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As Digitais dos deuses (20) – Os Filhos dos Primeiros Homens

Sacerdote-Maia-Tzolkin

A noite estava caindo. Sentado exatamente embaixo do canto nordeste do Templo das Inscrições, de origem maia, olhei para o norte, por cima da selva que mergulhava na noite e onde a terra caía na direção da planície de inundação de Usumacinta. O Templo, composto de três câmaras, repousava no alto de uma pirâmide de nove níveis, de pouco mais de 30m de altura. As linhas suaves e harmoniosas da estrutura davam-lhe uma aparência de delicadeza, mas não de fraqueza. O monumento parecia sólido, fincado na terra, duradouro – uma criação de pura geometria e imaginação. Olhando para a direita, o Palácio, um espaçoso complexo retangular assentado sobre uma base piramidal, dominado por uma torre estreita de quatro andares, que se pensa ter sido usada como observatório astronômico por sacerdotes maias. 

Livro “AS DIGITAIS dos DEUSES“, uma resposta para o mistério das origens e do fim da civilização

Por Graham Hancock, livro “AS DIGITAIS DOS DEUSES”, Tradução de Ruy Jungmann, editora Record 2001.

CAPÍTULO 20 – Os Filhos dos Primeiros Homens

Palenque, província de Chiapas

Por toda parte em volta, onde papagaios e araras de cores vivas passavam em vôos rasantes pelo topo das árvores, havia certo número de outras estruturas espetaculares, meio engolidas pela floresta que avançava. Entre elas, destacavam-se o Templo da Cruz Ornamentada com Folhas, o Templo do Sol, o Templo do Conde e o Templo do Leão – nomes, sem exceção, dados por arqueólogos. Uma parte enorme daquilo que os maias haviam representado, cultivado, acreditado e lembrado de passadas eras estava irrecuperavelmente perdida. Embora tivéssemos há muito tempo aprendido a ler as datas que eles atribuíam a determinados acontecimentos, estávamos justamente começando a obter progresso na decifração de seus complicados hieróglifos.

Palenque, província de Chiapas, México

Levantei-me, subi os últimos degraus e entrei na câmara central do Templo. Encaixada na parede dos fundos, vi duas grandes lajes cinzentas e nelas, inscritos em linhas organizadas como peças em um tabuleiro de xadrez, observei 620 glifos maias separados. Tinham a forma de faces, monstruosas e humanas, juntamente com um bestiário de criaturas míticas, vistas em contorções. O que diziam aqueles glifos? Ninguém sabia ao certo, porque as inscrições, que constituíam uma mistura de escrita pictográfica e símbolos fonéticos, não haviam sido ainda inteiramente decodificadas. Era evidente, no entanto, que certo número de glifos referiam-se a épocas recuadas milhares de anos no passado e que falavam de homens e deuses que haviam desempenhado algum papel em eventos pré-históricos.

A Tumba de Pacal Votan

À esquerda dos hieróglifos, aberta nas imensas lajes do piso do templo, uma escada íngreme descia para um nível que conduzia a uma câmara, escondida profundamente nas entranhas da pirâmide, a tumba do Senhor Pacal Votan. Os degraus, de blocos de pedra calcária altamente polidos, eram estreitos e surpreendentemente escorregadios e úmidos. Movendo-me de lado como caranguejo, acendi a lanterna elétrica e desci cauteloso pela escuridão, apoiando-me o tempo todo na parede sul. Essa escada úmida tinha sido uma passagem secreta desde a data em que fora fechada, por volta do ano 683 d.C., até junho de 1952, época em que o arqueólogo mexicano Alberto Ruz levantou as lajes do chão do templo.

