Maria Madalena e o Santo Graal: A Mulher do Vaso de Alabastro (IX) – O Deserto Florescerá

O cristianismo institucional, que tem alimentado a civilização ocidental há mais de dois mil anos, pode ter sido construído sobre uma gigantesca falha em sua história: a Negação do feminino. Durante muitos anos convivi com uma vaga sensação de que algo estava radicalmente errado com o meu mundo. Sentia que, por um período longo demais, o feminino em nossa cultura vinha sendo desprezado e desvalorizado. Mas foi somente em 1985 que encontrei provas documentais de uma devastadora fratura na história cristã e nos ensinamentos da igreja de Roma. Em abril daquele ano, sabendo do meu grande interesse pelas Escrituras judaico-cristãs e pela origem do cristianismo, uma amiga me indicou o livro The Holy Blood and the Holy Grail”(O Santo Graal e a Linhagem Sagrada).

Livro “Maria Madalena e o Santo Graal: A Mulher do Vaso de Alabastro”, de Margaret Starbird

Livro em PDF: https://pt.scribd.com/ – https://www.escoladaluz.com.br/ 

CAPÍTULO IX – O Deserto Florescerá

A lenda afirma que o Graal restaurado terá o poder de recuperar a Terra devastada. Quando ele for devolvido ao Rei Pescador, será capaz de curar suas feridas, as origens da desolação, que impera em seu reino. E o Graal, como sugerimos, é o feminino sagrado perdido – a Noiva-Irmã do cristianismo, a esposa de Jesus (e a consorte de Christo). Como teria sido o nosso mundo se a Noiva da cristandade jamais tivesse sido esquecida? E como será ele quando ela for reabilitada? O desequilíbrio de nossas instituições fundamentais, refletindo um Deus-Pai no topo de uma trindade totalmente masculina, tem exercido uma influência devastadora no mundo ocidental.

Com o ritmo acelerado dos acontecimentos, em razão dos avanços científicos dos últimos trezentos anos – especialmente dos últimos cinqüenta -, a fratura na sociedade ocidental e na psique humana tornou-se cada vez mais aparente. A poluição em nosso planeta e o flagrante abuso de seus filhos estão intimamente relacionados a essa falha essencial. Se não tivéssemos perdido a Noiva, o feminino sagrado teria sido estabelecido desde o início como parceiro igualitário da deidade masculina. As preferências e qualidades femininas teriam sido honradas com a mesma intensidade no passar dos séculos e a integração resultante na psique dos indivíduos teria se disseminado em suas famílias e comunidades.

A negação do feminino como parceira da humanidade nos roubou o êxtase e reduziu as relações entre homem e mulher a uma sombra distorcida da alegria compartilhada pelo casal arquetípico no jardim. O masculino ferido, em geral excessivamente castrado e profundamente frustrado, procura o seu êxtase perdido em lugares errados – na violência, no poder, no materialismo e na busca hedonista do prazer -, sem entender que ele só pode ser encontrado na relação correta com o feminino sagrado. Uma das realidades mais tristes de nossa cultura é o fato de o predomínio do masculino ferido ter levado ao esgotamento emocional.

Nas situações em que o feminino não é valorizado, um homem não tem verdadeira intimidade com sua contraparte, sua “outra metade”. Com freqüência, ele não consegue canalizar suas energias para uma relação amorosa, uma vez que a sua parceira não é considerada digna e respeitável. Privado de seu oposto igual, o frustrado macho dominante provoca uma combustão: “Onde o Sol sempre brilha há um deserto sob a terra.” As florestas morrem, os rios secam, a terra se fende. A devastação prevalece.

O Paradigma da Completude

O Santo Graal, a Noiva Perdida de Christo, é a parte que está faltando em um antigo paradigma da completude. Havia uma mandala reverenciada nas culturas mais antigas que há muito tempo foi esquecida pela civilização ocidental. Ela era baseada nos símbolos arquetípicos de macho e fêmea, na “lâmina” masculina e no “cálice”, ou Graal, feminino. Essa mandala santa é o símbolo do Casamento Sagrado. É significativo observar que esse mesmo símbolo é encontrado nos escritos esotéricos dos mestres alquimistas medievais, que o identificavam como a “pedra filosofal” da transformação espiritual. O modelo esquecido do Casamento Sagrado entre homem e mulher, céu e terra, ainda é uma mandala da harmonia, da completude e do companheirismo.

No período neolítico, segundo estudos recentes, houve uma época de ouro em que as diferenças entre macho e fêmea não envolviam uma acirrada luta pelo controle. Em vez disso, os relacionamentos fundavam-se em um companheirismo no qual os dons naturais masculinos e femininos eram aceitos e apreciados. Esse período da pré-história, que já se acreditou ser um mito, pode agora ser reconstituído por meio de artefatos encontrados em locais onde viveram civilizações que adoravam uma graciosa e generosa Deusa-Mãe. Descobertas arqueológicas comprovam a existência de sociedades nas quais os dons femininos – acentuada intuição, alimentação, cuidados, carinho e educação das crianças – eram honrados; nas quais a “lâmina” servia para cultivar a terra, e não para intimidar.

Considerava-se toda a vida sagrada, os artistas e a sua arte floresciam e a criatividade era motivo de celebração. Pesquisas fascinantes realizadas em todo o mundo sobre essas antigas culturas e sociedades de orientação maternal foram compiladas por Medin Stone, Marija Gimbutas e Riane Eisler, para citar apenas alguns estudiosos. Descobertas recentes revelaram que em numerosos santuários paleolíticos e neolíticos, datados de 7000 a 3500 a.C., a letra V (símbolo do cálide sagrado) era associada à Deusa-Mãe. A conclusão de Marija Gimbutas, antropóloga cultural que encontrou esse ideograma nos santuários da antiga Europa, é de que o V foi usado nos manuscritos da região e pode ter sido uma representação da deusa manifestada como uma ave. O estudo do simbolismo arcaico me faz questionar a conclusão de que o V representava uma ave. Na verdade, o V é um símbolo arcaico do “recipiente” ou “útero” de todas as formas de vida. Ele é o cálice sagrado arquetípico e simboliza a própria Terra, o único planeta que conhecemos onde existe vida.

