejam escassas. Em todo o caso, ergueu-se muitas vezes contra as perseguições que os judeus tiveram de sofrer um pouco por toda a Europa. Fustigou os autores dos pogroms e manifestou bastante mais indulgência religiosa pelos judeus do que pelos cátaros.

O concílio de Troyes: para uma regra feita sob medida para a Ordem do Cavaleiros Templários é claro que Estêvão Harding participou no concílio de Troyes, mas teria sido por qualquer coisa relacionada com a redação da regra? Isso é mais difícil de dizer. Alguns quiseram ver nesse texto uma espécie de cópia das regras de vida observadas pelos essênios, no tempo de Cristo. Mas que se sabia, no século XII, sobre esses essênios que nos foram sobretudo revelados graças à descoberta dos manuscritos do mar Morto, em Qumran? Seriam veiculadas tradições a eles respeitantes nos meios judaizantes? Teriam os próprios Templários descoberto, por acaso, documentos essênios nas suas escavações em Jerusalém? Por certo temos de relegar isto para o campo das simples conjecturas.

Em todo o caso, o concílio de Troyes reuniu-se «no dia da festa do Senhor Santo Hilário, no ano da Encarnação de Jesus Cristo de 1128, ao nono ano do início da supramencionada ordem de cavalaria». A assembleia consular foi presidida pelo legado do papa: Mathieu d’Albano. Assistiram a ela os bispos de Sens, Reims, Chartres, Soissons, Paris, Troyes, Orléans, Auxerre, Meaux, Châlons-sur-Marne, Laon, Beauvais. Encontravam-se também presentes vários abades, entre os quais Estêvão Harding, é claro, e leigos como Thibaud de Champagne e o conde de Nevers. Entre todas estas personagens, algumas eram amigas de São Bernardo. Logo no prólogo da regra, apercebemo-nos de que a publicidade da Ordem estava pronta para favorecer o seu progresso e que o conjunto se inseria num plano deliberado, a longo prazo.

Pode ler-se: “Falamos, em primeiro lugar, a todos quantos desprezam ir atrás das suas próprias vontades e desejam, com pura coragem, servir como cavalaria ao soberano-rei, e com um desvelo aplicado desejam vestir e vestem perpetuamente a muito nobre armadura da obediência. E, portanto, admoestamo-vos – a vós que haveis seguido, até agora, secular cavalaria na qual Jesus Cristo não tomou parte, mas que seguistes apenas por favor humano – a seguir aqueles que Deus escolheu da massa da perdição e ordenou, pela sua agradável piedade, para a defesa da Santa
Igreja, e a que vos apresseis a juntar-vos a eles perpetuamente […].”

Hugues de Payns expôs, perante a douta assembleia, as necessidades da Ordem, tal como as concebia. Depois, o texto foi estudado e discutido, artigo após artigo. A regra latina que daí resultou compreendia setenta e dois artigos. Tudo, ou quase tudo, estava previsto nela: os deveres religiosos dos irmãos, os regulamentos que fixavam os atos quotidianos (refeições, distribuição de esmolas, vestes, armamento, etc.), as obrigações dos irmãos uns em relação aos outros, as relações hierárquicas… A preocupação com o pormenor foi levada muito longe, dado que se decidia nela como seriam feitos os sapatos, como se cortariam os bigodes, o número de orações a recitar nesta ou naquela ocasião, etc.

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Bernardo e os cavaleiros da Ordem do Templo prestavam e rendiam culto (em segredo) ao poder feminino da divindade

Tratava-se de adaptar uma regra monástica aos imperativos com que os guerreiros se deparavam. Aos Templários, por exemplo, não podiam ser impostos jejuns tão severos como nas outras ordens, senão como teriam forças para entrarem em combate? Pela mesma razão, um monge fatigado era dispensado de satisfazer todas as suas obrigações de oração: precisavam descansar para reconstituírem as suas forças de guerreiros. Mesmo assim, a obediência ao Mestre devia ser absoluta, militar. A regra foi rapidamente complementada por várias bulas pontificais, bem como pelos «Retrais» que desenvolveram, nomeadamente, tudo o que se relacionava com a disciplina e as sanções eventuais e que enumeraram o conjunto dos deveres aos quais cada um dos cavaleiros Templários estava submetido.

