OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES GUERREIROS DE MANTOS BRANCOS COM CRUZES VERMELHAS : Os seus costumes, os seus ritos, os seus segredos: Digam o que disserem determinados historiadores encastelados em sua erudição acadêmica, a criação da Ordem dos Cavaleiros Templários continua envolta em inúmeros mistérios; e o mesmo acontece com a realidade profunda da sua missão, não a que se tornou pública, mas a missão oculta. Inúmeros locais ocupados e ou de propriedade dos cavaleiros Templários apresentam particularidades estranhas. Atribuíram-se aos monges-soldados crenças heréticas, cultos curiosos e às suas construções, principalmente a Catedral de Chartres, significados e até poderes fantásticos. A seu respeito, fala-se de gigantescos tesouros escondidos (sendo o maior deles o CONHECIMENTO), de segredos ciosamente preservados e de muitas outras coisas.
OS TEMPLÁRIOS, ESSES GRANDES SENHORES DE MANTOS BRANCOS – OS SEUS COSTUMES, OS SEUS RITOS, OS SEUS SEGREDOS.
GISORS: “ET IN ARCADIA EGO”
Um jardineiro que brinca de toupeiras
Em 1929, um jovem de 25 anos, Roger Lhomoy, conseguiu ser contratado pelo município de Gisors como guia e jardineiro do Castelo de Gisors. Tinha uma idéia fixa na cabeça. Acabara de sair do seminário, onde já recebera ordens menores. Fora aí que lhe ocorrera essa idéia? Teria ouvido dos homens da igreja a respeito de Gisors. Acontece que estava convencido de que a fortaleza daquela pequena cidade do Eure escondia um tesouro.
Uma vez contratado como jardineiro do local, estava em posição de confirmar se esse sonho era susceptível de apresentar alguma consistência. Mas, onde procurar? Por onde começar? O tempo foi passando sem que Lhomoy avançasse uma polegada. No entanto, ao fim de quinze anos, em 1944, começou as escavações. Dado que não tinha autorização, apenas escavava de noite, utilizando um material perfeitamente rudimentar: pá, picareta, ferro, gambiarra e um guindaste improvisado. Tendo reparado num poço situado à esquerda da entrada da muralha do torreão, começou a desaterrá-lo.
Dia após dia, ou melhor, noite após noite, ele cavava. Chegou assim a uma profundidade de vinte metros. Teve de ficar por ali, porque um desabamento quase o engoliu. Conseguiu sair de lá, sozinho, apenas com uma perna partida. Restabelecido, Lhomoy só pensava em continuar as suas escavações, mas estava fora de questão regressar ao poço, cujas paredes haviam ficado fragilizadas pelos trabalhos precedentes. Decidiu recomeçar do zero e escavar cerca de quinze metros mais à frente, sempre no recinto do torreão.
Primeiro, fez uma espécie de chaminé vertical, com dezesseis metros de profundidade, e depois escavou, a partir daí, uma galeria horizontal com dez metros de comprimento e recomeçou a escavar na vertical, ao longo de quatro metros. Uma noite, quando se encontrava a vinte e um metros, sob o solo, o seu ferro bateu numa superfície dura. Pelo menos, foi o que afirmou. Estava perante uma pedra talhada, lisa. Libertando cuidadosamente a sua superfície, deu-se conta de que se tratava de uma parede. Conseguiu retirar algumas pedras, apenas as necessárias para passar a cabeça, os ombros e a gambiarra para o outro lado. Ouçamos o seu testemunho:
“Estou numa capela românica em pedra de Louveciennes, com trinta metros de comprimento e nove de largura (n.T.: uma enorme sala subterrânea com cerca de 270 metros quadrados), e com cerca de quatro metros e meio de altura até à chave da abóbada. Logo à minha esquerda, perto do buraco por onde passara, fica o altar, também de pedra, com o seu tabernáculo. Para a minha direita, o resto do edifício. Nas paredes, a meia altura, sustentadas por apoios de pedra, as estátuas de Cristo e dos doze apóstolos, em tamanho natural. Ao longo das paredes, pousados no solo, sarcófagos de pedra com dois metros de comprimento e sessenta centímetros de largura: há dezenove. E na nave, aquilo que a minha luz revela é incrível: trinta cofres de metal precioso, dispostos em filas de dez. E a palavra cofre é insuficiente: seria melhor falar de armários deitados, armários que medem, cada um, dois metros e cinquenta de comprimento, um metro e oitenta de altura e um metro e sessenta de largura.”
Então, Lhomoy decidiu prevenir as autoridades. Assim, numa manhã de Março de 1946, apresentou-se perante o Conselho Municipal, reunido em sessão plenária. Contou as suas escavações e o que vira e convidou os conselheiros a virem confirmar, eles próprios, que falava verdade. Todos se deslocaram até junto da base do torreão mas, uma vez lá, perante o poço improvisado escavado por Lhomoy, os convidados entreolharam-se: estava fora de questão descerem a essa verdadeira armadilha, podia haver um desmoronamento a qualquer altura. Aquele homem era louco. No entanto, a história espalhou-se rapidamente pela cidade e um homem mais corajoso do que os outros disse que era preciso tirar aquilo a limpo. Aliás, tinha alguma experiência na matéria, dado que era um ex-oficial de engenharia.
Era Émile Beyne, o comandante dos sapadores-bombeiros de Gisors, desceu, portanto, ao fundo do poço e, em seguida, avançou até ao fim da galeria horizontal. Só lhe faltava descer quatro metros na vertical. Literalmente sufocado no fundo desse poço estreito, Émile Beyne renunciou, todavia, a correr mais riscos. Subiu e, embora estivesse habilitado a confirmar o que Lhomoy dissera, não pôde testemunhar sobre a existência da capela. No entanto, para a opinião pública isso foi suficiente para tornar credível o relato do jardineiro. Lhomoy aproveitou-se disso para se apresentar de novo na câmara, esperando obter ajuda para continuar as escavações e desenterrar o acesso à capela.
