O som persistente das palavras “Lago Azul” entoadas repetidamente, um som que eu ouvira certa noite no meu quintal em Clear Lake (Lago Cristalino), continuou a ecoar em minha mente muito tempo depois. Alguns meses depois, em 1985, senti-me compelido a escrever uma carta ao Taos Pueblo , pedindo permissão para levar meu cristal ao Lago Azul. Também senti-me compelido a mandar junto com a carta outro cristal de minha coleção, como um tipo de prenda e uma maneira de eles experimentarem a minha vibração pessoal.
UMA HISTÓRIA NO LAGO AZUL (Blue Lake) – Excerto do livro The Traveler and the End of Time, de Ken Page e Simon Peter Hemingway
Fontes incluem:
Aproximadamente seis semanas depois, recebi uma carta do Taos Pueblo. O imponente cabeçalho dizia: “Conselho de Guerra.” O Conselho de Guerra, dizia a carta, se reunira para considerar meu pedido, mas por razões que eles estavam impossibilitados de contar, não podiam me dar autorização para ir ao Lago (Blue Lake) Azul naquele momento. O cristal que eu lhes enviara estaria à disposição em qualquer horário no escritório do Pueblo quando eu quisesse ir buscá-lo.
Fiquei desapontado. Parecia-me imensamente importante levar o cristal ao Lago Azul; tinha certeza de que os anciãos sábios do Pueblo também enxergariam a verdade deste fato. Eu estava cansado de tocar meus negócios falidos e queria realizar algo que desse significado à minha vida novamente. Quando busquei o lado bom da situação em que me encontrava, pensei em meu Tio Donny.
Quando eu tinha quatro anos de idade, minha mãe voltou a morar com meus avós em Oakland para se refazer depois de seu divórcio. Meu avô era pai de Donny. Na ocasião Donny tinha nove anos e eu era uma praga para ele, mas mesmo assim eu o seguia por toda parte como um cachorrinho. A natureza essencial de nosso relacionamento permaneceu inalterada durante muitos anos. Eu o seguia a todo lugar da mesma maneira obstinada sempre que nossas famílias se reuniam nos vários feriados que tinham significado para nós.
Finalmente, a guerra do Vietnã nos separou, como separou tantas outras famílias nos anos sessenta. Donny foi logo convocado, em 1961, e fiquei sem saber o que aconteceu a ele depois, a não ser que parou de ir para Oakland no Natal. Nossas vidas tomaram caminhos diferentes daquele ponto em diante. Ao contrário de Donny, que foi convocado, eu me alistei na Guarda Nacional, e 18 meses depois estava galgando a hierarquia da General Cable, rumo a me tornar milionário.
A vida inesperada de Donny depois da guerra foi a realização de um padrão iniciado quando ele nasceu quase 17 anos depois de seu irmão mais próximo. Nunca se sabe o que Donny vai fazer, era só o que dizia meu avô. Donny lhes enviava cartões postais de lugares tais como Afeganistão e Tibete, e apenas minha mãe, rosa-cruz a vida toda, parecia fazer idéia do que ele estava aprontando.
Quanto a mim, quando pensava nele, lembrava-me de suas carruagens legendárias: o Chevy 1958 preto novo que meu avô lhe comprou quando ele tinha 16 anos e o MG Midget que ele comprou no ano seguinte. Lavar o MG de Donny, quando eu tinha 13 anos, foi uma de minhas primeiras experiências religiosas.
Agora nossos caminhos estavam convergindo novamente. Eu tinha um novo trabalho excitante dirigindo uma empresa de hologramas, e minha visão da criação de um holograma de Jesus exigia que eu viajasse para Santa Fe para supervisionar a criação da escultura detalhada em miniatura que eu planejava fotografar com raios laser. Sabia que Don estava morando em Taos, Novo México, e resolvi ir visitá-lo. Praticamente não sabia nada sobre cristais e algo me dizia que Don era o homem com quem eu precisava falar.
Ao lado da casa de Don, desci de meu Lincoln alugado, elegantemente vestido num dos muitos ternos escuros com colete que eu usava como uniforme naqueles dias. Ele morava numa casinha de um quarto no final de uma comprida estrada coberta de pedregulhos, próximo a um desbotado ônibus escolar adaptado que ele usava para receber convidados e como escritório. Havia vários pedaços de madeira empilhados sob os beirais, anunciando o inverno próximo.
A porta se abriu. Diante de mim estava um homem com cabelos na altura dos ombros e barba de hippie. O ar morno que passava por ele cheirava a fumaça de madeira e incenso. Aquele era meu tio? Estendi a mão. “Oi, Don,” disse eu. “É Ken.”
Don estudou-me solenemente enquanto retribuía meu aperto de mão. “Eu sabia que alguém da minha família estava vindo,” ele respondeu, “Só não sabia quem.” Olhou-me mais um pouco e então eu o segui para dentro. “Preciso lhe contar uma história,” ele disse. Sentei-me pronto para ouvir. Eu gostava de histórias.
Don me contou do ano em que passou vivendo da terra na Colúmbia Britânica em 1971. A história terminou quando ele foi envenenado e morreu. Prendeu-me em seu olhar fixo, esperando ter certeza de que o que me contara tinha se arraigado. “Don está morto,” explicou sério. “Sou Akbar agora.” Eu compreendi. Akbar era o ser que viera habitar-lhe o corpo depois que Don se foi. Era um tipo de sublocação (Walk In). Eu sabia o que era uma sublocação. Meu tio não tirava os olhos de mim.