Embora uma segunda tumba do mesmo tipo fosse descoberta em Palenque no ano de 1994, Ruz teve a honra de ser o primeiro homem a descobrir essa característica no interior de uma pirâmide do Novo Mundo. A escada fora deliberadamente enchida com entulho pelos construtores e mais de quatro anos se passaram antes que os arqueólogos desimpedissem o local e chegassem ao fundo. Nesse momento, eles penetraram numa câmara estreita, sustentada por modilhões. Espalhados no chão, viram os esqueletos bolorentos de cinco ou, possivelmente, seis jovens vítimas sacrificiais. Uma imensa laje triangular era visível na extremidade mais distante da câmara. Ao removê-la, Ruz descobriu uma tumba notável. Descreveu-a mais tarde como

“uma enorme sala que dava a impressão de talhada em gelo, um tipo de caverna, cujas paredes e teto pareciam ter sido planejados como superfícies perfeitas, ou uma capela abandonada, com uma cúpula afestonada por cortinas de estalactites e de cujo chão subiam estalagmites, como gotas de cera de uma vela”.

A sala, com o teto também sustentado por modilhões, media 9m de comprimento por 7m de altura. Nas paredes em volta, em altos relevos de estuque, podiam ser vistas as figuras dos Senhores da Noite, com as pernas abertas – a “Enéade” das nove divindades que reinavam sobre as horas da escuridão. No centro, e dominadas por essas figuras, havia um enorme sarcófago monolítico, fechado com uma laje, pesando cerca de cinco toneladas, de pedra  caprichosamente entalhada. No interior do sarcófago foi encontrado o esqueleto de um homem alto, vestido com um tesouro de ornamentos de jade. Uma máscara mortuária composta de 200 fragmentos de jade havia sido afixada à face da caveira. Estes, supostamente, eram os restos mortais de Pacal Votan, monarca de Palenque no século VII d.C. 

As inscrições informavam que o monarca tivera 80 anos à época de sua morte, embora o esqueleto vestido de jade encontrado pelos arqueólogos parecesse pertencer a um homem de metade dessa idade.  Tendo chegado ao pé da escada, a uns 25m abaixo do chão do templo, cruzei a câmara, onde se espalhavam os restos das vítimas sacrificiais, e olhei para a tumba de Pacal. O ar ali era úmido, recendendo a bolor e podridão e surpreendentemente frio. O sarcófago, encaixado no piso da tumba, tinha uma forma curiosa, alargando-se estranhamente nos pés, como se fosse um antigo caixão de múmia egípcia. Os caixões, de madeira, possuíam bases largas, uma vez que, freqüentemente, eram colocados na vertical. O caixão de Pacal era de pedra maciça e se encontrava em posição rigorosamente horizontal. Por que, então, os artesãos maias se deram a tanto trabalho para alargar sua base, quando deviam ter sabido que ela não serviria a nenhum fim útil? Poderiam estar eles copiando mecanicamente o projeto de algum modelo antigo, muito depois de a raison d’être do projeto ter sido esquecida?

Pirâmide-tumba de Pacal Votam, em Palenque

Tal como a crença sobre os perigos da vida após a morte, o sarcófago de Pacal não poderia ser exemplo de um legado comum que ligava o Egito antigo às culturas antigas da América Central? De forma retangular, a pesada tampa de pedra do sarcófago media 25cm de espessura, por 90cm de largura e 3,80m de comprimento. A tampa, igualmente, parecia ter sido modelada de acordo com o mesmo original que inspirara os magníficos blocos entalhados que os antigos egípcios haviam usado para idêntico fim. Na verdade, a tampa não teria parecido deslocada no Vale dos Reis. Mas havia uma grande diferença. A cena entalhada na parte superior do sarcófago diferia de tudo que jamais saiu do Egito. Iluminada pelo feixe da lanterna, ela mostrava um homem de rosto escanhoado, vestido com o que parecia um traje justo, com mangas e pernas de calça fechadas nos pulsos e tornozelos com abotoaduras refinadas. O homem estava semireclinado em um assento individual de encosto curvo, que dava apoio à parte baixa das costas e às coxas, com a nuca encostada confortavelmente em algum tipo de descanso para a cabeça, enquanto olhava atentamente à frente. As mãos pareciam em movimento, como se estivesse operando alavancas e controles, os pés descalços cruzados frouxamente à frente. 

