Maria Madalena e o Santo Graal: A Mulher do Vaso de Alabastro (II) – O Noivo

O cristianismo institucional, que tem alimentado a civilização ocidental há mais de dois mil anos, pode ter sido construído sobre uma gigantesca falha em sua história: a Negação do feminino. Durante muitos anos convivi com uma vaga sensação de que algo estava radicalmente errado com o meu mundo. Sentia que, por um período longo demais, o feminino em nossa cultura vinha sendo desprezado e desvalorizado. Mas foi somente em 1985 que encontrei provas documentais de uma devastadora fratura na história cristã e nos ensinamentos da igreja de Roma. Em abril daquele ano, sabendo do meu grande interesse pelas Escrituras judaico-cristãs e pela origem do cristianismo, uma amiga me indicou o livro The Holy Blood and the Holy Grail”(O Santo Graal e a Linhagem Sagrada).

Livro “Maria Madalena e o Santo Graal: A Mulher do Vaso de Alabastro”, de Margaret Starbird

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CAPÍTULO III – O Noivo 

“Assim diz o Senhor: Neste lugar de que vós dizeis que está desolado, e sem homem, sem animal nas cidades de Judá, e nas ruas de Jerusalém, que estão assoladas, sem homem, sem morador, sem animal, ainda se ouvirá: A voz de gozo, e a voz de alegria, a voz do esposo e a voz da esposa, e a voz dos que dizem: Louvai ao Senhor dos Exércitos, porque bom é o Senhor, porque a sua benignidade dura para sempre; dos que trazem ofertas de ação de graças à casa do Senhor; pois farei voltar os cativos da terra como ao princípio, diz o Senhor”. Jeremias 33:10,11 

O tema da Noiva e do Noivo sagrados permeia os livros dos profetas hebreus como se fosse o motivo condutor de uma ópera. As “vozes do noivo e da noiva ouvidas no reino” são um sinal de bênçãos e alegria para toda a comunidade. Em Ezequiel 16:7, Deus encontra sua Noiva quando ela ainda era uma criança, nua e abandonada. “Eu te fiz multiplicar como o renovo do campo, e cresceste, e te engrandeceste, e chegaste à grande formosura; avultaram os seios, e cresceu o teu cabelo; mas estavas nua e descoberta”.  Ezequiel 16:7.

Ele se tornou seu mentor, vestiu-a, alimentou-a e protegeu-a até que se tornasse adulta, quando se casou com ela. Mas ela lhe foi infiel. Esse é um tema subjacente nas Escrituras hebraicas – o de que Deus é o Noivo fiel; e sua Noiva simbólica escolhida, a comunidade da aliança, é infiel. O livro inteiro de Oséias baseia-se no amor que Deus sente por seu povo infiel, refletido no inabalável e clemente amor de Oséias por sua esposa, a prostituta Gomer. O profeta hebreu Isaías previu um tempo em que Deus desposaria novamente o seu povo, e sua terra seria curada: “Nunca mais te chamarão: Desamparada, nem a tua terra se denominará jamais: Assolada; mas chamar-te-ão: O meu prazer está nela, e à tua terra: A casada; porque o Senhor se agrada de ti, e a tua terra se casará. Porque, como o jovem se casa com a virgem, assim teus filhos se casarão contigo; e como o noivo se alegra da noiva, assim se alegrará de ti o teu Deus”.  Isaías 62:4,5

O tema do casal de Noivos que toma parte do Casamento Sagrado aparece com freqüência nas Escrituras hebraicas. Uma passagem muito conhecida e curiosa do Salmo 23, atribuída ao rei Davi, faz lembrar os tempos antigos quando Deus era identificado com o papel da Noiva: “Preparas um banquete para mim na presença dos meus inimigos; unges a minha cabeça com óleo, o meu cálice transborda.” Esse trecho retrata Deus como feminino: nos ritos do Oriente Médio da Antiguidade, a deusa é a Noiva que unge o consorte escolhido, outorgando-lhe sua graça, poder e majestade. Ela é a Grande Deusa das culturas neolíticas que precederam as invasões indo-arianas. As civilizações que adoravam a deusa na antiga Europa (área que incluía a Turquia, os Bálcãs e a Ucrânia) e no novo Ocidente viveram aproximadamente entre 7000 e 3500 a.C., mas a deusa só foi oficialmente banida da região em 500 d.C., quando seu último templo foi fechado. Então, as graciosas paredes com pilares de sua morada terrena foram abandonadas, transformando-se em abrigos para pássaros, e as estátuas de suas elegantes formas foram levadas para longe e abandonadas.

