A recusa do presidente eleito Javier Milei em trazer a Argentina para o BRICS atrapalhou os esforços do Brasil para equilibrar geograficamente a representatividade no bloco. O Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, discute quais as alternativas para trazer representatividade latino-americana ao bloco com a ausência da Argentina. Quem se adiantou em relação ao assunto foi o presidente venezuelano Nicolás Maduro.
Sem a Argentina, qual país latino-americano é favorito para buscar uma vaga no BRICS?
Fonte: Sputnik
A evidente expansão do BRICS fez com que o Brasil se movimentasse para garantir representatividade latino-americana para o que viria a ser o BRICS+. Na 15ª Cúpula do bloco, realizada em agosto do ano passado, em Joanesburgo, os seis novos membros foram anunciados: Argentina, Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia.
Entretanto, o presidente eleito na Argentina, Javier Milei, recusou o ingresso da Argentina no bloco, mantendo sinalizações claras, desde sua campanha eleitoral, de alinhamento [servil] aos EUA. Com a representatividade proposta pelo Brasil comprometida, novos atores latino-americanos passaram a ser especulados para fazerem parte do bloco.
Quem se adiantou em relação ao assunto foi o presidente venezuelano Nicolás Maduro. Em declarações recentes, o chefe de estado afirmou que o “BRICS é o futuro da humanidade” e acrescentou que a inclusão da Venezuela no BRICS+ seria importante para o desenvolvimento de grandes mercados para os produtos venezuelanos, além do ganho político, social, institucional e cultural com as grandes civilizações e culturas que compõem o grupo de países.
Na avaliação de Ana Garcia, professora de relações internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e pesquisadora do BRICS Policy Center, a existência do BRICS é importante para Maduro, uma vez que o bloco oferece um contraponto ao poder hegemônico preponderante exercido pelos EUA.
Não é de hoje, a Venezuela propõe a entrada no BRICS e conta com parceiros importantes no bloco, caso do Brasil, da China e da Rússia. Porém, o país se encontra numa situação ainda difícil por conta das sanções impostas pelos Estados Unidos, “que vêm se arrefecendo, certamente, por conta do interesse do petróleo no país”, destaca Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Para Bressan, a entrada da Venezuela no bloco em uma próxima rodada dependeria principalmente do apoio do Brasil. Já para Garcia, a parceria consolidada com o Brasil, a China e a Rússia coloca a Venezuela com chances de ingressar no bloco em uma futura oportunidade, sobretudo com a ausência da Argentina.
Quem são os favoritos a ocupar a vaga deixada pela Argentina no BRICS?
Em uma eventual abertura para substituir a Argentina, Garcia aponta que o Uruguai seria o primeiro país da fila. “Um país que naturalmente já está dentro é o Uruguai, porque faz parte do novo Banco de Desenvolvimento do BRICS. Se pensássemos de uma forma mais imediata, não por sua grande reserva de minerais ou por suas vastas terras, que vai gerar muita produção agrícola, mas pela representatividade no banco, esse parceiro poderia ser o Uruguai.”
Garcia explica que o Uruguai é um “paraíso fiscal dentro da América do Sul, uma praça financeira importante” e, como já aderiu ao processo de expansão do referido banco, poderia fazer como a Arábia Saudita, o Egito e os Emirados Árabes, compondo também o bloco econômico. Já para Bressan, quem desponta como franco favorito à vaga é a Colômbia que, segundo ela, já vem aventando a possibilidade e, nos últimos anos, empenhou-se muito na Aliança do Pacífico.
“A Aliança do Pacífico é uma aliança composta por México, Chile, Peru e Colômbia. Quando ela foi fundada, há 12 anos, em 2012, os países membros eram governados pela direita. Atualmente, os países da Aliança do Pacífico são governados por governos progressistas. Com isso, os próprios fundamentos da aliança perderam a razão. A partir daí, a Colômbia passou a aventar a possibilidade de ingressar agora no BRICS”, comenta a professora ao explicar o cenário.
A professora explica ainda que, mesmo com a histórica relação de proximidade dos governos colombianos com os EUA, ela vê maior possibilidade de distanciamento entre os países.
“O presidente Gustavo Petro quer reformular bastante a política externa do país. Aliás, a Colômbia, por exemplo, já vem ganhando bastante protagonismo no cenário ambiental, algo que não era tratado nos governos anteriores. Ela já vem demonstrando um esforço de se aproximar cada vez mais, não só dos países da América do Sul que fazem fronteira com o país, mas também com os países do BRICS”, disse.
Para que a participação da Colômbia no bloco possa acontecer, Bressan ressalta que será necessário um “empurrão” do Brasil, destacando o protagonismo do país na discussão.
Mercosul-BRICS: uma parceria alternativa?
De acordo com Bressan, pode haver essa possibilidade, assim como é pensado o acordo entre o Mercosul e a União Europeia.
“O BRICS poderia, por exemplo, fazer um acordo com o Mercosul. Talvez não houvesse interesse de todos os países do Mercosul em entrar no BRICS, mas uma aliança entre as duas iniciativas pode ser mais fácil e trazer prosperidade a curto ou a médio prazo.”
A possibilidade, inclusive, é vista pela professora como uma forma mais factível e menos burocrática do que uma aglutinação de cada país. “Eu acho que é mais fácil que os blocos executem acordos em peso com o BRICS”, resume. Bressan acrescenta que, com Dilma na presidência do Banco do BRICS e o empenho do Brasil no bloco, isso pode trazer fôlego para que os acordos entre o BRICS e o Mercosul possam acontecer.
BRICS: quais são os critérios de entrada?
Garcia explica que importância geopolítica, localização, potencial de produção de energia e industrialização são vistos como critérios potenciais para pleitear uma vaga no bloco. Entretanto, não são necessariamente eliminatórios. Para a professora, além do consenso, os países fundadores têm outras “cartas na manga” na avaliação econômica que são importantes.
O fator preponderante para compor o BRICS, de toda forma, é a “questão político-ideológica”, avalia. “Os países que integram o BRICS são aqueles que não têm amarras ou compromissos muito fechados com os países ocidentais ou com os [a falta de] valores deles“, completa.
Ou seja, o contraponto ao posicionamento dos países do “Norte Global” é uma posição muito clara. “Isso ficou muito evidente quando o Brasil, sendo um dos países fundadores do BRICS, no momento da guerra da Ucrânia, preferiu não se posicionar e foi muito criticado pela Europa e pelos EUA”, acrescenta Bressan, apontando a sinergia política como fundamental para o funcionamento do bloco e a possível entrada de novos membros.
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