A regra foi traduzida para o francês, em 1140, e recebeu, nessa altura, algumas modificações. Nomeadamente, o novo texto recomendava que se atraíssem os excomungados para a Ordem, para sua redenção. Com efeito, o artigo diz: “Lá onde souberdes que se reúnem cavaleiros EXCOMUNGADOS, é lá que vos ordenemos para que ides, e se houver entre eles quem queira ir juntar-se à cavalaria de Além-Mar, não devereis esperar o lucro temporal tanto quanto a salvação eterna da sua alma, quando o texto da regra latina afirmava: «Lá onde souberdes que se reúnem cavaleiros NÃO EXCOMUNGADOS…», isto é, precisamente o inverso…” Erro de copista? É o que pensa a maior parte dos comentadores, mas é impossível porque outras passagens da regra latina que proibiam o convívio com homens excomungados foram modificadas. Tratava-se, pois, de uma alteração voluntária – e importante – a que teremos ocasião de voltar.

Aliás, outras alterações tinham sido introduzidas sem sequer esperar pela redação da regra em francês. Quando Hugues de Payns regressou ao Ocidente, o patriarca de Jerusalém revira doze artigos e acrescentara vinte e quatro, entre os quais o fato de reservar o manto branco com a cruz vermelha da Ordem apenas aos cavaleiros. Na realidade, a versão latina e a versão francesa parecem corresponder a duas lógicas diferentes, em vários pontos. O concílio de Troyes dissera que deixava ao papa e ao patriarca de Jerusalém o cuidado de aperfeiçoarem a regra de acordo com as necessidades da Ordem no Oriente. Foi, aliás, essencialmente a partir de 1163, após a publicação da bula Omne Datum Optimum, que todos esses regulamentos foram fixados definitivamente. Esse texto reforçava ainda mais os poderes da Ordem e do seu Grão-Mestre.

Ele autorizava os Templários a conservarem para si mesmos o saque tomado dos Sarracenos, colocava a Ordem sob a tutela exclusiva do papa, permitindo-lhe assim escapar a qualquer outra forma de poder da Igreja, incluindo o do patriarca de Jerusalém. Quando sabemos, por exemplo, que a nomeação dos bispos dependia em grande medida do rei e do poder político em geral, compreendemos a importância de uma tal medida, dado que protegia os Templários de qualquer ingerência a esse nível e dava-lhes, até certo ponto, um estatuto internacional. A bula confirmava, ademais, que os bens da Ordem estavam isentos de dízimo; em contrapartida, com a anuência do bispo local, os Templários tinham o direito de lançar o dízimo em proveito próprio. Por outro lado, o texto proibia que os Templários fossem submetidos a juramento e estipulava que apenas os irmãos da Ordem podiam participar na eleição do Grão-Mestre.

A bula fixava e condensava os estatutos da Ordem e proibia a quem quer que fosse, eclesiástico ou não, de alterar alguma coisa neles. Permitia, por fim, que o Templo tivesse os seus próprios capelães, junto dos quais os irmãos podiam confessar-se sem terem de recorrer a uma pessoa exterior à Ordem, e construíssem capelas e oratórios privados. Ademais, eram os únicos que podiam utilizar as igrejas e capelas das paróquias excomungadas. Assim, a Ordem do Templo encontrava-se perfeitamente autônoma, sem que ninguém, a não ser o papa – mas teria ele esse poder? -, pudesse imiscuir-se nos seus assuntos.

