As Digitais dos deuses: (8) O Lago no Topo do Mundo

La Paz, a capital da Bolívia, situada a mais de 3.200m acima do nível do mar, aninha-se no fundo, de configuração irregular, de um espetacular buraco no chão. Essa ravina vertical, de milhares de metros de profundidade, foi cortada em eras primevas por uma enorme tromba-d’água, que trouxe de cambulhada uma maré de pedras soltas e cascalho abrasivo. Contemplada pela natureza com um ambiente apocalíptico desse tipo, La Paz possui um encanto excepcional, embora um tanto sujo e malcuidado. Com ruas estreitas, casas de cômodos de paredes escuras, catedrais imponentes, cinemas espalhafatosos e bares que vendem hambúrgueres abertos até tarde da noite, a cidade gera uma atmosfera de intriga peculiar que é esquisitamente embriagante.

Livro “AS DIGITAIS dos DEUSES“, uma resposta para o mistério das origens e do fim da civilização

Por Graham Hancock, livro “AS DIGITAIS DOS DEUSES”, Tradução de Ruy Jungmann, editora Record 2001.

CAPÍTULO 8 – O Lago no Topo do Mundo

Andar por ali é difícil para pedestres, a menos que possuam pulmões semelhantes a foles, porque toda a zona central foi construída acima e abaixo de morros extremamente íngremes. O aeroporto fica a quase 1.500m acima da cidade em si, na borda do altiplano – as terras altas, onduladas, que constituem o aspecto topográfico dominante dessa região. Santha e eu chegamos ao aeroporto depois de meia-noite, em um vôo com atraso procedente de Lima. No salão de chegada, cheio de correntes de ar, ofereceram-nos chá de coca em pequenas xícaras de plástico, como profilático contra a tonteira das alturas. Depois de grande demora e trabalho, conseguimos tirar a bagagem da alfândega, chamamos um táxi, bem antigo, de fabricação americana, e seguimos chocalhando e rangendo para cima e para baixo na direção das luzes amarelas da cidade, bem abaixo de nós.

Lago Titicaca

Boatos de Cataclismo

Por volta de 4h da tarde seguinte, partimos para o lago Titicaca em um jipe alugado, lutamos através dos incompreensíveis congestionamentos permanentes da hora do rush, deixamos em seguida para trás os edifícios e os cortiços da cidade e penetramos nos horizontes claros, desimpedidos, do altiplano. No início, ainda perto da cidade, o caminho nos levou através de uma zona de subúrbios e favelas enormes, de aspecto sórdido, com calçadas ocupadas por oficinas de consertos de carros e ferros velhos. Quanto mais distância cobríamos, afastando-nos de La Paz, contudo, mais raros se tornavam os povoados, até que cessaram quase por completo os sinais de habitação humana.

As savanas vazias, destituídas de árvores, ondulantes, eram limitadas à distância pelos picos cobertos de neve da Cordillera Real, o que criava um espetáculo inesquecível de beleza e poder natural. Mas nessa zona percebia-se também uma atmosfera de alguma coisa sobrenatural, que parecia flutuar acima das nuvens, como um reino encantado. Embora o destino final da viagem fosse Tiahuanaco, iríamos passar a noite na cidadezinha de Copacabana, situada em um promontório na extremidade sul do lago Titicaca. Para chegar ao local, tínhamos que cruzar em barca de transporte de carros um braço de água no pequeno lugarejo de Tiquine.

Em seguida, caindo já a noite, tomamos a estrada principal, que nessa altura era pouco mais do que uma trilha estreita e irregular, subindo e passando por uma série de curvas fechadas e prosseguindo paralela aos afloramentos da base de uma montanha. Desse ponto em diante, abria-se um panorama contrastante: as águas escuras, muito escuras, do lago embaixo pareciam situar-se à beira de um oceano sem fim, mergulhando em sombras escuras, embora os picos recortados das montanhas coroadas de neve à distância ainda estivessem sendo banhadas por uma luz solar deslumbrante.

Desde o início, o lago Titicaca me pareceu um lugar especial. Eu sabia que o lago se situava a 3.800m acima do nível do mar, que a fronteira entre o Peru e a Bolívia lhe cruzava as águas, que tinha uma área de 8.290km2 e se estendia por 222km de comprimento por 115km de largura. E sabia também que era profundo, atingindo quase 300m em alguns lugares e que tinha uma história geológica enigmática. Vejamos alguns de seus mistérios e algumas das soluções que foram propostas para eles:

1. Embora se situe atualmente a mais de 3.200m acima do nível do mar, a área em volta do lago está coalhada de milhões e milhões de conchas marinhas fossilizadas. Esse fato sugere que, em alguma época, todo o altiplano foi empurrado para cima desde o nível do mar [isso aconteceu durante o Dilúvio, quando toda a Cordilheira dos Andes se elevou abruptamente cerca de três mil metros de sua altitude original, elevando o lago junto], talvez como parte da elevação geral da superfície terrestre que formou a América do Sul como um todo. No processo, quantidades enormes de água do mar, juntamente com incontáveis miríades de criaturas marinhas, foram erguidas e postas entre as montanhas dos Andes. Acredita-se que esse processo ocorreu a nada menos do que 100 milhões de anos [é muito mais recente, ocorreu em torno de 10.986 a.C, durante o Dilúvio].