Símbolo do Chakra cardíaco, o Anahata

Gostaria de sugerir que os símbolos arquetípicos de masculino e feminino (? e V) retratam um distante dualismo que pode ser recomposto e utilizado para formar um antigo paradigma da completude. Essa imagem visual é, obviamente, o hexagrama. Na antiga doutrina da índia, o Casamento Sagrado do deus indiano Shiva e sua contraparte, Shakti, é representado por essa forma geométrica. De sua sagrada Dança Cósmica dos Opostos (que se atraem e se completam), que simboliza a interação entre as forças positiva e negativa, o masculino e o feminino, enquanto polaridades, a harmonia se dissemina por todos os aspectos da vida das pessoas. Esse equilíbrio se reflete no bem-estar da comunidade e na fertilidade da terra, de suas colheitas e de seu gado, pois existe equilíbrio entre as duas principais forças criadoras.

O hexagrama (representando a união do masculino e do feminino, símbolo do chakra Anahata, o do coração) parece ter se difundido na direção do Ocidente, da Índia ao Oriente Médio e para a Europa. Embora o nome Eros tenha outras conotações, vou utilizá-lo para representar o princípio feminino do amor e da coesão no sentido junguiano, vinculado ao poder e à luz. Esses dois princípios são chamados yin/yang na filosofia oriental. O abandonado princípio do Eros/coesão, representado pelo V da Grande Deusa, tem sido desvalorizado no decorrer dos séculos, desde aquele longínquo milênio, quando ele foi reverenciado. Vez por outra, o apreço pelo feminino surge e é reprimido. Nós já analisamos evidências do breve esplendor da rosa vermelha, a Noiva em Provença, no século XII, antes de ela ser forçada pela Inquisição a entrar na obscuridade.

Nossa adoração de uma imagem exclusivamente masculina de Deus é, ao mesmo tempo, desvirtuada e perigosa. De acordo com o princípio “Assim na Terra como no Céu”, as preferências e a dominação masculinas fazem com que a sociedade forme instituições baseadas em um modelo “masculino”, com o poder concentrado no topo e as massas exploradas aprisionadas na base. Esse é o padrão das ditaduras e da opressão. Em uma sociedade em que o feminino recebe um quinhão igual, as crianças são alimentadas e as viúvas são consoladas; artes, literatura, música e dança são encorajadas; a infância é feliz; o trabalho é produtivo; e as pessoas vivem em harmonia. É interessante observar que após o milênio das guerras – e o conseqüente flagelo de pragas e fome que se seguiu -, as terras mediterrâneas dos impérios grego e romano, nos séculos que antecederam o nascimento de Jesus, desenvolveram um amplo culto de ÍSIS, Rainha do Céu e da Terra.

Marie-Louise von Franz, estudiosa e intérprete dos trabalhos do psiquiatra Carl Jung, atribui esse culto da deusa ao fato de o sistema de consciência masculino desgastar-se. De fato, ele acaba atingindo a combustão total dada a excessiva ênfase que dedica às realizações mentais – ou do intelecto. Depois de algum tempo, ele precisa descansar das frenéticas atividades voltadas para o alcance de objetivos apenas materiais e procura sossego e abrigo no feminino, na sombra e na noite. Em Alquimia, Marie-Louise von Franz observa que no fim de uma civilização patriarcal aparece a “enantiodromia” – o poder do princípio masculino “exaurido” é passado a uma “deusa” e, mais tarde, reafirma-se na nova era, que, em seguida, institucionaliza novas idéias e uma direção cultural diferente.

As imagens desgastadas dos velhos tempos são abandonadas e outros arquétipos são encontrados para transmitir a mensagem. Esse fenômeno foi ilustrado na vida da Igreja cristã primitiva quando os patriarcas tomaram o evangelho de Jesus pregado nas ruas e o institucionalizaram com normas, rituais, dogmas e tratados escritos. O princípio feminino da coesão (FUSÃO) era a prática inicial das primeiras comunidades cristãs, nas quais a unidade do Espírito havia dissolvido classes e barreiras sexuais, permitindo que mulheres e escravos participassem inteiramente da vida do grupo -consentindo até que pregassem e profetizassem. Menos de um século após o seu estabelecimento, a liberdade e a igualdade dadas as mulheres, escravos e estrangeiros por meio da mensagem cristã já estavam sendo repensadas pelos homens no comando, e novas regras de comportamento ético e de práticas religiosas passaram a ser formuladas.

A era da parceria teve vida curta, pois foi sobrepujada pelo retorno do papel masculino dominante e da relativa subordinação da mulher na Igreja e na sociedade como um todo. O modelo hierárquico de instituições patriarcais, no qual todas as decisões e todo o poder estão nas mãos do HOMEM governante autocrático ou da oligarquia, que fica no topo, está perdendo a vitalidade no despertar da poderosa consciência feminina que começa a se expressar no mundo moderno. Essas instituições, que pregam a obediência total como a maior de todas as virtudes, começam a ruir sob a influência feminina da liberdade de pensamento, da intuição, da criatividade, da intuição e da coesão. Isso conferiu visibilidade gradual aos valores que o feminino, tradicionalmente, considera mais relevantes, como a educação dos filhos e os cuidados com eles, bem como o aprimoramento da qualidade de vida.

Sob a influência do princípio feminino sagrado ressurgente, existe a esperança de que todos os povos ainda venham a ser iluminados e passem a tratar com carinho da singular dádiva da vida da qual esse planeta “que carrega água” é o guardião. A “voz da noiva” (Jeremias 33: 11) está, finalmente, sendo ouvida. O primeiro sinal que Winston Churchill utilizou como símbolo da determinação dos aliados em vencer a Segunda Guerra Mundial foi a letra V. Por um lapso do inconsciente, esse símbolo tornou-se, desde então, o sinal universal dos movimentos democráticos por todo o planeta.

Conscientemente ou não, esse “cálice”, a letra V, é uma invocação da deusa e representa o princípio feminino do Eros/coesão. Mas o V não pode ficar só – uma sociedade baseada apenas no modelo ? por certo irá tombar. Ele vai sempre precisar da contrapartida do logos/razão, que se manifesta nas leis, na ordem, na disciplina e no autodomínio, para produzir o equilíbrio do hexagrama. Os líderes das sociedades patriarcais, “os guardiões dos muros” (Cântico dos Cânticos 5:7), não compreendem a ferida que provocam em si mesmos quando negam a sua contraparte feminina enquanto lutam para manter o seu poder e o status quo.