Esta independência era uma realidade, tanto no campo econômico como no da organização militar ou no campo espiritual e ritual. Tudo se passou como se se tivesse deixado aos Templários o cuidado de manter e preservarem segredos, evitando-lhes terem necessidade do que quer que fosse exterior à Ordem, mesmo que fosse para se confessarem. Não deveremos ver aí, se não a prova, pelo menos um indício importante que confirma a existência de um «monumental segredo» da Ordem, sem dúvida relacionado com as descobertas com as escavações feitas em Jerusalém durante quase dez anos?

O monge e o guerreiro ou a teologia da guerra

O Templo não tinha nada que ver com uma ordem religiosa tradicional normal. Os seus privilégios eram exorbitantes, quer se tratasse do poder de decisão, de independência, organização, ou da criação de um potentado financeiro e econômico, em sentido amplo. Os cavaleiros cultivavam a pobreza pessoal, mas a Ordem via serem-lhe conferidas todas as possibilidades para se tornar extremamente rica e, de certa forma, rica a expensas do resto da Igreja, dado que estava isenta de dízimo. Isto era justificado pela necessidade, para a Ordem, de manter um verdadeiro exército na Terra Santa, mas, ao mesmo tempo, o fato de ser uma ordem militar, com o que isso representa em termos de poderio, poderia tornar esse um privilégio suplementar. Aliás, isso levantava um problema terrível: não deveria considerar-se que existia incompatibilidade entre as funções de monge e as de soldado?

Não deveria ver-se nas noções de procura da santidade e procura cavaleiresca duas éticas radicalmente opostas? Demurger escreve, a este propósito: “Para as conciliar, era necessária uma evolução espiritual considerável, a mesma, aliás, que permitiu a cruzada. A Igreja teve de modificar a sua concepção da teologia da guerra. Teve de aceitar a cavalaria e arranjar-lhe um lugar na sociedade cristã, na ordem do mundo desejada por Deus.” O cristianismo primitivo é representado amiúde como condenando toda a guerra e toda a violência. Preconizava, como única resposta, o amor e apenas o amor, mesmo em caso de agressão. Segundo Mateus, quando Pedro puxou da espada para cortar a orelha do criado do Grão-Sacerdote, não lhe disse Cristo: «Embainha a tua espada, porque aqueles que matam com a espada morrerão pela espada»? Numa abordagem destas, não há lugar para a batalha, mesmo de modo defensivo. Mas as coisas não são assim tão simples. Em primeiro lugar, a censura feita a Pedro é relatada de uma forma muito diferente pelos outros evangelistas.

Marcos não relata esta frase e Lucas contenta-se com pôr Jesus a dizer: «Basta» e com fazê-lo curar a orelha ferida. Quanto a São João, atribui a Jesus esta reflexão: «Embainha a tua espada. Não beberei eu o cálice que o meu Pai me deu?», o que é o sinal da aceitação do seu destino, por Cristo, da sua submissão ao necessário sacrifício, e não de uma censura a São Pedro. Por outro lado, noutra ocasião, o próprio Mateus refere uma outra palavra de Cristo: “Não julgueis que vim trazer a paz à Terra; não vim trazer a paz, mas sim a espada.” Do mesmo modo, encontramos no evangelho apócrifo de São Tomás: “Por certo que os homens pensam que vim para lançar a paz sobre o Universo. Mas eles não sabem que vim para lançar, sobre a Terra, as discórdias, o fogo, a espada, a guerra.” Paul du Breuil vê aí uma alusão de Cristo à extrema subversão de toda a verdade.

Os teólogos não estavam, portanto, desprovidos de recursos para justificar atos guerreiros. No entanto, era necessário escorar, mediante uma verdadeira teologia da guerra, escolhas que teriam podido lançar a perturbação nos espíritos. Evitou-se, portanto, considerar o fenômeno em si mesmo, para, atribuindo apenas interesse às suas razões, se chegar a uma noção de guerra justa. Bater-se para se apoderar das riquezas de outrem ou por simples bravata não podia ser admitido, mas bater-se para se defender ou salvar os seus, para manter o direito e a ordem, tornou-se legítimo, desde que todos os outros métodos estivessem esgotados.