Ora, teve uma surpresa desagradável: não só lhe foi recusada qualquer ajuda, como lhe disseram que o seu buraco iria ser tapado. Nesse mesmo dia, a edilidade mandou para o local uma equipe de prisioneiros alemães e foi tudo aterrado. Lhomoy, abatido de momento, não se declarou vencido. Pediu uma autorização para as escavações, à Secretaria de Estado dos Assuntos Culturais, e foi-lhe concedida. Confortado com esta, dirigiu-se de novo à câmara municipal. Por estranho que pareça, recebeu como única resposta um discurso do adjunto do presidente da câmara de Gisors que tinha fortes semelhanças com uma ameaça:
“Proíbo-o formalmente de dar seguimento às suas elucubrações de pessoa perturbada, dando-se por muito feliz por ainda não terem sido tomadas medidas para o internar, coisa que o destino poderá muito bem reservar-lhe.”
Que a municipalidade tomasse todas as precauções para que as novas escavações não pusessem em perigo o torreão e decorressem em condições máximas de segurança teria sido normal. Em contrapartida, que a edilidade se opusesse formalmente a essas escavações apesar da autorização do ministério é que é foi surpreendente. Que, ademais, chegasse a ameaçar Lhomoy de o mandar internar, e de uma forma quase aberta, parece muito estranho. Seis anos mais tarde, Lhomoy, que então vivia em Versalhes, encontrou dois sócios para levar a cabo as suas escavações. Uma vez mais, obteve uma autorização do ministério. A edilidade de Gisors não ousou utilizar os mesmos métodos de intimidação que da primeira vez. No entanto, impôs uma condição às obras: o depósito de uma caução de um milhão de francos e, ademais, o compromisso de entregar à cidade quatro quintos do valor do que fosse encontrado. Desanimados, os sócios abandonaram-no e Lhomoy viu desaparecer a sua última esperança de poder provar que dissera a verdade.
O tesouro do Templo?
Roger Lhomoy mentira? E, caso contrário, o que poderiam conter os cofres da misteriosa capela subterrânea? Para Gerard de Sède, não há a menor dúvida: trata-se «do» tesouro dos Templários, o verdadeiro, o único, o que foi evacuado graças ao jovem senhor de Beaujeu, segundo as indicações de Jacques de Molay. Para o autor de Les Templiers sont parmi nous, esse tesouro deveria ter sido enviado para a Inglaterra mas, por uma qualquer razão, teriam tido de parar no caminho e fora escondido em Gisors.
Pelo meu lado, tenho alguma dificuldade em ver por que razão teria sido escondido ali, se é que passou pela região. Mesmo assim, veremos que, de uma maneira ou de outra, o mistério de Gisors está indissociavelmente ligado aos Templários. Os Templários estavam muito presentes na região. Perto de Arquency, a comenda de Bourgoult e as quintas fortificadas de Authevernes e de Fours testemunham ainda a presença do Templo. Uma cruz templária de pedra continua ainda a vigiar a estrada que conduz de Gisors a Neaufles. Refiramos também a presença de túmulos ornados com cruzes templárias, que nos lembram um pouco os cemitérios templários da Escócia.
A uma distância razoável de Gisors, podemos citar várias comendas importantes: Saint-Étienne-de-Renneville (na comuna de Saint-Colombela-Campagne), Chanu (de que resta uma bela capela que, infelizmente, funciona como quinta), Brettemare, Bourgoult, de que já falamos e que possuía uma capela dedicada a São João Batista, o Temple-du-Bois-Hibout, em Saint-Vincent-des-Bois, perto de Vernon. Se nos debruçarmos sobre a toponímia local, poderemos encontrar vestígios muito precisos da presença do Templo.
A nordeste, a pouco mais de vinte quilômetros de Gisors, encontramos um local chamado Le Temple, associado a um Bois-du-Temple. Muito perto de lá, Saint-Pierre-des-Champs e Saint-Pierre-des-Bois, Orsimont, Tête-d’Enfer, Maisons-Rouges, Ferme-de-la-Croix-Blanche, Ferme-de-Jouvence, Parc-à-Poulain e, alguns quilômetros mais à frente, a nordeste, SaintClair. Dirijamo-nos agora um pouco mais para sudeste, de modo a fazermos um movimento circular a uma boa distância de Gisors. Encontramos Épiniéres, Orval, Terres-Rouges, Orme e Épinette e, mais a leste, Bois-des-Bonshommes e Rouges Eaux.
Voltemos um pouco mais a sul: Hêtre-de-I’Épinette, Âbime, Bois-Cornu, Bois-des-Moines, Buisson-Saint Pierre, Épinette, Haute-Épine, Mare-Rouge, uma vez mais, Âbime e Terres-Saint-Pierre surgem perante os nossos olhos. Viremos para oeste de modo a ficarmos a menos de cinco quilômetros a nordeste de Gisors. Encontramos de novo Épine, Épinette e Croix-Blanche. A leste de Gisors encontraremos Maison-Rouge, Fosse-Salomon, Veau-d’Or e Trou-Saint-Patrice. A sudeste, serão Sainte-Marguerite, Épine, Croix-Blanche, Croix-Rouge e, um pouco mais longe, Ormeteau, Fontaine-Saint-Gilles, Épinette, Croix-Chevaliers, canal Saint-Clair.
E, mais a sul, Rone-Épine, Terres-Rouges, Noyer-au-Coq, Enfer, Trésor, Paradis, Bois-de-I’Épinette, Maladrerie, Épine-au-Coq, Grand-Orme, Croix-Saint-Gilles e, mais uma vez, Maladrerie. Agora, a sul de Gisors: Bois-de-l’Épine-Cagnard, Croix-Blanche, SaintGervais e Vallée-Catherine, Terres-Rouges, Archemont, Côte-Saint-Antoine, CôteBlanche e Vallée-Dame-Noire. Por fim, a oeste e a sudoeste, Épine, Croix-Rouge, Mont-de-L’Aigle, FosseSaint-Maurice, Moulin-Rouge, Saint-Clair-sur-Epte, Bois-de-Jouvence, Bois-deBlaise e a abadia do Trésor.