Uma história muito interessante é contada sobre São Tomás de Aquino (1225-1274), o grande articulador e definidor da doutrina católica e um dos principais arquitetos dos muros (dogmas) da Igreja oficial de nossos dias. São Tomás é o protetor contra a morte súbita. Parece que, pouco antes de morrer, esse estudioso sacerdote não conseguiu continuar a escrever sua obra, a Suma teológica, e declarou que todos os seus escritos eram como palha! Pouco tempo depois, ele estava viajando no lombo de um jumento quando bateu fortemente a cabeça no galho de uma árvore e caiu do animal. Naquela noite, sentindo-se abalado e doente, ficou em um mosteiro nos Alpes austríacos. Os monges o persuadiram a sair da cama e dividir com eles um pouco de sua sabedoria, e São Tomás não se negou a fazê-lo. O tópico por ele escolhido foi o Cântico dos Cânticos; mas, quando dava sua interpretação do trecho “Venha, meu amado, saiamos ao campo, passemos a noite nos pomares” (7:14), morreu subitamente.

A Escritura que esse santo considerava mais preciosa foi o tema de seu discurso final, o cântico do Casamento Sagrado! É uma pena que esse episódio revelador tenha sido esquecido, enquanto a Suma teológica  continue a ser ensinada em seminários por todo o mundo mesmo tendo sido repudiada há séculos pelo próprio autor! Os “guardiões dos muros”, obcecados por manter o controle, conseguiram evitar que a Noiva se tornasse uma parceira igual. A desvalorização do feminino deve ser revertida, não para ocupar o lugar do masculino, mas para assumir o papel da contraparte, ao lado do masculino, não mais atrás e muito menos à frente,  há tanto tempo desejada, a Noiva-Irmã Perdida. Juntos, eles precisam correr pelos campos para preparar a terra, semear e colher.

Existe uma antiga promessa nos salmos da Bíblia: “Os que semeiam com lágrimas ceifarão com alegria… e voltarão com júbilo trazendo consigo os seus feixes” (Salmos 126: 5-6). Essa passagem profetiza o retorno dos remanescentes de Israel do exílio na Babilônia. É hora de, mais uma vez, deixar a “Babilônia”, símbolo do império adorador do Sol e do poder, e retomar à Terra Prometida, “onde correm leite e mel”, onde os princípios masculino e feminino são celebrados juntos, em parceria, e onde ela *é a base da completude. Há muitos séculos, o Logos masculino tem sido entronizado à direita de Deus, adorado e glorificado nas orações e na consciência catolica, levando a civilização ocidental a uma tendência “machista”.

É hora de reivindicar o Eros, o aspecto feminino da divindade. Nós já conhecemos o Logos (razão) de Deus – a Palavra que se fez carne em Jesus. Agora, precisamos passar um tempo com a Dama do Jardim, nos regozijando com sua bondade, ternura, preocupação e compaixão pelos anawin. Esses pequeninos, as “uvas secas de Deus”, têm sido causticados e ressecados sob os impiedosos raios do princípio masculino dominante.

Os Signos da Nova Era

O signo desta Nova Era, Aquário, é representado por duas linhas onduladas paralelas: =. Seu significado é a “dissolução das formas”, mas ele não representa a água, como poderíamos pensar. Segundo os astrólogos, Aquário é um signo do ar. As formas que podem estar se dissolvendo sob a sua influência são as nossas instituições patriarcais de governo, a Igreja e até a família (?). E as ondas que as estão desfazendo são as águas figurativas do Espírito Santo, o Espírito da Verdade. Essa verdade está nas ondas do ar, da comunicação de massa e da imprensa livre, que fizeram do mundo uma aldeia. Elas estão derrubando, com rapidez, as barreiras artificiais de nação, raça e credo, permitindo que os indivíduos vejam a si mesmos como um só corpo unido a toda a criação.

Os vôos espaciais das últimas décadas nos permitiram enxergar à distância o nosso planeta como ele realmente é, sem cercas, sem muros. A verdade segue a sua marcha! Os adeptos da heresia do Graal acreditavam que o resgate e a valorização do feminino eram a chave para o cumprimento das promessas milenares de paz e justiça universais. Talvez eles também tivessem a esperança de que a hora da libertação ocorreria no futuro amanhecer de Aquário, quando as ondas do Aguadeiro dissolveriam as estruturas patriarcais da sociedade e uma nova força espiritural surgiria. Os artistas e esotéricos medievais impregnavam-se da astrologia. Seus estudos de ciência, filosofia, medicina e astronomia os levaram a formar sociedades secretas e formular seus escritos sob a forma de símbolos para que pudessem praticar as artes ocultas em relativa segurança.

Um bom exemplo disso é encontrado nos textos dos alquimistas medievais e renascentistas, que utilizavam símbolos astrológicos para explicar suas descobertas nos campos da filosofia e da psicologia. Como vimos, a alquimia não era, originariamente, a busca por uma fórmula metalúrgica de transformar chumbo em ouro. Os textos básicos dos antigos mestres alquimistas tratam da transmutação de uma pessoa comum em um ser espiritual. Esses escritos se referem ao uso das doutrinas do Evangelho sobre o serviço e o sacrifício. As provas pelas quais passamos são a própria vida, e o objetivo é o retorno da nossa união com Deus. O indivíduo transformado é alguém que encontra a “pedra filosofal” – freqüentemente associada à sabedoria – ou a “pérola de grande valor”.

Em alguns textos alquímicos, essa sabedoria é ilustrada com o símbolo do hexagrama (O ponto do lado direito superior representa a presença de Deus). Mais uma vez, encontramos a sagrada união dos opostos e a completude/coesão ilustradas pelo hexagrama. Os símbolos dos alquimistas são iguais aos que foram encontrados nas marcas-d’água albigenses e entre os rosa-cruzes, maçons e esotéricos, como vimos em capítulos anteriores. Muitos desses símbolos começaram a ser resgatados no século XX por estudiosos das civilizações medievais e esotéricos.

Contudo, grande parte dessas pessoas parece não ter percebido o elo vital: a heresia do Graal e o seu segredo da Noiva Perdida. A tradição rabínica judaica ensina que a Arca da Aliança, guardada no Santo dos Santos do Templo de Salomão, no Monte Sião, continha não apenas as tábuas nas quais os Dez Mandamentos estavam inscritos, como também “um homem e uma mulher abraçados na intimidade, no formato de um hexagrama”. Essa tradição articula a base fundamental da sociedade hebraica – as tábuas representam os preceitos da aliança, o hexagrama simboliza o hieros gamos, a íntima união sagrada dos opostos. O significado do hexagrama é resumido na palavra hebraica shalom, significando “paz e bem-estar”. É, ainda, a oração do universo.