Ruínas de Tiahuanaco

2. Paradoxalmente, a despeito da enorme antiguidade do evento, o lago Titicaca conserva, até os dias atuais, “uma ictiofauna marinha“, ou, em outras palavras, embora nesse momento localizado a centenas de quilômetros do oceano, seus peixes e crustáceos incluem numerosos tipos oceânicos (em vez de animais de água doce). Criaturas surpreendentes trazidas à superfície pelas redes de pescadores incluem exemplares de Hippocampus (cavalo-marinho). Além disso, como observou uma autoridade, “as várias espécies de Allorquestes (hualella inermis etc.) e outros exemplos de fauna marinha não deixam dúvida de que este lago, em outros períodos, foi muito mais salgado do que hoje, ou, para ser mais exato, que a água que o formou era do mar e que foi represada nos Andes quando o continente emergiu das águas”.

3. Mas basta dos eventos que, para começar, talvez tenham criado o lago Titicaca. Desde sua formação, esse grande “mar mediterrâneo”, e o próprio altiplano, passaram por várias outras mudanças drásticas e espetaculares. Entre estas, uma das mais notáveis é que o comprimento do lago parece ter variado imensamente, fato este indicado pela existência de uma antiga linha terra-água visível em grande parte do terreno em volta. Estranhamente, essa linha terra água não é plana, mas se inclina acentuadamente no sentido norte-sul através de uma grande distância horizontal. No ponto mais meridional até hoje estudado topograficamente, ela chega até 70m acima do nível atual do lago. A uns 650 km ao sul, ela está a 65m abaixo do nível atual do lago. Desta e de provas adicionais, geólogos deduziram que o altiplano ainda está subindo aos poucos, mas de maneira desequilibrada, com altitudes maiores na parte norte e menores na parte sul. Pensam alguns que o processo em ação no local tem menos a ver com mudanças no nível das próprias águas do Titicaca (embora tais mudanças certamente tenham ocorrido) do que com mudanças no nível de todo o terreno onde se situa o lago.

4. Muito mais difícil de explicar nesses termos, contudo, dados os períodos de tempo supostamente muito longos necessários para que ocorram transformações geológicas, é a prova irrefutável de que a cidade de Tiahuanaco foi outrora um porto, completo com grandes docas, situado exatamente nas margens do lago. O problema é que as ruínas de Tiahuanaco estão agora encalhadas a 19 km ao sul do lago e a mais de 30m acima da atual praia. No período transcorrido desde que foi construída a cidade, portanto, segue-se que uma de duas coisas devem ter acontecido: ou caiu muito o nível do lago ou subiu comparativamente o terreno onde está hoje assentada Tiahuanaco.

5. O que quer que tenha acontecido, é óbvio que ocorreram mudanças geológicas maciças e traumáticas. Algumas delas, como a subida do altiplano à partir do fundo do oceano, certamente ocorreu em idades geológicas remotas, antes do advento da civilização humana. Outras não são tão antigas assim e devem ter ocorrido após a construção da cidade. A dúvida, portanto, é a seguinte: quando foi construída Tiahuanaco?

A opinião história ortodoxa é que as ruínas não podem datar de muito antes do ano 500 d.C. Há, contudo, uma cronologia alternativa, que, embora não aceita pela maioria dos estudiosos, parece mais congruente com a escala das elevações da superfície, nos tempos geológicos, que ocorreram nessa região. Com base em cálculos matemáticos e astronômicos do professor Arthur Posnansky, da Universidade de La Paz, e do professor Rolf Muller (que contestou a datação oficial de Machu Picchu), a fase principal da construção de Tiahuanaco deve ter ocorrido no ano 15.000 a.C. Essa cronologia indica também que a cidade sofreu mais tarde uma destruição imensa, em uma catástrofe natural fenomenal, por volta do undécimo milênio [11.000 anos] a.C. e que daí em diante afastou-se rapidamente das praias do lago. No Capítulo 11, estudaremos as descobertas de Posnansky e Muller, resultados estes que sugerem que a grande cidade andina de Tiahuanaco floresceu durante a última Era Glacial, na meia-noite escura, sem lua, da pré-história.


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