“Akbar,” disse eu tentativamente, experimentando a sensação em minha língua. Sem problemas. No lugar de meu superbacana Tio Don, eu tinha agora o sábio e misterioso Tio Akbar. Todo mundo deveria ter essa sorte.
Tio Don foi Tio Akbar durante alguns anos apenas. Hoje ele é conhecido em toda parte como Drunvalo Melchizedek. Antes de conhecer Drunvalo, eu pensava que um entrante era alguém que aparecia para cortar os cabelos sem hora marcada. Entrante, descobri, era o nome popularizado pela escritora Ruth Montgomery para uma alma que entra num corpo adulto sem o inconveniente do processo de nascimento. Em essência, somos todos entrantes; nosso universo é bastante jovem e todos viemos para cá vindos de outro lugar. Desde então, passei a acreditar que o entrante quase sempre é um aspecto superior da alma original no nascimento, depois de eu mesmo passar pelo processo. As pessoas, descobri, o tempo todo, mudam.
Quando superamos as formalidades, descobri que Drunvalo realmente tinha muito a me dizer sobre cristais. A primeira coisa que me disse foi que eles não eram apenas pedras, e sim seres vivos, crescendo e se modificando todo o tempo. Mostrou-me como respirar informações de um cristal segurando-o de encontro à testa, fazendo mentalmente, ao mesmo tempo, uma pergunta.
Também explicou como os cristais podem conter imensas quantidades de energia, quer positivas, quer negativas, podendo, dessa forma, ser usados seja para machucar, seja para curar gente. Chegaram mesmo a descobrir, disse ele, como captar toda a energia de uma explosão nuclear num cristal minúsculo que se poderia segurar na mão. Agora, como na antigüidade, os cristais ainda são a arma suprema.
No dia seguinte, ele me apresentou a Katrina Raphaell, que escreveu o livro Crystal Enlightenment (Iluminação pelos Cristais) e dois volumes relacionados ao assunto. Passamos o dia caminhando, e ela me contou ainda mais sobre cristais. No final do passeio eu não podia imaginar mais nada para perguntar sobre eles. Na noite anterior à minha partida, Drunvalo deu-me de presente um cristal que ele tinha há um ano e meio e um livro, Joy’s Way (Caminho da Alegria ou À Maneira de Joy) de Brugh Joy. Ele tocou o cristal. “Eu não sabia para onde ele deveria ir,” disse, “mas agora vejo que pertence a você Ken.”
Algumas semanas depois, tive de voltar para o norte do Novo México, e desta vez Drunvalo foi comigo quando fui ao escritório do Pueblo Taos reaver o cristal que enviara com minha carta. Um homem grande de peito enorme com sorridentes olhos escuros nos chamou quando saíamos do edifício. Drunvalo me apresentou a Jimmy, um velho amigo seu que morava no Pueblo. Ele e Drunvalo se conheciam muito bem, embora houvesse longos intervalos em sua amizade ocasionados pelos períodos de bebedeira de Jimmy.
No momento Jimmy estava a seco. Ele acenou sério a cabeça quando lhe contei minha tentativa fracassada de obter permissão do Pueblo ir ao Lago Azul. “Eu estava lá, cara,” disse ele. “Disseram não porque estão preocupados com feitiçaria que estão fazendo lá em cima. Aquele lugar é poderoso demais. É bom não arriscar.”
De fato, como descobri depois, eram cuidadosos a ponto de postar guardas armados na trilha na maior parte do ano. Quando descobri mais sobre o Lago Azul, fiquei satisfeito por agirem daquela maneira. Além de ser um lugar muito poderoso, estava também energeticamente ligado a outros locais sagrados no mundo todo. A tribo de Taos estava certa em protegê-lo.
Tirei o cristal que o conselho de guerra me devolvera sem abrir e o dei a Jimmy. Era lindo, claro e com acabamento duplo. Eu soube imediatamente que devia dá-lo a ele, e foi o que fiz. Jimmy o segurou contra a luz, admirando-o. Um sorriso perpassou suas feições alcantiladas como o Sol surgindo por cima de uma montanha. “Vou levar você lá,” anunciou de repente. Meu coração saltou como um peixe atrás de uma mosca.
Drunvalo me bateu nas costas e deu um grito. Afinal íamos ao Lago Azul. Algumas semanas depois, Jimmy me telefonou na Califórnia. Aluguei novamente um carro em Albuquerque e fui até Taos. Jimmy morava num velho trailer duplo que o vento rasgara como tecido de algodão. Sentamos e falamos enquanto o vento assobiava à nossa volta e o forno a propano rugia em vão para o vento como um velho brigão.
Jimmy me falou de Mario, um velho de 75 anos, o índio kiva encarregado da educação espiritual das crianças do pueblo. Mario era tão instruído que podia passar um mês inteiro apenas ensinando as crianças sobre o sol e a lua. Embora Mario fosse tio de Jimmy, eles eram chegados como pai e filho, assim era natural que Jimmy contasse ao homem mais velho sobre nossa planejada viagem ao Lago Azul.