O Hieros Gamos (“Casamento Sagrado”)

Nas religiões da Suméria, da Babilônia e de Canaã, ungir com óleo a cabeça do rei era um ritual realizado pela herdeira ou pela sacerdotisa real, que representava e ancorava o poder da deusa. Em grego, esse ritual era chamado hieros gamos, ou “Casamento Sagrado”. A unção da cabeça tinha um significado erótico – a cabeça era o símbolo do falo ungido pela mulher para a penetração durante a consumação física do casamento. O noivo escolhido era ungido pela sacerdotisa real, a substituta da deusa. Canções de amor, louvor e agradecimento acompanhavam o casal. Após a consumação do enlace, um farto banquete era servido a toda a cidade, em meio ao júbilo dos cidadãos. As festividades, algumas vezes, duravam vários dias. A bênção da união real entre os sagrados masculino com o feminino seria refletida na contínua fertilidade das colheitas e dos rebanhos e no bem-estar da comunidade. Por meio dessa união com a sacerdotisa, o rei/consorte recebia status de majestade. Ele se tornava conhecido como “o Ungido” em hebraico, “o Messias”.

Nos ritos antigos do Oriente Próximo, era a Grande Deusa que ungia a cabeça do rei e lhe oferecia um banquete, enchendo o seu cálice com bênçãos e atuando como uma espécie de advogada que o defendia de seus inimigos. A sagrada união da sacerdotisa real com o rei/consorte escolhido era celebrada como uma fonte de regeneração, vitalidade e harmonia para toda a comunidade. Essa prática ancestral refletiu-se, posteriormente, nos rituais de fertilidade que aconteciam anualmente em toda a região mesopotâmica, quase sempre para celebrar o ano-novo. Em alguns desses cultos, o consorte eleito pela sacerdotisa do templo local era ritualmente sacrificado para assegurar a fertilidade da terra. “Plantar” o rei sacrificado significava uma garantia de que as colheitas dariam bons frutos e as pessoas teriam prosperidade.  

As invasões indo-arianas (aproximadamente 355 a.C.) introduziram a idéia da suprema deidade masculina, cuja fúria precisava ser aplacada. Com o passar dos séculos, os cultos baseados em um deus masculino (o desequilíbrio do patriarcado) de poderes ilimitados foram substituindo a adoração da magnânima deusa. Na Palestina, no início da articulação patriarcal do Deus invisível como Senhor e masculino, os profetas assumiram o antigo papel de ungir o rei, função que antes era reservada às sacerdotisas reais da Grande Deusa. No século XI a.C., o povo de Israel persuadiu seu Deus (contra a voz da razão, segundo os relatos contidos nas Escrituras) a permitir que tivessem um rei, como faziam seus vizinhos pagãos. Jeová relutou em concordar, pois queria ser o único Deus de Israel. Contudo, acabou cedendo e, finalmente, deu permissão ao profeta Samuel para ungir Saul (cerca de 1220 a.C.) e, mais tarde, Davi (1000-960 a.C.) como reis de Israel.

É importante observar que Davi se casou com Micol, filha do rei Saul, segundo a antiga tradição de alcançar a majestade por meio do casamento com uma filha da casa real. Nos séculos que se seguiram, a prerrogativa de ungir o rei foi dada aos sacerdotes do Templo de Jerusalém. Com o advento da suprema deidade masculina, que substituiu a deusa nas civilizações do Oriente Próximo, o rei assumiu o papel de representante da deidade, assim como as sacerdotisas reais representavam a Grande Deusa no passado. Um poema escrito em torno de 2100 a.C., na Suméria, refere-se a Marduk, a deidade reinante na Babilônia, como “o Noivo do meu bem-estar”.

