Em meados da tarde, deixei a Grande Pirâmide. Refazendo o caminho que Santha e eu havíamos seguido na noite anterior, quando escalamos o monumento, dirigi-me para leste, costeando a face norte, e para o sul. Acompanhando o flanco da face leste, passei por cima de montes de entulho e tumbas antigas próximas uma da outra nessa parte da necrópole e saí para o leito rochoso de calcário, coberto de areia, do platô de Gizé, que nesse local inclina-se nas direções sul e leste. No fundo dessa ladeira longa e suave, a cerca de meio quilômetro da aresta sudeste da Grande Pirâmide, a Esfinge aparece agachada em seu fosso aberto na rocha.
Livro “AS DIGITAIS dos DEUSES”, uma resposta para o mistério das Origens e do Fim da Civilização
Por Graham Hancock, livro “AS DIGITAIS DOS DEUSES”, Tradução de Ruy Jungmann, editora Record 2001.
CAPÍTULO 39 – O Local do Início
Gizé, Egito, 16 de março de 1993, 15h30min.
Medindo mais de 20m de altura por mais de 73m de comprimento, com uma cabeça de 4,16m de largura, ela é, por larga margem, a maior peça escultural isolada no mundo – e a mais famosa:
Uma forma com corpo de leão e cabeça de homem. Um olhar vazio e implacável como o sol.
Aproximando-me do monumento pelo noroeste, cruzei o antigo passadiço que liga a Segunda Pirâmide ao denominado Templo do Vale, de Khafre, uma estrutura muito estranha, localizada a 15,24m exatamente ao sul da própria Esfinge, na borda leste da planície de Gizé. Acredita-se há muito tempo que esse templo é muito mais antigo do que o período de Khafre. Na verdade, durante a maior parte do século XIX, o consenso entre os estudiosos era que a estrutura fora construída na remota pré-história e que nada tinha a ver com a arquitetura do Egito dinástico.
O que mudou tudo isso foi a descoberta de certo número de estátuas de Khafre, com inscrições, sepultadas no recinto do templo. Embora a maioria estivesse muito estragada, uma delas, encontrada de cabeça para baixo em um buraco profundo em uma antecâmara, fora achada quase intacta. De tamanho natural, e refinadamente esculpida em diorita preta, uma pedra dura como diamante, ela representava o faraó da Quarta Dinastia sentado no trono, olhando para a eternidade com serena indiferença.
Nesse ponto, o raciocínio, afiado como navalha, da egiptologia entrou em ação e encontrou uma solução de um brilhantismo quase ofuscante: se as estátuas de Khafre tinham sido encontradas no Templo do Vale, o templo, portanto, fora por ele construído. O geralmente sensato Flinders Petrie resumiu a questão da seguinte maneira:
“O fato de os únicos restos suscetíveis de datação encontrados no Templo terem sido de Khafre demonstra que a estrutura é de seu período, uma vez ser sumamente improvável que ele tenha se apropriado de um edifício mais antigo.”
Mas por que a idéia era tão improvável assim? Durante toda história do Egito Dinástico, numerosos faraós apropriaram-se de edifícios de seus predecessores, às vezes removendo deliberadamente os cartuchos dos construtores originais e substituindo-os pelos seus. Não havia nenhuma boa razão para supor que Khafre teria se abstido de ligar-se ao Templo do Vale, particularmente se o mesmo não estivesse associado em sua mente a qualquer governante anterior registrado na história, mas apenas aos grandes “deuses”, que os antigos egípcios diziam ter trazido a civilização ao Vale do Nilo, na distante e mítica época que chamavam de Primeiros Tempos.
Em tal local de poder arcaico e misterioso, no qual não parece que ele tenha interferido de qualquer maneira, Khafre pode ter pensado que instalar estátuas belas e fiéis de sua pessoa poderia trazer benefícios eternos. E se, entre os deuses, o Templo do Vale estivera associado a Osíris (a quem Khafre tinha o objetivo de reunir-se na vida após a morte), o uso de sua estátua para forjar um forte elo simbólico teria sido ainda mais compreensível.