Pesquisas recentes sobre o aspecto feminino de Deus na tradição hebraica revelam que o Santo dos Santos era a câmara nupcial na qual se consumou a união de Jeová, o invisível Deus Único, e sua contraparte, Shekinah (ou Matronit, como ela era muitas vezes chamada). Com a destruição do Templo, segundo o mito judaico, o relacionamento de Jeová e Shekinah foi rompido, e Jeová voltou aos céus para reinar sozinho. Enquanto isso, sua Noiva, exilada, perambulava na Terra como a comunidade de Israel na Diáspora – e como Magdal-eder e Cinderela!

Encontramos essa Noiva-Irmã, ainda à procura de seu Noivo perdido, no Cântico dos Cânticos 1:15: “Eu sou morena, porém formosa como as tendas de Quedar.” A Noiva continua explicando que a negritude de sua pele se deve ao trabalho nos vinhedos de seu irmão, sob sol intenso. Ela está bronzeada, escurecida, por servir ao princípio solar. Como observamos, supõe-se que o Cântico dos Cânticos tenha sido uma antiga canção de casamento. Ele permaneceu entre as Escrituras de Israel, amado e reverenciado por gerações posteriores, e foi emprestado à cristandade pelo judaísmo. Até o século XIII, a Noiva costumava ser associada a Maria Madalena. E o símbolo sagrado continuou na tradição rabínica como o mais importante do Casamento Sagrado, uma promessa de harmonia e bem-estar.

Em muitos mitos do rei ou deus ferido ou inválido, inclusive no do Rei Pescador Anfortas, do poema “Parsifal”, seu ferimento é no pé ou na coxa – uma metáfora universal para os órgãos genitais na arte e na literatura ocidentais. Ele será curado somente quando a sua contraparte feminina for encontrada. Essa reunião é fonte de bênçãos, alegria e fertilidade, que emanam da câmara nupcial e se derramam por toda a família e a humanidade. Os companheiros separados curam-se por meio de seu reencontro, uma vez que a separação é sua verdadeira ferida!

O Projeto para o Templo

“Existe alguém que se lembre da antiga glória dessa casa?”- pergunta o profeta hebreu Haggai. A data era 520 a.C., e o Templo de Salomão, no Monte Sião, estava destruído. Os  judeus retomaram a Israel após setenta anos de exílio na Babilônia, a cidade associada à adoração pagã. A Palavra de Deus para Haggai era de que o Templo devia ser reconstruído e que as bênçãos começariam a fluir outra vez quando suas fundações estivessem concluídas – e não depois que o Templo estivesse pronto, mas quando fosse iniciado! Quando compreendermos o projeto do verdadeiro Templo – o equilíbrio sagrado e gerador da vida das energias masculina e feminina, natural do próprio Cosmos, e o simbolismo que retrata o conjunto da sabedoria da Antiguidade -, as bênçãos começarão a fluir como um plácido rio por entre as terras ressecadas do planeta.

Segundo a promessa de Isaías, o deserto florescerá. A paz e o bem-estar universais poderão ser restaurados quando o projeto do Templo for abraçado em nosso consciente. O projeto é o resgate do Amor, simbolizado pelo hexagrama, relacionado ao chakra cardíaco, o Anahata. Um dogma interessante da sabedoria esotérica é de que o símbolo do impulso cultural de toda nova era é embrionário e está presente “no cenário” no momento em que a era anterior começa a morrer. De acordo com os Evangelhos, na noite em que Jesus foi preso no jardim de Getsêmani e levado à Fortaleza Antônia para ser interrogado, soldados romanos o torturaram e o coroaram com espinhos. Entalhado nas pedras que cobrem o chão dessa fortaleza, no átrio onde se diz que a tortura ocorreu, está o emblema do Casamento Sagrado com uma pomba pairando sobre ele, de asas abertas. Acredita-se que esse símbolo foi gravado ali pelos soldados romanos da guarnição, talvez relacionado a algum jogo popular, como o xadrez.

De qualquer modo, sua presença naquele cenário parece mais do que uma simples coincidência. Esse emblema representava a era que se aproximava, a era do companheirismo e da completude, embrionária nos ensinamentos de Jesus descritos nos Evangelhos. Os alquimistas são conhecidos por terem usado esse mesmo sinal para designar a pedra filosofal, o objetivo de seu trabalho de transformação. É provável que eles não soubessem que o emblema estava no chão do átrio em que o Noivo/Rei foi torturado. É mais plausível imaginar que o seu conhecimento de geometria e símbolos sagrados os tenha feito adotar o hexagrama por causa de seu significado intrínseco de completude e companheirismo. Este símbolo, o hexagrama, resume as palavras iniciais da Bíblia hebraica em Gênesis 1: “No princípio Deus criou os céus e a Terra… e o espírito de Deus pairava por sobre as águas”.

A presença de Deus, que na escrita cifrada dos alquimistas é um pequeno ponto, é representada pela pomba no emblema que está no chão da Fortaleza Antônia. Nos textos dos alquimistas, a estrela sozinha pode significar o “caos”, enquanto a adição do ponto ou da pomba cria o significado de “cosmo”. A ideia é de que a presença e a orientação do Espírito Santo oferecem direção e significado ao universo criado, uma visão teológica do mundo com profundas raízes na tradição judaico-cristã. A pomba do Espírito pairando sobre o hexagrama do hieros gamos gravada no chão da Fortaleza Antônia é um símbolo da completude e da transformação espiritual para todas as eras. Talvez seja relevante o fato de que os adeptos medievais das doutrinas secretas tenham optado por não louvar o crucifixo. Em vez disso, o consideravam um instrumento de tortura, indigno de veneração. Eles glorificavam o X da iluminação (a letra grega CHI, inicial de Cristo), – a promessa do milênio – e a pomba do Espírito.

A Pomba, O Cordeiro e o Peixe

A pomba é um dos símbolos cristãos mais familiares e amados, interpretado como um sinal do Espírito Santo, que só se tornou masculino quando foi traduzido para o latim spiritus sanctus. A palavra hebraica usada para o Espírito é feminina. Nas cosmologias antigas, o Espírito era sempre feminino, e a pomba era a ave que o representava. Precisamos analisar a pomba com dois outros antigos símbolos associados a Jesus: o peixe e o cordeiro. Ambos aparecem com enorme freqüência na iconografia cristã e têm um significado especial para a história da Noiva Perdida. Quando João batizou Jesus no rio Jordão, o céu se abriu e os espectadores devem ter  se surpreendido ao verem uma pomba descer e pousar sobre Jesus.

