As Digitais dos deuses (34) – A Mansão da Eternidade

Você já escalou uma pirâmide à noite, com medo de ser preso, com os nervos à flor da pele? Trata-se de uma coisa extremamente difícil de fazer, especialmente no que se refere à Grande Pirâmide. Embora seus últimos 9 metros não estejam mais intactos (a Pedra de Topo foi retirada), a plataforma que ora existe no topo ainda se situa a mais de 135 metros de altura. A pirâmide consiste, além do mais, de 203 carreiras separadas de blocos de cantaria, cada carreira com altura média de cerca de 75 centímetros.

Livro “AS DIGITAIS dos DEUSES“, uma resposta para o mistério das origens e do fim da civilizaç

Por Graham Hancock, livro “AS DIGITAIS DOS DEUSES”, Tradução de Ruy Jungmann, editora Record 2001.

CAPÍTULO 34 – A Mansão da Eternidade

A média de altura dos blocos não nos diz coisa alguma, como descobri logo depois de começar a subir. Verifiquei que as carreiras são de altura desigual, algumas mal chegando ao nível do joelho, enquanto outras quase me tocavam o peito e criavam obstáculos formidáveis. Simultaneamente, eram muito estreitas as saliências entre cada um dos passos, às vezes apenas um pouco mais larga do que meu pé e, além disso, descobri que muitos dos enormes blocos de pedra calcária, que haviam parecido tão sólidos vistos de baixo, estavam quebrados e se esfarelando. Cerca de 30 carreiras acima, Santha e eu começamos a compreender a enrascada em que havíamos nos metido.

Tínhamos os músculos doloridos e os joelhos e dedos duros e arranhados – ainda que tivéssemos percorrido apenas um sétimo do caminho até o cume e houvesse ainda mais de 170 carreiras para escalar. Outra preocupação era o abismo vertiginoso que se alargava cada vez mais abaixo de nós. Acompanhando com os olhos os contornos serrilhados que marcavam a linha da aresta sudoeste, fiquei pasmo ao notar o quanto já havíamos subido e experimentei um momentâneo e estonteante pressentimento de como seria fácil para nós despencar dali, girando em cambalhota, ricocheteando nas imensas carreiras de pedra e quebrando a cabeça lá embaixo. Ali nos concedeu uma pausa de alguns minutos para que pudéssemos recuperar o fôlego. Nesse momento, porém, ele fez um sinal e recomeçou a subida. Ainda usando a aresta como orientação, ele, rapidamente, desapareceu na escuridão acima de nós. Um tanto menos confiantes, Santha e eu o seguimos.

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Tempo e Movimento

A 35ª carreira de pedras foi difícil de vencer, sendo feita de blocos bem sólidos, muito maiores do que quaisquer outros que havíamos encontrado até então (excetuados os da própria base). Esse fato contrariava a lógica da nossa engenharia e do bom senso, ambos os quais  requeriam uma diminuição progressiva do tamanho e peso dos blocos que tinham de ser transportados para o cume, à medida que a pirâmide se tornava cada vez mais alta. As carreiras de 1 a 18, que diminuíam de uma altura de cerca de 1,40m no nível do chão para pouco mais de 55cm na carreira 17, obedeciam a essa norma. De repente, porém, na carreira 19, a altura do bloco subiu para quase 90cm.

Simultaneamente, as demais dimensões dos blocos aumentaram também e seu peso passou das relativamente manobráveis 2-6 toneladas, que era o comum nas primeiras 18 carreiras, para a faixa mais volumosa e difícil de manipular de 10-15 toneladas. Esses, portanto, eram monólitos realmente grandes, que haviam sido extraídos de pedra calcária sólida e içados para mais de 30m no ar, antes de serem colocados, sem uma falha, nos seus respectivos lugares. Para trabalhar com tanta eficiência, os construtores da pirâmide deviam ter possuído nervos de aço, a agilidade de cabritos-monteses, a força de leões e a confiança de limpa-chaminés (e uma tecnologia ainda desconhecida).