Santo Agostinho foi, sem dúvida, o primeiro a elaborar uma teologia da guerra justa:
“São chamadas justas todas as guerras que vingam as injustiças, quando um povo e um Estado, a quem a guerra deve ser feita, descurou de punir os delitos dos seus ou de restituir o que foi roubado por meio dessas injustiças.” Escrevia também: “O soldado que mata o inimigo, tal como o juiz ou o carrasco que executam o criminoso, em meu entender, não pecam, porque, ao agirem assim, obedecem à lei.” Santo Agostinho dizia também: «Devemos querer a paz e fazer apenas a guerra por necessidade, porque não procuramos a paz para preparar a guerra, mas fazemos a guerra para obter a paz. Sede, pois, pacíficos, mesmo ao combaterdes, a fim de trazerdes, pela vitória, aqueles que combateis à felicidade da paz.»

Demurger assinala que, no século VIII, Santo Isidoro de Sevilha acrescentou, a esta definição, uma precisão capital: “É justa a guerra que é feita após advertência para recuperar bens ou para repelir inimigos.” Isto irá permitir justificar as cruzadas, enquanto recuperação dos lugares santos. Era preciso, a todo o preço, mesmo que fosse o de uma guerra, manter na terra a ordem desejada por Deus. Recusar a violência teria tido como consequência um recuo do cristianismo e teria feito o jogo do demônio, entregando-lhe populações cujas almas se teriam perdido. A partir de então, passou-se rapidamente da noção de guerra justa à de guerra santa. Tratava-se de defender o único Deus verdadeiro e a fé do seu povo. O guerreiro batia-se por Cristo, defendendo o cristão contra o infiel. Devia até permitir que os povos pudessem receber o ensinamento da «verdadeira fé» e converter-se, uma vez destruído o poder dos seus antigos amos.

A guerra santa

A noção de guerra santa era, aliás, bem conhecida no Oriente. No entanto, continuava, em teoria, muito ligada espiritualmente à purificação interior, e isso tanto nas doutrinas essênias ou zoroastrianas como na jihad islâmica. A espiritualidade do monge e o papel do guerreiro haviam sido conciliados, tanto quanto possível, no islamismo, antes de o serem no cristianismo. Assim, os muçulmanos rabitas da Espanha, que levavam uma vida muito austera e faziam voto de defender as fronteiras contra os cavaleiros cristãos, preferiam morrer a recuar. E não é a única aproximação que pode fazer-se entre as concepções guerreiras no Oriente e no Ocidente. Vemos bem quais os desvios que a noção de guerra santa podia trazer, dado que fazia desaparecer a de guerra justa, defensiva.

Doravante, podia-se, em nome de Deus, levar a cabo guerras de conquista sob a única condição de que os territórios envolvidos fossem povoados por heréticos, pagãos ou infiéis. Esta concepção serviu para justificar, um pouco mais tarde, a cruzada contra os Albigenses. Não passou de uma maneira de os barões do norte rapinarem o Languedoc, sob o pretexto de uma guerra santa contra os cátaros, declarados heréticos. Foram, aliás, os monges de Cister que pregaram esta pseudo-cruzada, com o apoio de São Bernardo. Nota: Na verdade, esta cruzada começou cerca de cinquenta anos depois da morte de São Bernardo. Bernardo foi para o Languedoc, esperando trazer os heréticos de volta ao caminho reto. Encontrou diferentes recepções, caracterizadas, na maior parte das vezes, pela indiferença, e até enervamento, da população.

Por vezes, foi mesmo recebido à pedrada, o que tinha o condão de o exasperar ao ponto de se dirigir a Deus a fim de que este fizesse secar a região. Acontece que, tendo perdido toda a esperança de converter esses hereges obstinados, Bernardo pensou que só restava reduzi-los por meio da espada e do fogo das fogueiras. E foi um cisterciense que, segundo se diz, exclamou em Béziers, quando foi levantada a questão de saber como se distinguiriam, na população, os cátaros dos bons católicos: «Matem-nos a todos, Deus reconhecerá os seus.»