O Templo dos Gigantes
Depois de cruzar o passadiço, o caminho que eu escolhera para chegar ao Templo do Vale levou-me através de entulho a um campo de “mastabas”, no qual figuras menos notáveis da Quarta Dinastia tinham sido enterradas em tumbas subterrâneas, sob plataformas de pedra em forma de banco (mastaba é uma palavra árabe moderna que significa banco, e daí o nome dado a essas tumbas). Segui ao longo da parede sul do templo, lembrando-me de que esse antigo prédio estava quase perfeitamente orientado para o sul, como acontecia com a Grande Pirâmide (com um erro de apenas 12 minutos de arco). O templo era quadrado, com 44,80m de cada lado, construído na ladeira do platô, mais alta no oeste do que no leste. Em conseqüência, enquanto a parede oeste ficava a apenas pouco mais de 7m de altura, a leste excedia 12m. Visto do sul, a impressão era de uma estrutura em forma de cunha, baixa e transmitindo uma sensação de poder, apoiada firmemente sobre o leito rochoso.
Um exame mais atento revelava que a estrutura possuía várias características inteiramente estranhas e inexplicáveis para o olho moderno, que deveriam ter parecido também quase tão estranhas e inexplicáveis para os antigos egípcios. Para começar, a ausência total, tanto dentro quanto fora da estrutura, de inscrições e outras marcas de identificação. Neste particular, como o leitor deve compreender, o Templo do Vale poderia ser comparado a alguns dos demais monumentos anônimos e absolutamente infensos à datação existentes no platô de Gizé, incluindo as grandes pirâmides (e também uma misteriosa estrutura existente em Abidos, conhecida como Osireion, que estudaremos em detalhes em um capítulo posterior), mas, à parte isso, nenhuma semelhança apresentava com os produtos típicos e bem conhecidos da antiga arte e arquitetura egípcia – todos eles copiosamente decorados, embelezados e cobertos de inscrições.
Outro aspecto importante e incomum do Templo do Vale é que sua estrutura central foi construída inteiramente, de gigantescos megálitos de pedra calcária. A maioria deles mede 5,48m de comprimento x 3,48m de largura x 2,43m de altura, havendo alguns que medem 9,14m de comprimento x 3,65m de largura x 3,48m de altura. Excedendo geralmente um peso de 200 toneladas, todos eles são mais pesados do que uma moderna locomotiva diesel – e há centenas desses blocos. Esse fato seria, de alguma maneira, misterioso? Aparentemente, os egiptólogos não pensavam assim. Na verdade, poucos entre eles se deram ao trabalho de comentar o fato, exceto da maneira a mais superficial possível – seja sobre o tamanho espantoso desses blocos ou a logística assombrosa que teria sido necessária para serem postos em seus lugares.
Conforme vimos antes, monólitos de até 70 toneladas, todos eles com um peso de 100 carros tamanho família, haviam sido içados para o nível da Câmara do Rei na Grande Pirâmide – mais uma vez, sem provocar muitos comentários da comunidade de egiptólogos -, de modo que a falta de curiosidade sobre o Templo do Vale talvez não fosse motivo para surpresa. Não obstante, o tamanho dos blocos era realmente extraordinário, parecendo que pertenciam não só a outra época, mas inteiramente a outra ética – uma ética que refletia preocupações estéticas e estruturais incompreensíveis e sugeria uma escala de prioridades inteiramente diferente da nossa.
- Por que, por exemplo, insistir em usar esses incômodos monólitos de 200 toneladas, quando poderiam simplesmente fatiá-los em blocos de 10, 20, 40 ou 80 toneladas, menores e mais fáceis de mover?
- Por que tornar as coisas tão difíceis, quando podiam conseguir praticamente o mesmo efeito visual com muito menos esforço?
- E de que maneira os construtores do Templo do Vale içaram esses megálitos colossais a uma altura de mais de 12m?
Atualmente, só existem no mundo dois guindastes terrestres capazes de erguer pesos dessa magnitude. Nas próprias fronteiras mais avançadas da tecnologia de construção, esses guindastes são máquinas enormes, industrializadas, com lanças que se projetam a mais de 60m no ar, e que exigem contrapesos, no alto, de mais de 160 toneladas, para impedir que caiam para a frente. O tempo de preparação para um único içamento é de cerca de seis semanas e requer a perícia de equipes especializadas de até 20 indivíduos. Em outras palavras, construtores modernos, com todas as vantagens de engenharia de alta tecnologia, mal conseguem içar pesos de 200 toneladas. Não era, portanto, algo surpreendente que os construtores de Gizé içassem esses pesos quase que em base rotineira na construção de inúmeros templos?