Essa ave apresenta um claro significado simbólico. As pombas no mundo antigo eram consagradas à deusa – Afrodite, Vênus, ÍSIS e Sofia. Houve especulações de que esse sinal, citado na narrativa do Evangelho, tinha o objetivo de indicar que Jesus era uma encarnação de Sofia, a Sabedoria Sagrada, ou “filho” dela – ideia comumente admitida pelas seitas gnósticas dos primeiros séculos da cristandade. Quando os fariseus imploraram a Jesus por um sinal, ele lhes disse que o único que poderia enviar seria o de Jonas (Mateus 16:4). Diante da atual discussão sobre que palavras teriam sido realmente ditas por ele e quais teriam sido acrescentadas mais tarde por intérpretes e apologistas, talvez seja importante observarmos com mais atenção esse “sinal de Jonas”.

A citação pode ter sido interpretada após a ressurreição como uma profecia sobre três dias em uma tumba, representados previamente pelos três dias em que o profeta Jonas ficou preso dentro da barriga de uma baleia. Mas existe outro entendimento possível: em hebraico, Jonas significa “pomba”. E se Jesus realmente afirmou que o sinal que daria seria o de Jonas? E se a comunidade tivesse se lembrado dessa afirmação, mas a interpretado mal e, posteriormente, a “enfeitado”? Talvez a intenção de Jesus fosse dizer que ele viera sob o signo da pomba. Por certo seus discípulos já sabiam disso, uma vez que o Evangelho de Marcos afirma que o Espírito, sob a forma de uma pomba, desceria sobre Jesus em seu batismo (Marcos 1:10).

O Amanhecer da Era de Peixes

O símbolo de Peixe para o surgimento de Cristo: Trata-se de um acrônimo, utilizado pelos cristãos primitivos, da expressão “Iesous Christos Theou Yuios Soter”, que significa “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”. Foi um dos primeiros símbolos cristãos, juntamente com o crucifixo

Poderíamos então dizer que o carismático mestre que era capaz de curar, cujo sinal de batismo era uma pomba, foi sacrificado como um cordeiro (Isaías 53:7) e educado como um peixe. Para compreender essa afirmação radical, é preciso saber que a era astronômica do mundo antigo que estava ascendendo na época de Jesus era a Era de Peixes. Com o tempo, as culturas helenizadas do Mediterrâneo apropriaram-se do carismático judeu itinerante, e ele se tornou o Kyrios, o portador, ou Senhor daquela nova era. As iniciais das palavras da expressão “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador” formam, em grego, o termo ICHTHYS (“peixe”). Em pouco tempo os perseguidos seguidores de Jesus estariam desenhando na areia a figura de um peixe para se identificarem como membros da nova religião. Em quarenta anos a tradição literária que cercava Jesus estava repleta de alusões a pescadores: pescadores de almas, suas redes se partindo; os pães e peixes; os 153 peixes na rede; Pedro, o pescador…

Apesar das recentes explicações de natureza econômica, não é por acaso que os católicos tradicionalmente comem peixe nas sextas-feiras – há séculos o cristianismo é associado aos peixes. A era astrológica de Áries, o Carneiro, fora substituída pela era de Jesus Cristo, Filho de Deus, o Peixe, e os epítetos dos deuses anteriores lhe foram atribuídos, inclusive os de Senhor, Senhor da Luz, Pastor, Noivo e Filho Fiel. Associações entre as tribos nômades da era patriarcal e o símbolo astrológico do Carneiro já foram observadas em outras fontes. Nas Escrituras hebraicas há várias referências ao pastoreio de rebanhos desse animal, bem como às oferendas de carneiros imaculados.

No Evangelho de João, João Batista proclama Jesus o Cordeiro de Deus; ele saúda seu primo com essa denominação quando eles se encontram às margens do rio Jordão (João 2:29). O cordeiro é o animal oferecido no Templo em sacrifício a Jeová. Em Isaías 53, o servo sofredor de Jeová é comparado ao cordeiro levado ao abate. E a imagem desse animal sacrificado é enfatizada pelo autor do Apocalipse, que se refere a Jesus como o Cordeiro. Após a morte de Jesus – o Cordeiro de Deus -, judeus devotos continuaram a levar oferendas de cordeiros e pombas ao Templo de Jerusalém durante as quatro décadas seguintes, mas a prática se extinguiu com a destruição dessa edificação no século IX d.C. A religião dos judeus não podia mais ser praticada da maneira que fora prescrita em suas Escrituras

Poderíamos concluir que a era de Áries estava oficialmente terminada. A era de Peixes, que Jesus chamou de “a era que virá”, já havia começado. Pode-se dizer que ele foi a ponte entre as duas. Fico tentada a acreditar que os iniciados das escolas de sabedoria do Império Romano no primeiro século reconheceram gradualmente que os seus mitos ancestrais do deus que morria e renascia haviam se tornado reais na figura de Jesus de Nazaré. Essa crença era a origem da doutrina cristã da Encarnação, o nascimento do Sol/Filho de Deus – o Logos encarnado. A articulação dessa ideia platônica é grega, e não hebraica. Numerosos escritos cristãos primitivos refletem o pensamento de que Jesus era o seu “Sol de justiça” e a “Luz do mundo”. Possivelmente, esses iniciados “iluminados” ajudaram a erigir o cristianismo como sistema de doutrinas para dar continuidade aos valores fundamentais da civilização.

Mudanças caóticas e o cruzamento de culturas criaram um tumulto social durante o primeiro século. As pessoas estavam em busca de um ponto de referência para a sua “nova era”. Acredita-se que a institucionalização de Jesus – o carismático Profeta – como o portador (Avatar) da era de Peixes, foi um trabalho dos iniciados das escolas de mistério desse século. Talvez eles tenham até planejado com antecedência o simbolismo dessa era e sua força espiritual e depois esperaram por alguém que pudesse ser o “recipiente” desses símbolos. De qualquer modo, devem ter reconhecido na histórica pessoa de Jesus, o Cristo um poderoso veículo para o novo tempo que nascia. Ao chamarem Jesus de Christos (Messias/Ungido) e Kyrios, eles conseguiram alinhar o culto popular e a mensagem do milagreiro judeu com o signo zodiacal nascente: Peixes.