Com o frio vento da manhã açoitando-me as orelhas e ameaçando me lançar em vôo, tentei imaginar o que teria sido para eles, equilibrados perigosamente dessa maneira (e em uma altura muito maior), içando, manobrando e posicionando com exatidão uma linha de produção interminável de alentados monólitos de pedra calcária – o mais leve dos quais pesava dois modernos carros tipo família. Quanto tempo fora necessário para terminar a construção da pirâmide? Quantos homens haviam nela trabalhado? Reinava ainda concordância geral de que o projeto de construção não fora obra de anos inteiros, mas havia sido limitado (na dependência da força de trabalho disponível) à estação anual de parada obrigatória, imposta pela cheia do Nilo.

Enquanto continuava a subir, lembrei-me das implicações de tudo isso. O motivo da preocupação dos construtores não havia sido apenas as dezenas de milhares de blocos, cada um deles pesando 15 toneladas ou mais. Um ano após outro, as crises autênticas teriam sido causadas pelos milhões de blocos de tamanho médio, pesando,  digamos, 2,5 toneladas, que teriam de ser trazidos também ao canteiro de obras. Estimou-se, com bons fundamentos, que a pirâmide contém um total de 2,3 milhões de blocos de pedra. Supondo que os pedreiros trabalhassem dez horas por dia, durante 365 dias do ano, o cálculo matemático indicava que eles teriam de colocar em posição, a cada hora, 31 blocos (cerca de um bloco a cada dois minutos) para completar a pirâmide em 20 anos.

Supondo que o trabalho de construção tivesse sido limitado pela parada anual de três meses, o problema se agravava: quatro blocos por minuto teriam de ser assentados, ou cerca de 240 por hora. Esses cenários, claro, são a matéria-prima dos pesadelos dos mestres-de-obras e dos atuais engenheiros e arquitetos. Imagine-se, por exemplo, o grau dificílimo de coordenação que teria de ser mantido entre os pedreiros e as pedreiras para assegurar a taxa necessária do fluxo de blocos através do canteiro de obras. Imagine-se também o caos, se até mesmo um único bloco de 2,5 toneladas tivesse despencado, digamos, da 175ª. carreira.

Os obstáculos físicos e administrativos devem ter sido enormes, mas, além deles, havia o desafio geométrico representado pela própria pirâmide, que devia terminar com o cume posicionado exatamente sobre o centro da base. Até mesmo o erro mais leve na base do ângulo de inclinação de um dos lados teria resultado em um grande desalinhamento das arestas no cume. Uma precisão incrível, portanto, tinha de ser mantida durante toda a obra, em cada carreira de blocos, a dezenas de metros acima do solo, usando-se grandes blocos de pedra de peso assassino.

Estupidez Rampante

Como havia sido feito esse trabalho? Segundo a última contagem, circulavam mais de 30 teorias concorrentes e conflitantes que tentavam responder a essa pergunta. A maioria dos egiptólogos acadêmicos (ah, os “eruditos”…) argumentava que rampas de  algum tipo deviam ter sido usadas. Esta era a opinião, por exemplo, do professor I.E.S. Edwards, antigo curador de Antiguidades Egípcias do Museu Britânico, que afirmou categoricamente:

“Só havia um método disponível aos antigos egípcios para erguer grandes blocos, isto é, através de rampas de tijolos e terra, subindo em ladeira a partir do nível do chão até qualquer altura desejada.”

John Baines, professor de egiptologia da Universidade de Oxford, concordou com a análise de Baines e levou-a um passo adiante:

“À medida que a pirâmide crescia, o comprimento da rampa e a largura de sua base foram aumentadas a fim de manter um gradiente constante (cerca de 1 em 10) e para impedir que ela desmoronasse. Provavelmente, foram usadas várias rampas, que chegavam à pirâmide vindas de vários lados”.