Seria ele Pacal, o rei maia? Em caso afirmativo, por que era mostrado operando algum tipo de máquina? Ninguém supunha que os maias tivessem possuído máquinas. Pensava-se que nem mesmo haviam descoberto a roda. Ainda assim, com painéis laterais, rebites, tubos e outras engenhocas, a estrutura onde Pacal se encontrava reclinado lembrava muito mais um dispositivo tecnológico do que “a transição da alma viva de um homem para o reino dos mortos”, como alegou uma autoridade, ou o rei “caindo nas mandíbulas descarnadas do monstro da terra”, como argumentou outra. Lembrei-me do “Homem como Serpente”, o alto-relevo olmeca descrito no Capítulo 17. A imagem também parecia uma representação ingênua de um artefato tecnológico.

Lápide da tumba de Pacal Votan

Além do mais, o “Homem como Serpente” fora achado em La Venta, onde estivera ligado a várias figuras barbudas, aparentemente caucasianas. A tumba de Pacal era pelo menos mil anos mais recente do que qualquer um dos tesouros de La Venta. Não obstante, uma minúscula estatueta de jade encontrada junto do esqueleto, dentro do sarcófago, parecia ser muito mais antiga do que outros artigos funerários também colocados no mesmo local. A estatueta representava um caucasiano idoso, usando manto longo, com barba pontuda em cavanhaque.

A Pirâmide do Mago – Uxmal, Yúcatan

Em uma tarde tempestuosa, a 700km ao norte de Palenque, comecei a subir os degraus de mais uma pirâmide. Era uma estrutura íngreme, de forma oval e não mais quadrada, com 75m de comprimento na base e 27,50m de largura, e, além disso, muito alta, erguendo-se a 35m acima da planície em volta. Desde tempos imemoriais, essa estrutura, que de fato lembrava o castelo de um necromante, era conhecida como a “Pirâmide do Mago”  e também como a “Casa do Anão”. Esses nomes tinham origem numa lenda maia, que dizia que um anão dotado de poderes sobrenaturais havia construído toda a estrutura em uma única noite. Os degraus, à medida que eu os galgava, pareciam cada vez mais perversamente estreitos. O instinto me dizia para me inclinar para a frente, me achatar contra o lado da pirâmide, e me agarrar ali com todas as forças. Em vez disso, levantei a vista para o céu irado e nublado.

Bandos de aves voavam por ali, piando feito loucas, como se procurando abrigo contra um desastre iminente, e a grossa camada de nuvens baixas que havia tapado o sol algumas horas antes mostrava-se nesse momento tão agitada por ventos fortes que parecia ferver. A Pirâmide do Mago não era absolutamente excepcional no sentido de estar associada a poderes sobrenaturais de anões, cujas perícias como arquitetos e pedreiros eram renomadas na América Central. “O trabalho de construção era fácil para eles”, declarava uma típica lenda maia. “Para eles, bastava assoviar e pesadas rochas se encaixavam em seus lugares.” Uma tradição muito semelhante, como o leitor talvez se lembre, alega que os gigantescos blocos de pedra da misteriosa cidade andina de Tiahuanaco haviam sido “transportados pelo ar ao som de uma trombeta”.

Na América Central e nas distantes regiões dos Andes, portanto, sons estranhos estiveram ligados à levitação miraculosa de rochas maciças. O que devia eu deduzir de tudo isso? Talvez, devido a alguma coincidência, duas “fantasias” quase idênticas tinham sido inventadas independentemente em áreas geograficamente muito distantes entre si. Esse fato, porém, não parecia muito provável. Também digna de consideração era a possibilidade de que recordações comuns de uma antiga tecnologia de construção pudessem ter sido preservadas em histórias como essas, uma tecnologia capaz de içar pedras enormes do chão com “milagrosa” facilidade. Poderia ser relevante neste particular que memórias de milagres quase idênticos tivessem sido preservadas no antigo Egito? Nessa região, contava uma tradição local típica que um mago erguera no ar “um cofre imenso de pedra de 200 côvados de comprimento por 50 de largura”?