Mario ficou imediatamente preocupadíssimo com o que estávamos fazendo. Na noite seguinte à que ele falou com Jimmy, colocou duas penas de águia cruzadas em seu peito e pediu a um sonho induzido por drogas para lhe mostrar a verdade do que estávamos tentando. O sonho trouxe boas notícias para todos nós. Mario disse a Jimmy que o que estávamos fazendo mudaria o mundo, e teimou em ir junto.
Àquela altura, estávamos todos muito entusiasmados. Nenhum de nós pensou por um momento que a viagem que estávamos tentando possivelmente seria perigosa. O único sinal que tive de que alguma coisa estava errada era o tempo frio para aquela época do ano e o fato de Jimmy me dizer que eles estavam tendo dificuldades para pegar os cavalos.
Na manhã seguinte, fomos ao “rancho” de Jimmy em sua velha caminhonete. O rancho consistia realmente apenas de um alpendre e de um curral construídos na terra onde ele mantinha seus animais. Mario já estava lá nos esperando com apenas dois cavalos selados. Estávamos em três. Olhei alarmado para Jimmy. Ele encolheu os ombros. Era um famoso encolher de ombros característico de muitas pessoas nativas.
O encolher de ombros continha toda a história de seu povo. Era um encolher de ombros que reconhecia o roubo de tudo o que eles possuíam, o assassinato de seus avós, a dor de ver o estupro diário da Terra praticado por homens que não davam a mínima para ela. Era um encolher de ombros que colocava um cavalo perdido em sua devida perspectiva.
Mario me saudou calorosamente e fez algumas piadas sobre o tempo. Pude dizer imediatamente, só de olhar para ele, por que sabia tanto sobre o sol e a lua: eles três obviamente tinham passado muito tempo juntos. Seus cabelos grisalhos estavam amarrados para trás numa trança, e ele mostrava profundas marcas de riso ao redor da boca, conseqüência de toda uma vida a sorrir.
Estava claro que perder um cavalo significava ainda menos para ele do que para Jimmy; ambos eram tão duros quanto aço temperado e caminhariam descalços se preciso. Os dois estavam vestindo apenas calças jeans, botas de vaqueiro e jaquetas de lã xadrez leves, embora estivesse chovendo.
Eu estava completamente encantado com a recusa deles de se irritar com a mais adversa das circunstâncias. Era uma prova flagrante de sua fé no Criador. O fato de estar encantado não me impediu de entregar os dois ponchos para chuva que tinha colocado em minha mochila no último minuto.
A namorada de Jimmy levou embora a caminhonete numa nuvem de fumaça azul. Observei a boléia aquecida e as luzes traseiras retrocedendo pela estrada coberta de neve e fiquei pensando no que tinha me metido. Alguns minutos depois partimos, comigo pendurado todo duro na sela na garupa de Mario, como um personagem de faroeste que tivesse perdido o cavalo num jogo de pôquer.
As coisas até que não pareciam muito ruins no princípio. A chuva deu lugar a enormes flocos de neve úmidos que caiam lentamente como cinzas de uma grande fogueira a queimar em algum lugar além das nuvens. A trilha, que conduzia a um local para piquenique às margens de um rio, era larga e batida, e um pouco abaixo dela uma grande coruja coberta de neve voou na nossa frente por cima do rio, as asas majestosas batendo com lentidão hipnótica. Trocamos olhares de compreensão. Todos sabíamos que as corujas eram poderosos animais medicinais.
O que eu não sabia era que os lakotas acreditam que a coruja, por eles chamada Hinhan, representa morte, chamando o nome daqueles cuja vez de morrer chegou. O espírito da coruja, Hinhan Nagi, guarda a estrada do espírito que leva à Via Láctea.
Os viajantes que não estavam prontos para a viagem ela lançava de volta à Terra, onde eles se tornavam fantasmas errantes. Antes do fim do dia, esta história adquiriria um tipo de sinistra ressonância para mim.
Quando passamos o local de piquenique abandonado coberto de neve, a trilha sem mais nem menos desapareceu. Olhava ora Jimmy, ora Mario, em busca de pistas, mas eles continuaram a impassivelmente impelir os cavalos adiante. Estávamos seguindo um rio até o Lago Azul em vez de tomar a trilha habitual por causa do tempo.
Sem dúvida, ninguém mais tomava a rota do rio há muito tempo. A trilha estava bloqueada em vários pontos por pinheiros caídos que obviamente estavam ali desde o inverno anterior. Tivemos de cruzar e voltar a cruzar o rio vezes sem conta para nos desviar das árvores, e a cada vez que o fazíamos ficava cada vez mais difícil retomar a trilha na neve.
Meu casaco de baixo estava se transformando numa cara esponja de penas e as calças jeans de Mario estavam escuras até os joelhos por causa da neve derretida. As escarpas do desfiladeiro no qual nos encontrávamos erguiam-se cinzentas e agourentas dos dois lados como os muros de uma prisão, à medida que os cavalos pateavam de um lado para o outro do rio raso.
Finalmente, a trilha pareceu desaparecer por completo e fizemos uma parada no leito do rio para conferenciar como cães de caça contrariados. A respiração dos cavalos produzia um vapor tênue. Pensei na água que passava por suas patas e como era impelida para cima por sua energia e como cairia novamente em forma de chuva, acabando por encontrar seu caminho de volta à sua mãe, o mar.
