Uma única linha em uma conta financeira real nos leva à fascinante história do Whisky escocês. Em 1º de junho de 1495, um secretário do rei escreveu o seguinte: “Ao Frei John Cor, por ordem do Rei, para fazer “aqua vitae”, VIII barris de malte”. Esta é a menção documentada mais antiga que temos da fabricação de bebidas destiladas [Whisky] na Escócia — oito barris de malte para fazer aqua vitae, “a água da vida” (“usquebaugh” em gaélico).
Fonte: De autoria de Gerry Bowler via The Epoch Times
O uso de bebidas alcoólicas é tão antigo quanto a própria civilização; os humanos bebem cerveja e vinho há milhares de anos. Essas bebidas eram mais seguras do que a água potável local e forneciam nutrientes valiosos para homens, mulheres e crianças diariamente. O inglês médio da Idade Média bebia de 950 a 1.200 litros de cerveja por ano.
No entanto, o aproveitamento dos poderes da destilação para aumentar o teor alcoólico e purificar o licor é muito mais recente. Parece ter se desenvolvido, talvez surpreendentemente, em mosteiros medievais, onde monges, químicos e ”médicos” da época, utilizavam seus conhecimentos sobre ervas, fermentação e alquimia para produzir medicamentos úteis. Frei John Cor parece ter pertencido à Ordem Dominicana. No século XV, esses monges dominavam um processo complexo de várias etapas para produzir Whisky escocês.
Primeiro, a cevada — um grão resistente que pode ser cultivado em climas nórdicos — é maltada, isto é, embebida em água, germinada e, em seguida, seca. Então o grão germinado é triturado em água e é adicionada levedura, que fermenta os açúcares e os transforma em etanol [álcool].
Em seguida, o líquido é despejado em um alambique onde é aquecido. O álcool evapora antes da água, e esse vapor sobe e se condensa novamente em um líquido. Ele passa por uma segunda destilação que separa o “coração” (álcool limpo e desejável) dos elementos menos desejáveis.

Cada destilação aumenta a porcentagem de álcool a um nível muito alto. O líquido é então diluído, despejado em barris de carvalho e deixado para envelhecer por vários anos, adquirindo o sabor e cor da madeira de que o barril é feito, mudando de cor e se tornando uma bebida mais complexa e refinada.
A Reforma Protestante na Escócia e na Inglaterra destruiu o sistema monástico, deixando a inovação e a produção de álcool nas mãos de particulares. Centenas de alambiques foram instalados, atendendo ao crescente gosto público pelo Whisky escocês.
Mas uma complicação surgiu quando, primeiro, o governo escocês e, depois (após a União de 1707, que uniu os escoceses e os ingleses) o britânico tentaram tributar a produção de Whisky. Isso criou uma demanda constante pelo produto em destilarias ilegais, sem licença (e, portanto, mais baratas pois não pagavam impostos), que operavam relativamente livres de assédio oficial, escondidas em vales e protegidas pela neblina, pelo isolamento e pela tolerância dos moradores das Highlands [Terras Altas].
O comércio legal, no entanto, emergiu triunfante no século XIX, após as trágicas Highland Clearances, quando os proprietários de terras começaram a despejar seus arrendatários para dar lugar à criação de ovelhas, mais lucrativa.

Juntamente com a regulamentação governamental mais fácil do comércio, novas técnicas que produziam um Whisky mais suave e doenças desastrosas nas videiras no continente europeu, que reduziram a disponibilidade de vinhos, surgiu uma classe de destilarias escocesas prósperas, muitas das quais ainda existem hoje. No final do século XIX, o Whisky rivalizava com o conhaque como a bebida preferida das classes mais abastadas em todo o mundo.
No século XXI, o Whisky escocês é um produto cuidadosamente definido que garante altos padrões e o distingue de imitações e concorrentes estrangeiros. Os métodos de produção, os ingredientes, o teor alcoólico (pelo menos 80 proof) e o envelhecimento (pelo menos três anos) em barris de carvalho são rigorosamente controlados, e consumidores conscientes podem identificar pelo rótulo exatamente o que estão comprando.
[A invenção do barril de madeira de carvalho foi obra dos gauleses, povo celta que habitava o território da atual França. (…) A madeira adotada por eles foi o carvalho, árvore do gênero Quercus, que em celta signica quer + kuez «árvore nobre». Tinha a seu favor o fato de ser bem dura, resistente, durável, maleável e impermeável, apresentando incontáveis vantagens em relação à frágil ânfora de cerâmica, até então empregada na fabricação de recipientes para bebidas e azeites]
O Whisky escocês single malt é feito com 100% de cevada maltada em alambiques tradicionais em uma única destilaria. Esta é a variedade mais cara e prestigiosa, algumas chegando a custar milhares de dólares a garrafa. O uísque escocês single grain é feito em uma única destilaria, mas contém cevada e outros grãos.
O Whisky escocês blended é uma mistura de maltes e outros grãos feita a partir de produtos de diferentes destilarias. Este é o tipo mais comumente encontrado. O Whisky escocês blended malt consiste em maltes de diferentes destilarias (atraente para aqueles que desejam a experiência maltada, mas não querem pagar preços altos), enquanto o Whisky escocês blended grain é uma mistura de grãos de diferentes destilarias.

Os apreciadores de Whisky têm sua própria terminologia e podem rivalizar com os esnobes do vinho em sua suposta capacidade de distinguir variações regionais e descrever sabores. Prepare-se para ouvir falar de “defumado”, “turfado”, “salgado” ou “complexo” e ouvir argumentos sobre as virtudes do Whisky escocês de Islay, das Ilhas ou das Terras Altas.
O que é o Whisky “turfado” ?
A turfa é uma substância orgânica formada pela decomposição de plantas em ambientes úmidos e com baixo nível de oxigênio, como pântanos. Essa substância é seca e utilizada como combustível em diversas partes do mundo, incluindo na produção de Whisky em destilarias [apenas] escocesas.
Na Escócia, a turfa tem um papel especial na produção de Whisky, especialmente nas regiões de Islay e das Ilhas. Lá, a turfa é usada para secar a cevada maltada, um ingrediente-chave na produção do Whisky. Esse processo de secagem infunde no grão um sabor defumado e terroso da turfa, que mais tarde será destilado e o sabor chegará à bebida final.
O uso da turfa é o que dá aos whiskies daquela região o seu caráter complexo, com notas que variam de defumadas a iodadas, passando por sabores que lembram algas marinhas. Os Whiskies como Laphroaig e Ardbeg são famosos pelo seu perfil turfado, amados por uns e, é preciso admitir, não tão apreciados por outros.
Slàinte Mhath! {Boa saúde, em gaélico das Highlands]
2 respostas
Parabéns pela sua postagem. Que riqueza de detalhes e conhecimentos que se arrastaram pelos anos, curtidos pela história individual de cada povo.