Tudo isto ilustra os desvios possíveis de uma teologia da guerra. Todavia, será forçoso reconhecer que a Igreja não podia opor-se à luta contra a insegurança. Eram, pois, necessários homens armados para policiarem, para se oporem aos bandos inimigos, vindos para pilhar. Ora, dado que esses homens de armas, esses defensores, eram muitas vezes tentados a tornarem-se, por sua vez, saqueadores, violadores, era indispensável «moralizar» a função de soldado. Talvez tenha muito bem sido desta idéia que nasceu a Cavalaria, com o seu código de honra que se julgava impedir os exageros. Aquele que era armado cavaleiro jurava bater-se apenas por causas justas. Não se trata de uma ideia muito original, dado que já era aplicada no IRÃ, muito antes das cruzadas. Segundo Paul du Breuil, «os Persas tinham constituído uma instituição, a fotowwat – substantivo que significa, em sentido próprio, liberdade, generosidade, abnegação – que caracterizava bem uma espécie de confraria cujo grau de fato era conferido pelos sheiks, senhores ou mestres de sociedades iniciáticas».

Completou o seu arsenal de luta contra a violência impondo períodos de sossego. A introdução do sistema cavaleiresco permitiu à Igreja atalhar o mal.: as «tréguas de Deus». Multiplicou, por ocasião das festas religiosas, os períodos durante os quais qualquer combate era proibido. Devia fazer também que o cavaleiro não se desviasse do papel que lhe era atribuído. Para tal, possuía uma arma temível: a excomunhão e, para as faltas menos graves, a peregrinação penitencial. Eis o princípio geral de coexistência de uma sociedade religiosa e de uma sociedade guerreira. Mas estamos longe desse equilíbrio precário devido ao fato de se misturarem completamente as funções de monge e de guerreiro. Quando o braço que abençoa é o mesmo que mata, há razões para surgirem alguns problemas de consciência.

São Bernardo, sargento recrutador dos monges-guerreiros

Na época, alguns insurgiram-se contra a criação de uma ordem militar. Assim o testemunha a carta enviada a Hugues de Payns pelo prior da Grande Cartuxa, Guigues: “Não saberíamos, na verdade, exortar-vos às guerras materiais e aos combates visíveis; também não somos mais aptos para vos inflamar para as lutas do espírito, a nossa ocupação de cada dia, mas desejamos, pelo menos, alertar-vos para que penseis nisso. Com efeito, é vão atacar os inimigos externos, se não dominamos, antes de mais nada, os inimigos do nosso próprio interior…” Nota: É precisamente esse o sentido da Jihad islâmica:

Façamos, antes de mais, a nossa primeira e própria conquista, amigos muito caros, e poderemos em seguida combater com segurança os nossos inimigos de fora. Purifiquemos as nossas almas dos seus vícios, e poderemos depois purgar a terra dos bárbaros. Porque não é contra adversários de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados, os poderes, contra os que governam este mundo de trevas, contra os espíritos do mal que habitam os espaços celestes, isto é, contra os vícios e os seus instigadores, os demônios”.

Estas críticas chegarão, por vezes, a fazer duvidar os próprios Templários, e Hugues de Payns teve de lembrar, numa carta dirigida aos primeiros dentre eles, que se tratava de uma necessidade. Tentando dissipar as suas dúvidas, escrevia:

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“Vede, irmãos, como o inimigo, sob o pretexto da piedade, se esforça por vos conduzir à armadilha do erro. Oh trombeta inimiga, quando te calarás? Como é que o anjo de Satã se transforma em anjo de luz? Se o diabo aconselhasse a desejar as pompas do mundo, reconhecê-lo-íamos facilmente. Mas ele diz aos soldados de Cristo que deponham as armas, que deixem de fazer a guerra, que fujam do tumulto, que façam um qualquer recuo de modo que, apresentando uma falsa aparência de humildade, dissipa a verdadeira humildade. Com efeito, que é ser orgulhoso senão não obedecer ao que nos é ordenado por Deus? Tendo abanado deste modo os superiores, Satã volta-se para os inferiores, para os derrotar.”

