Em 22 de junho, os Estados Unidos, agindo em apoio ao seu aliado mais próximo, Israel, lançaram ataques aéreos contra instalações nucleares no Irã. As consequências totais da operação – para o programa nuclear iraniano e para o equilíbrio de poder no Oriente Médio – permanecem incertas. Mas em Moscou, as reações foram rápidas.
Fonte: Rússia Today
Políticos russos e especialistas em política externa começaram a tirar conclusões, oferecendo previsões antecipadas e interpretações estratégicas sobre o que pode acontecer a seguir.
Neste relatório especial, a RT apresenta a visão da Rússia: uma coleção de perspectivas nítidas e muitas vezes contrastantes de analistas e autoridades sobre o que o mais recente engajamento militar de Washington significa para a região – e para o mundo.
Fyodor Lukyanov, editor-chefe da Rússia em Assuntos Globais:
A armadilha que aguarda Trump é simples, mas altamente eficaz. Se o Irã responder visando ativos americanos, os EUA serão arrastados para um confronto militar ainda mais profundo, quase por omissão. Se, por outro lado, Teerã se conter ou oferecer apenas uma resposta simbólica, a liderança israelense – apoiada por seus aliados neoconservadores em Washington – aproveitará o momento para pressionar a Casa Branca: agora é a hora de acabar com um regime enfraquecido e forçar uma substituição conveniente. Até que isso aconteça, eles argumentarão que o trabalho não está concluído. Se Trump está disposto – ou mesmo capaz – de resistir a essa pressão permanece incerto.
O mais provável é que o Irã evite atingir alvos americanos diretamente, em um esforço para evitar uma escalada sem retorno com as forças americanas. Em vez disso, provavelmente intensificará seus ataques contra Israel. Netanyahu, por sua vez, redobrará seus esforços para convencer Washington de que a mudança de regime em Teerã é o único caminho viável a seguir – algo a que Trump, pelo menos por enquanto, permanece instintivamente oposto. Ainda assim, o ímpeto do envolvimento militar tem uma lógica própria e raramente é fácil resistir.
Tigran Meloyan, analista do Centro de Pesquisa Estratégica da Escola Superior de Economia:
Se o Irã não fizer nada, corre o risco de parecer fraco – tanto interna quanto externamente. Isso torna uma resposta cuidadosamente calibrada do Irã quase inevitável: uma resposta projetada não para intensificar o conflito, mas para preservar a legitimidade interna e projetar determinação. É improvável que Teerã vá muito além disso. Enquanto isso, ao continuar a reforçar sua presença militar, Washington envia uma mensagem dissuasiva clara – sinalizando prontidão e determinação caso Teerã calcule mal.
Outra opção para o Irã poderia ser uma medida simbólica dramática: retirar-se do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Tal medida seria a maneira de Teerã declarar que Trump, ao atacar a infraestrutura nuclear, efetivamente desmantelou o regime global de não proliferação. O TNP deveria garantir a segurança do Irã; em vez disso, resultou no oposto. Ainda assim, se o Irã seguir esse caminho, corre o risco de prejudicar os laços com Moscou e Pequim – nenhum dos quais quer ver um desafio à ordem nuclear existente.
Uma grande questão agora é se o Irã sequer considerará retomar as negociações com Washington após este ataque. Por que negociar quando as promessas americanas não significam mais nada? Teerã precisa urgentemente de um mediador que possa impedir Trump de uma nova escalada – e, neste momento, o único candidato confiável é Moscou. O ministro das Relações Exteriores do Irã, [Abbas] Araghchi, deve se reunir com o presidente Putin em 23 de junho. É difícil imaginar que uma potencial retirada do TNP não esteja em pauta. Se no passado uma bomba iraniana era considerada uma ameaça existencial para Israel, o cálculo agora se inverteu: para o Irã, a capacidade nuclear está rapidamente se tornando uma questão de sobrevivência.
ALERTA: Abbas Araghchi, Ministro das Relações Exteriores do Irã, desembarcou em Moscou para conversas de alto nível com o presidente russo Vladimir Putin e outras autoridades seniores, com foco nos últimos acontecimentos regionais e internacionais em meio à escalada das tensões militares dos EUA e de Israel com o Irã, relata a Agência de Notícias Tasnim.