Meu devaneio terminou abruptamente quando senti as pernas de trás do cavalo darem um grande pulo debaixo de mim. Perscrutei acima. A trilha, pelo que parecia, subia direto até o aterro. Não via Jimmy em lugar nenhum.
Fitei apreensivo por cima do poncho de Mario, minhas juntas brancas agarrando a sela. Uma linha sinuosa de círculos cinzentos sobre a neve dava conta do progresso de Jimmy, traçados mais longos mostravam onde o cavalo escorregara na rocha molhada e lisa por baixo da neve. Ele já tinha chegado ao cume do outro lado do rio e se perdera numa curva entre as árvores, mas nosso cavalo estava empacando. O cavalo de Jimmy tinha escorregado, embora carregasse uma carga equilibrada, com apenas metade de nosso peso.
Mario grunhiu, impelindo o cavalo para frente com as pernas. Ele tremia embaixo de nós, retesando cada músculo, esticando-o como uma corda de arco num esforço para fazer com que parássemos de escorregar para trás à medida que seguíamos aos trancos e barrancos nosso caminho acima na lateral do aterro. Olhei nervosamente lá trás a silhueta escura do rio no ponto em que ele cortava a neve nove metros abaixo. Mario tranqüilizou o cavalo, incentivando-o a seguir em frente outra vez. Então, foi o inferno.
O cavalo arremetia desesperadamente quando começou a escorregar para trás. Mario gritou com ele. O cavalo deu um coice para trás e então minha cabeça bateu nas costas de Mario enquanto os cascos do cavalo se agitavam em desespero contra alguma besta invisível pairando no ar diante de nós. Só sei que depois o chão era um borrão branco se precipitando na minha direção, e então eu estava descendo e rolando pela lateral do desfiladeiro. Agarrei com todas as forças um toco. Ainda inteiro e anestesiado pela adrenalina, pulei depressa para ver se Mario estava bem. Ele não estava.
Vi Mario a seis metros acima de mim, dobrado sobre o pescoço do cavalo que tremia e se agitava embaixo dele. O declive abaixo deles era íngreme e liso como um telhado de ardósia molhado. Mario se agarrava ao pescoço do cavalo e sussurrava em seu ouvido enquanto o cavalo bufava e soltava vapor pelas narinas.
O animal se arremessava espasmodicamente para frente como se estivesse sendo eletrocutado, e a seguir começava a escorregar para trás sem parar, batendo impotente contra as rochas negras molhadas embaixo da neve, até que escorregou para trás, batendo na carcaça de um grande pinheiro caído que tínhamos cruzado no caminho para cima. Ficaram lá por um momento — o cavalo, o cavaleiro e a árvore — todos equilibrados como num improvável número de circo.
A árvore morta rangeu e se mexeu como um ser turbulento adormecido. O cavalo entrou em pânico e empinou. Eu o vi balançar em suas grandes e trêmulas pernas traseiras como um desses garanhões de filme, então cavalo, cavaleiro e árvore todos se separaram. Mario voou para trás pelo ar como se tivesse sido atirado de um canhão, pousando com toda violência nas rochas, neve e pedregulhos três metros abaixo de mim, e a dar cambalhotas, desapareceu da vista.
O cavalo, retorcendo-se em pleno ar como um golfinho a saltar, pousou de lado com um estrondo feio e rolou, a debater-se impotente, aterro abaixo, indo terminar a se agitar e a relinchar no rio. Ouvi um estrondo baixo e o som de madeira se lascando acima de mim, então, voltei-me exatamente a tempo de ver uma mancha escura, gordurosa e lisa na neve, como se ela tivesse acabado de ser arada, e senti o impacto quando o pinheiro morto escorregou e bateu na parte de trás de minhas pernas, lançando-me para frente.
Vi-me estendendo as mãos bem a tempo de impedir que eu rachasse minha cabeça na rocha cinzenta que se projetava cruelmente diante de mim como a barbatana dorsal de um tubarão. Não senti nada. Eu deixara meu corpo para assistir a coisa toda de um local seguro bem acima do riacho.
Soube imediatamente que eu já morrera aqui numa vida passada neste mesmo lugar, naquela mesma rocha e que eu tinha escapado de meu corpo antes de ter de revivê-lo uma segunda vez. Eu me vi lutando. Meu pé estava preso no toco, e eu estava dependurado, rosto para baixo, na lateral do desfiladeiro, minha perna num ângulo impossível. Mario estava de joelhos no rio, balançando a cabeça enquanto a água fluiu por seu corpo. O cavalo acabara de se pôr em pé num esforço e cambaleava por ali em choque como um potro que não consegue encontrar a mãe.
Ouvi Jimmy xingar baixinho, ele voltara para ver o que eram todos aqueles estrondos e gritos. Então imediatamente voltei a meu corpo, dependurado indefeso sobre aquela rocha assassina, tentando parar a dor de minha perna me segurando em um ramo seco que havia sobre a minha cabeça. Jimmy foi correndo até mim e tentou virar a árvore, mas em vão. Era comprida como um poste de telefone e as raízes estavam esmagadas no leito do rio.