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Levar um plano inclinado ao topo da Grande Pirâmide, com um gradiente de 1:10, teria exigido uma rampa de cerca de 150m e mais de três vezes tão maciça quanto a própria estrutura (com um volume estimado de 8 milhões de metros cúbicos, contra os 2,6 milhões da pirâmide). Grandes pesos não poderiam, por meios normais, ter sido rebocados para cima a um gradiente mais íngreme do que esse. Se um gradiente mais baixo tivesse sido escolhido, a rampa teria que ser ainda mais absurda e desproporcionalmente grande.

O problema é que rampas de cerca de 1.600m para chegar a uma altura de cerca de 150m não poderiam ter sido feitas de “tijolos e terra”, como supunham Edwards e outros egiptólogos. Ao contrário, modernos construtores e arquitetos provaram que essas rampas teriam cedido sob seu próprio peso, se consistissem de qualquer material menos dispendioso e menos estável do que as pedras de rocha calcária da própria pirâmide.

Uma vez que tal solução, obviamente, não fazia sentido (além do mais, para onde haviam sido levados os 8 milhões de metros cúbicos excedentes de blocos, depois de completado o trabalho?), outros egiptólogos propuseram o uso de rampas em espiral, feitas de tijolos de argila e ligadas aos lados da pirâmide. Essas rampas, sem dúvida, teriam requerido menos material para construir, mas tampouco teriam  chegado ao cume. Elas teriam criado problemas mortais e talvez insuperáveis para equipes que tentassem arrastar os grandes blocos através de seus cantos, em curvas fechadas. E teriam desmoronado por efeito do uso constante.

Mais problemático que tudo, essas rampas teriam envolvido toda a pirâmide, tornando impossível aos arquitetos checar a precisão do assentamento dos blocos durante a construção. Os construtores, porém, haviam checado a precisão do assentamento e conseguido com que fosse feito da maneira certa, porque o cume da pirâmide se encontra exatamente posicionado sobre o centro da base, com ângulos e arestas corretas, cada bloco no lugar correto e cada carreira assentada na horizontal – em uma simetria quase perfeita e em alinhamento quase perfeito com os pontos cardeais.

Em seguida, como se para demonstrar que esses tours-de-force técnicos foram meras banalidades, os antigos construtores prosseguiram em seu trabalho para fazer alguns inteligentes jogos matemáticos com as dimensões do monumento, fornecendo-nos, por exemplo, como vimos no Capítulo 23, um uso exato do número transcendente pi (?) na razão entre a altura e o perímetro da base. Por alguma razão, além disso, dera na cabeça deles posicionar a Grande Pirâmide quase exatamente no Paralelo 30, à latitude de 29° 58′ 51″. Esses números, como observou certa vez um astrônomo real escocês, era “um desvio sensível de 30°”, mas não necessariamente um erro:

Isso porque, se o projetista original tivesse desejado que o homem visse com o corpo, e não com os olhos mentais, o pólo do céu visto da base da Grande Pirâmide, a uma altitude de 30°, ele teria que levar em conta a refração da atmosfera e esse fator teria tornado necessário que o edifício estivesse posicionado não a 30°, mas a 29°58′ 22″.

Em comparação com a posição verdadeira de 29° 58′ 51″, o erro era de menos da metade de um minuto de arco, sugerindo esse fato, mais  uma vez, que a perícia topográfica e geodésica usada devia ter sido da mais alta ordem. Sentindo-nos bastante reverentes, continuamos a escalada, passamos pelas carreira 44 e 45 da imensa e enigmática estrutura. Na carreira 46, uma voz irada em árabe gritou conosco da praça embaixo. Olhando para baixo, vimos um homem minúsculo, usando turbante e cafetá embalonado. A despeito da distância, ele havia tirado a espingarda do ombro e estava se preparando para atirar em nós.