A mistura de influências judaicas e gregas pode parecer ilógica à primeira vista, mas devemos nos lembrar de que a área hoje conhecida como Israel esteve sob domínio grego por quase trezentos anos após as conquistas de Alexandre, o Grande, e que posteriormente foi ocupada pelos romanos. Dizer que a mente e a cultura judaicas permaneceram intocadas depois de todos esses séculos de convivência seria absurdo. Como exemplo dessa mistura de influências culturais, podemos citar uma famosa sinagoga do século VI, em Beth Alpha, em cujo piso há um mosaico do zodíaco com os mesmos símbolos que floresceram na arte européia da Idade Média.

Quem foi o primeiro a empregar as iniciais ICHTHYS para abreviar o epíteto grego “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”? Quem começou a usar a imagem visual do peixe para representar Jesus e o movimento cristão, um símbolo que foi logo de início desenhado nas paredes das catacumbas fora de Roma? Tertuliano (que morreu aproximadamente em 230 d.C.) e Clemente de Alexandria (que morreu em torno de 215 d.C.) usaram o peixe como um símbolo para Jesus. Santo Agostinho continuou com essa prática. Alguns padres da Igreja referiam-se aos seus paroquianos como pisciculi, “pequenos peixes”. A fonte batismal era chamada piscina, e Tertuliano dizia sobre os iniciados no cristianismo: “Nascemos em água como peixes”.

O tema do peixe/pescador permeia os primórdios da cristandade; porém, nos Evangelhos, Jesus nunca se referia a si mesmo como peixe ou pescador, mas como pastor, noivo e herdeiro do vinhedo. Os seus apóstolos é que foram designados “pescadores de homens”. Na segunda metade do primeiro século, a imagem do peixe e a identificação de Jesus como o Senhor (Avatar) da era de Peixes permeou o pensamento cristão. As refeições que os adeptos dessa fé compartilhavam em suas casas incluíam o peixe. Muitos elementos da doutrina e da liturgia cristãs primitivas, especialmente a refeição eucarística do pão e do vinho e os ritos batismais de iniciação, podem ser compreendidos como tentativas de adaptar o Jesus histórico, o Cristo Filho de Deus, às práticas religiosas helenizadas que foram tomadas como empréstimo dos cultos de mistério, principalmente os de Tamuz, Mitra e Dioniso.

Vários séculos se passaram até que Jesus fosse chamado de “Senhor”, suplantando o imperador de Roma, mas, no final, ICHTHYS, o Peixe, acabou entronizado à direita de Deus como o Senhor dessa era. Qualquer que tenha sido o objetivo inicial de Jesus, sua helenização já estava fortemente estabelecida na época em que o Evangelho de João foi escrito. O paroquial judeu carismático não era apenas o rabi, como os amigos o chamavam em Jerusalém, mas Kyrios. O Evangelho de Mateus, de aproximadamente 80-85 d.C., já oferece subsídios para a condição de “Senhor”, relatando que os astrólogos – os Reis Magos (ou Sábios) – haviam “visto a sua estrela” (Mateus 2:2). Eles vieram do Oriente e ajoelharam-se em homenagem ao recém-nascido Rei e Salvador da humanidade. Os astrólogos modernos sugerem que a estrela dessa passagem bíblica é uma alusão à constelação de Peixes, que ascendia. Nesse aspecto, entretanto, encontramos mais uma grande falha nas fundações da cristandade que não foi percebida pela Igreja primitiva: o símbolo do signo de Peixes são dois peixes nadando juntos, em geral em direções opostas. E a palavra latina pisces está no plural.

No cristianismo, porém, em vez de dois peixes havia apenas um, Jesus, o Cristo, ICHTHYS, o “único filho gerado” de Deus, entronizado à direita do Pai. A Noiva/Contraparte desse filho fora perdida involuntariamente no caótico dia seguinte à crucificação. Talvez os patriarcas não tivessem percebido o estrago que fizeram ao eliminar a Noiva. De qualquer modo, quando, depois, a perda foi sentida (possivelmente não antes do século VI ou VII), eles devem ter acreditado que era tarde demais para reintegrar a mulher de Jesus, cujas pegadas haviam sido obscurecidas para que sua vida fosse salva. Os Evangelhos relatam que Jesus veio para cumprir as profecias da nação judaica e para pregar uma nova percepção da constante presença de Deus na comunidade – junto aos pobres, oprimidos e desfavorecidos. O conteúdo radical de sua mensagem ficou bem ilustrado quando ele derrubou as mesas dos mercadores no Templo, desafiando o status quo da elite de sacerdotes corruptos – “Os pastores que não cuidam senão de seu próprio pasto” (Ezequiel 34, Jeremias 23).

O Jesus descrito nos Evangelhos é um herói antiestablishment, uma encarnação do espírito da sabedoria, gentil e bondoso com os pobres e um defensor da justiça. É esse Jesus o modelo a ser seguido por quem quiser viver dentro da verdadeira doutrina cristã. O Jesus que governa vitorioso, Senhor do Universo, sentado à direita de Deus e objeto da adoração cristã aos domingos (Sunday, “domingo”, em inglês, significa “dia do Sol”), é uma divindade solar masculina da tradição oriental do Egito (Rá), Grécia (Apolo), Roma (Júpiter e Sol Invictus) e Pérsia (Zoroastro e Mitra). Mas existe outro Jesus, o curandeiro carismático que caminhou de sandálias pelas ruas estreitas das cidades da Palestina, que cuidou dos doentes e pregou uma mensagem de reconciliação e proximidade, cujo batismo foi acompanhado pelo sinal de uma pomba, que foi ungido em Betânia e crucificado como insurreto por um decreto de Roma.

É esse o Jesus que fugia sempre que as pessoas tentavam fazer dele um rei – e cuja morte na cruz exemplificou de maneira radical as feridas de Deus, cujos profetas são tão universalmente desprezados e sacrificados. Lado a lado com a versão ortodoxa do cristianismo pregada da cadeira de Pedro há outra história de Jesus, uma tradição oculta que tem sido considerada herética e, por isso, forçada a permanecer na obscuridade por vários séculos. À sombra das comunidades que acreditaram em uma cristologia superior, a do divino e onipotente Rei e Cavaleiro das Nuvens (um antigo epíteto de Baal, o Rei-Sol de Canaã), havia aqueles que amavam Jesus como irmão e amigo e que pregaram um Evangelho simples sobre relacionamentos refeitos e transformação espiritual. A cristologia inferior da primitiva comunidade de cristãos ebionitas revela continuidade entre esse grupo e os cristãos originais de Jerusalém, sob a liderança de Tiago, o irmão de Jesus.