Mario estava de joelhos na água, segurando os quadris e fazendo caretas cada vez que respirava. Jimmy foi escorregando até o rio para dar uma olhada nele, e quando Mario mostrou-lhe algo com a cabeça, ele foi patinhando na água em suas botas de vaqueiro até as raízes eriçadas da árvore que me segurava. Ele a examinou por um momento e a seguir ajoelhou-se dentro da água gelada para colocar o ombro debaixo de um ramo.
Agarrou a árvore por debaixo da água e tentou com todas as suas forças erguê-la. Eu sentia a árvore se mexer, não muito, mas o bastante para ir soltando meu pé de trás do toco. Desci devagar do tronco no qual estava suspenso. Meu pé doía como o diabo, mas consegui pôr meu peso nele. Acenei para Jimmy que já estava tirando Mario do rio. Parecíamos sobreviventes de uma guerra, mas estávamos vivos.
Nós nos recompomos do outro lado do rio. Mario se mexia devagar, segurando o lado do corpo. O cavalo ainda estava tremendo. Sem caber em mim pelo que considerei meu triunfo sobre a morte e entorpecido pela excitação, todo machucado, ainda assim estava pronto para comandar a expedição ao Lago Azul. Eu sentia a energia do cristal guardado em minha mochila a me incitar. Só quando descobrimos que Mario quebrara várias costelas, percebi que fôramos derrotados.
À medida que a adrenalina arrefecia, o frio se insinuava. Voltamos pelo desfiladeiro, levando o que pareceram horas, até darmos com uma pequena clareira onde poderíamos fazer uma fogueira. Mario pegou musgo de debaixo das árvores enquanto Jimmy fazia o reconhecimento dos arredores, quebrando madeira morta seca dos ramos mais baixos das árvores. Para minha surpresa, logo dispúnhamos de uma fogueira crepitante e nos sentamos a seu redor como se estivéssemos sendo cozidos em vapor, como batatas assadas, trocando histórias e dividindo o pão francês e o queijo que eu trouxera de São Francisco, o único alimento que tínhamos.
Eu estava preocupado, achando que nosso acidente fosse um tipo de presságio. Jimmy e Mario balançaram as cabeças ao mesmo tempo. Eles viam a resistência como um sinal positivo, como uma rachadura numa arvorezinha, a mostrar que ela será grande. O que estávamos fazendo era muito importante, eles garantiram. Caso contrário, por que o Criador teria julgado conveniente testar nossa determinação daquela maneira?
Mario caminhou a maior parte dos 16 quilômetros até o rancho de Jimmy, alegando que estava começando a sentir-se mais firme. Quando lá chegamos, às oito horas, estava chovendo e fazia muito frio. Não havia sinal da namorada de Jimmy nem de sua caminhonete pick-up. Desarreamos os cavalos e nos dispomos a andar os 4,8 quilômetros de volta ao Pueblo. A namorada de Jimmy apareceu derrapando numa nuvem de fumaça azul depois de 1,5 quilômetro.
Fiz as malas rapidamente no trailer, com medo de ficar retido pela neve em Taos, despedi-me, fechei a grande porta de meu Lincoln alugado e, então, instantaneamente, estava de volta ao mundo que tinha deixado, um mundo que Jimmy e Mario nunca tinham conhecido. Passei por Taos escutando música suave no rádio enquanto o aquecedor estalava e zumbia e os limpadores perseguiram os imensos flocos de neve de um lado a outro do pára-brisa.
Eu não fazia idéia do que tinha dado errado em minha missão ou por que tinha quase nos custado nossas vidas. Ainda não sei hoje. Talvez o espírito da coruja, Hinhan Nagi, tenha nos achado incompetentes e nos tenha lançado montanha abaixo por causa de nossa impetuosidade. Os homens Sioux usavam tatuagens espirituais secretas nos pulsos que, segundo se dizia, garantiam a bênção de Hinhan em sua jornada rumo à Via Láctea. Tudo o que eu tinha era minha determinação. Eu sabia que voltaria ao Lago Azul, esperando até ouvir aquela coruja chamar meu nome, se fosse preciso, e estava levando comigo aquele cristal.
A BÊNÇÃO DA CORUJA
Alguns meses depois de minha primeira viagem ao Lago Azul, percebi que estava tendo dificuldade para dormir. Eu começara a ouvir um tipo de zumbido entre os ouvidos.Tentei ignorá-lo no princípio, pensando que poderia ser algum sinal inicial de enfermidade mental — o fracasso de meus negócios estava me causando muita tensão na ocasião. Tentei tocar música quando ia para a cama, uma solução da qual minha esposa não gostou, e quando isso não funcionou, tentei desligar meu rádio relógio.
Quando sugeri tentarmos desligar a chave geral de força da casa, minha mulher me olhou como a dizer que sem dúvida eu estava à beira da loucura. Talvez estivesse. “Você tem razão,” afirmei. “Vou só olhar lá dentro mais uma vez.” Ela olhou para cima. Eu já a brindara com o espetáculo de rastejar de quatro de cueca pela casa, aplicando o ouvido às paredes e à mobília como um cachorro inquieto.