“Por que razão”, diz ele, “trabalhais inutilmente? Por que razão despender em vão um tal esforço? Esses homens que servis obrigam-vos a participar no seu labor, mas não querem admitir-vos na participação da fraternidade (confraria). Quando vêm até aos soldados do Templo as saudações dos fiéis, quando são feitas orações no mundo inteiro pelos soldados do Templo, não se faz qualquer menção a vós, nenhuma lembrança. E quando quase todo o trabalho corporal vos incumbe, todo o fruto espiritual se repercute neles. Retirai-vos pois dessa sociedade e oferecei o sacrifício do vosso trabalho noutro local onde o zelo do vosso fervor seja manifesto e frutuoso.”

O Grão-Mestre da Ordem dos Cavaleiros Templários respondia assim também às tentativas de provocar a deserção dos homens que serviam o Templo sem serem cavaleiros. Hugues de Payns compreendera bem onde se encontravam os pontos fracos da Ordem. Era preciso não deixar desenvolver-se a crítica, convinha responder-lhe antes de se estender e tornava-se urgente que uma personalidade da Igreja, incontestável, viesse em socorro dos Templários. Por três vezes pediu ao seu amigo Bernardo que desempenhasse esse papel de autoridade espiritual e defendesse a missão particular dos Templários. O santo homem de Clairvaux respondeu-lhe: “Por três vezes, salvo erro da minha parte, me pediste, meu muito caro Hugues, que escrevesse um sermão de exortação para ti e para os teus companheiros […]. Disseste-me que seria para vós um verdadeiro conforto encorajar-vos por meio das minhas cartas, dado que vos não posso ajudar pelas armas. E garantistes-me que seria muito útil se animasse, com as minhas palavras, aqueles que não posso ajudar pelas armas.”

E então Bernardo de Clairvaux redigiu o De laude Novae Militiae, verdadeira ferramenta de propaganda, crítica aos guerreiros tradicionais e apologia desta nova milícia de Deus que constituía a Ordem do Templo. Começou por criticar vigorosamente os homens de armas do seu tempo:

“Qual é, cavaleiro, esse inconcebível erro, essa inadmissível loucura que faz que despendas para a guerra tanto esforço e dinheiro e apenas recolhas frutos de morte ou de crime? “Embiocais os vossos cavalos de sedas e tapais as vossas cotas de malha com não sei quantos panos. Pintais as vossas lanças, os vossos escudos e as vossas selas, incrustais os vossos freios e os vossos estribos com ouro, prata e pedras preciosas. Vestis-vos com pompa para a morte e correis para a vossa perdição com uma fúria sem vergonha e uma insolência impudente. Esses ouropéis serão os arneses de um cavaleiro ou os atavios de uma mulher?”

“Ou então julgais que as armas dos vossos inimigos se desviam do ouro, pouparão as gemas, não furarão a seda? Por outro lado, demonstraram-nos amiúde que são necessárias três coisas principais na batalha: que um cavaleiro esteja alerta para se defender, seja rápido na sela e esteja pronto para o ataque. Mas, pelo contrário, penteais-vos como mulheres, o que dificulta a vossa visão; embaraçais os pés em camisas longas e largas e escondeis as vossas mãos delicadas dentro de mangas largas e de amplas aberturas. E, assim ataviados, bateis-vos pelas coisas mais vãs, tais como a cólera irracional, a sede de glória ou a cobiça dos bens temporais. Matar ou morrer por tais objetos não põe a alma em segurança.”