O Guarda e a Visão

Ele era, claro, o guarda da face oeste da pirâmide, o patrulheiro do quarto ponto cardeal, e não havia recebido o pagamento extra feita aos seus colegas das arestas norte, leste e sul. Pela respiração de Ali, compreendi que estávamos em uma situação potencialmente complicada. O guarda estava nos ordenando para descer imediatamente e sermos presos. – Essa possibilidade, contudo, poderá provavelmente ser evitada com um pagamento extra – explicou Ali. – Ofereça a ele cem libras egípcias – rosnei. – Isso é demais – avisou Ali. – E vai deixar os outros ressentidos. Vou oferecer cinqüenta. Foram trocadas mais palavras em árabe.

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Na verdade, nos poucos minutos seguintes, Ali e o guarda conseguiram manter uma conversa bem demorada acima e abaixo da quina sudoeste da pirâmide, às 4h40min da manhã. Em dado momento, ouvimos o som de um apito. Em seguida, guardas da face sul apareceram por um breve instante e entraram em conferência com o colega da face oeste, que nesse momento contava com a companhia de mais dois membros de sua patrulha. Justamente quando pareceu que Ali havia perdido qualquer discussão que estava mantendo por nossa conta, ele sorriu e exalou um suspiro de alívio. “O senhor vai pagar mais 50 libras quando voltarmos ao chão”, explicou. “Vão deixar que a gente continue, mas disseram que se um oficial superior aparecer, eles não poderão nos ajudar.”

Nos dez minutos seguintes, mais ou menos, continuamos a nos arrastar para cima em silêncio até chegarmos à carreira 100 – aproximadamente a marca de metade do caminho e já a mais de 75m acima do chão. Olhamos por cima do ombro para o sudoeste, onde uma visão de beleza estonteante, que só aparece uma vez na vida, se descortinava para nós. A lua em quarto crescente, que se encontrava baixa no céu a sudoeste, havia emergido de trás de um banco de nuvens e projetava sua luz fantasmagórica direto sobre as faces norte e leste da vizinha Segunda Pirâmide (Alnilan), supostamente construída por Quéfren, faraó da Quarta Dinastia.

Esse espantoso monumento, que só perde em tamanho e majestade para a Grande Pirâmide (Mintaka) (sendo apenas alguns metros mais baixa e 15m mais estreita), pareceu iluminado, como se energizado a partir de dentro, por um fogo pálido e sobrenatural. Atrás dela e à distância, ligeiramente deslocada entre as sombras escuras do deserto, vimos a pirâmide (Alnitak) menor, a de Miquerinos, medindo 110m de cada lado e com cerca de 65m de altura. Durante um momento, contra o pano de fundo cintilante do céu escuro, senti a ilusão de que estava em movimento, de pé à popa de algum grande navio dos céus, olhando para trás e para dois outros navios, que aparentemente vinham em minha esteira, alinhados em ordem de batalha às minhas costas.

Para onde estava indo esse comboio, esse esquadrão de pirâmides? E essas prodigiosas estruturas teriam sido apenas obras de faraós megalomaníacos, como acreditavam os egiptólogos? Ou haviam sido projetadas por mãos misteriosas para viajar eternamente através do tempo e do espaço, no rumo de um objetivo ainda não identificado? Dessa altitude, embora o céu do sul estivesse parcialmente oculto pelo enorme volume da Pirâmide de Quéfren, eu podia ver todo o céu do oeste, descendo em arco do pólo Norte celeste em direção à borda distante do planeta, a revolver em torno do eixo. Polaris, a estrela Polar, estava muito longe à minha direita, na constelação da Ursa  Menor. Baixa no horizonte, a cerca de dez graus a nordeste, Regulus, a estrela-âncora da constelação imperial de Leão, preparava-se para desaparecer.

Sob os Céus Egípcios

Pouco acima da fileira 150, Ali silvou para nós, dizendo para mantermos a cabeça baixa. Um carro de polícia aparecera em volta da aresta noroeste da Grande Pirâmide e, nesse momento, dirigia-se para o flanco oeste do monumento, com a luz azul revolvendo lentamente. Permanecemos imóveis nas sombras até que o carro passou. Em seguida, recomeçamos a escalada com um renovado senso de urgência, dirigindo-nos com toda rapidez possível para o cume, que nesse momento imaginamos que podíamos ver projetando-se acima de nevoeiro que precede o amanhecer. Durante o que pareceram cinco minutos, subimos sem parar. Quando ergui a vista, porém, o topo da pirâmide parecia ainda tão longe como sempre.