Não se trata de pretender que todos estes topônimos marcam infalivelmente uma presença templária, mesmo que isso seja evidente mediante locais como Le Temple. Alguns destes termos são, sem dúvida, puramente descritivos ou apenas desprovidos de qualquer relação com a Ordem. Ainda por cima, todos estes nomes foram descobertos numa superfície bastante ampla, dado que cobre quatro cartas do I. G. N. a 1/25000; as 2111 leste, 2112 leste, 2211 leste e 2212 leste. Trata-se sobretudo de dar, àquele que pretenda realizar a sua própria investigação sobre os locais, alguns pontos de partida, algumas pistas que o possam ajudar nas investigações.
No entanto, para os Templários terem escondido um tesouro no subsolo da fortaleza de Gisors, teria sido necessário disporem dos meios para tal. Quando Rollon obrigou Carlos, o Simples, a conceder-lhe a Normandia, o Vexin foi cindido em duas partes: Vexin francês e Vexin normando. Na mesma altura, Gisors tornou-se cidade fronteiriça e continuou a sê-lo durante cinco séculos, marcando, após a conquista realizada por Guilherme, o Conquistador, o limite entre as possessões do rei de Inglaterra e as terras de França. Por isso, a praça tornou-se importante em termos estratégicos e foi alvo de disputas, ao longo dos séculos.
A fortaleza que foi construída, compreendendo um torreão e uma muralha flanqueada por doze torres, parece pouco rigorosa no plano militar. Em contrapartida, o simbolismo talvez não tenha estado ausente das preocupações do seu construtor. Em 1097, data do início da construção do castelo, os Templários ainda não existiam; logo, não tiveram nada que ver com o caso. Aliás, se o ocuparam, veremos que essa estada só durou três anos e que seria bastante espantoso terem realizado obras importantes.
Guilherme, o Ruivo, rei da Inglaterra, encarregara Robert de Bellême de construir a fortaleza. Este confiou a realização a um arquiteto chamado Leufroy. Aliás, esse nome liga Gisors a uma outra fortaleza que teve o mesmo arquiteto: a de Falaise. Também lá encontramos um estranho mistério sem dúvida ligado aos Templários, com inscrições murais semelhantes às da Torre do Prisioneiro, em Gisors. Ainda por cima, a toponímia em redor das duas cidades comporta um número apreciável de nomes idênticos, como: Saint-Clair, Terres-Rouges, Tilly, Villiers, Croissanville, Mesnil, Réveillon, Ormeau, etc. Seria necessário também lembrar a cruz de La Hoguette, perto de Falaise, que é como que o negativo da Gisors, na estrada de Neaufles. Seria preciso estudar a igreja Saint-Gervais-Saint Protais de Falaise e a de Gisors, ou então examinar o conjunto da simbólica alquímica da igreja da Trinité, em Falaise.
Mas voltemos à capital do Vexin que desempenhou, na história, um papel pouco conhecido. Assim, Leufroy construiu a fortaleza de Gisors e alguns pensam que o fez respeitando dados astrológicos muito precisos. Notemos, de passagem, que este arquiteto foi também o dos castelos de Bellême e de Nogent-le-Rotrou e que, nestes dois casos, construiu uma capela subterrânea sob o torreão. Um indício que poderia dar alguma consistência às afirmações de Lhomoy. Acrescentemos que um texto antigo chamaria a esse Leufroy «cavaleiro do Templo», o que implicaria que teria entrado para a Ordem no final da sua vida, mas nem por isso faria dele Templário na época da construção. É esta a primeira vez em que encontramos a Ordem do Templo na história de Gisors.
O segundo encontro é mais curioso. Situa-se em 1099, quando Henrique I Beauclerc, rei de Inglaterra e duque da Normandia, confiou a guarda de Gisors a Thibaud Payen (Pagão), em virtude de um acordo celebrado com Luís VI, o Gordo. Thibaud, conde de Gisors, foi cognominado «Payen» porque, afirma uma crônica, «já grandote, ainda não fora batizado». No entanto, se estudarmos um pouco melhor esta personagem com uma vida política agitada, ora aliado dos ingleses, ora amigo dos franceses, descobrimos-lhe um parentesco muito interessante. Com efeito, era filho do conde Hugues de Chaumont e de Adélaide Payen, que era irmã de Hugues de Payen, fundador da Ordem do Templo.
No entanto, em 1109, Henrique I Beauclerc retirou a guarda da cidadela ao sobrinho do Grão-Mestre. Ora, isso equivalia a violar o tratado assinado com o rei de França. Seguiu-se uma guerra que durou anos e, por fim, o rei de França foi derrotado em Brenneville, em 1119. O papa Calisto II serviu então de intermediário. Veio a Gisors e obrigou à assinatura de um tratado de paz, segundo o qual o herdeiro de Henrique I Beauclerc era vassalo do rei de França na Normandia, em virtude do que Gisors ficava cidade normanda excluída do Vexin francês. Os reis de França continuaram, mesmo assim, a olhar para Gisors com uma certa inveja. Luís VII conseguiu que lhe fosse outra vez cedida a fortaleza, em 1144. Dez anos mais tarde, Henrique II Plantageneta tornou-se rei de Inglaterra e, por sua vez, perguntou-se como iria recuperar Gisors, que todos disputavam como se fosse uma verdadeira jóia. Uma crônica revela-nos, aliás, que ele sentia «um afeto muito especial» por essa cidade.
Henrique conseguiu convencer Luís VII de que seria bom que unissem os seus respectivos filhos. O filho do rei de Inglaterra, Henrique, ficou portanto noivo de Marguerite, filha de Luís VII, e devia levar como dote Gisors e o Vexin. Mas, nesse ano de 1158, Henrique tinha cinco anos e Marguerite apenas três. Claro que estava fora de questão um casamento imediato. O arcebispo da Cantuária, o celebérrimo Thomas Becket, que conduzira as negociações pelo lado inglês, encontrara uma solução temporária. Hospedado no Templo de Paris, fizera um acordo com os seus anfitriões. Os Templários seriam feitos fiéis depositários do castelo de Gisors, enquanto se não realizasse o casamento. Assim, em Novembro de 1158, os cavaleiros do Templo Othon de Saint-Omer, Richard de Hasting e Robert de Pirou instalaram-se no castelo em Gisors.