Os poetas e profetas hebreus adotaram essa imagem de Deus intimamente ligado ao seu povo (Ezequiel 16; Oséias 2; Isaías 54,62; Jeremias 2, 3). E no Novo Testamento grego, os quatro Evangelhos estão repletos de menções ao tema do Noivo referindo-se a Jesus. No Novo Testamento existem muitas evidências de que Jesus compreendeu a íntima relação matrimonial entre Deus e a comunidade da aliança e de que ele próprio adotou, conscientemente, o papel de Noivo/Rei de seu povo. Os Evangelhos deixam claro que Jesus não veio para acabar com o domínio de Roma. As parábolas ali contidas incluem repetidas referências ao tema do casamento, e Jesus é, com freqüência, representado como o Noivo.

Jesus, o Noivo

O povo da Palestina esperava há bastante tempo pela chegada de um Messias, o Ungido por Deus, para salvá-lo da tirania romana e do ilegítimo e despótico jugo dos reis herodianos. A esperança de muitos judeus era de que um Messias davídico viesse com o poder de vencer os inimigos de Israel, segundo as palavras de seus profetas. A comunidade religiosa purista de Qumran e os radicais zelotes viviam na expectativa diária de que essas profecias se cumprissem. Após a morte de Jesus, as interpretações das palavras dos profetas mudaram: em vez de um reino terreno, que era a esperança de todos, deveriam esperar por um reino celestial, que viria mais tarde. As imagens de “servo sofredor” de Isaías – a metáfora do obediente Cordeiro Sacrificado, que voltaria em glória para salvar os oprimidos – tornaram-se um mito predominante do movimento cristão a partir da última metade do primeiro século. Mas o próprio Jesus parece ter entendido o seu papel como representante de Jeová – como o celestial Noivo de Israel. Como Rei Ungido e filho fiel, ele é sacrificado pelo bem da comunidade.

O evangelista Marcos montou, cuidadosamente, o cenário para essa revelação de Jesus como Noivo/Rei de Israel. Ele descreveu a chegada de Jesus e seus apóstolos às cercanias de Jerusalém antes da Páscoa judaica. À medida que se aproximavam, Jesus mandou que dois de seus discípulos fossem na frente até Betânia e procurassem um “jumento em que homem nenhum tivesse montado” (Marcos 11:2). Eles atiraram seus mantos sobre o  jumento, e Jesus montou no animal, seguindo para Jerusalém. O povo estendeu mantos e ramos de árvores de oliveira e palmeiras pelo caminho e anunciou que “o reinado de Davi estava para começar” (Marcos 11:10). Esse acontecimento fez cumprir a profecia messiânica descrita no livro do profeta hebreu Zacarias. Jesus não participou dessa cena por mero acidente – sua chegada, montado no jumento, foi uma atitude consciente e simbólica por meio da qual ele proclamou, deliberada e irrevogavelmente, o seu papel messiânico:

“Alegra-te muito, ó filha de Sião! Exulta, ó filha de Jerusalém! Eis que vem a ti o teu rei; ele é justo e traz a salvação; ele é humilde e vem montado sobre um jumento, o potro de uma jumenta (Zacarias 9:9 – NVI)”.

No tempo dos livros Gênesis e Crônicas era costume um líder carismático que viesse em paz chegar montado em um jumento, ao passo que um rei guerreiro montava um cavalo de guerra e portava armas. O rei Davi fez com que seu filho Salomão montasse seu próprio  jumento real quando foi ungido rei de Israel (1 Reis 1:33-38). O Jesus de Marcos anuncia sua missão como Rei da Paz, entrando em Jerusalém montado no potro de uma jumenta. Mas, ao mesmo tempo, ele proclamava ser o herdeiro de Davi, uma atitude de enorme significado político. Anunciava o cumprimento da profecia de Zacarias: “Seu rei decretará a paz entre as nações; seu império estender-se-á de um mar a outro” (Zacarias 9:10).

A Mulher do Vaso de Alabastro

Betânia era uma pequena vila localizada no contraforte sudeste do Monte das Oliveiras. Em Zacarias 14, vemos a expectativa apocalíptica de que, quando o Senhor fosse salvar Israel de seus inimigos, ele iria ao Monte das Oliveiras: “Naquele dia, os pés Dele se apoiarão no Monte das Oliveiras, a leste de Jerusalém” (Zacarias 14:4). Essa profecia elevou o monte à condição de local de expectativas messiânicas. Era a Betânia que Jesus retornava todas as noites após visitar Jerusalém durante a semana da Páscoa judaica. E ali ele foi ungido pela mulher do vaso de alabastro. Essa história da unção de Jesus pela mulher em Betânia é um dos eventos mais importantes relatados nos Evangelhos do Novo Testamento. Deve ser extremamente significativa, uma vez que é mencionada nos quatro Evangelhos canônicos. Ela representa, sem dúvida, a expressão mais íntima da associação com o Eros nos relatos sobre a vida de Jesus e, só por esse motivo, mereceria uma investigação mais cuidadosa. Contudo, esse fato raramente recebeu a devida consideração. Qual era o significado daquela atitude? Não seria provável que a mulher que ungiu Jesus no banquete em Betânia fosse a mesma mulher que o encontrou no jardim, perto da tumba, ao raiar da manhã da Páscoa?