Que requisitório! A esta guerra de rendas, fútil, Bernardo contrapunha a dos monges-soldados da Ordem do Templo. Punha a tônica na simplicidade dos seus costumes, no seu desinteresse e na sua caridade e explicava por que razão aqueles monges tinham o direito e, até, o dever de matar, o que constituía a santidade da sua missão:

“O cavaleiro de Cristo mata em consciência e morre tranquilo: ao morrer, obtém a sua salvação; ao matar, trabalha para Cristo. Sofrer ou dar a morte por Cristo não tem, por um lado, nada de criminoso e, por outro, merece uma imensidade de glória.” Sem dúvida que não seria necessário matar os pagãos, tal como os outros homens, se tivéssemos outro meio de deter as suas invasões e de os impedir de oprimir os fiéis. Mas, nas circunstâncias presentes, é melhor massacrá-los do que deixar a vara dos pecadores suspensa sobre a cabeça dos justos e deixar os justos expostos a cometerem também a iniquidade. Pois então? Se nunca fosse permitido a um cristão bater com a espada, o precursor de Cristo teria apenas recomendado aos soldados que se contentassem com o seu soldo? Não lhes teria antes proibido o ofício das armas? Mas não é assim, pelo contrário.”

“Empunhar as armas é permitido, àqueles, pelo menos, que receberam a sua missão do altíssimo e que não fizeram profissão de uma vida mais perfeita. Existe alguém mais qualificado, pergunto-vos, do que esses cristãos cuja poderosa mão sustém (o Monte) Sião, a nossa praça-forte, para a defesa de todos nós, e para que, depois de expulsos os transgressores da lei divina, a nação santa, guardiã da verdade, a ela tenha um acesso seguro? Sim, que eles dispersem, têm esse direito, esses gentios que querem a guerra; que suprimam aqueles que nos perturbam; que ponham fora da cidade do Senhor todos esses obreiros de iniquidades que sonham pilhar ao povo cristão as suas inestimáveis riquezas encerradas em Jerusalém, conspurcar os Lugares Santos e apoderar-se do santuário de Deus!”

Depois de ter justificado o papel dos Templários, Bernardo quis mostrar que eram um escol, os melhores entre os homens, e participar assim na excelência do seu recrutamento:

“Agora, para dar aos nossos cavaleiros, que militam não para Deus mas para o diabo, um modelo a imitar, ou antes, para os inspirar e fazer sair da confusão, contarei em breves palavras o tipo de vida dos Cavaleiros de Cristo, o seu modo de se comportarem tanto na guerra como em suas casas. Quero que se veja claramente a diferença que existe entre os soldados seculares e os soldados de Deus. E, antes de mais, a disciplina não falta entre estes. Não têm desprezo pela obediência. Sob a ordem do chefe, vão, vêm; veste-se o hábito que ele dá e não se espera de outrem nem a roupa nem a alimentação. Tanto na vida como nas vestimentas, evita-se o supérfluo; reserva-se a atenção para o necessário.”

“É a vida em comum, levada na alegria e na mesura, sem mulheres nem filhos. E para que a perfeição angélica seja realizada, todos habitam na mesma casa, sem nada possuírem em particular, prestando atenção para manterem entre eles um único espírito de que a paz é o laço. Dir-se-ia que essa multidão tem apenas um corpo e uma alma, dado que cada um, em vez de seguir a sua vontade pessoal, se apressa tanto a seguir a do chefe. Nunca estão ociosos; não vão nem vêm por simples curiosidade; mas quando não estão em campanha (o que acontece raramente), para não comerem o seu pão sem o terem ganho, cosem as suas roupas rasgadas, reparam as suas armas […]. Entre eles, não há preferências de pessoas; julga-se segundo o mérito e não de acordo com a nobreza […]. Nunca uma palavra insolente, uma tarefa inútil, uma gargalhada excessiva, um murmúrio, por mais fraco que seja, ficam impunes”.