Aproximando-me mais da imponente parede sul do templo, observei mais uma coisa nos imensos blocos de pedra calcária: eles não só eram ridiculamente grandes, mas, como se para complicar ainda mais uma tarefa impossível, haviam sido cortados e encaixados em um padrão multiangular, semelhante ao que havia sido empregado nas ciclópicas estruturas de pedra de Sacsayhuaman e Machu Picchu, no Peru (ver Parte II). Outro aspecto que notei é que parece que as paredes do templo foram construídas em dois estágios. O primeiro, cuja maior parte está intacta (embora profundamente corroída) consiste do embasamento, forte e pesado, de blocos de 200 toneladas. Em ambos os lados desses blocos foi enxertada uma fachada de granito trabalhado que (conforme teremos oportunidade de ver) está intacto na maior parte no interior do prédio, mas que desabou quase todo na parte externa.
Um exame mais atento de alguns dos blocos remanescentes do revestimento externo, nos pontos onde se soltaram do núcleo, revela um fato curioso. Nos tempos em que foram aqui colocados na antiguidade, a parte posterior desses blocos foi cortada para encaixar-se e amoldar-se às bases côncavas e reentrâncias profundas das marcas de intemperismo existentes no bloco. A presença dessas marcas parece implicar que os blocos do núcleo devem ter estado aqui, expostos à ação dos elementos, durante um período imenso de tempo, antes de terem sido revestidos de granito.
O Senhor de Rostau
Dirigi-me nesse momento para a entrada do templo, localizada perto da extremidade norte da parede leste, que tem 13,10m de altura. Notei que, aí, o revestimento de granito continua em condições perfeitas e que consiste de imensas lajes que pesam entre 70 e 80 toneladas, e que protege os blocos de pedra calcária do embasamento como se fosse uma armadura. Servido por um corredor alto, estreito e aberto para o alto, esta escura e imponente entrada orienta-se inicialmente para oeste, faz em seguida uma volta em ângulo reto para o sul, e acabou me levando a uma espaçosa antecâmara. Foi neste local que se descobriu a estátua de diorita em tamanho natural de Khafre, de cabeça para baixo e, ao que parecia, ritualmente enterrada em um fundo buraco. Revestindo todo o interior da antecâmara, observei um majestoso quebra-cabeças de blocos de granito polidos com perfeição (encontrados da mesma forma em todo o edifício).
Exatamente como acontece com os blocos de alguns dos maiores e mais estranhos monumentos pré-incaicos no Peru, estes têm ângulos múltiplos, finamente entalhados nas juntas e formando um padrão geral complexo. De interesse especial é a maneira como certos blocos como que se dobram em torno de arestas e são recebidos por ângulos reentrantes abertos em outros blocos. Da antecâmara, passei através de um elegante corredor que segue na direção oeste e desemboca em um espaçoso salão em forma de T. Na barra do T, olhei para oeste ao longo de uma avenida imponente de colunas monolíticas. Com uma altura de quase 5m de altura e medindo 1,4m de cada lado, as colunas sustentam vigas de granito, de forma quadrada, todas elas com 1,4m de cada lado. Uma fileira de mais seis colunas, também sustentando vigas, corre ao longo do eixo norte-sul do T, produzindo um efeito geral de simplicidade, impressionante mas refinada.
Para que propósito foi construído esse edifício? De acordo com egiptólogos que o atribuíam a Khafre, a finalidade era óbvia. Fora projetado, diziam, como local para certos rituais de purificação e renascimento, necessários ao funeral do faraó. Os próprios antigos egípcios, porém, nenhuma inscrição deixaram confirmando essa conclusão. Ao contrário, a única prova escrita que nos chegou indica que o Templo do Vale não podia (pelo menos, originariamente) ter mantido qualquer relação com Khafre, pela razão muito simples de que foi construído antes de seu reinado. A prova escrita nesse particular é a Estela do Inventário (mencionada no Capítulo 35), que indica também uma idade muito maior para a Grande Pirâmide e a Esfinge. O que a Estela do Inventário diz sobre o Templo do Vale é que este já existia durante o reinado do predecessor de Khafre, Khufu, época em que fora considerado não como prédio recente, mas antiquíssimo.