No entanto, só lá iriam ficar três anos. Com efeito, impaciente, Henrique II mandou celebrar o casamento muito antes da data prevista e, em seguida, mandou que os Templários lhe entregassem a cidadela de Gisors. A complacência dos monges-soldados que, assim, respeitavam a letra, mas não o espírito da missão que lhes fora confiada, deixou furioso Luís VII. Sentiu-se troçado e quis mandar enforcar os Templários, mas estes não tiveram o menor medo dele e foram continuar a servir a Ordem na Terra Santa. Refiramos, de passagem, que estas três personagens não eram uns cavaleiros como os outros, mas três dignitários da Ordem. De qualquer modo, de novo senhor de Gisors, Henrique II dedicou-se a terminar a construção, sem dúvida com os conselhos de Arquitetos da Ordem do Templo.
Ao longo dos séculos, os reis de França e de Inglaterra nunca deixaram de lutar pela praça, que mudou várias vezes de mãos. Alguns episódios curiosos viriam ainda a marcar com o selo do mistério a história de Gisors e da Ordem do Templo. Como lembra Gérard de Sède, foi em Gisors que se originou a intriga que conduziu à queda da Ordem. Com efeito, quando da sua retratação, o templário Ponsard de Gizy declarou: “Estes são os traidores que propuseram falsidade e deslealdade contra os da religião do Templo: Guillaume Robert, monge que os submetia à tortura; Esquieu de Florian, de Béziers, prior de Montfaucon; Bernard Pelet, prior do Masd’Agenais, e Géraud de Boysol, cavaleiro do rei, todos vindos de Gisors.” Coincidência? Talvez, porque o acaso parece ter as costas largas neste assunto.
Tirem as vossas conclusões: No reinado de Filipe, o Belo, o recebedor do Templo em Paris chamava-se Jehan de Gisors. A cabeça de mulher descoberta em Paris pelos investigadores que procuravam o baphomet, crânio que tinha a etiqueta Caput LVIII M (Cabeça, 58 e a letra M) foi confiado a uma personagem chamada Guillaume de Gisors. Enquanto a detenção se realizou, em toda a parte, a 13 de Outubro de 1307, foi apenas em 29 de Novembro de 1308 que uma ordem escrita de Filipe, o Belo, mandou o bailio de Gisors prender os Templários desta cidade. Por que razão os tinham deixado em liberdade até essa data, mais de um ano do início da perseguição? E não é tudo. Com efeito, antes de ter sido conduzido a Paris, de aí ter sido declarado relapso e queimado, foi em Gisors que Jacques de Molay foi encerrado, em 1314.
Por que escolheram essa fortaleza para prisão? E por que razão nunca foi trazido perante a justiça o templário Simon de Macy, guardião de Gisors, que se manteve no lugar? Por que razão Filipe, o Belo, avocara pessoalmente o seu caso? Por que razão o mandou transferir para Gisors e encerrar na torre do castelo no sábado de Pentecostes do ano da graça de mil trezentos e catorze, prevenindo o bailio de Gisors, Guillaume Maillard, de que devia responder com a sua vida pela guarda desse prisioneiro, a quem ninguém devia falar? (A ordem está guardada no British Museum de Londres sob a cota M 33, Calígula D III Fo. 4). Que mistério atraiu a Gisors as visitas de Henrique IV (que declarou, então, satisfeito: «Eis-me agora rei de Gisors»), Luís XIII, Mazarino, Luís XIV. Quanto ao marechal de Belle-lle, neto do superintendente Fouquet, não hesitou em ceder ao rei a praça estratégica de Belle-lle em troca do condado de Gisors e, é verdade, mais algumas bagatelas. Todo este interesse terá que ver com o nome da ruela que conduz ao castelo: a ruela do Grande Monarca? A cidadela esconderia um segredo da realeza?
A ocultação da verdade
A seguir ao aparecimento da obra de Gérard de Sède dedicada ao mistério de Gisors, e que relatava o testemunho de Lhomoy, o caso saltou para a ribalta. Roger Lhomoy foi convidado a participar num programa de televisão muito popular na época: Lecture pour tous. Então, a polêmica estalou, com os meios arqueológicos que tinham a seu cargo os monumentos de Gisors a perderem literalmente as estribeiras. O diretor da circunscrição arqueológica, o diretor dos arquivos departamentais do Eure, o conservador dos monumentos históricos e algumas personalidades da cidade subiram, alternadamente, ao púlpito repetindo incansavelmente a mesma mensagem: não poderia haver uma cripta sob o torreão. A argumentação não estava à altura das vociferações, com alguns a não hesitarem em dizer que, na altura, não se sabia construir abóbadas de mais de dois metros sob terreno heterogêneo. Lhomoy foi apodado de doente mental.
Mesmo assim, em Maio de 1962, André Malraux, ministro de Estado para os Assuntos Culturais, mandou selar o torreão de Gisors e deu ordens para que se realizasse uma campanha de escavações. Oficialmente, isso nada tinha que ver com as declarações de Lhomoy mas, na verdade, tratava-se pura e simplesmente de abrir as galerias que ele escavara e que a edilidade mandara soterrar. A 12 de Outubro de 1962, as obras tinham terminado e realizou-se uma conferência de imprensa junto à base do torreão. Chamaram Lhomoy. Fizeram-no descer ao fundo do seu buraco que fora desentulhado, mas que terminava num beco. Lhomoy subiu a chorar afirmando que tinham de escavar mais um metro e meio para encontrarem a cripta.