Depois que os ensinamentos do judeu Paulo e de líderes posteriores transformaram o Messias/rabino em um Deus Salvador universal, a Igreja de Roma acabou (ironicamente) rotulando os ebionitas de hereges! Nós já examinamos as crenças da tradição alternativa, aquelas da Igreja oculta herética, que ensinava que Jesus era um mestre carismático, pleno do Espírito, o Messias de Israel. Foi basicamente a minha busca por esse outro Jesus que me levou ao mistério que cerca o mito cristão do Santo Graal. E foram o meu amor e a minha reverência por esse Jesus que me pressionaram a clamar pela restauração de sua Noiva.

O Aguadeiro

Com o início desta era de Aquário, parece um tanto providencial que os algarismos romanos para os anos desde 2000 sejam MM e que as iniciais de Maria Madalena formem as linhas onduladas desse signo. Nas pinturas que retratam Madalena, seu cabelo é quase sempre longo (e vermelho), descendo pela cabeça como as ondas paralelas na representação do signo. Também considero estranho que, na catedral de Chartres, o vitral que retrata Maria Madalena tenha sido doado pelos “aguadeiros” – e que nenhuma outra informação tenha sido acrescentada. Quem eram esses medievais aguadeiros? Seriam membros de uma corporação da cidade? Por que escolheram doar a imagem de Maria Madalena e não a de outro personagem? Ou seria essa inscrição outra alusão cifrada à esperança de resgatar o princípio feminino e a Noiva na nascente era de Aquário?

Segundo o Livro do Apocalipse, o casamento do Cordeiro é que vai, finalmente, fazer com que a água brote no deserto. O vitral foi instalado no importante santuário da Madona Negra com um dos mais antigos exemplos da Árvore de Jessé (aproximadamente em 1150), que aparecia com freqüência na arte medieval desse período para enfatizar a genealogia humana de Jesus na sucessão dos reis de Judá. Em uma das fabulosas rosáceas de Chartres, Jesus, ainda bebê, no colo da mãe, está cercado de seus ancestrais – os reis de Judá da linhagem de Davi -, o que mais uma vez ressalta a genealogia dos herdeiros legítimos de Davi.

Nessa rosácea, as faces dos soberanos de Israel que “caminharam com Deus” e foram fiéis a ele são negras como a da Madona que segura o Menino no colo; enquanto os rostos dos reis que ignoraram os preceitos de Deus são brancos. Há um dogma secreto dos artistas medievais: “Tudo tem um significado”. Isso é tão verdadeiro em relação aos detalhes de cada peça quanto em relação à compreensão básica que tinham da realidade. A “negritude” dessas figuras parece referir-se à sabedoria daqueles que são servos voluntários de Deus.

A Pequena Sereia

Uma amiga de sete anos de idade, cujo nome é Sara, chamou a minha atenção para um curioso detalhe nos primeiros minutos do filme da Disney, “A pequena sereia”. A pintura  que a menina-peixe Ariel havia resgatado de um galeão afundado e mantido entre os seus tesouros era a Madalena penitente, obra de Georges de la Tour, artista francês do século XVII. O filme é adaptado da versão de uma história escrita por Hans Christian Andersen, mas nele há um final feliz que não existe na narrativa original – o casamento do príncipe com sua noiva. O único desejo da pequena sereia é sair do oceano e casar-se com seu amado. Talvez ela represente o segundo peixe do signo de Peixes, o que ficou esquecido e no lugar errado, submerso em nosso inconsciente por dois mil anos!

A malvada bruxa do mar e o bondoso pai de Ariel, o rei Posêidon, tentam impedir sua união com o príncipe. A bruxa do mar conspira para roubar a voz da sereia, tirando dela a capacidade de comunicar-se com o seu amado. (E também não foi roubada a “voz da Noiva” quando sua história foi declarada herética e seu casamento repudiado?) Mais uma vez, o tema do conto de fadas é o feminino levantando-se das profundezas da obscuridade para fazer cumprir o seu destino como companhia legítima do masculino. E, mais uma vez, é o príncipe que está passando por terríveis problemas, submerso e perto da morte, quando Ariel vai salvá-lo durante a tempestade. Também é ele que, procurando desesperadamente por sua Noiva-Irmã perdida, é ludibriado e maltratado pela bruxa do mar. A origem do seu sofrimento é a separação de sua amada.

Mas eu tenho uma pergunta: quem escolheu a pintura da Madalena penitente como a obra que ficaria pendurada na parede da caverna de tesouros da pequena sereia no filme da Disney? Seria uma associação consciente, feita pelo artista, entre a sereia e Madalena? Ou seria apenas o “acaso”, outra poderosa “coincidência”? Uma questão ainda mais relevante é a escolha do nome Ariel para a personagem que, no livro de Andersen, não tem nome. Ariel é outra denominação para Jerusalém, usada no livro do profeta Isaías (29:1-2) como sinônimo de “cidade sitiada”. É o equivalente simbólico da “desolada Viúva Sião” do Livro das Lamentações e da Magdal-eder de Miquéias 4:8. Ariel representa os abandonados remanescentes do povo de Deus EM TODO O PLANETA. Talvez a escolha do nome tenha sido inconsciente por parte de quem contou a história, mas seu significado é espantoso.

A identidade verdadeira de Ariel é a da Noiva Perdida. A “donzela-peixe” está tentando ser reconduzida à nossa consciência como companheira/contraparte do belo príncipe. O símbolo da era de Peixes são dois peixes, não apenas um! Nadando em direções opostas, o signo astrológico de Peixes se parece muito com o yin/yang do Oriente, antigo símbolo da harmonia entre os opostos. Nas marcas-d’água de Provença, a sereia segura o espelho de Vênus/Afrodite, a Deusa do Amor, o seu alter ego. Acredito que esse espelho, presente em várias pinturas da Madalena penitente, de George de La Tour (e também no primeiro painel da tapeçaria La Dame à la Licorne), reflita a compreensão de que o cosmo material, personificado no feminino (matter,  que, em inglês, significa “matéria”: origina-se do latim mater, que significa “mãe”), é a imagem refletida da divindade, entendida como a “outra metade” ou a contraparte espiritual. É o mundo físico que manifesta “na carne” a invisível energia criadora do universo.