Além do mais, é claro pelo contexto que não se pensava que tivesse sido obra de algum faraó anterior. Em vez disso, acreditava-se que era um monumento dos “Primeiros Tempos” e que tinha sido construído pelos “deuses” que haviam se estabelecido no Vale do Nilo naquela época remota. Na estela, o templo era designado de forma bem explícita como “Casa de Osíris, Senhor do Rostau (Rostau é um nome antigo da necrópole de Gizé). Como teremos oportunidade de ver na Parte VII, Osíris foi, em numerosos aspectos, a contrapartida egípcia de Viracocha e Quetzalcoatl, as divindades civilizatórias dos Andes e da América Central. Com eles, Osíris compartilhou não só uma missão comum, mas uma enorme herança de simbolismo comum. Parecia apropriado, portanto, que a “Casa” (santuário, ou templo) de um mestre e legislador tão sábio tivesse sido construída em Gizé, à vista da Grande Pirâmide e na vizinhança imediata da Grande Esfinge.
Vasta, Remota e Fabulosamente Antiga
Seguindo a direção dada pela Estela do Inventário – que declara que a Esfinge se situa “a noroeste da Casa de Osíris” – fui até a extremidade norte da parede oeste, que cerca o salão em forma de T do Templo do Vale. Passei por um portal monolítico e entrei em um longo e inclinado corredor com chão de alabastro (orientado também na direção noroeste) e que finalmente se abre para a extremidade mais baixa do passadiço que leva à Segunda Pirâmide. Da borda do passadiço eu tinha uma vista desimpedida da Esfinge, situada imediatamente ao norte. Com o comprimento de um quarteirão urbano, altura de um prédio de seis andares, a escultura está perfeitamente orientada diretamente para leste (o nascer do sol) e, dessa maneira, de frente para o sol nascente nos dois dias equinociais do ano (em março e setembro).
Com cabeça de homem, corpo de leão, agachada como se pronta, finalmente, a mover as pernas após milênios de sono pétreo, a Esfinge foi esculpida em uma única peça, em uma única corcova de pedra calcária, em um sítio que deve ter sido milagrosamente (cientificamente) pré-selecionado. As características excepcionais desse local, bem como a vista para o Vale do rio Nilo embaixo, é que sua constituição geológica contém um cômoro de pedra dura, que se projeta a 9m acima do nível geral da crista de pedra calcária. Nesse cômoro, foram esculpidas a cabeça e o pescoço da Esfinge, enquanto abaixo, o vasto retângulo de pedra calcária que seria transformado no corpo foi isolado do leito rochoso circundante. Os construtores haviam conseguido isso escavando uma vala de 5,5m de largura por 7,5m de profundidade em volta de toda a peça, criando, dessa maneira, um monólito isolado.
A primeira e duradoura impressão produzida pela Esfinge e pelo espaço que a cerca é de velhice, de grande antiguidade – não apenas um mero punhado de milênios, como a Quarta Dinastia de faraós, mas vasta, remota e fabulosamente antiga. Era dessa maneira que os antigos egípcios de todos os períodos da história desse povo consideravam o monumento, que acreditavam guardar “O Lugar Esplêndido do Começo de Todo o Tempo” e que reverenciavam como o ponto focal de “um grande poder mágico que se estende por toda região”. Esta, como já vimos, é a mensagem geral da Estela do Inventário. Ou, para ser mais específico, é também a mensagem da “Estela da Esfinge”, aí erigida por volta do ano 1400 a.C. por Tutmósis IV; um faraó da 18ª. Dinastia. Ainda de pé entre as patas da Esfinge, essa lousa de granito ensina que, antes do reinado de Tutmósis, a Esfinge esteve enterrada na areia até o pescoço. Turmósis libertou-a, removendo a areia e mandando confeccionar a estela para comemorar esse trabalho.
Nos últimos 5.000 anos, não ocorreram mudanças importantes de clima no platô de Gizé. Segue-se, por conseguinte, que durante todo esse período o espaço em que se encontra a Esfinge esteve tão sujeito ao avanço da areia como na época em que Tutmósis mandou removê-la – e, na verdade, como ainda acontece hoje. A história recente prova que esse espaço pode se encher rapidamente, se não for cuidado. Em 1818, o capitão Caviglia mandou retirar a areia para realizar escavações e, em 1886, quando Gaston Maspero chegou para reiniciá-las no sítio arqueológico, foi obrigado, mais uma vez, a mandar remover a areia. Trinta e nove anos depois, em 1925, a areia voltara com plena força e a Esfinge estava enterrada até o pescoço, quando o Serviço de Antiguidades do Egito iniciou, mais uma vez, sua limpeza e restauração. Será que esse fato sugere que o clima poderia ter sido muito diferente quando foi aberto na rocha o espaço ora ocupado pela Esfinge?