“Detestam o xadrez, os jogos de azar, têm horror à caça com galgos e a cavalo e nem sequer se divertem com a caça de altanaria, com que tantos se deleitam. Os númos, os que leem a sina, os jograis, as canções jocosas, as peças de teatro, são, a seus olhos, tão cheias de vaidade e de loucura, que se afastam delas e as abominam. Têm os cabelos curtos, porque sabem que, segundo as palavras do apóstolo, é vergonhoso para um homem cuidar da cabeleira. Nunca se penteiam e raramente tomam banho. É assim que são vistos, descuidados, hirsutos, negros de poeira, com a pele queimada pelo sol e tão bronzeada como a sua armadura.”

Que retrato, que forma de justificar esses homens e de os mostrar tão diferentes dos outros guerreiros! Não podemos dizer que Bernardo tente atrair recrutas prometendo-lhes facilidades, mas os homens de que o Templo necessita devem ser capazes de dar provas da mais total abnegação e de suportar uma vida rude entremeada de sofrimento. Bernardo procurava levar cada um a empenhar-se mais e, ao pregar a segunda cruzada, em Vézelay, exclamava:

“A terra treme, é abalada porque o Deus do céu está em vias de perder a sua terra, a que é dele desde que viveu entre os homens durante mais de trinta anos […]. Agora, por causa dos nossos pecados, os inimigos da cruz erguem de novo a sua cabeça sacrílega e a sua espada despovoa essa terra bendita, essa terra prometida. E se ninguém resiste, pobres de nós, eles vão lançar-se sobre a própria cidade do Deus Vivo, para destruírem os lugares onde se consumou a salvação, para macularem os Lugares Santos que o sangue do Cordeiro Imaculado purpurou. Dareis vós aos cães o que há de mais santo, aos porcos as pérolas preciosas? Mas, digo-vos, o Senhor oferece-vos uma oportunidade. Contempla os filhos dos homens para ver se, entre eles, haverá alguns que o compreendam, que o procurem e que sofram por ele.

“Deus tem piedade do seu povo; àqueles que sucumbiram aos erros mais graves, propõe uma forma de salvação. Pecadores, pensai nesse abismo de bondade, enchei-vos de confiança. Ele não quer a vossa morte, mas sim a vossa conversão, a vossa vida: arranja-vos uma possibilidade não contra vós mas por vós. Ousa chamar a servir, como se estivessem prenhes de justiça, homicidas e ladrões, perjuros e adúlteros, homens acusados de todos os tipos de crimes. Não será isso, da sua parte, uma invenção excêntrica e que só Ele podia encontrar?”

De qualquer modo, não foi mal pensado, da parte de São Bernardo. Que homem político! Com uma só cajadada matava dois coelhos, recrutando homens rudes para se baterem no Oriente e aliviando o Ocidente de uma parte das más reses que nele habitavam. Em certa medida, inventava a Legião Estrangeira e dava realmente uma oportunidade a esses homens para se regenerarem. No entanto, pelo menos nos primeiros tempos, a Ordem do Templo foi, quanto a ela, muito seletiva no recrutamento e não aceitou as pessoas sem eira nem beira que se lhe ofereceram e, de qualquer modo, não as transformou em cavaleiros. Doravante, os Templários já tinham meios para fazerem a guerra, já estavam fixados. Na sua esteira, também se havia transformado a Ordem dos Hospitalários de São João de Jerusalém em ordem militar? Por que razão não mandaram fundir os nove ou dez templários dos tempos iniciais com os Hospitalários?

No entanto, teria sido a solução mais lógica em vez de organizar duas estruturas diferentes com as suas logísticas próprias. Mas, não o esqueçamos, o Templo tinha uma missão especial a assumir, depois das descobertas feitas em Jerusalém. A partir de então, não era possível misturar as duas ordens, dado que não prosseguiam objetivos estritamente idênticos. E como escreve Louis Lallement em La Vocation de l’Occident, a propósito dos Templários: “A Ordem do Templo, cujo manto branco ornado com uma cruz vermelha era das cores vermelhas de Galahad, constituía, no século XII, como que a armadura da própria cristandade.” Uma armadura que muitos, a partir de então, apenas pensaram em destruir.


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