ALERT:
— The Khorasan Diary (@khorasandiary) June 22, 2025
Abbas Araghchi, Iran's Foreign Minister, has landed in Moscow for high-level talks with Russian President Vladimir Putin and other senior officials, focusing on the latest regional and international developments amid escalating US and Israeli military tensions with Iran,… pic.twitter.com/Gxdpqddciq
Konstantin Kosachev, vice-presidente do Conselho da Federação:
Vamos dizer o óbvio: Iraque, Líbia – e agora o Irã – foram bombardeados porque não conseguiram revidar. Ou não possuíam armas de destruição em massa ou ainda não as haviam desenvolvido. Em alguns casos, nem sequer tiveram a intenção de desenvolvê-las. Enquanto isso, o Ocidente não toca nos quatro países que permanecem fora do Tratado de Não Proliferação Nuclear: Índia, Paquistão, Coreia do Norte e Israel. Por quê? Porque, ao contrário do Iraque, Líbia e Irã, esses Estados de fato possuem armas nucleares.
A mensagem para as chamadas nações “limiares” não poderia ser mais clara: se não querem ser bombardeados pelo Ocidente, armem-se. Construam a dissuasão. Vá até o fim – até o ponto de desenvolver armas de destruição em massa. Essa é a conclusão sombria que muitos países tirarão. É uma lição perigosa, que vai contra a segurança global e a própria ideia de uma ordem internacional “baseada em regras”.
No entanto, é o Ocidente que continua impulsionando essa lógica. O Iraque foi invadido por causa de um frasco de pólvora. A Líbia desistiu de seu programa nuclear e foi dilacerada. O Irã aderiu ao TNP, colaborou com a AIEA e não atacou Israel – ao contrário de Israel, que apenas atacou o Irã, mantendo-se fora do TNP e recusando-se a cooperar com os órgãos de fiscalização nuclear. Isso é mais do que hipocrisia; é um fracasso catastrófico da política americana.
O governo Trump cometeu um erro colossal. A busca pelo Prêmio Nobel da Paz assumiu proporções grotescas e perigosas.
Alexander Dugin, filósofo político e analista geopolítico
Alguns ainda se apegam à ilusão de que a Terceira Guerra Mundial pode, de alguma forma, passar despercebida. Não vai. Já estamos no meio dela. Os EUA realizaram um bombardeio contra o Irã – nosso aliado. Nada os impediu. E se nada os impediu de bombardear o Irã, então nada os impedirá de nos atacar em seguida. Em algum momento, eles podem decidir que a Rússia, assim como o Irã, não deve ter permissão para possuir armas nucleares – ou encontrar algum outro pretexto para atacar. Não se enganem: estamos em guerra.
Os EUA podem atacar, independentemente de avançarmos ou recuarmos. Não se trata de estratégia, mas de vontade. A Ucrânia pode não ser Israel aos olhos do Ocidente, mas desempenha um papel semelhante [e é conduzida por judeus khazares]. Israel nem sempre existiu; foi criado e rapidamente se tornou um representante do Ocidente coletivo – embora alguns israelenses argumentem o contrário, que o Ocidente é apenas um representante [marionete] de Israel. A Ucrânia seguiu a mesma trajetória. Não é de se admirar que Zelensky não esteja pedindo apoio ocidental – ele o está exigindo, incluindo armas nucleares. O modelo é claro. E assim como Israel bombardeia Gaza impunemente, Kiev bombardeou Donbass por anos – embora com menos recursos e menos contenção por parte de Moscou.
Nossos apelos à ONU e nossos apelos por paz perderam o sentido. Se o Irã cair, a Rússia será a próxima. Trump, mais uma vez, está firmemente sob o domínio dos neoconservadores – assim como esteve durante seu primeiro mandato. O projeto MAGA acabou. Não existe uma “Grande América”, apenas um globalismo padrão em seu lugar.
Trump acha que pode atacar uma vez – como fez com Soleimani – e depois voltar atrás. Mas não há como voltar atrás. Ele desencadeou uma guerra mundial que não pode controlar, muito menos vencer.