Sentei-me na cama como vira gente da meditação transcendental fazer e purifiquei minha cabeça de pensamentos estranhos. Instantaneamente o zumbido ficou mais alto. Sem dúvida, se eu estava ouvindo o som, estava também percebendo-o em outros níveis. Quanto mais me concentrava nele, mais alto ficava. Abri os olhos depois de alguns minutos e caminhei diretamente à caixa de vidro que guardava o cristal pelo qual eu quase morrera. O próprio cristal estava criando um tipo de zumbido baixo e pulsante. Estendi a mão na direção dele, e então tirei a mão em choque. O cristal estava quente!
Sentei-me na cama para pensar nisto por um momento. Incapaz de chegar a conclusões firmes, peguei um par de luvas e uma pá na garagem, cavei um buraco raso debaixo de uma árvore no meu quintal, e enterrei o cristal, com a ponta para baixo. Isso deu um jeito no zumbido infernal, mas o próprio cristal permaneceu obstinadamente alojado em minha consciência. Eu pensava nele freqüentemente e em horas inconvenientes, como uma antiga paixão ou um amor proibido. Eu queria concluir minha missão para poder pensar em outra coisa, mas ainda havia mais obstáculos a superar.
Em primeiro lugar, o Lago Azul ainda estava coberto de neve. A rota do rio estava praticamente intransitável sob as melhores condições, e a única alternativa era uma passagem de quatro quilômetros entre duas montanhas. Não era possível chegar lá em cima com um grupo de cães. Além disso, estava claro o fato de que o Conselho de Guerra não queria que eu fosse para lá. Não era nada pessoal. Não queriam que ninguém que não fosse membro da tribo fosse lá.
O Espírito do Norte cuidava do lago todo o inverno, mas quando a neve derretia, assumiam os guardas armados. Montavam guarda todo o verão, até a volta da neve os render, e atiravam nos intrusos que lhes aparecessem pela frente. O lago era guardado também em outros níveis.
Eu falara com Jimmy algumas vezes durante o inverno, e ele me assegurou que estava mais a fim que nunca de me ajudar a levar o cristal para casa no Lago Azul.Mario também estava, mas ainda estava se recuperando de sua experiência de única bala humana de canhão de Taos. Nós dois acreditávamos que o que estávamos fazendo seguia a ordem divina e o fluxo das coisas e que um portal seria aberto dessa forma para nós, mas que o senso de oportunidade poderia ser crucial.
No final do verão de 1987, Jimmy finalmente me chamou. Estava na hora. Todo o Pueblo seguia para o Lago Azul uma vez todos os anos para realizar uma de suas cerimônias mais importantes.Teríamos uma pequena oportunidade logo depois que eles partissem. Jimmy tinha verificado e o caminho estava livre.
Nem se fosse de Concorde, o vôo para Albuquerque teria sido rápido o bastante para mim. Eu queria ir a toda pressa para Taos também, mas me lembrei da conversa ao pé da fogueira que tivera com Jimmy e Mario sobre resistência e em vez disso escutei música alta. Logo a rodovia elevou-se do deserto como a coluna de um grande gato a se espreguiçar, e eu conseguia sentir a mudança de vibração à medida que me dirigia às montanhas. Santa Fe veio e se foi e então eu estava em Taos.
Trinta minutos depois, eu via a casa móvel desbotada de Jimmy agigantando-se em meu pára-brisa. Jimmy abriu com os ombros a porta torta de dentro, como numa invasão policial ao contrário, e éramos novamente dois velhos amigos, trocando histórias de guerra e nossos sonhos para o futuro.
Jimmy me falou sobre um amigo seu, Fred Hopper, que por sua vez lhe contara de três xamãs que tinham vindo desde o México. Os xamãs, disse Jimmy, tinham construído uma roda medicinal na lateral de uma colina que dava para o Pueblo. Fred estivera lá e dissera a Jimmy que era uma bela cerimônia, que todos eles ouviram sons e viram luzes dançantes em cima dos cristais que os xamãs tinham usado.
O propósito da roda medicinal, disseram os xamãs, era se preparar para a chegada de um cristal. Jimmy abaixou ligeiramente a cabeça para me fixar com um olhar significativo. Fiz que sim com a cabeça. Ele não contara a ninguém o que estávamos fazendo, mas parecia que, de alguma maneira, estes anciãos que mal falavam inglês sabiam.
Todos eles vieram reunir-se ao redor do trailer naquela noite. Os xamãs eram seres humanos encantadores, sem idade e no entanto muito velhos. Vestiam trajes de camurça adornados com refinados enfeites de contas, sorriam muitas vezes e escutavam com muito cuidado. Desembrulhei o cristal e o segurei mostrando-o a eles.
O pôr-do-sol a se derramar janelas adentro fazia parecer que eu estava segurando uma chama entre as mãos. Os olhos dos velhos xamãs eram grandes como pires. Este era o cristal, eles me explicaram em mau inglês. Foi por esta razão que tinham viajado ao Pueblo. Eu sentia o cristal palpitar enquanto o segurava. Ele nos reunira a todos. Todos tínhamos viajado milhares de quilômetros pensando que estávamos viajando sozinhos, mas estivéramos juntos o tempo todo.
Desanimei um pouco quando olhei meu relógio. Eu planejara ir a Taos naquela noite para me abastecer para a viagem ao Lago Azul. Tinha ouvido falar de histórias sobre Jimmy cozinhar e não queria me arriscar, mas quando todos os nossos convidados se foram estava muito tarde. Jimmy empurrou a cadeira para atrás, espreguiçando-se. “Melhor dar uma olhada na bóia,” disse ele, sorrindo.