Que sentido faria erigir essa imensa estátua se seu destino fosse apenas o de ser engolida pelas areias movediças da região oriental do Saara? Não obstante, uma vez que o Saara é um deserto jovem, e desde que a área de Gizé em particular era úmida e relativamente fértil há 11.000-15.000 anos, não valeria a pena estudar um cenário inteiramente diferente para toto o complexo de pirâmides e templos da planície de Gizé? Não será possível que o espaço da Esfinge tenha sido escavado na rocha, naqueles distantes milênios verdes, quando a camada superior [arável] do solo ainda estava presa à superfície do platô pelas raízes de relva e arbustos e quando o que é hoje um deserto de areia varrida pelo vento lembrava mais as savanas onduladas dos modernos Quênia e Tanzânia?
Nessas condições climáticas favoráveis, a construção de um monumento semi-subterrâneo como a Esfinge não teria ofendido o bom senso. Os construtores não teriam razão para prever o lento ressecamento e desertificação do platô, que acabariam por acontecer. Ainda assim, será viável imaginar que a Esfinge poderia ter sido construída quando Gizé ainda estava verde – há muito, muito tempo? Conforme veremos, embora essas idéias sejam anátema para os egiptólogos modernos, eles, ainda assim, são obrigados a reconhecer (para citar o Dr. Mark Lehner, diretor do Projeto de Mapeamento de Gizé) que “não há maneira direta de datar a própria Esfinge, porque ela foi esculpida diretamente do material do próprio leito rochoso”.
Na ausência de testes mais objetivos, Lehner lembrou que arqueólogos tinham mesmo era que “datar as coisas pelo contexto”. E o contexto da Esfinge, isto é, da necrópole de Gizé – um sítio arqueológico bem conhecido da Quarta Dinastia -, tornava óbvio também que a Esfinge pertencia à Quarta Dinastia. Tal raciocínio, porém, nada tinha de axiomático para os ilustres predecessores de Lehner no século XIX, que, em certa ocasião, estavam convencidos de que a Esfinge era muito, muito anterior à Quarta Dinastia.
De quem é a Esfinge, afinal de contas?
No livro Passing of Empires, publicado em 1900, o ilustre egiptólogo francês Gaston Maspero, que realizou um estudo especial do conteúdo da Estela da Esfinge, construída por Tutmósis IV; escreveu:
“A estela da Esfinge contém, na linha 13, o cartucho de Khafre em meio a um espaço vazio. (…) Isso, acredito, é uma indicação [de uma restauração ou limpeza] da Esfinge, realizada no reinado desse príncipe e, em conseqüência. a prova mais ou menos incontestável de que a Esfinge já estava coberta pela areia no tempo de Khufu e de seus predecessores… “
O igualmente ilustre Auguste Mariette concordou – o que era muito natural, uma vez que fora ele o descobridor da Estela do Inventário (que, como vimos, informa, como coisa natural, que a Esfinge já existia no platô de Gizé muito antes do tempo de Khufu). De modo geral, concordaram também com essa opinião estudiosos como Brugsch (Egypt under the Pharaohs, Londres, 1891), Petrie, Sayce e numerosos outras figuras eminentes do período. Autores de livros de viagens, como John Ward, afirmaram que “a Grande Esfinge deve ser incontáveis anos mais antiga do que as Pirâmides”. E em data tão recente quanto 1904, Wallis Budge, o respeitado curador de Antiguidades Egípcias do Museu Britânico, não hesitou em fazer a afirmação inequívoca seguinte:
“A mais antiga e melhor estátua de um leão com cabeça humana é a famosa “Esfinge” de Gizé. Essa peça maravilhosa já existia nos dias de Khafre, o construtor da Segunda Pirâmide e era, com toda probabilidade, já muito antiga naquele remoto período… Pensava-se que a Esfinge estava ligada, de alguma maneira, a estrangeiros ou a uma religião estrangeira que datava dos tempos pré-dinásticos.”