Certa noite, de acordo com Marcos 14:3, “quando Jesus se achava em Betânia, sentado à mesa… entrou uma mulher trazendo um vaso de alabastro”. Essa atitude pode ser compreendida como um reconhecimento profético de Jesus como o Messias, o Ungido, ação interpretada como politicamente perigosa porque proclamava a realeza dele. Na antiga Israel, reis, sacerdotes e profetas eram ungidos com óleo para receberem a afirmação de seu poder como os “escolhidos” para representar Jeová. O óleo sagrado de oliva era cuidadosamente preparado pelos sacerdotes no Templo e, seguindo uma receita especial, era misturado a outras essências: canela, mirra, cálamo e acácia. Seu uso pelos leigos era proibido, sob pena de excomunhão.

Mas a mulher de Betânia não usou o óleo sagrado dos sacerdotes do Templo. Ela abriu “um vaso de alabastro cheio de um perfume muito caro, feito de puro nardo. Então quebrou o vaso e derramou o perfume sobre a cabeça dele” (Marcos 14:3-4). Os estudiosos de hoje acreditam que “puro nardo” possa ser uma corruptela da palavra grega para espicanardo. O aromático bálsamo era um perfume raro e de grande valor, extraído de uma planta típica da Índia. Na Palestina helenizada, as mulheres ricas muitas vezes usavam uma pequena quantidade desse bálsamo num frasco, ou alabastron, preso a uma corrente no pescoço. Em geral, era um item que fazia parte do dote. Era costume quebrar o frasco, ungir com seu conteúdo o corpo do amado morto e deixar os fragmentos do recipiente na tumba. Além dos relatos dos Evangelhos que descrevem a unção de Jesus com esse caro perfume, há uma outra passagem nas Escrituras em que o espicanardo é mencionado: “No banquete para o rei, meu nardo exala o seu perfume” (Cântico dos Cânticos 1:12). A Noiva é aquela cujo espicanardo se espalha em volta do Noivo/Rei em seu banquete no Cântico dos Cânticos, a antiga canção do Casamento Sagrado.

O Cântico dos Cânticos

Alguns estudiosos modernos acreditam que o Cântico dos Cânticos foi composto como parte dos ritos de fertilidade sumérios de Dumuzi e Inana (Ishtar) – um mito comum no antigo Oriente Próximo por milhares de anos. A poesia romântica inscrita em tábuas cuneiformes recentemente decifradas descreve Dumuzi como um “pastor” e “Filho Fiel” – epítetos que foram, mais tarde, aplicados a Jesus! A amada de Dumuzi é chamada de “irmã” e “noiva”. O rei era considerado um “filho escolhido” pelo fato de que a deidade o havia “formado no útero de sua mãe”. Ele foi ungido para esse papel, que incluía sua morte e seu enterro como rituais: era dever do rei ser reunido à deusa, Mãe-Terra (Inana).

Após o casamento, Dumuzi era ritualmente torturado, morto e enterrado, garantindo a renovação das colheitas e dos rebanhos. O rei não podia tornar-se velho ou fraco, não lhe era permitido perder sua força e vitalidade, pois a vida do povo era um reflexo de sua virilidade. Se o seu poder e a sua força decaíssem, o mesmo aconteceria à força e ao poder do povo. Em alguns ritos, o rei torturado era sepultado e, então, “ressuscitado” após um breve período, normalmente três dias. Os versos da liturgia incluem os lamentos de Inana pela morte de Dumuzi, a busca da deusa pelo rei desaparecido e uma expressão de júbilo por seu retorno. Essa porção do mito do Noivo, predominante no culto pagão, é reapresentada no Evangelho de João, na passagem em que Maria Madalena encontra Jesus ressuscitado perto da tumba, na Páscoa. E pode ser visualizado nas Pietás e nas pinturas sobre a Descida da Cruz na arte cristã.