Voltamos a subir, arquejando e suando, e mais uma vez o cume recuou diante de nossos olhos como se fosse algum lendário pico gaulês. Mas em seguida, quando já havíamos nos resignado a uma sucessão interminável de desapontamentos, chegamos ao topo, sob um dossel de estrelas de deixar qualquer um sem fôlego, a mais de 130m acima do platô de Gizé, na mais extraordinária plataforma de observação existente em todo o mundo.

Ao norte e a leste, de um lado a outro do largo e inclinado vale do rio Nilo, estendia-se a cidade do Cairo, uma mistura de arranha-céus e tradicionais telhados planos, separados por escuros desfiladeiros de ruas estreitas e misturados com os minaretes finos como agulhas de mil e uma mesquitas. Uma película de luz de rua refletida tremeluzia sobre toda a cena, fechando os olhos do Cairenes moderno para as maravilhas das estrelas, mas, ao mesmo tempo, criando a alucinação de uma terra de contos de fada, iluminada em verde, vermelho, azul e amarelo sulfuroso.  

Achei que tinha sorte em presenciar essa estranha miragem eletrônica desse ponto de observação tão incrível, na plataforma do cume da última maravilha sobrevivente do mundo antigo, pairando no céu sobre o Cairo como Aladim em seu tapete mágico. Não que a carreira 203 da Grande Pirâmide possa ser descrita como um tapete! Medindo apenas pouco menos de 9m de cada lado (em comparação com o perímetro na base que chega a 230m) ela consiste de várias centenas de blocos de calcário da altura da cintura, cada um dos quais pesa cerca de cinco toneladas. A carreira não é inteiramente plana: havia falta de alguns blocos ou estavam quebrados e, subindo na direção sul, eu podia ver restos substanciais de quase metade de uma carreira adicional de cantaria.

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Além do mais, no centro exato da plataforma, alguém mandara construir um andaime triangular de madeira, no centro do qual se erguia um poste grosso, de pouco mais de 9,5m de altura, que marca a verdadeira altura original do monumento, que era de 146,66m. Embaixo do poste, pichações ali deixadas no calcário por gerações de turistas. A escalada total da pirâmide consumira cerca de meia hora e, nesse momento, passava justamente das 5h da manhã, a hora da adoração matutina. Quase em uníssono, as vozes de mil e um muezins ecoou dos terraços dos minaretes do Cairo, chamando os fiéis à oração e proclamando a grandeza, a indivisibilidade, a clemência e compaixão de Deus.

Às minhas costas, as últimas 22 carreiras da Pirâmide de Quéfren, ainda vestida com as pedras originais de revestimento, parecia flutuar como um iceberg em um oceano de luz da lua. Sabendo que não poderíamos ficar muito tempo nesse lugar encantado, sentei-me e olhei em volta dos céus. Na direção oeste, estendiam-se as areias infindáveis do deserto, Regulus mergulhara sob o horizonte e o resto do corpo do Leão estava prestes a segui-lo. As constelações de Virgem e Libra desciam também baixas no céu e, muito distante ao norte, eu podia ver as constelações da Ursa Maior e Ursa Menor em seu ciclo eterno em torno do pólo norte celeste.

Olhei para o sudeste, para o outro lado do vale do Nilo, e lá a lua em quarto crescente ainda espalhava seu brilho espectral da borda da Via  Láctea. Seguindo o curso do rio celeste, olhei diretamente para o sul: cruzando o meridiano, destacava-se a resplandecente constelação de Escorpião, dominada por Antares, estrela de primeira magnitude – uma super gigante vermelha, com um diâmetro 300 vezes maior do que o do sol. A nordeste, acima do Cairo, navega Cygnus, o cisne, as penas de sua cauda marcadas por Deneb, a super gigante azul-branca visível para nós de uma distância de 1.800 anos-luz de espaço interestelar.