Em Fevereiro de 1964, o ministério decidiu, efetivamente, escavar um pouco mais para verificar as afirmações de Lhomoy. Podemos perguntar-nos por que razão o não fizeram de imediato. As primeiras escavações não teriam como única finalidade provar que não havia nada a procurar? E por que razão, quando da segunda campanha, em 1964, o local foi declarado zona militar e severamente guardado? O ministério admitia procurar um tesouro, mas afirmou que as escavações não tinham conduzido a nada. Que papel desempenhava André Malraux nesta história? E Lhomoy dissera a verdade? Mentira? Podemos perguntar-nos se, na verdade, o jardineiro vira realmente a cripta.
Suponhamos, por um instante, que, durante a sua passagem pelo seminário, Lhomoy tivera conhecimento, de um modo ou de outro, da existência de uma cripta em Gisors, mas sem conhecer exatamente a sua localização. Isso explicaria que, tendo sido contratado como jardineiro, nem por isso tivesse procedido a escavações durante quinze anos. Depois, um dia, terse-ia decidido a tentar a sorte e tentado escavar o poço, sabendo que não é raro os poços se comunicarem com subterrâneos. Na sequência do desmoronamento que lhe valera uma perna quebrada, teria escavado, então, as suas famosas galerias de modo a cortar o subterrâneo a que provavelmente se ligaria o poço. Não podendo escavar mais, ter-se-ia decidido a falar da cripta e da descrição de que tivera conhecimento, esperando interessar a edilidade nas suas pesquisas. Sabe-se o que lhe aconteceu a seguir. Esta hipótese explicaria muitas coisas sem, por isso, pôr em causa a própria existência da cripta que é sem dúvida muito real.
A capela de Santa Catarina existe
Essa cripta existe, tal como é bem real a rede de subterrâneos que tece o seu pano no subsolo de Gisors. A história local conta que uma tal «Rainha Branca» foi cercada no castelo de Neaufles. Quando, ao amanhecer, as tropas inimigas se lançaram ao assalto, tiveram a surpresa de encontrar o local vazio e a Rainha Branca, saindo de Gisors com um grande número de tropas, caiu-lhes em cima. Espantados com um tal prodígio, os inimigos fugiram. Eis algo que pareceria atestar a presença de subterrâneos ligando Neaufles e Gisors. Para além deste tipo de tradições dificilmente verificáveis, temos, felizmente, elementos mais concretos para apresentar. Vários túneis ainda percorríveis foram postos à luz na própria Gisors. Todos eles seguem um eixo norte-sul que parece testemunhar uma ligação entre o castelo e a igreja Saint-Gervais-Saint-Protais.
No próprio recinto da fortaleza existe uma rede de caves que podem ser visitadas, com uma galeria central, dois subterrâneos perpendiculares e divisões que serviam para armazenamento de víveres. Uma outra secção encontra-se no prolongamento da primeira, e ainda se pode aceder a ela a partir das caves de casas situadas na rue de Vienne. Dirige-se para a viela de Épousées, mas está obstruída por um desmoronamento. Um pouco mais à frente, a continuação da galeria foi posta a descoberto em 1950 por uns empreiteiros. Tratava-se de um verdadeiro cruzamento de subterrâneos situados a seis metros de profundidade sob a viela de Épousées, perto do portal norte da igreja Saint-Gervais-Saint-Protais. Um inspetor do ensino que visitou o local, Eugène Anne, descreveu-os assim:
“Entre paredes espessas, cujas pedras são regulares e sólidas, abrem-se, à altura de um homem, quatro grandes nichos sobrepujados por abóbadas de arcos de volta inteira. Uma notável chave de abóbada reúne, no topo do cruzamento, arcadas românicas com um trabalho perfeito, com as pedras bem talhadas e solidamente reunidas. O conjunto está num estado perfeito, e o calcário manteve-se quase branco […]: parece bem que este local não era mais do que uma paragem no meio de uma via subterrânea que conduzia, da fortaleza vizinha, ao local da igreja.
Com efeito, à direita do terceiro nicho, abre-se uma passagem estreita e negra, semi-obstruída por cascalho e que, como provam pesquisas recentes, cruza o solo da Grand-Rue e vem desembocar nas caves muito antigas de duas casas que se erguem desse lado e que a guerra poupou. Aí, encontramos de novo nichos e até colunas com capitéis esculpidos. Perto da igreja, o bombardeamento durante a segunda guerra destruiu todas as saídas. Apressaram-se a cobrir tudo, sem fazerem a menor escavação a partir desse ponto. Uma habitante de Gisors, Sr.ª Dufour, lembra-se bastante bem de antigos subterrâneos que se desmoronaram em consequência dos bombardeamentos durante a última guerra e descrevia-os assim, em 1963: “Existia, por exemplo, a entrada de um subterrâneo na porta de Pont-Doré, onde outrora passava a primeira muralha da cidade e que transpõe um braço do Epte a algumas dezenas de metros a sul da igreja. Em 1942, uma operária de Tahon-les-Vosges levou para lá os seus camaradas para se abrigarem, numa noite de bombardeamento.” Hoje em dia, essa entrada está fechada.
Citemos ainda um subterrâneo com oitenta degraus na sapataria chamada La Botte Bleue. Acrescentemos que sarcófagos de pedra teriam sido vistos numa sala subterrânea posta a descoberto por um bombardeamento e, em seguida, coberta de novo. Quanto à capela subterrânea que Lhomoy descreveu, sem dúvida sem a ter encontrado, mas baseando-se em informações precisas que poderia ter recolhido sobre ela, existe efetivamente, apesar de, de momento, se lhe ter perdido o rastro. Vários documentos antigos descrevem-na de forma precisa. Um texto de 1370, conservado nos Arquivos Nacionais, e que relata a evasão de um prisioneiro de Gisors, afirma: “Quebrou um pedaço do soalho e abriu, pela força, um buraco por onde passou e depois quebrou e abriu outro buraco e entrou numa câmara perto da cela e daí subiu por uma parede de pedra e quebrou um soalho e entrou numa câmara perto da capela de Santa Catarina e depois entrou nessa capela na qual se encontrava a artilharia do nosso referido castelo.”