Nesse sentido, o Cosmos material (feminino em antigas cosmologias) “capta o espírito” no espelho da mulher e o mantém lá, tornando-o visível, assim como o oceano reflete a grandeza do céu, enquanto a Lua reflete a luz do Sol. Talvez isso explique por que a Deusa do Amor é associada a um espelho. Certamente não é por causa da vaidade, mas porque ela é a imagem refletida da invisível energia positiva do Cosmos. A pequena sereia como o espelho no filme da Disney é um diminutivo da Rainha do Mar, a deusa arquetípica. Mas não é uma imagem materna – ela representa a “outra Maria”, a Noiva-Irmã. O povo tem uma estranha maneira de contar suas histórias em formas arquetípicas. Não deveríamos nos surpreender com o fato de elas reaparecerem tantas vezes!

Resgatando a Noiva Perdida

Para restaurar o princípio feminino expresso em Maria Madalena, é necessário estabelecer sua verdadeira identidade como Noiva – e não como prostituta. Embora tenha sido mais tarde assim chamada pela Igreja, a verdadeira Maria Madalena jamais foi desprezada por Jesus nos Evangelhos. Ela era o amor de sua vida. Como nos contos de fadas, o belo príncipe procura por ela há dois mil anos, tentando devolver-lhe o lugar ao seu lado que, por direito, lhe pertence. Ele representa o aspecto Noivo/Pastor da deidade; ela, a Noiva: “Nunca mais te chamarão ‘desamparada’, nem a tua terra se denominará ‘desolada’; mas chamar-te-ão ‘minha amada’ e tuas terras, ‘desposada’.” (Isaías 62:4). Após mais de dois mil anos do nascimento de Jesus, é hora de dar a versão correta dos fatos para revisar e completar a sua história relatada nos Evangelhos e incluir a sua mulher. Nosso meio ambiente destruído, nossas crianças vítimas de violência, nossos veteranos de guerra mutilados, nossas famílias autodestrutivas e nossos cônjuges abandonados… todos estão clamando pelo resgate da Noiva de Cristo.

Talvez a angústia deles seja mais bem resumida na imagem da Madona que chora. Numerosos ícones da Virgem Maria receberam cobertura da mídia nos últimos tempos porque derramavam lágrimas, desafiando explicações racionais. Sem dúvida, ela está sofrendo por seus filhos, os anawin de Deus. As Escrituras nunca afirmaram que Jesus não se casou, apenas omitiram informações específicas sobre sua esposa. Porém, como vimos, a ameaça física à sua família teria sido motivo suficiente para tirar o seu casamento do cenário. Devemos lembrar que a amada de Jesus sentou-se aos pés dele, sorvendo cada uma de suas palavras (Lucas 10:39), e que lhe ungiu os pés com suas lágrimas e os secou com o próprio cabelo (João 12:3).

A Noiva arquetípica já ocupa o seu lugar, e uma nova consciência está criando raízes entre nós. A voz da Noiva está, finalmente, sendo ouvida no reino. Quando me propus a desvendar a heresia do Graal, em 1985, não sabia aonde minha viagem me levaria. Na síntese de evidências que coletei na história, arte, literatura, psicologia e mitologia, os argumentos a favor da existência da Noiva Perdida foram aos poucos se cristalizando. Aonde quer que eu fosse, encontrava traços do feminino perdido e do desequilíbrio dos opostos, que se manifesta na imagem da terra devastada, do rei debilitado e da Madona de coração partido. Em minha busca pelo Graal conheci mitos e lendas de muitas terras. Uma das que mais me encantaram foi uma antiga homenagem à deusa egípcia Maat. Ela é, com freqüência, retratada como uma gigantesca ave que segura o mundo inteiro em perfeito equilíbrio ao mesmo tempo em que porta uma pena com a qual poderia fazer a balança da justiça cósmica pender para qualquer um dos lados.

Como não deseja que o universo perca o equilíbrio, ela continua a segurar aquela única pena por toda a eternidade. Infelizmente, nos últimos milênios, a balança pendeu para o lado masculino, criando um desequilíbrio em todos os níveis. Por séculos, os profetas e os verdadeiramente sábios têm exortado a comunidade a ser misericordiosa e bondosa, uma vez que o próprio Deus expressa essas qualidades. Nesta Nova Era, talvez o princípio do Aguadeiro, o feminino, tenha influência suficiente para apagar o fogo alimentado por quatro mil anos de orientação masculina do Logos e para começar a curar o deserto. É, sem dúvida, uma questão de assumir uma nova consciência. Quando a Noiva-Irmã for devolvida ao paradigma celeste como a Amada de Logos, então as feridas serão cicatrizadas, pois, como vimos, a origem de todas elas é a alienação e a separação desses dois arquétipos.

Lendas medievais dizem que o Graal foi perdido porque seus guardiões se mostraram indignos. Aos poucos, tanto a Igreja Católica quanto a secreta Igreja do Amor ficaram tão envolvidas na luta pelo poder, tão orientadas no sentido da “lâmina”, tão ansiosas por serem declaradas o verdadeiro veículo da mensagem de Deus, que acabaram por perdê-la. As duas facções empregaram a espada do impiedoso poder político para conquistar seus objetivos e, ao agirem dessa forma, conseguiram destruir a própria mensagem que levavam. Essa mensagem era a do Amor. No fim, nenhuma delas foi capaz de ouvir a Palavra de Deus, abafada pelo confronto de suas espadas. Hoje, o feminino está se levantando para transmitir esse ensinamento. Como a Bela Adormecida, finalmente despertada pelo beijo de seu príncipe, ele agora é capaz de articular a mensagem da ligação com o Eros.

O tema da linhagem é basicamente irrelevante, exceto no que se refere à questão da humanidade completa de Jesus. Mas a consciência feminina ressurrecta continuará a mover-se na direção da parceria igualitária, apesar do mito do masculino dominante que tem sido mantido há milênios. Não sabemos o que a Igreja patriarcal da cristandade fará quando for descoberto que as lendas da Noiva Perdida de Jesus são provavelmente verdadeiras. Talvez o Vaticano continue a negar que Jesus tenha sido casado. Mas também é possível que, diante das evidências, os padres decidam que é hora de receber a Noiva com uma jubilosa ação de graças. Talvez permitam que os sinos da Igreja toquem em todas as nações para anunciar o seu retorno em segurança e para lhe dar as boas-vindas em sua volta ao lar! Eles podem até decidir, finalmente, celebrar a ceia de casamento do Cordeiro. E, então, as vozes da Noiva e do Noivo serão ouvidas novamente no reino, e o deserto florescerá! O deserto e a terra seca exultarão; o solo árido se regozijará e florescerá (Isaías 35:1).

Continua …


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