Por último, mas não de menor importância, no céu do norte, vi o Dragão (Constelação de) Draco enrodilhado sinuosamente entre as estrelas circumpolares. Na verdade, há 3.500 anos, quando a Grande Pirâmide foi supostamente construída para o faraó Quéops, da Quarta Dinastia, uma das estrelas de Draco estivera perto do pólo norte celeste e havia servido como estrela Polar. O nome dessa estrela é Alpha Draconis, também conhecida como Thuban.

Com a passagem dos milênios, contudo, ela fora gradualmente deslocada de sua posição de implacável moinho celeste da precessão do eixo da terra, de modo que a estrela Polar de hoje é Polaris, na constelação da Ursa Menor. Deitei-me de costas, descansei a cabeça nas mãos cruzadas e olhei diretamente para o zênite do céu. Através das frias e lisas pedras onde eu descansava, pensei que podia sentir sob mim, como uma força viva, a estupenda gravidade e massa da pirâmide.

Pensando como Gigantes

Cobrindo cinco hectares e meio na base, a pirâmide pesa cerca de seis milhões de toneladas – mais do que todos os prédios da Milha Quadrada da City de Londres, juntos, consistindo, como vimos, de aproximadamente 2,3 milhões de blocos separados de calcário e granito. A eles fora outrora acrescentado um revestimento espelhado de 9 hectares, de cerca de umas calculadas 115.000 pedras (de Ônix branco) altamente polidas, cada uma delas pesando 10 toneladas e que originariamente lhe cobrira as quatro faces.

Depois de terem se soltado com o fortíssimo terremoto ocorrido no ano 1302 d.C., a maioria dos blocos da fachada fora retirada para a construção do Cairo. Aqui e ali em torno da base, porém, eu sabia que havia sobrado o suficiente para permitir que o grande arqueólogo do século XIX, W.M. Flinders Petrie, realizasse um detalhado estudo desses blocos. Ele ficara atônito ao encontrar tolerâncias de um centésimo de polegada e juntas cimentadas tão precisas, e alinhadas com tanto cuidado, que era impossível até enfiar entre os blocos a lâmina de um canivete. “O simples fato de pôr essas pedras em contato exato teria exigido trabalho cuidadoso”, reconheceu, “mas fazer isso com cimento em uma junta parece quase impossível.

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E é para ser comparado com o trabalho dos melhores óticos, em uma escala de hectares”. Claro, o rejuntamento das pedras da fachada não foi absolutamente o aspecto “quase impossível” da Grande Pirâmide. Os alinhamentos com o norte, o sul, o leste e o oeste verdadeiros foram “quase impossíveis”, como também as arestas de noventa graus quase perfeitas e a incrível simetria dos quatro enormes lados. E também a logística de engenharia, de içar milhões de pedras a uma altura de mais de uma centena de metros.

Quem quer que tenham sido, por conseguinte, os arquitetos, engenheiros e pedreiros da antiguidade que projetaram e conseguiram construir esse monumento estupendo devem ter, realmente, “pensado como homens de 30m de altura”, como disse certa vez Jean François Champollion, o fundador da egiptologia moderna. Ele viu claramente o que gerações de seus sucessores se recusaram a ver: que os construtores da pirâmide só podiam ter sido homens de estatura intelectual gigantesca. Ao lado dos egípcios de antanho, acrescentou ele, “nós, na Europa, somos liliputianos”.


Uma resposta

  1. Homens com força de leões…, cabritos monteses…, ora mas que coisa mais absurda.
    Não foi nada disso. Rampas de acesso…, enfim. Compreendo e respeito.

    Não foi assim. Pelo menos tem idéia da idade disto?
    Pra que serviam…, muito menos. Mas…, pra enfeite é que não foi.

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