Fiz uma exibição de espreguiçadas e bocejos, e então lentamente me pus a caminho da cozinha. Encontrei Jimmy fitando uma panela fumegante que parecia conter água de pântano. Espetou um garfo grande na água, e então tirou algo parecido uma enorme enguia cinza, em busca de minha aprovação. Olhei a coisa, tentando não parecer horrorizado. Jimmy a deixou cair de volta na panela, a água esguichou. Balançou devagar a cabeça, cheirando audivelmente o vapor para me mostrar como era bom. Ele só disse: “Língua de boi. Bom.”
Meu estômago se enrolou todo como um porco-espinho. Pensei no pão e queijo que planejara comprar em Taos, onde eu os colocaria na minha mochila e como seria partir pão francês morno a quatro mil metros de altura. Obviamente, racionalizei, a seriedade de minha missão exigia que eu jejuasse.
Levantamo-nos antes da aurora na manhã seguinte. Mario estaria conosco somente em espírito este ano, assim como meu Tio Drunvalo. Desta vez, começamos seguindo a rota do rio, e então saímos dela para subir a uma passagem íngreme próximo do nível de quatro mil metros. Embora fosse um lindo dia e a única neve que vimos estivesse nos níveis mais altos, tentei ficar atento ao que me cercava o máximo possível, no caso de encontrarmos mais alguma “resistência.”
Logo os juníperos e os pinheiros deram lugar a álamos balouçantes, que deram lugar a absolutamente nada à medida que subíamos acima da linha das árvores e finalmente atingimos a selada entre montanhas que se dividam de cima abaixo. Abaixo de nós estava o Lago Azul, tão longe que não parecia maior que uma xícara de café, resplandecendo um belo azul iridescente como se estivesse repleto de líquido turquesa.
O caminho abaixo era tão íngreme que tivemos de desmontar e conduzir os cavalos. O lago lentamente aumentava à nossa frente, e com isto crescia minha expectativa. Eu estava prestes a concluir algo pelo qual todos tínhamos arriscado nossas vidas, e parecia que só um terremoto poderia nos deter agora.
Quando chegamos ao lago, fiquei imediatamente impressionado por uma pedra chata grande que se projetava do lago como uma pequena ilha. Era o lugar para realizarmos uma cerimônia, e depois de guardarmos os cavalos, comecei imediatamente a subir à sua ampla superfície. Primeiro peguei o próprio cristal e cuidadosamente o desembrulhei. Mario tinha nos dado de presente penas de todos os diversos tipos de pássaros, embrulhadas em cascas de milho, e Jimmy tinha embrulhado o cristal com todas as penas e cascas de milho. Por cima ele amarrara um pedaço de couro com fitas de couro.
Coloquei o presente ao lado da bolsa de camurça branca que minha boa amiga Mary Schlosser, cujo Pueblo se chamava Flor do Berço, tinha me dado. A bolsa estava cheia de fubá sagrado, sagrado porque foi moído por virgens. Fiz um círculo com vários fetiches, as penas de Mario, outros cristais, colocando o quartzo da Smoky Mountain de Clear Lake no centro. Então salpiquei uma pitada do fubá em cada uma das quatro direções como Mary tinha me ensinado. Depois que terminei minha cerimônia, Jimmy cantou canções tradicionais de Pueblo e dançou. Em seguida ficamos cerca de uma hora rezando. Depois da oração nos olhamos. Estava na hora.
Jimmy ficou de pé no alto da pedra e eu fiquei de pé atrás dele com a mão em seu ombro esquerdo. O lago, que estivera liso como vidro quando começamos nossa cerimônia, estava ondulado agora. As ondulações se abriam em largos círculos a partir de um vórtice central. O zumbido que eu ouvira lá em meu quarto em Clear Lake estava audível novamente agora e ficando sempre cada vez mais alto. Jimmy levantou o braço e atirou o cristal. Ele formou um arco por cima da água, captando o Sol para um instante passageiro antes de cair diretamente no centro do vórtice.
Instantaneamente, Jimmy e eu fomos atingidos por uma explosão de energia que parecia um vento com a força de um furacão. Ao mesmo tempo, senti uma mudança de energia dentro de mim. Sentia como se estivesse sendo afinado uma oitava acima, como um piano. Pude sentir a energia em meu chakra do coração se deslocando a meu chakra da garganta. Ouvi uma tosse atrás de mim e me voltei. Jimmy tinha caído ao chão e estado rolando e segurando a garganta.
Fiz menção de me aproximar, mas, com um aceno, fez sinal para eu ficar longe. Fosse qual fosse a mudança de energia que eu sentira, ela desencadeara sua asma. Voltei-me de novo para o lago. As ondulações que víramos quando começamos eram agora ondinhas; o zumbido que eu ouvira estava muito mais alto. Decidi, tolamente, tentar elevar ainda mais a energia, ao nível do terceiro olho. Ajoelhei-me e murmurei um tom de freqüência igual à que vinha do lago. Então lentamente elevei a freqüência.