Em 1629, no seu Tableau poétique de Péglise de Gisors, Antoine Dorival falava também da capela de Santa Catarina e descrevia o notável retábulo que nela se encontrava. No entanto, poderemos perguntar-nos se se trata da mesma capela, dado que uma parece ligada ao castelo e a outra à igreja. Em 1696, Alexandre Bourdet, um amigo de Cyrano de Bergerac, ao redigir umas Remarques sur l’histoire de Gisors, apresenta até um esboço em corte da capela de Santa Catarina. Foi talvez este documento ou uma cópia que permitiu a Lhomoy fazer a sua descrição do local. Em 1938, o abade Vaillant, pároco de Gisors, escreveu a um arquiteto parisiense a quem confiara um embrulho do arquivo. Na sua carta, exigia que lhe fosse devolvido «um manuscrito latino datado do ano de 1500 que fala de trinta cofres de ferro». Um achado corrobora, aliás, estes vários elementos.
Em 1898, ao mudar-se o pavimento da capela de Nossa Senhora da Assunção, na igreja de Gisors, retiraram-se umas lajes que estavam esculpidas na superfície voltada para baixo. Infelizmente, partiram-se em mil pedaços, quando foram retiradas. Reconstituiu-se pacientemente o puzzle e verificou-se que se tratava de um retábulo de altar com um metro e trinta de altura por um metro e oitenta de largura. Parece que se tratava do mesmo retábulo referido por Antoine Dorival, em 1629. O conjunto destes elementos, incluindo a evasão do prisioneiro, permite pensar que, outrora, existia uma capela de Santa Catarina que fazia sem dúvida parte da igreja de Gisors e ficava por cima de uma cripta. Era nessa cripta que deviam terminar os subterrâneos que ligavam o castelo à igreja. A menos que tenha havido duas capelas de Santa Catarina, uma das quais sob o torreão. Acontece que este mistério nos leva a olharmos mais de perto os indícios que podemos encontrar, tanto no castelo como na igreja.
O prisioneiro de Gisors
Todos os visitantes do Castelo de Gisors saem muito espantados da Torre do Prisioneiro. Na verdade, descobriram-se lá verdadeiras esculturas, e não inscrições como é geralmente o caso, deixadas no local por um prisioneiro acerca do qual correm muitas lendas. Diz-se, entre outras coisas, que esse cavaleiro chamado Nicolas Poulain era amante da Rainha Branca de Castela. Desses amores nasceu uma filha que não sobreviveu. No entanto, o rei, posto ao corrente, mandou encarcerar Poulain nessa torre do castelo. Ele evadiu-se mas, ferido, só teve forças para ir morrer nos braços daquela que amava. Ela enterrou-o num subterrâneo, ao lado da sua filha.
Quem era essa Rainha Branca? A lenda não o diz, mas esta história parece essencialmente ser uma alegoria alquímica. Visitemos a torre para sabermos mais. Chegamos lá por andares e os primeiros níveis a que acedemos atraem pouco a nossa atenção. No entanto, distinguimos neles algumas inscrições estranhamente semelhantes às da torre de Coudray, em Chinon. Foi aí também que, lembremo-lo, o último grão mestre da ordem Jacques de Molay foi encerrado. Quanto à cela famosa, a luz penetra nela dificilmente e o prisioneiro que nela gravou a sua mensagem devia trabalhar segundo os períodos do ano e as horas do dia, em função do deslocamento, pela parede, de um estreito raio de luz.
Apesar das dificuldades, o «prisioneiro» conseguiu esculpir nas paredes de pedra, sem dúvida com o auxílio de um prego, verdadeiros baixos-relevos. Neles, vemos São Jorge a matar o dragão que uma donzela trás na ponta do seu cinto, bem como diversas cenas religiosas entre as quais episódios da Paixão de Cristo, um enforcamento de Judas, uma ressurreição de Cristo, bem como cenas profanas: um torneio ou um baile em que participam personagens com a cabeça ornada com cocares de penas, como os índios da futura América ainda para ser descoberta. Mas podemos ler também um texto:
“O MATER DEI MEMENTO MEI – POULAIN: Isto é: Oh Mãe de Deus, lembra-te de mim – Poulain”.
Ora não há dúvida de que o prisioneiro nos fornece a chave para estas cenas. Perto desta inscrição, esculpiu uma estátua adjacente, réplica invertida da que se encontra na igreja Saint-Gervais-Saint-Protais. Não é para ali que Poulain pretende levar-nos?
De Saint-Gervais-Saint-Protais, em Gisors, a Rosslyn-Chapel, na Escócia: um modo de vermos com mais clareza
O edifício atual da igreja de Saint-Gervais-Saint-Protais data de 1249, mas foi grandemente alterado em 1497 e, sobretudo, de 1515 a 1519, nomeadamente em tudo o que se refere à decoração. De notar que as gravuras da Torre do Prisioneiro parecem datar do século XVI, a julgar pela vestimenta. Por cima do portal principal, um baixo-relevo representa a visão de Jacob adormecido, vendo sair dele os reis de Judá. Jacob, aquele que lutou contra o anjo e ficou coxo, aquele que conhecia o segredo para penetrar na cidade subterrânea de Luz, Jacob que sabia como um local pode ser «terrível». A árvore de Jessé que figura no interior conduz-nos ao problema da sua descendência.