Agora, tudo depende do Irã. Se ele se mantiver firme e continuar lutando, ainda poderá prevalecer. O Estreito de Ormuz será fechado. Os houthis bloquearam o tráfego no Mar Vermelho. À medida que novos atores entram na briga, a situação evoluirá rapidamente. A China tentará ficar de fora – por enquanto. Até que o primeiro golpe também os atinja.
Mas se o Irã se render, não se perderá apenas – exporá o resto de nós. Isso inclui a Rússia, agora diante de uma escolha existencial. A questão não é se devemos lutar. A Rússia já está lutando. A questão é como. Os velhos métodos estão esgotados. Isso significa que teremos que encontrar uma nova maneira de lutar – e rápido.
Dmitry Novikov, professor associado da Escola Superior de Economia
A julgar pelas declarações de Hegseth e do General ‘Cain‘ na coletiva de imprensa, os EUA parecem estar sinalizando o fim de seu envolvimento direto – pelo menos por enquanto. Oficialmente, o programa nuclear do Irã foi “eliminado”. Se isso é realmente verdade, isso não vem ao caso. Mesmo que Teerã consiga construir uma bomba daqui a seis meses, a narrativa está definida: a operação teve como alvo apenas a infraestrutura nuclear, sem ataques a forças militares ou civis. Uma missão precisa, limpa e – segundo Washington – decisivamente bem-sucedida. O trabalho está feito, a cortina se fecha.
Isso não significa que Washington esteja se afastando. Os EUA continuarão a apoiar Israel e mantêm a capacidade de intensificar a tensão, se necessário. Mas, por enquanto, o clima parece ser de um encerramento autocongratulatório.
Claro, se eles realmente quisessem ir com tudo, poderiam ter usado uma arma nuclear tática.
Isso teria oferecido uma “prova” inegável da existência de uma bomba iraniana: se ela explodir, deve ter existido. E, em segundo lugar, teria permitido ao governo alegar ter destruído armas nucleares em solo iraniano. Ambas as afirmações teriam sido tecnicamente precisas – ainda que estrategicamente absurdas.
Nada disso seria factualmente falso. Apenas moral e politicamente radioativo.
Sergey Markov, analista político
Por que os EUA decidiram atacar o Irã agora, após anos de contenção? A resposta é simples: medo [e servilismo à Israel]. Durante décadas, Washington se conteve, temendo que qualquer ataque desencadeasse uma onda de ataques terroristas retaliatórios – possivelmente centenas – realizados por células adormecidas ligadas ao Irã e seus aliados, como o Hezbollah. A suposição predominante era de que o Irã havia discretamente preparado redes dentro dos EUA e em Israel, prontas para desencadear o caos em resposta.
Mas a guerra de Israel no Líbano dissipou esse mito. As temidas células adormecidas nunca se materializaram. Assim que isso ficou claro, tanto Israel quanto os EUA perceberam que poderiam atacar o Irã com risco mínimo de repercussão.
E assim, ironicamente, a contenção do Irã – sua suposta “passividade” – abriu caminho para a guerra. Há uma lição nisso para a Rússia: quando o Ocidente sente tanto a disposição de negociar quanto a recusa em se submeter, responde não com diplomacia, mas com força. Essa é a verdadeira face do imperialismo ocidental.
Vladimir Batyuk, pesquisador chefe do Instituto de Estudos dos EUA e do Canadá, Academia Russa de Ciências
Trump cruzou a linha vermelha. Agora enfrentamos a possibilidade real de um grande confronto militar. O Irã poderia retaliar atacando instalações militares americanas em todo o Oriente Médio, levando Washington a responder na mesma moeda. Isso marcaria o início de um conflito armado prolongado – um conflito que os EUA podem ter cada vez mais dificuldade em conter.
O que estamos testemunhando parece muito com uma vitória do chamado “Estado Profundo”. Muitos esperavam que Trump se contivesse para não morder a isca. Mas ele se deixou levar por uma aposta de alto risco cujas consequências são impossíveis de prever.
E, politicamente, isso pode sair pela culatra. Se o impasse com o Irã fizer os preços do petróleo dispararem, as consequências podem ser severas. Nos Estados Unidos, os preços da gasolina são sacrossantos. Qualquer governo que permita que eles saiam do controle enfrentará sérias repercussões domésticas. Para Trump, isso pode se transformar em uma séria vulnerabilidade.