Entre o início e o fim do século XX, contudo, mudaram espetacularmente as opiniões dos egiptólogos sobre a antiguidade da Esfinge. Atualmente, não há um único egiptólogo ortodoxo que queira discutir, quanto mais analisar seriamente, a sugestão “maluca e irresponsável”, outrora muito comum, de que a Esfinge pudesse ter sido construída milhares de anos antes do reinado de Khafre. De acordo com o Dr. Sahi Hawass, por exemplo, diretor encarregado de Gizé e Saqqara, da Organização de Antiguidades Egípcias, muitas foram as teorias propostas, todas as quais “o vento levou”, porque “nós, egiptólogos, temos “sólida prova” para declarar que a Esfinge data do tempo de Khafre”. De idêntica maneira, Carol Redmont, arquéologa da Universidade da Califórnia, campus de Berkeley, mostrou-se incrédula quando lhe foi sugerido que a Esfinge poderia ser milhares de anos mais antiga do que Khafre:
“Não há simplesmente maneira de isso ser verdade. O povo daquela região não teria possuído a tecnologia, as instituições de governo ou mesmo a vontade de construir uma estrutura desse porte, milhares de anos antes do reinado de Khafre”.
Quando comecei a pesquisar esse assunto, pensei, como Hawass parecia alegar, que alguma nova e incontroversa prova devia ter surgido e que solucionava a questão da identidade do construtor do monumento. Mas não se tratava de nada disso. Na verdade, havia apenas três razões contextuais por que a construção da anônima e enigmática Esfinge era, nesse momento, atribuída com tanta confiança a Khafre:
- Por causa do cartucho de Khafre, na linha 13 da Estela da Esfinge, mandada erigir por Tutmósis IV: Maspero dava uma explicação absolutamente perfeita para a presença desse cartucho: Tutmósis fora o restaurador da Esfinge e prestava homenagem a uma restauração anterior do monumento – efetuada por Khafre, durante a Quarta Dinastia. Essa explicação, que encerra a implicação óbvia de que a Esfinge já devia ser velha no tempo de Khafre, é rejeitada pelos egiptólogos modernos. Com a habitual concordância mental telepática, eles concordam agora que Tutmósis colocou o cartucho na estela para deixar claro que Khafre havia sido o construtor original (e não um mero restaurador). Uma vez que só havia esse único cartucho – e desde que haviam desaparecido os textos de ambos os seus lados ao ser escavada a estela, não é um tanto prematuro chegar a conclusões tão categóricas assim? Que “ciência” é essa que permite que a mera presença do cartucho de um faraó da Quarta Dinastia (em uma estela erigida por um faraó da 18ª. Dinastia) determine a identificação irrefutável de um monumento, à parte esse fato, inteiramente anônimo? Além do mais, até esse cartucho desapareceu por desgaste e não pôde ser examinado…
- Porque o Templo do Vale próximo também é atribuído a Khafre: Essa atribuição de autoria (baseada em estátuas que podem muito bem ter sido intrusas) é, para dizer o mínimo, extremamente débil. Ainda assim, ela recebeu o apoio irrestrito dos egiptólogos, que, nesse processo, resolveram atribuir também a Khafre a construção da Esfinge (uma vez que ela e o Templo do Vale estão obviamente ligados).
- Porque pensam que a face da Esfinge lembra a estátua intacta de Khafre encontrada em um buraco no Templo do Vale: O que, claro, é uma questão de opinião. Eu nunca encontrei a menor semelhança entre as duas faces. Nem, por falar nisso, artistas do Departamento de Polícia de Nova York, especialistas em retratos falados, que foram recentemente trazidos para fazer uma comparação entre a Esfinge e a estátua (conforme veremos na Parte VII).
Tudo bem pesado, portanto, enquanto eu me encontrava olhando do alto para a Esfinge, naquele fim de tarde de 16 de março de 1993, concluí que o júri ainda estava muito longe decerto na questão da atribuição correta de autoria desse monumento – a Khafre, por um lado, ou aos arquitetos de uma grande civilização ainda não identificada da antiguidade pré-histórica, por outro. Pouco importando qual pudesse ser a moda do mês (ou do século) entre os egiptólogos, inegavelmente ambos os cenários eram plausíveis. O que se precisava, por conseguinte, era alguma prova inteiramente sólida e inequívoca que resolvesse a questão de uma maneira ou de outra.
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