Pirâmide do Mago, também chamado do feiticeiro, do anão ou grande chilan, é um edifício maia alto de 35m localizado no complexo de Uxmal, no estado de Yucatán (México)

Os lados da escada que eu subia eram ricamente decorados com o que o explorador americano do século XIX, John Lloyd Stephens, descreveu como “uma espécie de mosaico esculpido”. Curiosamente, embora a Pirâmide do Mago tivesse sido construída muitos séculos antes da conquista, o símbolo mais mostrado nesses mosaicos era algo muito parecido com uma cruz cristã. Na verdade, havia dois tipos diferentes de cruzes “cristãs”: a primeira, a croix-patte de braços largos, preferida pelos templários e outras ordens de cruzados dos séculos XII e XIII, e, a segunda, a cruz em forma de X de Santo André (letra Chi do alfabeto Grego, inicial de Cristo). Após subir mais um curto lance de degraus, cheguei ao templo, situado no próprio topo da Pirâmide do Mago. Consistia a estrutura de uma câmara com teto sustentado por modilhões, no qual se penduravam inúmeros morcegos.

Tal como as aves e as nuvens, eles estavam visivelmente perturbados com a sensação de que uma grande tempestade era iminente. Em uma massa peluda, eles se mexiam inquietos para cima e para baixo, fechando e abrindo as pequenas asas coriáceas. Parei para descansar um pouco na alta plataforma em volta da câmara. Daí, olhando para baixo, vi muito mais cruzes. Elas estavam literalmente em todos os lugares nessa bizarra e antiga estrutura. Lembrei-me da cidade andina de Tiahuanaco e das cruzes nela gravadas, nos distantes tempos pré-colombianos, em alguns dos grandes blocos de pedra espalhados em volta do edifício conhecido como Puma Punku.

No “Homem como Serpente”, a escultura olmeca de La Venta, duas cruzes de Santo André já haviam sido gravadas muito antes do nascimento de Cristo. E nesse momento, na Pirâmide do Mago, no sítio arqueológico maia de Uxmal, eu as reencontrava. Homens barbudos… Serpentes… Cruzes… Que probabilidade havia de que fosse mero acaso que símbolos tão diferentes como esses se repetissem em culturas separadas por enormes distâncias e em diferentes períodos da história? Por que eram gravados com tanta freqüência no contexto de obras de arte e esculturas sofisticadas?

Uma Ciência da Profecia

Não pela primeira vez, desconfiei que pudesse estar olhando para signos e ícones deixados por algum culto ou sociedade secreta que tentara manter, acesa na América Central, a luz da civilização (e, talvez, em outros locais) em longas eras de trevas. Achei notável que os temas do homem barbudo, da Serpente Emplumada e da cruz reaparecessem em todas as ocasiões, e em todos os locais, onde eram encontrados indícios de que uma civilização tecnologicamente avançada e ainda não identificada (e/ou aceita) poderia, outrora, ter mantido contato com culturas nativas. E uma atmosfera de grande antiguidade envolvia esse contato, como se tivesse ocorrido em uma data tão remota que fora quase esquecida. Pensei mais uma vez na maneira súbita como os olmecas haviam surgido, por volta de meados do segundo milênio a.C., emergindo dos redemoinhos nevoentos de uma pré-história opaca.

Toda evidência arqueológica indicava que, desde o início, eles haviam venerado enormes cabeças de pedra e estelas com representações de homens barbudos. Eu me sentia cada vez mais atraído para a possibilidade de que algumas dessas notáveis peças de escultura pudessem ter sido parte de uma vasta herança de civilização, transmitida aos povos da América Central muitos milhares de anos antes do segundo milênio a.C. e, em seguida, confiada à guarda de um culto de sabedoria secreta, talvez o culto de Quetzalcoatl. Muita coisa havia sido perdida. Não obstante, as tribos dessa região – em especial, os maias, os construtores de Palenque e Uxmal – haviam preservado algo ainda mais misterioso e maravilhoso do que os monólitos enigmáticos, algo que se proclamava, com uma insistência ainda maior, ser o legado de uma civilização mais antiga e mais adiantada.

Veremos no capítulo seguinte que se tratava da ciência mística de um povo antigo que consultava as estrelas, de uma ciência do tempo, de medição e de predição – até mesmo uma ciência antiga da profecia – que os maias preservaram com a maior perfeição. Juntamente com essa ciência, eles herdaram memórias de uma inundação terrível e destrutiva da Terra e um legado peculiar de conhecimento empírico, conhecimento este de uma ordem mais alta que eles, realmente, não podiam ter possuído, conhecimento este que só recentemente readquirimos.


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