Entrando na igreja, à esquerda, quase parece que quiseram lembrar-nos o prisioneiro. Com efeito, descobrimos aí uma curiosa escultura que representa Sainte Avoye, por detrás de grades. De notar que as religiosas de Sainte Avoye, cuja ordem desapareceu, estavam instaladas em Paris no local do bairro do Templo. Um pouco por todo o lado, a decoração presta-se a uma interpretação alquímica, mas alguns pormenores precisos devem atrair mais particularmente a nossa atenção. Assim, a estátua colocada sob a tribuna do órgão. Ela representa David, com a espada na mão, depois da sua vitória sobre Golias. Mas um David idoso, que segura um livro. A seus pés… a cabeça cortada do seu inimigo oculta também um livro fechado. Esse livro não seria o símbolo da doutrina secreta do Templo que passa pelos mistérios do baphomet?7
Sem dúvida que poderemos convencer-nos disso se observarmos mais de perto a estátua jacente esculpida na parede. A esse respeito, Antoine Dorival escreve, no século XVII: «É um esqueleto horrível ou o mestre perfeito.» Aí está: encontramo-nos, de súbito, no seio da filiação maçônica da tradição templária ou, mais exatamente, da sua sobrevivência escocesa. Acompanhemos, por um instante, Gérard de Sède: Com efeito, vista da nave, a disposição do conjunto que foi construído, no início do século XVI, a expensas das corporações e confrarias, é muito especial, dado que é exatamente a de uma loja maçônica quando da iniciação do grão Mestre: à direita, um pilar reto, à esquerda, um pilar torto, tal como são, respectivamente, as duas colunas da loja, Jachin e Boaz, que imitam as do Templo de Salomão; ao fundo e entre as duas (ou, como dizem os maçons, na câmara do meio) o horrível esqueleto perante o qual o recipiendário é convidado à reflexão e que simboliza o cadáver de Hiram, construtor do Templo, o pedreiro mais completo que já houve, o mestre perfeito.
Esta interpretação talvez tenha sido «pedida, encomendada», mas não deixa de ter interesse. Ao lado, o «pilar dos curtidores de peles» também nos apresenta a sua mensagem. Considera-se dedicado a São Cláudio, patrono dessa corporação, e, no entanto, não é Cláudio que figura na inscrição, mas sim CLAUS, isto é, São Nicolau, patrono dos prisioneiros, mas também ligado às minas, a ponto de os alemães terem chamado Nickel, por sua causa, ao pequeno gênio das minas. O pilar ostenta uma inscrição que diz: IE FUS ICI L’AN ISZ, alusão a ÍSIS? É na capela de Saint-Clair que se encontra a estátua adjacente. Notemos, de passagem, outras inscrições ligadas a esse esqueleto, nomeadamente a seguinte:
“FA Y MAINTENANT CE QUE VOULDRA SAVOIR FAIT QUAND TU TE MOURRAS. («Faz agora o que quererás ter feito quando morreres»)”
Eis algo que nos lembra muito a máxima tão cara aos iniciados do Templo de Bacbuc, em Rabelais: Faz aquilo que quiseres. E não se trata de um acaso. Observemos também o curioso pilar «torcido» dos Delfins. Lembra-nos um outro pilar torcido muito interessante ligado também ao nome de Saint-Clair, pelo menos em termos fonéticos. Encontramo-lo na Escócia, com o nome de «pilar do Aprendiz», na Rosslyn Chapel, edifício muito interessante no plano simbólico do ocultismo, místico e esotérico.
Conta-se que um mestre-pedreiro não quis terminar esse pilar sem ter ido a Roma para observar uma obra do mesmo tipo, e para não negligenciar um trabalho tão delicado. No entanto, quando regressou, encontrou o seu pilar terminado. Um aprendiz concluíra-o e de uma forma tão perfeita que o mestre-pedreiro ficou louco de ciúme. Matou o aprendiz e é a… cabeça deste último que veríamos esculpida por cima da porta ocidental da capela, ostentando uma ferida na têmpora direita. Em frente, uma… cabeça com barba, a do mestre que o matou.
O tema dominante da decoração desta capela na Escócia é o «Homem Verde», uma… cabeça humana com folhas de videira que saem da boca e das orelhas; cabeça cortada que garante a fertilidade da terra e o crescimento dos vegetais, tal como o baphomet. Não alongaremos mais em relação a Rosslyn Chapel, remetendo o leitor, para mais pormenores, para a obra de Michael Baigent e Richard Leigh. (Michael Baigent, Richard Leigh, Des Templiers aux franc-maçons, la transmission du mystère, Éditions du Rocher). Todavia, isso pouco nos afastaria de Gisors, dado que Rosslyn Chapel foi construída por uma família que já encontramos, a propósito da pista escocesa.
Uma família de fiéis de Robert Bruce, rei da Escócia ligada à filiação do Templo, bem como à expansão da maçonaria jacobina: os Saint-Clair ou, como atualmente são chamados, os Sinclair; essa família da qual um membro, Sir Henry Sinclair, se lançou, em 1395, mais de um século antes de Colombo, à conquista das Américas, tendo como destino o México (n. T.:de onde a Ordem dos Cavaleiros Templários extraiu PRATA em abundância, usando sua frota naval baseada no porto de La Rochelle, que inundou a Europa, pois foi usada na construção das grandes catedrais da França).
Nunca ninguém soube se lá chegou. A propósito, a quem é dedicada a capela da estátua jacente de Gisors? A Saint-Clair, evidentemente. Não vamos mais longe neste campo e deixamos a cada um o trabalho de descobrir todas as outras maravilhas que se escondem na igreja de Gisors. Antes de terminarmos, voltemos, durante breves instantes, a fazer uma visita ao nosso prisioneiro na sua torre, a fim de lhe agradecermos ter-nos conduzido a esta igreja sob a qual se encontra, sem dúvida, a capela de Santa Catarina.
Um prisioneiro demasiado cortês para não ser um Iniciado
Vimos, perto da estátua jacente, o “Faz aquilo que quiseres”, caro a Rabelais. Ora, ao longo de toda a sua obra, este deixou uma mensagem oculta ligada a uma sociedade secreta da época: a Agla. Foi esta organização que já encontramos a respeito dos irmãos Van Eyck e da sobrevivência da Ordem do Templo no seio da Ordem de Santo Antão de Barbefosse. Depois, a Agla transformou-se na Sociedade Angélica, cara a Júlio Verne e muitos outros escritores e artistas. Os seus membros adquiriram o hábito de deixar, nas suas obras, verdadeiras mensagens cifradas, servindo-se dos métodos utilizados em O Sonho de Polífilo, atribuído a Francesco Colonna.