Durante o período da influência grega (330-30 a.C.), versos idênticos e paralelos àqueles do Cântico dos Cânticos foram encontrados em uma poesia litúrgica do culto da deusa egípcia ÍSIS, a Noiva-Irmã do mutilado Deus-Sol Osíris. Esculturas antigas de ÍSIS lamentando-se sobre o corpo de Osíris serviram de modelo para Pietás medievais. Existem muitas teorias sobre a origem da poesia romântica do Casamento Sagrado, mas é sabido que o rito do Deus da Fertilidade, que morre e ressuscita, era comum na Palestina dos tempos de Jesus.

O Pastor/Rei e sua Noiva

Talvez seja impossível determinar a fonte exata do livro bíblico Cântico dos Cânticos, mas seu  Significado é bastante claro: é a canção de casamento do Pastor/Rei e sua Noiva. Os ritos do hieros gamos eram tão conhecidos no mundo helenizado que a unção da cabeça de Jesus não poderia ter sido mal compreendida por aqueles que a testemunharam. O autor do Evangelho de Marcos é mestre em atribuir importância mítica a certos eventos. Aplacar a tempestade, purificar o Templo e outros feitos relatados em sua Escritura proclamam a identidade mítica de Jesus por meio da ação. E a história de sua unção pela mulher em Betânia não é exceção. A reação de Jesus à unção deixa claro que ele não somente a entendeu e admitiu como também aceitou seu papel mítico como o Noivo/Rei sacrificado. Por toda a Bíblia grega há referências ao messiânico “banquete de casamento” e, em várias partes dos Evangelhos, são feitas menções a Jesus como “noivo”.

Numerosas alusões ao Noivo e à Câmara Nupcial também aparecem nos Evangelhos gnósticos descobertos em Nag Hammadi, no Egito, na década de 1940, fato que corrobora a prevalência desse tema entre algumas seitas dos cristãos primitivos. Em Marcos 2:19-20, Jesus afirma que seus discípulos não estão jejuando: “Quando o noivo for levado para longe deles, nesse dia eles jejuarão.” Essa passagem é repetida em Marcos 14 quando os discípulos reclamam do custo do perfume desperdiçado. Jesus defende a mulher, dizendo: “Os pobres tendes convosco sempre, quando quiserdes podeis fazer-lhes o bem; mas a mim não me tendes sempre.”

E, então, ele anuncia que a mulher ungiu seu corpo para o funeral, confirmando o anúncio que ela fizera do Casamento Sagrado, que incluía a tortura e a morte do Noivo/Rei Ungido. As freqüentes alusões a Jesus como o Noivo do mito da fertilidade poderiam ser criação de autores helenizados dos Evangelhos. Mas é muito mais provável que tenham se originado com o próprio Jesus, segundo a tradição dos profetas hebreus, que proclamaram Jeová o Noivo celestial da comunidade e o rei de Israel seu “filho fiel” ou “servidor”, o Ungido Messias. Os temas do Noivo e do “filho fiel” (termos presentes também nas mitologias suméria e cananéia) são repetidos no Apocalipse de João, o último livro do Novo Testamento grego, que foi escrito por um autor judeu no final do primeiro século.

Judas e os Zelotes

Talvez a mais forte evidência de que a unção foi imediatamente compreendida pelos que participavam do banquete em Betânia tenha sido a atitude tomada por Judas Iscariotes. Alguns estudiosos modernos o descrevem como um zelote, político de extrema direita que esperava derrubar o domínio romano. É muito provável que ele tenha sido membro de um grupo sionista militante denominado Sicarii, os “Filhos do Punhal”. Judas deve ter ficado completamente desiludido quando percebeu que o herdeiro de Davi não pretendia derrubar o domínio romano na Judéia – Jesus escolhera o papel de Noivo SACRIFICIAL, e o Reino de Deus estava sendo anunciado como um banquete de casamento universal, aberto a todos. Por esse motivo, ele foi ao chefe dos sacerdotes para trair Jesus (Marcos 14:10).