Só me lembro de estar estirado no chão próximo a Jimmy. Assim que tentei elevar o diapasão do som, senti uma intensa dor repentina em meu terceiro olho. Senti exatamente como se alguém tivesse me atirado uma faca. Levantei a cabeça o suficiente para olhar Jimmy. Ele me olhou com o canto do olho e sorriu, tentando tomar fôlego. Nós dois parecíamos ter acabado de cair de um trem. Simplesmente fiquei lá escutando o lago zumbindo, sentindo o Sol quente bom no rosto e escutando Jimmy tentando sorver um pouco daquele ar rarefeito de montanha para recuperar a voz.
Finalmente, ambos nos recuperamos e conseguimos guardar tudo e voltar. Jimmy disse algo sobre parar para comer, mas para ser sincero, eu meio que esperava que ele se esquecesse — eu poderia passar sem vê-lo fatiar uma grande língua de boi cinzenta fria. Quando voltamos à passagem, saímos da trilha que tínhamos tomado na ida e seguimos um riacho raso até uma clareira onde a gente do Pueblo acampava durante suas visitas ao Lago Azul. Como um mágico, Jimmy gesticulou na direção de um grande saco de lixo verde pendurado em cordas entre duas árvores. Era a despensa na qual o povo nativo mantinha sua comida protegida dos animais. Jimmy desamarrou a corda e abaixou o saco de lixo ao chão.
De dentro, tirou um pacote embrulhado em papel alumínio, que me deu. Dentro havia um pão que a mãe dele assara na véspera e um pedaço de queijo fresco. Fiquei extático. Era exatamente o que queria. Enquanto eu partia o pão, soube que, apesar de todos os milhões que perdera, nunca mais me faltaria nada. O pão e queijo, a 25 quilômetros de qualquer lugar, era para mim prova absoluta de meus poderes de manifestação. Jimmy e eu devoramos nosso almoço, rindo como duas crianças bêbadas em meio a ruínas. Algo muito grande acabara de acontecer no Lago Azul. Infelizmente, nenhum de nós fazia ideia do que era.
Seguimos o rio de volta ao rancho de Jimmy em vez da trilha íngreme da ida. Se possível, o caminho parecia ainda mais coberto de vegetação depois de uma estação de tempestades de inverno do que quando tentamos segui-lo no ano anterior. Fazia muito tempo que alguém estivera ali com uma serra. Havia árvores caídas por toda parte, obrigando a desvios constantes.
Depois de aproximadamente três horas abrindo nosso caminho pela vegetação montanha abaixo, chegamos ao local onde ocorrera o acidente no ano anterior. Ali, quase exatamente sobre a pedra onde eu quase morrera, vi um grande crânio de vaca no ramo de uma árvore. Não soube dizer se estava lá em nossa viagem anterior, mas parecia ter estado ali sempre.
Levantei-me nos estribos e tentei soltar o crânio da árvore quando passei por baixo, mas não se mexia. Quanto mais eu puxava, mais nervoso ficava meu cavalo. Olhei a rocha lá embaixo, larguei o crânio e continuei em frente. Outra lição sobre desprender-se, decidi.
Por volta das sete horas, tínhamos retornado ao local de piquenique onde a trilha se alargava, permitindo a passagem de um jipe, a cerca de 1,6 quilômetro do início da trilha. Naquele ponto, vi algo que quase me fez cair do cavalo. Dos dois lados da trilha enfileiravam-se os fantasmas de centenas de americanos nativos. Encaravam Jimmy e a mim, os rostos brilhando de alegria e gratidão. Senti meu próprio coração cantando em ressonância com eles. Eu sabia que o que tínhamos feito era grande, mas agora sabia que era realmente grande, a ponto de merecer uma parada.
Meus olhos se encheram de lágrimas enquanto passávamos lentamente por eles. Havia tanto homens como mulheres, e todos estavam vestindo trajes cerimoniais. Olhavam para mim como se eu fosse alguém, como se tivesse propósito no mundo, como se eu não fosse o esboço traçado a giz do homem que pensei ter me tornado.
Nos anos seguintes, recebi cada vez mais informações sobre o que realmente aconteceu no Lago Azul naquele dia. A última informação veio em minha última visita a Taos. Nos últimos anos, os moradores de Taos têm se queixado de um de misterioso zumbido.
Um inquérito parlamentar e várias investigações científicas depois, o “Zumbido de Taos,” como os jornais o apelidaram, continua frustrando os moradores. Visitei Jimmy em agosto de 1995 e nossa conversa voltou-se ao assunto do barulho que todos parecem capazes de ouvir mas que ninguém jamais conseguiu gravar.
“Você sabe o que é, não sabe, Ken,?” disse Jimmy. Pensei por um momento. Então olhei para ele. Firme.
“É o mesmo som, certo?” ele disse. Fiz que sim com a cabeça lentamente. Ele tinha razão. Era o mesmo som. Exatamente.
- “NÃO ANDE ATRÁS DE MIM, TALVEZ EU NÃO SAIBA LIDERÁ-LO.
- POR FAVOR, NEM ANDE EM MINHA FRENTE, TALVEZ EU NÃO SAIBA SEGUI-LO.
- ANDE AO MEU LADO PARA QUE JUNTOS POSSAMOS CRESCER E GALGAR OS DEGRAUS DA ELEVAÇÃO DA CONSCIÊNCIA.” – Provérbio Sioux
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