É importante saber que essa obra esteve na base do simbolismo utilizado numa boa parte dos modelos de arquitetura do Renascimento e, nomeadamente, na arte dos jardins. Aqui, não podemos alongar-nos mais sobre o papel da Sociedade Angélica que estudamos profundamente noutra obra. Contentemo-nos, pois, com recorrer a Grasset d’Orcet, cujos estranhos artigos aparecidos na Revue Britannique, no final do século XIX, estão cheios de ensinamentos. Ele lembra: Os adeptos de uma loja semelhante à Sociedade Angélica a que pertencia Rabelais, com a diferença de que era composta por nobres, e mais provavelmente por cavaleiros e clérigos da Ordem de São João de Jerusalém, herdeiros da Ordem do Templo. Liga também os Templários aos adeptos da arte gótica, arte cifrada que preferia grafar Gál-tica, isto é, ligada a esses Goliardos que tinham uma especial veneração pelo galo (gault).
Em O Sonho de Polífilo, o herói está apaixonado por Polia, que personifica a sabedoria e o conhecimento (a Gnosis, a Sophia), e é submetido a muitas provas para se juntar a ela. Nessa obra, Grasset d’Orcet decifra uma passagem segundo a qual o autor teria querido afirmar que era templário. Para ele, Polia não é uma mulher, é uma «polé», e Polífilo é outra. «As duas fazem um par, e o par, unido por uma cadeia ou malha, forma um cadernal ou uma talha que serve para elevar os fardos para bordo dos navios, as pedras para um andaime ou, mais simplesmente, o balde de um poço», que liga a Salomão. Grasset d’Orcet explicita um pouco estes termos sibilinos. Para ele, a talha composta por um par (uma «polé fixa» e uma «polé livre», foi escolhida no Renascimento para lembrar os Templários que apareciam sempre aos pares no seu selo. Não entremos nos pormenores muito difíceis das interpretações de Grasset d’Orcet, porque isso não nos levaria muito longe, mas retenhamos que, para ele, a arte cifrada no meio de O Sonho de Polífilo, no Renascimento, estava diretamente ligada à mensagem dos Templários.
Ora, aquele que for visitar a igreja de Saint-Gervais-Saint-Protais com O Sonho de Polífilo na mão, terá bastantes surpresas. Irá encontrar os mesmos bucrânios (o crânio de um boi descarnado e usado como decoração), os mesmos motivos decorativos, os mesmos símbolos. Interroguemos um pouco mais Grasset d’Orcet e não nos deixemos deter por aquilo que poderia parecer a utilização abusiva dos jogos de palavras. Saibamos que se limita a utilizar o método caro à Sociedade Angélica, cujos membros cifravam assim os seus escritos. Swift codificou, em cerca de sessenta regras, este tipo de cifra conhecida também pelo nome de língua púnica. Grasset d’Orcet lembra os Templários:
“Adoravam o sol em ascensão [montant] (sol, monte), donde o Salomão da antiga franco-maçonaria, cuja origem não é bíblica, mas gaulesa, porque era o antigo deus Belenos ou Pol, em grego Apolo, representado por um frango [poulain]: deixou o seu nome à proa dos navios, ou poulaine, que os gregos modernos continuam a ornamentar com uma cabeça de frango. Como o radical do seu nome quer dizer redondo, é provável que seja dele que provém o nome da polé, da talha [palan], do par-talha [pair-palan] e todo o resto da lenda da polé fina presa à polé livre.”
Uma vez mais, os escritos de Grasset d’Orcet não devem ser tomados à letra. No entanto, também não são para ser desdenhados. O que nos diz aqui, é que as sociedades que recolheram a herança dos Templários, se reconhecem, no Renascimento, através das mensagens de O Sonho de Polífilo e que os seus adeptos se reconhecem pela denominação de «frango» (poulain). Em Gisors, foram retirados tantos elementos de O Sonho de Polífilo para decorar a igreja que não podemos ficar verdadeiramente espantados ao lembrarmo-nos da inscrição deixada pelo prisioneiro: O MATER DEI MEMENTO MEI – POULAIN.
Poulain ou, dito de outro modo, a assinatura do iniciado que, por outro lado, nos põe na pista da igreja, etc. E no andar por cima do da cela do prisioneiro está gravado um barco, uma nave, cuja proa, a «poulaine», é fortemente marcada. Podemos perguntar-nos se o artista da cela foi mesmo um prisioneiro, ou se se trata de um trabalho realizado de forma deliberada para deixar uma mensagem cifrada. Talvez esta última seja um meio de encontrarmos a via para sairmos da nossa prisão interior. De qualquer modo, as esculturas da Torre do Prisioneiro, em Gisors, transcendem, de longe, o simples testemunho da nostalgia de um homem, como gostariam de nos fazer acreditar.
São o sinal de uma pista suplementar sobre os vínculos ocultos que ligam as sociedades iniciáticas modernas à Ordem do Templo. Talvez seja esse o verdadeiro tesouro de Gisors que os investigadores, cegos pelo engodo do ganho, pelo ouro e pela prata, se esqueceram de ver. Que cada um tire as suas conclusões, no local e na região onde encontramos, ao mesmo tempo, a sul de Gisors, um local chamado Saint-Gervais associado a um vale Catherine e, a norte, um Parc-à-Poulain. Gisors é um dos elos da sobrevivência da Ordem dos Cavaleiros Templários, da propagação da sua mensagem? Alguns investigadores pensam até que, nesse local, se teria realizado uma cisão no Templo.
A partir de 1188, a parte iniciática (esotérica) teria abandonado a Ordem, o que explicaria muitas coisas. A separação teria sido feita no campo de l’Ormeteau ferrado, muito perto da atual estação de trens de Gisors. Os iniciados do Templo, daí em diante separados da Ordem, teriam tomado o nome de Ordem de Sião. Mas isso seria uma outra história na qual seria muito difícil separar a verdade dos truques. De qualquer modo, é sem dúvida em Gisors que devemos lançar-nos na pista dos descendentes do Templo.
F I M