É bem possível que a unção o tenha convencido de que Jesus não era o Messias de suas expectativas. O Dia de Jeová havia chegado. O Escolhido fora ungido no Monte das Oliveiras, não com o óleo sagrado do ritual hebreu, e sim com o bálsamo perfumado de uma mulher. E ele não apenas aceitara essa unção como defendera a atitude da mulher como um anúncio profético de sua morte e de seu enterro, exatamente como no rito primitivo do hieros gamos.

Se Judas fosse mesmo um zelote fundamentalista – zeloso do cumprimento da Lei -, teria ficado estarrecido ao ver Jesus assumir, pela própria vontade, o papel do sacrificado Deus da Fertilidade e do Sol dos pagãos. Naturalmente, a versão que o Evangelho apresenta dessa história foi escrita para convertidos cristãos, que teriam total compreensão do conteúdo mitológico do tema do deus sacrificado. Esses ritos pagãos eram praticados em templos nas cidades do Império Romano até serem banidos pela vitoriosa hierarquia cristã, no final do século IV d.C. Mas a inclusão da história da unção nos quatro Evangelhos indica que as testemunhas oculares que primeiro relataram o fato devem ter visto nele algo que consideraram de extrema importância.

Em Memória Dela

Em todo o Evangelho de Marcos, sempre que alguém deseja proclamar Jesus o Filho de Deus ou o Messias, ele sempre adverte que sua identidade não deve ser revelada a ninguém. Contudo, inesperadamente, em Marcos 14:9, Jesus diz aos seus discípulos que a história da mulher do vaso de alabastro deveria ser contada e recontada “em memória dela”. Alguém, talvez o próprio Jesus, pode ter considerado esse evento tão significativo que deveria ser mantido vivo na comunidade. Por quê? Denis de Rougemont sugeriu que, quando um evento importante é muito perigoso para ser discutido, ele é estabelecido como mito e contado como lenda. Essa opinião, expressa no livro  História de amor no Ocidente– publicado primeiramente em francês, em 1940 -, poderia ser aplicada ao mito em torno da mulher do vaso de alabastro. Seria a história da unção/rito de casamento de Jesus narrada como um mito por causa do perigo que representava para a mulher que era sua esposa? Seria mais seguro relatar a lenda sabendo que as pessoas que a ouvissem entenderiam a relação íntima dessa mulher com o Noivo/Rei?

Estamos falando de uma versão oral da história, que, presumivelmente, circulou por todo o Império Romano por quase quarenta anos até que o autor do Evangelho de Marcos a escrevesse. Na verdade, esse acontecimento foi tão importante que sobreviveu em várias versões diferentes na tradição oral. Mesmo assim, embora deva ter sido considerado um escândalo que uma mulher – qualquer uma – tocasse um homem judeu em público, não há nenhum sinal de que os amigos de Jesus tenham ficado horrorizados com a atitude dela. A maior preocupação de todos parece ter sido o alto preço do perfume desperdiçado, “Porque podia vender-se por mais de trezentos dinheiros, e dá-lo aos pobres. E bramavam contra ela”Marcos 14:5. Como se fosse uma perda pessoal de cada um deles! E quem era a mulher do vaso de alabastro que ungiu Jesus?

Por muitos séculos, ela tem sido retratada pela Igreja como “pecadora” e “prostituta”. Nunca como Sacerdotisa e Noiva. Entretanto, Orígenes (185-254 d.C.), patriarca da Igreja, reconheceu Madalena como a Noiva-Irmã dos Cânticos, assim como o fizeram as comunidades dos primeiros cristãos que viviam no Império Romano do primeiro século. E o autor do Evangelho de João chama essa mulher de “Maria, a irmã de Lázaro”. Na Igreja Católica Romana, há uma forte tradição de que o apóstolo João era o protetor de Maria, a mãe de Jesus, e que após a crucificação (provavelmente por medida de segurança) ele a levou para viver em Éfeso. O Evangelho de João, se não é de sua própria autoria, foi, sem dúvida, escrito por seus discípulos (aproximadamente 90-95 d.C.) em Éfeso. Há evidências nesse Evangelho de um importante material histórico sobre Jesus que não está incluído nos outros três. Certamente, João e a mãe de Jesus foram a fonte desse material. E, embora não tenha sido relatado nos Evangelhos anteriores, ambos, sem dúvida, teriam sabido o nome da mulher que ungiu Jesus. Ela era Maria  (Madalena) de Betânia, sua Noiva Perdida.

Continua …


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